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Ajuste do modelo original de Kaplan e Norton ao caso da Administração Pública

2. INSTRUMENTOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA GESTÃO E

2.4. O Balanced Scorecard

2.4.3. Ajuste do modelo original de Kaplan e Norton ao caso da Administração Pública

Administração Pública

O BSC inicialmente desenvolvido para uso em organizações que geram valores

financeiros (setor privado) pode ainda, devido às suas características e segundo Norton e

Kaplan (1997), ser aplicado em outros setores como o público ou organizações sem fins

lucrativos e não governamentais. Para além da vertente financeira que representa os ativos

tangíveis, as demais (organizações não privadas) encontram-se direcionadas para os ativos

intangíveis (pessoas, informação e o conhecimento) que se afiguram como os maiores bens

para estas organizações (Ellingson e Wambsganss, 2001 e Niven, 2003).

No desenvolvimento deste modelo para o setor público é necessário ter em conta a

influência e o poder dos diferentes agentes económicos, com destaque para o Estado e os seus

profissionais e ainda os utilizadores do serviço público. Como tal, este setor encontra-se

sujeito a mudanças políticas, a partir das quais frequentemente advêm alterações de liderança

e, por vezes, modificações na política de gestão, que resultam na necessidade de haver uma

revisão e reposicionamento de estratégia. Para além disto, o setor público está dependente de

um orçamento, a partir do qual são conduzidas todas as suas atividades e necessidades para

prestar serviços que criam impacte na sociedade. A entrega do serviço e seu custo, é o

estritamente necessário para respeitar e corresponder às expetativas do cliente.

Diferentes objetos de aplicação apresentam prioridades e conceitos distintos quanto à

missão, visão, valores, clientes/”partes interessadas”, fornecedores, liderança, estratégia e

objetivos, entre outros aspetos.

A primeira forma de adaptação recai simplesmente numa alteração da ordem de

importância alocada às perspetivas do modelo original, inerente ao tipo de organização (Ho e

Chan, 2000; Kaplan e Norton, 2001b; Johnsen, 2001; Andersen e Lawrie, 2002; Zelman et al.,

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Wisniewski e Olafsson, 2004). No setor público, uma vez que as organizações estão

orientadas para a satisfação do cliente e cumprimento da missão deixa de fazer sentido dar

uma importância maior à perspetiva financeira. Neste caso é dado um maior ênfase à

perspetiva do cliente, servindo apenas a perspetiva financeira como catalisador de todo o

desencadear de ações (Chan, 2004 e Wisniewski e Olafsson, 2004). O desempenho financeiro,

no setor público, não é um objetivo em si mesmo mas sim um meio através do qual se

concretizam os fins, como a satisfação dos clientes e da comunidade em geral através da

produção de bens e serviços (Wisniewski e Dickson, 2001) (Figura 2.27).

Figura 2.27: Estrutura das perspetivas do BSC adaptado ao setor público: Tradução da estratégia e visão e relação causa-efeito.

(Fonte: adaptado de Kaplan e Norton, 1996a)

Assim, a principal alteração está relacionada com a posição cimeira ocupada pela missão

organizacional, estando todas as perspetivas de desempenho interligadas de modo a

concretizá-la. A missão passa a estar no topo da estrutura, significando que, em primeiro

lugar, é necessário perceber a razão da existência da organização e quem é que serve. Por “ Quem definimos como cliente?

Como criamos valor para o nosso cliente?”

Estratégia

Objetivos Indicadores Metas Iniciativas

Perspetiva Processos Internos “ Para satisfazer os clientes cumprindo limites orçamentais em

que processos teremos de ser excelentes?”

Perspetiva Aprendizagem e Crescimento “ Como nos capacitamos para a mudança e crescimento satisfazendo

as exigências que nos são colocadas?” Perspetiva Financeira

“ Como acrescentamos valor para os clientes e stakeholders, controlando

os custos?”

Objetivos Indicadores Metas Iniciativas Objetivos Indicadores Metas Iniciativas

Objetivos Indicadores Metas Iniciativas

Missão

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outro lado, há uma maior importância atribuída à perspetiva dos clientes, em detrimento da

perspectiva financeira. Ao alinhar a perspetiva dos clientes com a estratégia está-se a dar voz

às suas expectativas e à introdução das suas necessidades na definição dos serviços públicos a

prestar. Deste modo, a posição da perspetiva financeira no modelo original é ocupada pela

perspetiva dos clientes devido à missão destas organizações. Apesar da perspetiva financeira

mudar de posição, não perde relevância, uma vez que a missão das organizações é diferente,

há a necessidade de ajustar o modelo para que este se adeque a este tipo de organizações.

A perspetiva financeira continua a existir no BSC, pois tal como Niven (2003) defende,

não é possível operar com sucesso sem recursos financeiros. As medidas financeiras vão

determinar o sucesso ou as limitações da atividade pública e, consequentemente, a

concretização da sua missão, razão pela qual continua a existir.

No setor público esta perspetiva foca essencialmente os custos com a atividade pública e

a forma como lidar com recursos escassos, e não a obtenção do lucro como no setor privado.

A perspetiva dos processos internos também faz parte do modelo do BSC para o setor

público, sendo fundamental identificar os processos internos críticos para criar valor para os

clientes. Os processos escolhidos devem estar diretamente relacionados com os objetivos e

medidas escolhidas para a perspetiva do cliente, de forma a melhorar os seus outcomes. Por

exemplo, o tempo médio de resposta a um pedido de um cliente, passa necessariamente, por

uma melhoria nos processos internos e na sua gestão. De acordo com Kaplan e Norton, 1996a

e Pedro (2004), não é possível alinhar uma organização em direção a um objetivo estratégico

se não se alinhar os processos nesse sentido. Qualquer sintoma de disfunção é percebido no

interior da organização e pelos próprios clientes que tendem a desacreditar da eficiência da

Administração Pública. Esta situação requer um alinhamento estratégico de todos os

processos internos com a estratégia organizacional (Chan, 2004, Wisniewski e Olafsson, 2004

e Pedro, 2004). Só deste modo será possível reduzir os custos sem diminuir a satisfação dos

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Por último, a perspetiva da aprendizagem e do crescimento também integra o modelo do

BSC adaptado ao setor público, pois também estas organizações necessitam de ter pessoas

devidamente qualificadas, capazes, dedicadas e orientadas para o alcance da missão

organizacional. Os trabalhadores e as infraestruturas organizacionais representam a base do

BSC, pois a melhoria dos processos internos, a posição financeira e a satisfação das

necessidades dos clientes vai depender, em grande parte, das capacidades dos trabalhadores e

dos instrumentos que estão à sua disposição. Esta perspetiva é, por vezes, ignorada pondo em

causa o sucesso na implementação do BSC. Segundo Niven (2003), trabalhadores motivados,

com adequadas aptidões e ferramentas, operando num clima organizacional sustentável com

limitações financeiras, são os ingredientes chave para melhorar os processos e satisfazer os

clientes. As diferenças na ordenação das perspetivas, entre o setor público e o setor privado

poderão ser conforme as apresentadas no Quadro 2.10.

Quadro 2.10. Ordenação das perspetivas de desempenho no setor público e privado. (Fonte: adaptado de Wisniewski e Olafsson, 2004)

Sector Privado Sector Público

Perspetiva Financeira Perspetiva dos Clientes

Perspetiva dos Clientes Perspetiva dos Processos Internos

Perspetiva dos Processos Internos Perspetiva de Aprendizagem e Crescimento

Perspetiva de Aprendizagem e Crescimento Perspetiva Financeira

A informação sobre o cliente e a sua satisfação é mais relevante para o setor público dado

que este, na maioria das vezes, não tem opção de escolha perante um regime de monopólio.

Assim, esta perspetiva aparece no topo da estrutura do BSC. A aprendizagem e crescimento,

bem como o sucesso dos processos internos, são meios essenciais para o alcance dos

objetivos, em qualquer um dos setores (Niven, 2003; Wisniewski e Olafsson, 2004 e Salas e

López, 2005). É ainda de referir que outra possível adaptação se centra ao nível de

nomenclatura das perspetivas originais. As perspetivas mantêm um conteúdo semelhante ao

das perspetivas originais, no entanto, apresentam uma denominação diferente tendo em conta

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Para além da adaptação das perspetivas originais e da sua nomenclatura, é ainda de

salientar a possibilidade de construir novas perspetivas. Apesar de Kaplan e Norton (1996b)

referirem que as quatro perspetivas originais são as necessárias e suficientes, a incorporação

de mais perspetivas, poderá proporcionar uma melhor adequação às especificidades da

organização. De facto, as perspetivas mais utilizadas e comuns são as apresentadas no modelo

original de Kaplan e Norton mas, de acordo Terricabras Fernandez (2002), não constituem

condição necessária para que o modelo funcione. Desde que não haja negligência da

importância das relações causa-efeito, podem haver mais do que quatro perspetivas, não

sendo no entanto comum, o modelo apresentar mais de seis, pois podem afetar todo o

processo de gestão, desde a sua complexidade de avaliação até ao custo (Paranjape et al.

(2006) e Marr e Neely (2003)). O Quadro 2.11 apresenta uma análise comparativa da

estrutura das perspetivas do BSC para diferentes serviços públicos onde se verificam as três

adaptações do modelo original: nomenclatura, hierarquia e número de perspetivas.

Quadro 2.11. Estrutura do BSC no sector público: análise comparativa.

Tipo de Serviço Público Perspetivas Fonte

Setor público geral

Clientes Financeira Processos internos Aprendizagem e crescimento Niven (2003) Polícia (Suécia) Recursos Cidadão Sucesso Trabalhadores Wisniewski e Dickson (2001) Polícia – Escócia Clientes/cidadãos Desempenho operacional Melhoria contínua (Aprendizagem) Desempenho financeiro

Wisniewski e Dickson (2001)

Governo Local (Escócia)

Impactes na sociedade Gestão dos serviços (processos) Gestão de recursos (pessoas, etc.) Melhoria dos serviços

Chan (2004)

Municípios (EUA e Canadá) e

Hospitais (Canadá)

Financeira Eficiência operacional Satisfação dos clientes Desempenho dos trabalhadores Inovação e mudança

Carmona e Gronlund (2003); Ho e Chan (2000)

Transportes (EUA)

Satisfação e relação com os clientes Melhores práticas de negócio Aprendizagem e crescimento Oferta de programas e serviços

Lang (2004) Unidades de Saúde Clientes Processos internos Aprendizagem e crescimento Custos Radnor e Lovell (2003)

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