2. INSTRUMENTOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA GESTÃO E
2.2. Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos: uma perspetiva global
2.2.5. Evolução das Políticas e Diretrizes sobre a Gestão de RU
2.2.5.2. Portugal
A gestão dos resíduos em Portugal deve ter em conta os modelos organizativos existentes
e os documentos legais e estratégicos. O quadro de legislação comunitária constitui a matriz
de referência da gestão de resíduos a nível europeu sendo complementado pelas ações
desenvolvidas pelos EM e pelas autoridades regionais e locais. Assim, a legislação europeia
depois de adotada é introduzida na legislação nacional dos vários EM, os quais podem
estabelecer normas e procedimentos mais restritivos, se assim o entenderem (Ferrão et al.,
2011). Os principais documentos legislativos nacionais e comunitários relacionados com a
42
Quadro 2.2. Principais documentos legislativos nacionais e comunitários relacionados com a gestão de resíduos. (Fonte: Ferrão et al., 2011)
Tipo de
legislação Assunto Documento nacional principal
Documento comunitário orientador
Transversal
Regime geral da gestão de resíduos Decreto-Lei n.º 73/2011 Diretiva 2008/98/CE
LER - Lista Europeia de Resíduos Portaria n.º 209/2004 Decisão de Comissão 2000/532/CE Mercado Organizado de Resíduos Decreto-Lei n.º 210/2009
Transporte interno Portaria n.º 335/97
Movimento transfronteiriço Decreto-Lei n.º 45/2008 Regulamento 1013/2006
Regional Gestão de Resíduos na Região Autónoma dos Açores Decreto Legislativo Regional n.º20/2007/A Decreto Legislativo Regional n.º10/2008/A
Operações de Gestão
Aterros Decreto-Lei n.º 183/2009 Diretiva 1999/31/CE
Incineração e coincineração Decreto-Lei n.º 85/2005 Diretiva 2000/76/CE
CIRVER - Centros Integrados de Recuperação,
Valorização e Eliminação de Resíduos Decreto-Lei n.º 3/2004
Fluxos específicos e resíduos setoriais
Veículos em Fim de Vida Decreto-Lei n.º 196/2003, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 64/2008 Diretiva 2000/53/CE REEE - Resíduos de Equipamentos Elétricos e
Eletrónicos Decreto-Lei n.º 230/2004 Diretiva 2002/96/CE
Embalagens Decreto-Lei n.º 366-A/1997 Diretiva 94/62/CE
Óleos usados Decreto-Lei n.º 153/2003 Diretiva 75/439/CEE
Pilhas e acumuladores Decreto-Lei n.º 6/2009 Diretiva 2006/66/CE
Óleos alimentares usados Decreto-Lei n.º 267/2009
Pneus usados Decreto-Lei n.º 111/2001, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 43/2004 RCD - Resíduos de Construção e Demolição Decreto-Lei n.º 46/2008
PCB’s - Bifenilos Policlorados Decreto-Lei n.º 277/99 e
Decreto-Lei n.º 72/2007 Diretiva 96/59/CE
Agrícolas
Despacho n.º 25292/04; Despacho n.º 10 977/2003; Despacho n.º 25297/2002
Hospitalares Portaria n.º 174/97
Lamas Decreto-Lei n.º 276/2009 Diretiva 86/278/CE
Outras conexas
PCIP - Prevenção e Controlo Integrados da Poluição Decreto-Lei n.º 173/2008 Diretiva 2008/1/CE REACH - Registration, Evaluation, Authorisation and
Restriction of Chemicals (Registo, Avaliação,
Autorização e Restrição de substâncias químicas)
Regulamento (CE) n.º 907/2006
AIA - Avaliação de Impacte Ambiental Decreto-Lei n.º 197/2005 Directiva 97/11/CE
AAE - Avaliação Ambiental Estratégica Decreto-Lei n.º 232/2007 Diretivas 2001/42/CE e 2003/35/CE
Contraordenações ambientais Lei n.º 50/2006 alterada pela Lei n.º 89/2009
Responsabilidade ambiental Decreto-Lei n.º 147/2008 Diretiva 2004/35/CE
Ecodesign Diretiva 3663/09, 13329/09 ADD 1
REV 1
Fontes de energia renovável Decreto-Lei n.º 225/2007 Diretiva 2009/28/CE
Água Lei n.º 58/2005 Diretiva 2000/60/CE
Em termos nacionais o quadro jurídico da gestão dos resíduos foi pela primeira vez
definido pelo DL n.º 488/85, de 25 de novembro que estabeleceu, entre outros, a
obrigatoriedade das câmaras municipais planificarem, organizarem e promoverem a recolha,
transporte, eliminação ou utilização dos RU produzidos nas suas áreas de jurisdição e
43
define o conceito de ambiente como o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e
suas relações e dos fatores económicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto,
mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do Homem. Consequência
desta dinâmica entre sistemas, a produção de resíduos é o reflexo das transformações que
ocorrem no meio e evoluem em simultâneo com as atividades antropogénicas. Neste sentido,
foram elaborados em Portugal uma série de planos setoriais ao nível de resíduos nos quais se
efetua a caracterização existente e se discriminam as ações desenvolvidas e/ou a desenvolver
nas respetivas áreas de estudo, tendo em vista o exigido no art.º 5 da Lei Quadro dos resíduos
(MCOTA, 2004). Tal, por sua vez, já constituía uma directriz da UE, pois trata-se de um
requisito contemplado no art.º 6 da Diretiva n.º 75/442/CEE, de 15 de julho.
A gestão de resíduos segue, assim, uma Estratégia Nacional de Resíduos preconizada
para a prossecução dos princípios de sustentabilidade, transversalidade, integração, equidade e
da participação advogados pelo programa do governo que cria uma rede integrada de cinco
instrumentos de planeamento: um a nível global, o Plano Nacional de Resíduos (PNGR) e
quatro setoriais, um para cada uma das categorias de resíduos: (i) urbanos e equiparados; (ii)
industriais; (iii) hospitalares; e (iv) agrícolas (que nunca chegou a ser publicado) (Quadro
2.3), cujas orientações e linhas estratégicas de decisão têm norteado a gestão de resíduos no
território nacional ao longo dos últimos anos.
A experiência acumulada com a sua aplicação ao nível local tornou patente a necessidade
de serem criados instrumentos municipais de gestão de resíduos que permitam concretizar
estas orientações a um nível mais restrito.
É no decorrer de 1996 que se iniciam os trabalhos do Grupo de Tarefa responsável pela
elaboração do PERU, previsto no DL n.º 310/95, de 20 de novembro, e que viria a ser
aprovado a 13 de Novembro de 1997, o qual transpôs as Diretivas n.º 91/156/CEE e
44
Quadro 2.3. Planos de gestão de resíduos desenvolvidos para resíduos setoriais. (Fonte: Ferrão et al., 2011)
Resíduos
Sectoriais Planos de Gestão
Resíduos Urbanos e Equiparados
PERU (1997) Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos
ENRRUBDA (2003) Estratégia Nacional Para a Redução dos Resíduos Urbanos Biodegradáveis (RUB) Destinados aos Aterros
PIRUE (2006) Plano de Intervenção de Resíduos Sólidos Urbanos e Equiparados
PERSU II (2007) Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (revê o PERU, a ENRUBDA e o PIRUE)
Estratégia CDR
(2009) Estratégia para os Combustíveis Derivados de Resíduos PPRU (2009) Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos
Resíduos Industriais
PESGRI (1999) Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais (alterado pelo PESGRI 2001)
PNAPRI (2000) Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais
PESGRI (2001) Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais
PESGRI (1999) Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais (alterado pelo PESGRI 2001)
Resíduos
Hospitalares PERPH (1999)
Plano Estratégico de Resíduos Hospitalares
Projeto de Plano Estratégico de Resíduos Hospitalares 2011-2016
O Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU I), elaborado em
1996/1997 para o horizonte de 1997-2005, reeditado em 1999 e monitorizado em 2004/2005
configurou-se como o verdadeiro percursor da organização do setor dos RU em Portugal
Continental.
O desenvolvimento do PERSU I conduziu a uma definição da política de gestão de RU
direcionada para os métodos como eram geridos os ciclos dos resíduos e à elaboração da
estratégia de intervenção nesta matéria. Este plano estratégico concentrou-se no fim das
lixeiras, erradicando mais de 300 lixeiras; no incentivo à construção de infraestruturas de
deposição controlada de RU; no início da recolha seletiva de RU e ainda na introdução de um
novo rumo determinante para a implementação dos Sistemas Multimunicipais (resultantes da
atribuição pelo Estado a sociedades concessionárias de capitais maioritariamente públicos) e
Intermunicipais (que poderão ter operação direta ou indireta de uma entidade pública, ou
privada). Finalizando o seu período de dez anos, deu lugar ao PERSU II que preconiza cinco
45
Quadro 2.4. Eixos de atuação do PERSU II (Fonte: adaptado de MAOTDR, 2007)
Eixos de atuação Principais vertentes
Prevenção dos resíduos
Redução da quantidade de resíduos produzidos; Redução da perigosidade dos resíduos;
Adoção de instrumentos e respectivas ações e medidas para a prevenção.
Sensibilização/Mobilização dos cidadãos Sensibilização para a mobilização;
Consciencialização e esclarecimento para a mudança cultural sobre a gestão de resíduos.
Qualificação e otimização da gestão de resíduos
Otimização dos sistemas de gestão de RU e sua sustentabilidade;
Prossecução e implementação prática da estratégia (gestão integrada dos resíduos); Reforço dos sistemas ao nível de infraestruturas e equipamentos.
Sistema de informação como pilar de gestão dos RU Promoção de formas mais expeditas de recolha;
Validação e divulgação da informação estatística sobre os resíduos.
Qualificação e otimização da intervenção das entidades públicas no âmbito da gestão de RU
Simplificação dos procedimentos; Reforço da regulação.
Das grandes apostas do PERSU II (Quadro 2.5.) refere-se: (a) a prevenção dos resíduos;
(b) o aumento dos quantitativos da valorização multimaterial e a recuperação de resíduos de
embalagem (Diretiva Embalagens); (c) o aumento dos quantitativos da valorização orgânica e
desvio dos RUB dos aterros sanitários (Diretiva Aterros) (Figura 2.10) (ERSAR, 2011a).
Figura 2.10: Objetivos do crescimento anual de RU em Portugal. (Fonte: MAOTDR, 2007)
Objetivos que visam as orientações estratégicas de perseguir uma otimização global e
integrada, com recurso cada vez menor à deposição em aterro através da maximização da
reciclagem e valorização, apostando na prevenção da produção de resíduos através da redução
46
atingidos (Quadro 2.5. ) mediante uma maior responsabilização das EG e dos cidadãos em
geral que tem vindo a assumir um carácter crescente (Pires et al., 2006).
Quadro 2.5. Objetivos macro de gestão de RU em Portugal. (Fonte: MAOTDR, 2007, ERSAR e APA, 2011)
Tipo de RU METAS
RUB destinados a aterro
Metas a cumprir em janeiro de 2016:
Redução em 35% da quantidade total, em peso, dos RUB produzidos em 1995
Resíduos de embalagem (RE):
Metas a cumprir em janeiro de 2011:
Valorização total de RE:> 60%; Reciclagem total de RE: 55-80%;
Reciclagem de RE de vidro e papel/cartão> 60%; Reciclagem de RE de plástico> 22,5%; Reciclagem de RE de metais> 50%; Reciclagem de RE de madeira> 15%.
Todas as iniciativas no âmbito da gestão dos resíduos pretendem reafirmar o princípio da
responsabilidade do produtor de resíduos em consonância com as diretivas comunitárias.
O DL n.º 210/2009, de 3 de setembro, alterado pelo DL n.º 73/2011, de 17 de
junho estabelece o regime de constituição, gestão e funcionamento do Mercado Organizado
de Resíduos (MOR), bem como as regras aplicáveis às transações neles realizadas e aos
respetivos operadores. Este diploma vem ainda suprir as necessidades de regulação no âmbito
do acompanhamento e controlo, por parte da administração, das atividades das EG de
mercados organizados de resíduos, assim como da articulação entre as plataformas eletrónicas
dos mercados organizados e a plataforma SIRAPA (Sistema Integrado de Registo da Agência
Portuguesa do Ambiente). O MOR compreende todas as plataformas eletrónicas de
negociação objeto de reconhecimento por parte da Agência Portuguesa para o Ambiente
(APA), sendo a sua gestão assegurada pelas EG que têm por obrigação, nomeadamente,
validar as transações efetuadas na sua plataforma, assegurar a transparência, a universalidade,
a atualidade e o rigor da informação que nelas circula, garantir o sigilo dessa informação e
assegurar mecanismos de responsabilização dos intervenientes no mercado. As plataformas de
negociação, que devem cumprir requisitos de acesso universal e igualitário para todos os
47
processamento de consultas ao mercado, de indicações de interesse e das transações
propriamente ditas. No mercado podem ser transacionados, unicamente para valorização ou
eliminação, resíduos de todas as categorias nos termos do regime geral de gestão de resíduos,
incluindo a transação de subprodutos e materiais reciclados.
Com a disponibilização de mais este instrumento perspetiva-se uma contribuição
acrescida no contexto de vários objetivos a prosseguir, preconizados por políticas económicas
e estratégias de gestão de resíduos e de desenvolvimento sustentável, tais como a redução da
quantidade de resíduos a enviar para aterro, o incentivo à instalação de novas indústrias para o
aproveitamento dos resíduos de outras indústrias e a indução ao desenvolvimento de novas
tecnologias para a valorização e utilização dos resíduos industriais e consequentemente, a
minimização da exploração de recursos naturais nomeadamente de matérias-primas e fontes
de energia reduzindo impactes no ambiente.