2. INSTRUMENTOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA GESTÃO E
2.2. Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos: uma perspetiva global
2.2.7. Organização e regulação do setor dos resíduos urbanos em Portugal
O setor dos RU está organizado e dividido entre sistemas de gestão em alta e em baixa. No
sistema em alta considera-se a deposição por parte das entidades de recolha, a separação e a
valorização, deposição em aterro ou em local apropriado, sendo na sua maioria realizada por
uma rede de empresas multimunicipais. Enquanto a atividade em baixa corresponde à
designação utilizada para a parcela do sistema que serve diretamente o utilizador
compreendendo operações desde a remoção até ao local de transferência cuja produção diária
não exceda de 1100 l por produtor (n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 73/2011). É normalmente pela
sua proximidade e associação às condições de salubridade e de salvaguarda da saúde pública,
da responsabilidade das Câmaras Municipais que, por sua vez, delegam responsabilidades tais
como a transporte desde a estação de transferência até ao local de valorização e tratamento, a
empresas privadas, as quais representam os sistemas em alta.
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 EU 27 Bélgica Bulgária República Checa Dinamarca Alemanha Estónia República da Irlanda Grécia Espanha França Itália Chipre Letónia Lituânia Luxemburgo Hungria Malta Holanda Áustria Polónia Portugal Roménia Eslovénia Eslováquia Finlândia Suécia Reino Unido Percentagem (%) P a ís es Reciclagem Aterro
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Os sistemas multimunicipais de gestão de resíduos urbanos são explorados por empresas
públicas controladas pela Empresa Geral do Fomento (EGF), sub-holding da Águas de
Portugal. O capital social das entidades gestoras concessionárias desta sub-holding está
repartido, de forma diversa, entre a EGF e os municípios utilizadores dos respetivos sistemas.
O Estado, através das empresas detidas pela EGF do Grupo Águas de Portugal, detém 40% do
capital social do setor, através das participações maioritárias nas entidades gestoras
concessionárias dos sistemas multimunicipais, enquanto os municípios detêm 57% do capital
social do setor. A participação dos municípios é concretizada através das participações
minoritárias no capital social das entidades gestoras multimunicipais e nas participações
maioritárias ou totais nas empresas intermunicipais (ERSAR, 2010a).
O setor dos serviços de resíduos abrange a grande maioria das atividades económicas,
constituindo uma influência decisiva na qualidade de vida das populações e um importante
fator de equilíbrio social (ERSAR, 2010a). Nos últimos anos tem sido desenvolvida uma
intensa atividade de planeamento e de forma geral, as empresas centram a sua atenção no que
se refere ao ambiente e cumprimento das legislações, cujo enfoque tende a direcionar ações
corretivas no ponto final da geração de resíduos.
O uso de recursos naturais, a urbanização e a necessidade de alimentar uma população em
crescimento contínuo, também consideram esta abordagem. Sabe-se que os recursos naturais
são limitados e a sua utilização está, a cada dia, mais abrangente tendo-se como resultado, um
desequilíbrio natural que culmina em grande desperdício e em quantidades consideráveis de
resíduos produzidos.
A necessidade de reduzir a produção de resíduos e de garantir a sua gestão sustentável
transformou-se, entretanto, numa questão de cidadania. Existe uma consciência cada vez mais
clara de que a responsabilidade pela gestão dos resíduos deve ser partilhada por toda a
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detentor, dos operadores de gestão às autoridades administrativas reguladoras (Quadro 2.7 e
Quadro 2.8).
Quadro 2.7. Responsabilidades de gestão para cada origem principal e fluxos específicos de resíduos em Portugal (2009) referente aos resíduos setoriais.
(Fonte: APA, 2010) Tipologia / Fluxo
especifico de resíduo Responsabilidade EG Perfil das EG
Resíduos setoriais
Resíduos Urbanos (RU) e
equiparados Municípios
Sistemas multimunicipais
e intermunicipais Públicas
Resíduos Hospitalares Municípios/Produtor --- ---
Resíduos Industriais Produtor --- ---
Resíduos Agrícolas Produtor --- ---
Quadro 2.8. Responsabilidades de gestão para cada origem principal e fluxos específicos de resíduos em Portugal (2009) referente aos fluxos específicos de resíduos e outros.
(Fonte: APA, 2010). Tipologia / Fluxo
especifico de resíduo Responsabilidade EG Perfil das EG
Fluxos específicos de resíduos e outros resíduos Embalagens e resíduos de embalagens Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP)
(Entidade gestora ou Sistemas Individuais)
SPV Privadas sem fins lucrativos
Embalagens de medicamentos
RAP (Entidade gestora ou
Sistemas Individuais) Valormed Privadas sem fins lucrativos
Embalagens de produtos fitofarmacêuticos
RAP (Entidade gestora ou
Sistemas Individuais) Sigeru Privadas sem fins lucrativos
Pneus usados RAP (Entidade gestora) Valorpneu Privadas sem fins lucrativos
Pilhas e acumuladores portáteis e industriais
RAP (Entidade gestora ou Sistemas Individuais)
Ecopilhas Amb3E ERP Portugal
Privadas sem fins lucrativos
Pilhas e acumuladores de veículos automóveis e
industriais RAP (Entidade gestora ou Sistemas Individuais) Valorcar Autosil e GVB Privadas sem fins lucrativos Veículos em fim de vida
REEE RAP (Entidade gestora ou
Sistemas Individuais)
Amb3E, ERP
Portugal Privadas sem fins lucrativos
Óleos minerais usados RAP (Entidade gestora ou
Sistemas Individuais) Sogilub Privadas sem fins lucrativos
Óleos alimentares Municípios/Produtor --- ---
Resíduos de construção e
demolição Municípios/Produtor --- ---
Equipamentos com PCB Produtor --- ---
Lamas do tratamento de
águas residuais Produtor --- ---
As EG encontram-se sobre a alçada de um moderno organismo regulatório do Estado
dotado de autonomia administrativa e financeira mas sujeito à tutela do Ministro do
Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, a Entidade
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designada por Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR). Tem como principais
objetivos contribuir para uma melhor organização e clarificação das regras do seu
funcionamento, nomeadamente colaborando na formulação das políticas e dos diplomas
respeitantes a estes serviços; garantir uma correta proteção dos utilizadores de serviços no que
diz respeito a possíveis abusos decorrentes dos direitos de exclusividade e no que se refere à
garantia e ao controlo da qualidade dos serviços públicos prestados; assegurar condições de
igualdade e transparência no acesso e exercício das atividades e consolidar um efetivo direito
público à informação geral concisa, credível e de fácil interpretação sobre o setor e as EG,
promovendo a comparação e a divulgação pública da atividade das EG.
O conceito de regulação da ERSAR consiste não só num mecanismo que reproduz, num
mercado de monopólio natural, os resultados de eficiência expectáveis num ambiente
competitivo, como na criação de um “mercado de competição virtual” e a induzir o operador a
agir em função do interesse público sem pôr em causa a sua viabilidade (Alegre et al., 2010).
O modelo de regulação da ERSAR passa por dois grandes planos de intervenção, um
primeiro ao nível da regulação estrutural do setor, e um segundo ao nível da regulação dos
comportamentos das EG a atuar nesse setor (Alegre et al., 2010) (Figura 2.15).
A regulação estrutural do setor deve contribuir para a sua melhor organização e para a
clarificação de aspetos como as restrições à entrada de EG no mercado e as medidas de
separação funcional, o que permite definir entidades ou tipos de entidades. Esta regulação é
uma forma de controlo direto sobre o contexto envolvente e indireto sobre as EG, reduzindo
ou eliminando a possibilidade de comportamentos indesejáveis. Condiciona fortemente a
forma, o conteúdo e a natureza da regulação dos comportamentos, pelo que lhe deve ser
complementar. A regulação passa ainda pelos aspetos comportamentais das EG a nível
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Figura 2.15: Modelo de regulação da ERSAR. (Fonte: adaptado de Alegre et al., 2010)
A regulação da qualidade de serviço é uma forma de regulação dos comportamentos
indissociável da regulação económica, condicionando os comportamentos permitidos às EG
relativamente à qualidade de serviço que prestam aos utilizadores, nomeadamente aspetos
como, a preservação ambiental, a segurança, defesa das condições de igualdade de trabalho e
a proteção dos interesses dos consumidores. A regulação económica tem como objetivo
principal a maximização do bem-estar social, induzindo as EG a produzirem aquilo que é
desejável, de forma a alcançarem resultados ótimos no que concerne aos preços praticados, às
qualidades produzidas e aos padrões de qualidade oferecidos (Alegre et al., 2010).
O modelo de regulação aplicado apresentado na Figura 2.15 inclui, portanto, a utilização
pela entidade reguladora de mecanismos de avaliação da qualidade do serviço prestado aos
utilizadores pelas EG e sua comparação com os resultados das outras EG similares atuando
em zonas geográficas distintas (benchmarking). Os resultados, quer da avaliação quer do
benchmarking, são objeto de exposição pública, na medida em que isso incentiva as EG a
progredir no sentido da eficiência, por naturalmente se quererem ver colocados em posição
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Desta forma consolida-se uma verdadeira cultura de informação, concisa, credível e de fácil
interpretação (Alegre et al., 2010). O benchmarking afigura-se como um método para
comparar o desempenho de algum processo ou prática de gestão ou produto da organização,
com o de uma organização similar que esteja a ser executado de maneira mais eficaz e
eficiente, na própria ou em outra organização, visando atender as razões do desempenho
superior, adaptar a realidade, trocar informações e implementar melhorias significativas
(Sanford, 2003). São quatro os princípios fundamentais do benchmarking: reciprocidade,
analogia, medição e validade (Spendolini, 1992).
A avaliação de desempenho desenvolvida pela ERSAR (mediante benchmarking) é eficaz
como meio de induzir competição (virtual) entre os operadores dos serviços de resíduos
sólidos, de modo a alcançar os objetivos que lhe são delineados. Contudo, o processo de
avaliação não pode prescindir de coerência e de indubitabilidade, de forma a clarificar os reais
objetivos que este detém sobre as entidades avaliadas, nomeadamente sobre qual o aspeto que
importa desenvolver.
A estratégia da ERSAR passa também pela regulação comportamental que abrange: a
monitorização legal e contratual das EG ao longo do seu ciclo de vida (ERSAR, 2010a). A
regulação económica, na medida em que os preços de monopólio tendem a ser mais elevados
que os preços resultantes de mercados concorrenciais. A obtenção dos preços mais baixos,
que permitam simultaneamente a viabilidade económica e financeira das EG e que
corresponda à situação mais justa para os utilizadores, exige uma forte intervenção da EG
(ERSAR, 2010a); a regulação da qualidade do serviço e análise das reclamações através da
utilização de mecanismos de avaliação do desempenho das EG pela ERSAR e sua
comparação com os resultados das outras EG similares atuando em zonas geográficas
distintas (benchmarking). Os resultados desta comparação são objeto de exposição pública, o
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colocados em posição favorável, materializando assim um direito fundamental que assiste a
todos os utilizadores.
A adoção de novas orientações políticas que privilegiam a defesa do ecossistema,
associadas a uma mudança de atitudes, baseada na forma de pensar a relação entre a
humanidade e a natureza, tem potenciado as organizações na procura de soluções com vista à
manutenção do equilíbrio e qualidade do ambiente (Ribeiro, 2000). Surge assim a
necessidade, ao nível das organizações, de integrar sistemas de gestão.