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2. INSTRUMENTOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA GESTÃO E

2.2. Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos: uma perspetiva global

2.2.5. Evolução das Políticas e Diretrizes sobre a Gestão de RU

2.2.5.1. União Europeia

A política de ambiente tem vindo a evoluir nas últimas décadas na Europa e no Mundo

fruto da evolução do referencial técnico-científico correspondente à interação entre o Homem

e o Ambiente (Ferrão et al., 2011), conforme o Quadro 2.1 sintetiza.

Quadro 2.1. Evolução do enfoque das políticas europeias de gestão de resíduos. (Fonte: Ferrão et al., 2011)

Período PAA

(Programa de Ação em matéria do Ambiente)

Tipo de visão e enfoque Tipo de

Instrumentos Alguns exemplos a nível nacional Anos 70 Políticas anteriores e 1.º PAA Business-as-usual

Vocacionada para os processos

 Eliminação da poluição  Comando e controlo  Tecnologias de fim de linha

Legislativos

Anos 80 2.º e 3.º PAAs

Vocacionada para os processos

 Tecnologias de fim de linha  Controlo da poluição

 Introdução da importância da prevenção

Legislativos Lei de bases do ambiente

Anos 90 4.º e 5.º PAAs

Vocacionada para os produtos

 Princípios de hierarquia de gestão  Responsabilidade alargada do produtor  Introdução dos princípios de

desenvolvimento sustentável

Legislativos Outros instrumentos (ex. económicos)

Criação do Instituto dos Resíduos DL 239/1997 SPV PERU I Princípios Séc. XXI 5.º e 6.º PAAs

Vocacionada para os produtos e uso de recursos

 Uso de recursos (saídas ligadas às entradas e vice versa)

 Formalização do ambiente como política transversal

 Política integrada de produto

Legislativos Económicos Fiscais Informação PESGRI PNAPRI PERH ENDS 2015 DL 178/2006 6.º PAA

Maior enfoque nos sistemas

 Uso de recursos

 Maior enfoque na prevenção e estratégias de consumo mais sustentáveis

 Sinergias entre diversos ciclos de vida

Maior integração e sinergias entre vários tipos de instrumentos Programa de compras sustentáveis Princípio da responsabilidade pela gestão PNGR

No início do processo de integração europeia, os principais objetivos ambientais estavam

centrados na economia, e os tratados iniciais que cimentaram a União Europeia (Tratado de

Paris e Tratado de Roma) não continham referências específicas à proteção do ambiente. É

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Roma, fundamentalmente direcionado para assegurar uma competição justa entre países no

mercado comum, um alerta que visava evitar o dumping ambiental (Ferrão et al., 2011).

Foi na Cimeira de Paris de 1972 que os Estados-Membros da Comunidade Europeia (CE)

salientaram a necessidade de políticas relacionadas com a proteção do ambiente. Neste

contexto, surgiu o 1.º Programa de Ação em matéria de Ambiente (PAA) da Comunidade

Europeia (1973-76), que incluiu uma referência aos princípios da precaução e do poluidor-

pagador e salientou a importância da prevenção dos impactes ambientais na origem e a

racionalização da utilização dos recursos naturais (Ferrão et al., 2011).

Sob o disposto no Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia foram

definidas, pela primeira vez em 1975, as condições que aproximam as legislações dos Estados

Membros relativas à eliminação de resíduos, criando iguais condições de concorrência no

funcionamento do mercado comum.

As primeiras políticas relacionadas com os resíduos tinham, nesta altura, como grande

preocupação a regulação da deposição final dos resíduos e o desenvolvimento de tecnologias

de tratamento de fim de linha para as indústrias mais poluidoras (Ferrão et al., 2011).

A Diretiva Resíduos n.º 75/442/CEE, de 15 de julho, alterada pela Diretiva n.º

91/156/CEE e pela Decisão da Comissão n.º 96/350/CE, transposta para direito nacional pelo

Decreto-Lei n.º 310/95, de 20 de novembro, estabeleceu princípios e regras essenciais para a

política de gestão de resíduos a desenvolver por cada Estado-Membro. Em suma, foi

estipulado que a Comissão elaboraria uma lista de resíduos, periodicamente revista, e que se

constituiria uma rede adequada de instalações de eliminação, tendo em conta as melhores

tecnologias disponíveis e estabelecidos planos de gestão de resíduos.

Durante o 2.º e 3.º PAA (1977-1986) o conceito de controlo de poluição começou a dar

lugar ao conceito de prevenção da poluição, procurando alterar o foco programático das

políticas sobre resíduos. No entanto, não houve formalização desta mudança no

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filosofia de controlo de poluição, com base em proibições de substâncias e de restrições a

processos (Ferrão et al., 2011).

O 4.º PAA (1987 – 1992) constituiu-se assim como um quadro de transição entre as

políticas definidas na década de 70, concentradas sobretudo nos processos produtivos e no

controlo de poluição, e as políticas surgidas em torno do conceito de desenvolvimento

sustentável, assentes numa visão mais global e integrada. Nesta fase, começou-se a explorar

nomeadamente a possibilidade de recurso a instrumentos não normativos, como os incentivos

económicos (por exemplo, taxas ambientais) e a produção e disseminação de informação de

carácter ambiental (Ferrão et al., 2011).

A partir da década de 90 verifica-se uma intensificação nos esforços para regulamentação

e controlo dos setores de produção e tratamento de resíduos na UE, uma vez que se verificou

uma crescente perceção pública dos impactes ambientais associados à produção e gestão de

resíduos que conduziu a um sentimento adverso em relação às soluções normalmente

utilizadas para a eliminação de resíduos, contribuindo para a adoção de novas políticas para

reduzir e desviar os resíduos, antes maioritariamente encaminhados para aterros e lixeiras,

para soluções de prevenção, reutilização, reciclagem e outras formas de valorização (Ferrão et

al., 2011). Inclui-se nestes esforços a promoção de novos programas voltados para o

alinhamento e a harmonização dos objetivos ambientais do Governo Europeu em relação às

práticas de gestão dos resíduos.

Diversos autores (Taseli, 2007; Rudden, 2007; Hussani et al., 2007 e Den Bóer et al.,

2007) consideram que a legislação da UE relativa aos resíduos se tornou nas últimas décadas

o mais influente fator para o direcionamento e desenvolvimento das práticas de gestão dos

resíduos nos países membros da comunidade europeia.

O 5.º PAA (1993-2000) e o Tratado de Maastricht, ambos de 1993, refletiram as

conclusões da Conferência do Rio, na sequência da qual o desenvolvimento sustentável se

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Cardiff em 1998, conduziu a uma visão do ambiente como uma questão transversal às

diversas políticas setoriais. O 5.º PAA apresentava nesta medida, uma visão integradora das

diversas componentes ambientais e a responsabilidade da gestão de resíduos passou a ter que

ser partilhada por vários agentes, inclusive pelos fabricantes de bens e produtos. Adotou-se,

nesta altura o conceito da Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP), impondo-se aos

produtores a responsabilidade pela gestão dos seus produtos em fim de vida e o cumprimento

de determinadas metas e normas ambientais de recolha, reciclagem e outras formas de

valorização.

Como exemplo da aplicação do conceito de RAP pode-se citar a adoção da Diretiva sobre

embalagens (Diretiva n.º 94/62/CE, de 20 de setembro), que se constituiu como a primeira

Diretiva a nível comunitário a aplicar o conceito, traduzindo-se numa importante mudança de

visão da política de resíduos (Ferrão et al., 2011). A mudança de paradigma nas políticas em

matéria de resíduos foi sendo cada vez mais acentuada, culminando, com o 6.º PAA (2002-

2010). A política de resíduos, até aqui considerada de forma bastante parcelar, deixou de ser

estanque e separada das políticas orientadas para os recursos naturais (entendidos como

entradas no sistema económico). Os resíduos passaram a ser considerados como saídas do

sistema económico, sendo que, desta forma, a gestão de resíduos constitui parte do ciclo

sócioeconómico dos materiais devendo integrar a sua gestão global (Ferrão et al., 2011).

A Política Comunitária de Gestão de Resíduos assenta numa hierarquia de Prioridades de

Gestão de Resíduos (Figura 2.9) e no princípio de autosuficiência dos Estados-Membros em

matéria de eliminação de resíduos, alicerçada nas Diretivas atrás mencionadas.

A Diretiva Resíduos defende que, em conformidade com o princípio do poluidor –

pagador, os custos da eliminação dos resíduos devem ser suportados pelo detentor que entrega

os resíduos a um serviço de recolha, pelos detentores anteriores ou pelo produtor do produto

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Figura 2.9: Hierarquia de gestão de resíduos. (Fonte: Ferrão et al., 2011)

Em 2006, a Diretiva n.º 75/442/CE foi revogada pela Diretiva n.º 2006/12/CE, de 5 de

abril, face às sucessivas alterações substanciais e à necessidade de utilizar uma terminologia

comum na definição de resíduos e operações de gestão. Esta Diretiva apresenta orientações

muito concretas em matéria de gestão de resíduos, em parte já referidas pela diretiva agora

revogada, mas apresentadas agora de forma direta. Deverá incentivar-se a valorização dos

resíduos e a utilização dos materiais valorizados como matérias-primas, a fim de preservar os

recursos naturais. Pode ser necessário adotar normas específicas para os resíduos reutilizáveis

sendo fundamental que a Comunidade no seu conjunto se torne autosuficiente no que se refere

à eliminação de resíduos e é conveniente que cada Estado-Membro (EM) se esforce por

atingir essa autosuficiência.

A evolução das principais leis, regulamentos e estratégias da política de gestão de

resíduos nos países da UE aposta para a redução da burocracia da gestão de resíduos. Para

este efeito, os EM podem tomar as medidas necessárias, no âmbito dos seus planos de gestão.

Por exemplo, em determinadas condições, e desde que preencham os requisitos de proteção

do ambiente, alguns estabelecimentos que tratam os seus próprios resíduos ou efetuam a

valorização de resíduos podem ser dispensados da autorização requerida. Esses

estabelecimentos deverão, no entanto, ser objeto de registo. Mais desejável

Prevenção e redução

Preparação para a reutilização

Reciclagem

Outros tipos de valorização

Eliminação Menos desejável

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A gestão de resíduos é, por isso, atualmente, uma das grandes prioridades da política

ambiental na UE, a qual conta com um quadro estruturante iniciado na década de 70 e,

necessariamente, com ações complementares por parte dos EM e autoridades locais. A

Diretiva Quadro “Resíduos”, Diretiva n.º 2008/98/CE é um importante passo no sentido de

um maior esforço de coordenação nesta área. Estes objetivos foram reforçados na Estratégia

Temática para a Prevenção e Reciclagem de Resíduos (2005), em particular quando se lê: “O

objetivo da UE a longo prazo consiste em tornar-se uma sociedade de reciclagem que procura

prevenir os resíduos e, quando produzidos, os utiliza como recurso” (Despacho n.º 3227/2010

de 22 de fevereiro).

A Diretiva n.º 2008/98/CE, de 19 de novembro, defende o reforço da prevenção dos

resíduos, a introdução de uma abordagem que considere todo o ciclo de vida dos produtos e

materiais (e não apenas a fase de produção de resíduos) e a redução dos impactes ambientais

associados à produção e gestão dos resíduos. A visão, os objetivos estratégicos e operacionais

propostos para o PNGR refletem esta abordagem holística que é veículo de sustentabilidade

na utilização dos recursos naturais (Ferrão et al., 2011).