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1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

1.4 A ALEMANHA DE WEIMAR

A Alemanha freqüentada por Pedrosa ainda compartilhava os desdobramentos decorrentes do desgaste político-econômico e da derrota sofrida após a primeira guerra. A década de 1920 fora atravessada em estado de penúria social e desestrutura econômica. Na concentração de esforços para combater a aliança inimiga, no período da guerra, os recursos e a mão de obra haviam sido dirigidos para o fronte de batalha. Faltavam recursos básicos como alimentos e roupas. A indústria vivia um desequilíbrio, uma vez que se havia destinado a produção dos bens à guerra, ainda faltavam recursos investidos em indústrias de base e produção de produtos básicos. A oferta de alimentos era racionada e não havia grande oferta de produtos nas lojas. Diante da escassez de recursos e até mesmo da subnutrição, não raras vezes pululavam epidemias de doenças como tuberculose, gripe, cólera e tifo que acometiam a muitos. A economia encontrava-se arrasada e carente de reformas urgentemente necessárias8.

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Lionel Richard em seu livro A República de Weimar, realiza um atento estudo e apresenta-nos uma descrição das condições da Alemanha após a 1ª guerra. Localiza a República de Weimar como uma tentativa de reestruturação econômica e social que desembocou em diversos desdobramentos relacionados à insatisfação

A República de Weimar nasce com a incumbência de reestruturar a Alemanha e realizar os ajustes econômicos e políticos a fim de recolocar o país no cenário internacional. Dentre as várias reformas e medidas promovidas pela República as que diretamente nos interessam aqui são as dos setores educacionais, pois são reveladoras de nuances importantes para compreendermos o contexto universitário em que Pedrosa esteve inserido.

O governo de Weimar logrou instituir reformas no sistema educacional e pedagógico da Alemanha. No entanto, o embate entre as classes dominantes provocou uma reforma burocrática no sistema, o que na realidade não resultou em mudanças estruturais, pois manteve as bases conservadoras, e na prática o sistema de ensino, embora público, continuava privilégio das classes abastadas. Com relação ao ensino superior, o conservadorismo se manteve como força estrutural e as Universidades mantiveram suas posturas ideológicas e linhas de pensamento, conforme nos esclarece Lionel Richard:

Existiam diferenças entre as universidades, seguramente, bem como entre as disciplinas. A teologia protestante, o direito, os estudos de alemão eram geralmente considerados como de direita, enquanto a sociologia e a psicologia passavam a reputação de universidades liberais, enquanto em Berlim, de acordo com rumores inteiramente fundados, dominava a direita mais conservadora. (Ibid, p. 181)

Tal observação de Richard interessa à nossa abordagem histórica, pois é justamente no curso de Sociologia e Estética que Pedrosa fora estudar em 1926, ou seja, nas instituições entendidas como liberais, não radicalmente alinhadas às posturas da direita política. Embora o contexto cultural de Berlim fosse efervescente de novidades e andasse pari passu com as idéias vanguardistas modernas, o meio universitário alemão mantinha-se extremamente conservador e permissivamente racista. Havia, inclusive, uma cátedra para estudos racistas na Universidade e qualquer um que demonstrasse simpatia às idéias democráticas era sucintamente excluído do grupo e talvez afastado se não se retratasse ou contivesse suas opiniões pessoais. Muitos dos intelectuais eram simpatizantes de premissas conservadoras e antidemocráticas, pois viam nestas posturas, um caminho, a qualquer preço, para a reestruturação da Alemanha. A afirmativa de Martin Heidegger justificando sua própria

popular e ao sentimento nacional de revanchismo. Talvez seu maior sucesso tenha sido no campo cultural e no incentivo aos movimentos de vanguarda.

Peter Gay em seu livro sobre A Cultura de Weimar explicitará este mesmo pensamento, diz ele: “Quando pensamos em Weimar, pensamos em modernismo, em arte, literatura, pensamento; Pensamos em rebelião dos filhos contra os pais, dos dadaístas contra a arte, berlinenses contra os musculosos filisteus, libertinos contra moralistas retrógrados; pensamos em “A Ópera dos três vinténs”, “O gabinete do Dr. Caligari”, “A montanha

mágica”, Bauhaus, Marlene Dietrich. E pensamos acima de tudo, nos exilados que exportaram a cultura de Weimar para todo o mundo”. (p.11)

atitude vale-nos como testemunho deste setor “Não era possível permitir que as universidades mergulhassem no caos, era preciso preservar o campo fechado da meditação estudiosa, era

preciso ordem.” (Ibid, p.189). A reafirmação deste alinhamento das universidades com as

idéias arregimentadas pelo nazismo, pode ser identificada no testemunho de Heinrich Mann que se manteve na oposição antifacista e se viu obrigado ao exílio na França. Dizia ele em um artigo de 1935, “Nas universidades, é possível que se esteja profundamente desapontado com o novo regime. Mas é impossível apagar ou esquecer que foram elas que lhe forneceram seus primeiros propagandistas.” (Ibid, p. 190)

Assim o contexto de enrijecimento das posturas conservadoras vai sendo gradativamente construído e, quando da ascensão de Hitler, mais da metade dos universitários aderirão ao discurso nacionalista e racista dos nazistas, pois em essência, o clima de revanchismo o desejava. Os que se mantiveram na oposição a tais idéias, cerca de 20 % do corpo docente, foram excluídos com suspensões, fechados em campos de concentração ou forçados a emigrar. Por este fato que grande parte da intelectualidade alemã irá migrar para outros países vizinhos, ou mesmo para Nova York, cidade que alcançará importância e destaque no cenário internacional, por abrigar e patrocinar a continuação das pesquisas destes intelectuais. Eles serão atraídos pelo clima de prosperidade e liberdade que o capitalismo em ascenção proporcionava.

A República de Weimar é conhecida pelo apoio que dispensou ao modernismo na arte, na literatura - ao pensamento moderno de uma forma geral, que investia na experimentação e na criatividade. No entanto, é parte do contexto pensarmos, sobretudo, “nos exilados que

exportaram a cultura da de Weimar para todo o mundo”.

Os exilados ocupam um lugar de honra na história do mundo ocidental, grandes nomes realizaram suas maiores obras quando em residência forçada em solo estrangeiro, olhando com ódio e saudade para o país, que ficara para trás o seu próprio e que os havia rejeitado. Tais migrações forçadas de intelectuais ao longo da história não podem ser comparadas com o êxodo que começou no princípio de 1933, quando os Nazistas tomaram o controle da Alemanha; os exilados que Hitler fez constituíram a maior coleção de intelectuais, talentos e sábios transplantados que o mundo jamais viu.9(GAY,1978 p.11)

Peter Gay descreve com entusiasmo a importância que os intelectuais tiveram na construção da cultura do século XX. Vários nomes de intelectuais que exerceram um papel fundamental para o pensamento moderno foram rechaçados pela política nazista e tiveram que

9 Ibid, p.11, parafraseado. Este contexto faz-se importante para assinalar o deslocamento do eixo de intelectuais

seguir com suas pesquisas no exílio. O autor cita Albert Einstein, Thomas Mann, Erwin Panofsky, Bertold Brecht, Walter Gropius, George Grosz, Wassily Kandinsky, Maz Reinhardt, Bruno Walter, Max Beckmann, Werner Jaeger, Wolfgang Köhler, Paul Tillich, Ernst Cassirer; foram exemplos de influências brilhantes que se deslocaram para o exílio.10 Em sua análise, Peter Gay fala de “Renascença de Weimar” como um momento curto, porém muito prolífero no campo das artes e das ciências. Também é rememorado como uma

“época de ouro de Péricles” onde a reunião de intelectuais e a ânsia de modernização

impulsionaram vários movimentos importantes para a história da cultura ocidental. Embora rechaçados pelo regime nazista, deslocam-se para outros eixos e vão desenvolver suas aspirações e projetos, ainda com mais veemência e anseios modernizantes.

Weimar simbolizava a síntese de uma nova sociabilidade após os traumas dos anteriores contextos de tensões belicistas que a Alemanha havia enfrentado. Na idealização de Weimar, existiam duas Alemanhas, a militarizada, agressiva, submissa à autoridade e excessivamente preocupada com a forma e a ordem, e a Alemanha do romantismo de Goethe, da poesia lírica, da filosofia humanista e do cosmopolitismo pacífico. O projeto de uma nova ordem social planejava tirar a Alemanha da condução agressiva e violenta de Bismark para uma condução humanista e cosmopolita.

O governo e as medidas da República de Weimar além de situar-se como uma

tentativa de reestruturação dos setores econômico e político, almejava ainda uma “ventilação”

das mentalidades ao patrocinar e apoiar iniciativas e instituições de pesquisas e produções que abraçassem o modernismo como foco, como uma configuração nova de idéias, de percepções e de relações urbanas e sociais. Esta iniciativa, porém, contrapôs-se ao conservadorismo do passado imperial que ainda permanecia vivo nas bases estruturais daquela sociedade e rechaçava toda e qualquer iniciativa modernista. Embora a proclamação da república tivesse sido um golpe disfarçado para ausentar a Casa Imperial alemã das responsabilidades da guerra, Weimar trouxe para dentro de suas realizações a incumbência de alinhar a Alemanha com as premissas da sociedade moderna. Onde para tanto, a arte e a cultura cumpriam um papel fundamental de retratar e traduzir as sensibilidades de um mundo em mudanças.

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Vários destes autores foram, inclusive, fundação teórica para as ideias de Mário Pedrosa, tais como Wolfgang Köhler, Wassily Kandinsky e Ernst Cassirer.