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1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

1.3 A BERLIM DOS ANOS 1920

A Berlim que Pedrosa freqüentou fervilhava de novidades advindas do progresso recente que invadia a vida da população e o nosso crítico pode acompanhar de perto e assimilar as novidades trazidas pela industrialização e modernização. A cidade assistia ao aumento do fluxo de carros e dos letreiros luminosos que anunciavam produtos e serviços. Nos círculos noturnos, a sociedade letrada freqüentava os polos culturais e depois se reuniam nos cafés para conversarem e conhecerem as novidades que despontavam. Ao redor das mesas dos restaurantes e cafés se discutiam sobre as últimas exposições, os últimos espetáculos, artigos relevantes e mesmo ali alguns esboçavam desenhos e croquis. O escritor Elias Canetti caracterizou o clima cultural de Berlim dos anos 1920 com as seguintes impressões:

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De acordo com a nomenclatura atribuída pela História da Arte, a obra de Kaethe Kollwitz é vista como pertencente ao expressionismo alemão. Muito embora exista em sua arte, a presença da deformação expressiva, no entanto, a artista move-se em um estilo muito peculiar de produção. Entre gravuras, xilogravuras e litos, a artista exprime suas convicções políticas e preocupações sociais. Não se engaja nas teorias estéticas dos grupos expressionistas “A Ponte” ou “O Cavaleiro Azul”, uma vez que suas preocupações orientam-se mais no sentido do tema social, do que propriamente às pesquisas e experimentações estéticas da linguagem e de conteúdo subjetivo.

Havia algo de áspero e corrosivo nessa atmosfera que excitava e vivificava. As pessoas precipitavam-se a tudo, não evitavam nada. A terrível coexistência de todas as coisas, o caos que se recebia como uma bofetada nos desenhos de George Grosz, isso tudo não era exagerado era em Berlim algo natural (..).7(RICHARD, 1988, p.240)

Desde o início do século, Berlim despontava como o grande centro intelectual não só da Alemanha, mas também de toda Europa Oriental. Em contrapartida, Munique que outrora ocupava o prestígio de grande centro artístico, no início do século XX havia se encerrado nos entraves do academismo conservador, e não por menos, será eleita como o modelo cultural do regime nazista.

Em várias capitais da Europa que assistiam o mesmo ritmo de modernização, a grande concentração dos círculos literários e artísticos, giravam em tornos dos cafés, o que atribuía ao espaço da cidade um local importante para as trocas de investigações literárias, estéticas, e científicas de um modo geral e que caracterizavam a vida urbana como um espectro de idéias cosmopolitas e modernas. Os principais grupos de artistas da Alemanha, daquele período o Die Brücke (A ponte) e o Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul), aglutinaram-se nestes espaços de convivência. Figuraram como movimentos importantes entre grupos de artistas do período, que fomentaram discussões e formulações sobre a nascente arte moderna no círculo germânico.

Não só em Berlim como em várias outras cidades da Alemanha, notava-se uma hostilização crescente ao academismo nas expressões artísticas. Em várias cidades emergiam e organizavam-se artistas voltados às linguagens modernas. Como exemplo desta situação, citamos o apoio das municipalidades a grupos como a Associação dos Abstratos de Hanôver; a Associação dos Artistas Plásticos Revolucionários em Dresden e a mais representativa Escola da Bauhaus em Weimar, que figurou como uma das mais importantes escolas do modernismo, sobretudo, relacionado ao design e arquitetura. Porém sua influência fora fortemente marcante nas artes plásticas, principalmente sobre o abstracionismo de Wassily Kandinsky e Paul Klee e sobre o movimento do neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo Van Doesburg.

A modernização artística e cultural se direcionava no sentido de desviar-se de toda expressão que representasse culto ao passado e se interessava pelo desenvolvimento de novas vias artísticas que projetasse a Alemanha como um grande centro atualizado com sua época. Desde a belle-époque a Europa vivia um clima de efervescência cultural principalmente

7 Afirmação de Elias Canetti sobre o clima de Berlim e o âmbito de aceitação de novidades, citado in:

fomentado pelas políticas de modernização e remodelação das principais cidades e capitais. Os novos paradigmas do moderno trazidos pelos círculos literários e artísticos imprimiram às cidades, novas mentalidades principalmente no tocante a um novo estilo de vida e a um desprezo sistemático a todas as instâncias que estivessem atreladas ao passado e à tradição classicista.

As reformas urbanas e as nascentes relações sociais trazidas pelo contexto de industrialização e modernização das cidades imprimiram uma nova sensibilidade de sentir e de perceber o mundo. Tais percepções foram primeiramente apreendidas pela literatura seguidas pelas artes plásticas. A arquitetura tampouco ficou atrás. Ao acompanhar este período de modernização a Europa assistia ao estilo do art nouveau como uma introdução de novos padrões e materiais que tornassem a decoração mais leve e dinâmica. No entanto, este estilo ainda guardava muito do decorativismo e das estruturas arquitetônicas dos modelos classicizantes. Ainda nesta tentativa de um estilo mais sóbrio que acompanhasse o dinamismo da vida moderna, desenvolveu-se o art-déco como uma escola arquitetônica de estrutura monumental, mas com linhas simplificadas resumidas à suas funções específicas. Desenvolveu-se com uma decoração muito tímida e discreta que acompanhava as relações de funcionalismo das estruturas.

Mesmo com tais escolas, a arquitetura ainda não havia alcançado o desprendimento do universo clássico, tal como proposto pelo paradigma moderno, já assentado e assumido como um valor do progresso e da cultura. A grande renovação da linguagem arquitetônica passa a ser revelada com a escola da Bauhaus fundada em 1919 na República de Weimar por Walter Gropius que ao assumir a diretoria da Escola de Belas-Artes a remodela segundo princípios situados. A questão para a Bauhaus era assumir uma linguagem moderna que considerasse o elementar de cada forma associada à sua função e principalmente associar a produção artística à vida cotidiana. Tal aspiração foi responsável pelo desenvolvimento da Bauhaus como uma escola de design e voltada a uma decoração funcionalista e dinâmica, assim como o padrão moderno exigia.

Vários artistas de renome na época se agregaram à Bauhaus como um núcleo de estudos e ensino das questões artísticas, sobretudo, relacionadas à forma. Artistas, arquitetos e projetistas dos movimentos de vanguarda da Rússia e do leste europeu se dirigiram para esta escola após o recrudescimento da política soviética. Intelectuais como Kandinsky, El Lissitsky, Moholy-Nagy foram professores e mestres de novas experimentações estéticas. A instituição que fora edificada pelos princípios da Bauhaus, proporcionou uma revolução na maneira de conceber e de articular utilidade, funcionalidade e qualidade estética no mesmo

projeto. Ancorados pelo clima de liberdade criativa e de experimentação, que artistas como Kandinsky e Theo Van Doesburg puderam encaminhar-se por pesquisas da estética abstrata, no estudo dos elementos estruturais da pintura, tais como a linha e a cor. Tais estudos produziram um forte impacto nas artes plásticas e introduziram novas linhas de pesquisas estéticas entre artistas do mundo inteiro.

As pesquisas levadas a cabo por Kandinsky, Paul Klee e Theo Van Doesburg trouxeram ao campo das artes plásticas novas informações e teorias, como as teses da gestalt que será consolidada como uma teoria importante para concepção e compreensão da estética abstrata. Neste contexto, situamos o interesse de Pedrosa pelas teses da psicologia da forma, pois não somente despontavam como novas teorias na área da psicologia experimental, como também se colocaram como um instrumental teórico fundamental para as pesquisas estéticas. É na Berlim da República de Weimar que tais pesquisas encontram suporte e é neste contexto de vanguardismo e experimentação que se situa a estada de Pedrosa em Berlim, como a configuração de uma época que o nosso crítico vai absorver.