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1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

1.5 AS INFLUÊNCIAS TEÓRICAS E AS PESQUISAS ESTÉTICAS: OS

1.5.1 Kandinsky: Entre a razão e a emoção

As pesquisas estéticas desenvolvidas por Kandinsky trouxeram à arte um novo axioma plástico, pois desafiavam o preceito da alusão temática para dedicar-se à uma relação sensível com a obra artística, onde o diálogo do espectador não seria mais com a significação do tema, mas sim como uma relação sinestésica com as cores e formas do espaço pictórico. Suas investigações estéticas não partiam da escalada cubista e também não tinham identificação

com as aspirações construtivistas, mas foram definidas por ele, como uma “determinação” ou “necessidade interior” de exprimir-se e levar ao público suas intenções. Em seus estudos de

História da Arte, Kandinsky já identificara nos coloristas italianos uma vívida expressão que tornava a comunicação da plástica bidimensional muito mais sensitiva e atraente e desde então, investia na cor como o elemento significante que poderia ocupar o lugar do tema e do conteúdo clássico.

Kandinsky formara-se em direito, mas não encontrava razão no exercício da magistratura. No entanto, tais estudos jurídicos o habilitaram para uma visibilidade clara de preceitos conceituais abstratos que lhe serviram como um suporte metodológico para o estudo e teorização das cores. As teorias do artista agregavam muito do idealismo alemão, principalmente da filosofia romântica de Fichte e Schelling, no tocante à maneira epistemológica da abordagem do significado. Partindo desta perspectiva, o significado do conteúdo não encontra-se em si mesmo, mas em relações arquetípicas e análises simbólicas que remetem à conteúdos culturais ancestrais. Nesta vertente encaminham-se tanto as

premissas simbolistas, quanto as premissas “espirituais”13

que Kandinsky quis infundir à sua arte.

O artista estivera ligado ao circuito de artistas de Munique, porém, as frequentes críticas às suas obras que se distanciavam cada vez mais da figuração, levaram-no à demissão do cargo de Presidente da Nova Associação dos Artistas de Munique (NKVM). A partir desta

13Kandinsky usa o termo “espiritual” para referir-se ao conteúdo pulsante da obra de arte, podendo ser este a

relação com a emoção, os sentimentos suscitados por cada elemento do conjunto pictórico da obra, como também um sentido de inclinação mística que envolve concepções teosóficas que também influenciaram as teorias coloristas do artista.

ruptura, Kandinsky se associa a Franz Marc e lançam a publicação de seu grupo “Der Blaue

Reiter”, como um manifesto de suas propostas artísticas. Com o grupo, Kandinsky pôde desenvolver suas premissas com relação à uma arte que se detivesse nos elementos puros do espaço pictórico, neste sentido as experimentações estéticas não somente apontavam para uma crescente abstratização, como também o artista assim o desejava. Neste sentido, a abstração não foi uma consequência das pesquisas, mas era, desde o princípio, a causa das mesmas e uma intenção manifesta nos textos e livros publicados pelo artista. Sobre objetivos de seus escritos, ele escreve:

Os meus livros Do Espiritual na Arte e Der Blaue Reiter tinham por objetivo principal despertar as faculdades de viver o espiritual nas coisas materiais e abstratas que nos permitem viver experiências infinitas e necessárias para o futuro. O desejo de despertar esta faculdade geradora de alegrias nas pessoas que ainda não a tinham era o objetivo principal das duas publicações. (KANDINSKY, apud DÜCHTING, 2007, p.140)

As idéias de Kandinsky encaminhavam-se por orientações místicas, sublevadas sobretudo, pela filosofia romântica alemã e por idéias simbolistas do período. As composições abarcam reminicências figurativas, e qualidades sinestésicas a partir de elaborações chamadas de sonoridades das cores, que segundo as teses do artista atribuíam características e valores subjetivos às cores primárias e secundárias. As cores então, assumem os caracteres que a linguagem figurativa ocupara outrora. Associada às teses coloristas, outra constante nas pesquisas do artista será o problema da forma. Nesta investigação, Kandinsky disseca a estrutura da pintura e do desenho em seus componentes elementares - ponto, linha e superfície - para então, a partir de suas estruturas básicas reinaugurar uma imagética artística e resignificar as relações do espectador com a obra de arte.

Figura 2- Wassily Kandinsky, Composição IV, 1911.

Fonte: DÜCHTING, Hajo. Kandinsky 1866-1944- A Revolução da Pintura. Cingapura: Taschen/ Paisagem, 2007.

Quando Kandinsky ingressa na Bauhaus, terá a oportunidade de reestruturar suas ideias a fim de agrega-las ao seu programa pedagógico e para tanto as complementa com as novas teses da psicologia da forma como um suporte científico para as relações que ele mesmo já vislumbrava como intrínsecas ao objeto artístico. As teorias e acepções da gestalt lhe farão aperfeiçoar seus estudos e atribuirão às suas composições um caracter mais equilibrado e racional, nas relações entre as cores e as formas, permitindo uma análise mais objetiva de seus critérios estéticos que outrora foram acusados como “espiritualismo puro” e

“insignificantes”. 14

Quando esteve na Bauhaus, Kandinsky revisou suas teorias a fim de sistemátizá-las para os cursos que ministrou. Os objetivos da Escola da Bauhaus em Weimar sob a direção de Walter Gropius iam ao encontro às experimentações estéticas e teóricas do artista russo e acolheram-no como um mestre importante para os cursos de pintura onde pôde desenvolver sua teoria das cores e das formas. O objetivo de Gropius era de unir as artes plásticas com as artes aplicadas, projeto este que encontrava eco e diálogo com a ideia mística de Kandinsky que acreditava em uma linguagem universal que unisse todas as artes. Desde seus estudos

14 Referência à crítica de Nikolai Punin em Petrogrado na ocasião da Exposição da Pintura Moderna Russa, onde

o crítico tece duras considerações sobre Kandinsky e que sinalizam o isolamento do artista com relação a uma ausência de critério científico para suas teorias. Escreveu o crítico: “Não sou o único a acreditar na seriedade absoluta e profunda deste pintor, e creio que é um homem cheio de talento. Não obstante, as criações artísticas de Kandinsky são insignificantes. Enquanto a sua obra se limita dentro do círculo do espiritualismo puro, ele transmite-nos certas sensações, mas assim que começa a falar na ‘linguagem das coisas’, torna-se não apenas

um mau artesão (desenhador, pintor), como também num artista vulgar e mesmo medíocre.” Citado in:

com peças musicais, o artista estava convicto da existência de uma “correspondência interior” entre a obra artística e o espectador. Em Weimar, Kandinsky pôde estudar as teorias

gestálticas e encontrar nas relações psicológicas da percepção a “correspondência interior”

que vislumbrava em seus primeiros estudos. Na Bauhaus, pôde também experimentá-las com total liberdade em suas investigações plásticas, o que resultou em composições artísticas

“espirituosas” e ao mesmo tempo equilibradas em suas relações internas entre tensões de

linhas e cores.

Figura 3: Wassily Kandinsky, Composição VIII, 1923.

Fonte: DÜCHTING, Hajo. Kandinsky 1866-1944- A Revolução da Pintura. Cingapura: Taschen/ Paisagem, 2007.

Com o ingresso de novos profissionais, a orientação da escola inclina-se para objetivos técnicos e funcionais com uma linha de pesquisa fortemente construtivista. Nesta nova fase, Kandinsky segue com suas pesquisas, mas encaminha-se para uma vertente racionalista com

composições marcadas pelo rigor e pela lógica. Neste período, tem início a sua fase “fria” que

investe na estruturação das tensões das formas no quadro e menos na energia e contrastes entre as cores. Com a mudança física da escola da Bauhaus para Dessau, Kandinsky pôde retomar as pesquisas estéticas relacionadas às abordagens das cores, sobretudo, devido ao convívio próximo com Paul Klee e com a retomada de aulas de pintura livre, que para além de análises da forma, poderiam experimentar composições e relações pictóricas. No entanto as orientações da Bauhaus sofrem novo recrudescimento quando Meyer assume a administração e objetiva centrá-la como uma escola de criação e designer funcional. Tal caracter funcionalista anulava o esteticismo e esvaziava as investigações e experimentações estéticas dos trabalhos de Kandinsky e de Klee. Ambos se desligam da instituição quando Mies Van

der Rohe assume a direção e a transforma em uma pura Escola de Arquitetura. Pressionado pelas tensões políticas Kandinsky muda-se para Paris e encaminha-se para um vocabulário plástico mais próximo do surrealismo, abandonando o cientificismo de suas pesquisas. Os anos da Bauhaus atribuiram à produção do artista a edificação de uma linguagem abstrata e emotiva, mas baseada na razão e no equilíbrio formais, onde o aporte da psicologia da forma foi-lhe uma ferramenta importante para a análise e aprofundamento da obra artística, enquanto estrutura autônoma e enquanto objeto visual de seu espectador.