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1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

2.4 A PSICOLOGIA DA FORMA VISTA POR MÁRIO PEDROSA: TEMAS

2.4.1 Reverberações Teóricas

A problemática da tese de Mário Pedrosa reside em estudar como a forma da obra de arte afeta a percepção humana, e quais os processos envolvidos neste mecanismo. A tese quer evidenciar desta maneira, o momento de encontro da percepção humana com a forma do objeto de arte, e é este encontro relacional que será o foco das atenções de Pedrosa ao longo do estudo. Sua averiguação, porém, será desenvolvida de modo sistemático e gradativo, pois o

42 Jauss é um dos teóricos da Estética da Recepção e desenvolve atribuições para a relação entre o espectador e a

obra de arte. A preocupação deste teórico incide sobre a “experiência estética”, ou seja, a relação espectador- obra de arte visando preencher uma lacuna nos estudos da disciplina Estética que se detinham nas questões metafísicas e filosóficas do campo artístico e pouca atenção dispensavam à relação fenomenológica do sujeito com o objeto de arte. Assim, Jauss questiona o senso comum que associa a produção artística como atributo do gozo estético idealista e a redimensiona como uma área do conhecimento solidamente fundamentada na tradição de uma fortuna crítica da filosofia que transformou a Estética em disciplina científica e autônoma. Sua importante obra Pour une esthétique de la réception, discute sobretudo, relações de significação com textos literários. Esta obra, no entanto, traz um capítulo que se detém às questões artísticas em Petite apologie de

l’expérience esthétique, onde o autor enreda várias teses que atribuem novo estatuto à experiência estética no

mundo moderno. Na medida em que a arte se distanciou da dimensão representativa das classes nobres e burguesas, diz o autor, ela pôde atrever-se às outras investigações e estabelecer uma nova relação com o prazer, não mais atrelado ao sentido do gozo estético do belo e da virtude, tal como previsto pela tradição da filosofia clássica que fundamentou os parâmetros da prática artística até meados do século XIX. Esta nova acepção de “prazer” está associada ao envolvimento lúdico do espectador com a obra de arte, a partir de uma “experiência”, ou seja, um momento de encontro descrito em três dimensões: a da Poiesis, da Aesthesis e da Catharsis, que respectivamente remetem-se a um sentimento de sentir-se do mundo; uma nova forma de perceber o mundo e por último, o usufruto da obra de arte em uma relação não pragmática com a significação ou atividade real. Neste sentido, a nova relação de experiência com a arte dá-se na vivência com a proposta do objeto artístico, que uma vez desvinculado do compromisso com o belo e com o pragmatismo burguês, pode oferecer ao seu interlocutor, diversas outras dimensões perceptivas e lúdicas das realidades vividas.

crítico, ao desenvolver o estudo, o divide em quatro partes independentes, que abordam as questões da gestalt aplicada à arte em diferentes nuances: As leis da estrutura, Figura e fundo, Forma e significação e Forma e expressão.

Mário Pedrosa inicia sua tese enunciando o problema da percepção e, imediatamente, insere-se nas teorias da psicologia da forma, oferecendo ao leitor uma sistematização das leis psicológicas que regem a estrutura da visão agregadas a reflexões sobre o campo das artes e suas implicações estéticas. Enunciadas as leis da estrutura, Pedrosa se atém ao estudo atento sobre a relação Figura-fundo e suas implicações perceptivas. Demonstra vários experimentos com figuras e comenta conclusões alcançadas. Tal conteúdo é tratado de maneira técnica e situa as leis da gestalt em uma dimensão um pouco distante da problemática artística.

Em um segundo momento, o crítico parte à relação Forma e Significação, explorando os processos cognitivos sobre a elaboração mental de significação, sobre o que afeta a percepção.

Explora o fenômeno da “experiência primeira”, como uma experiência estética desconhecida,

que envolve uma nova interação entre o sujeito e o objeto artístico e opõe esta situação à teoria de que toda experiência perceptiva somente tem um significado para o indivíduo, se houver uma identificação com as experiências vividas e acumuladas na memória. Pedrosa

desenvolverá longa discussão sobre esta díade “experiência primeira” e “memória”,

atribuindo à tese da originalidade da primeira aquisição experiencial, todo o aporte teórico das leis gestaltistas e de suas evidências empíricas.43

Interessado por esta linha de pesquisa, Pedrosa atribuirá à “experiência primeira” uma

importância relevante na relação fenomênica com a arte, pois é neste primeiro contato que o aparato perceptivo do indivíduo estará processando e assimilando um novo conhecimento para tessitura de um repertório sensório mais abrangente. No entanto, este primeiro contato

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Para Mário Pedrosa a questão da experiência é uma abordagem fundamental na análise artística. Desde o início de sua tese, Pedrosa assinala a importância da experiência com a forma da obra de arte a fim de construir com ela, a sua significação, rejeitando, para tanto, o papel da memória e de experiências passadas. Esta problemática da experiência estética já fora desenvolvida por John Dewey em sua obra Arte como experiência de 1934. Embora pareça anacrônico assinalar a abordagem da mesma problemática, nota-se em Dewey uma concepção de experiência artística definida como uma atividade livre e prazerosa e apresenta uma perspectiva diversa daquela constituída pelas teses gestálticas que estabelecem a experiência como um momento em que o aparelho perceptivo humano realiza uma aquisição fisiológica dos dados que foi capaz de perceber e captar. Vê-se uma relação mais clara entre as idéias de Dewey e a estética da recepção de Jauss, do que com as idéias de Pedrosa, à época da tese. Ambos, tanto Dewey, quanto Jauss se debatem com as idéias de Kant e o tomam como ponto de discussão. Kant fala das “Belas Artes” como uma arte do prazer estético, mas cunhada no sentido do bem e da virtude. Jauss falará que o prazer estético deve estar no lúdico da experiência e do prazer estético que a agregação de uma nova forma de percepção proporciona. Parecem-nos interessante tais apontamentos, pois as teses de Dewey apontam orientações próximas às teses fenomenológicas que posteriormente foram desenvolvidas por Merleau-Ponty. No momento de sua tese, Pedrosa situa-se em uma abordagem que busca uma regularidade conceitual para melhor compreender o sistema de percepção humano a fim de associá-lo à assimilação dos novos parâmetros da arte abstrata. Diante de tal panorama, assinala-se a abordagem da mesma problemática, no entanto pensada a partir de esquemas conceituais diversos.

não deve ser mediado por informações externas a ele, pois a forma em si, traz consigo estruturas intrínsecas que serão apreendidas pelos processos gestálticos da percepção. Sobre este momento, Pedrosa diz:

Estas impressões primeiras serão o alicerce da impressão estética, nas quais a arte se funda e perde sua força expressiva, sua pureza, quando essa percepção global sincrética se mescla com preocupações analíticas, ou exigências externas ao indivíduo, didáticas, científicas, intelectuais, morais, religiosas, práticas, etc... a arte deixa de ser fim para ser meio.44 (PEDROSA, 1996,p.108)

Mário Pedrosa investe neste conceito de “experiência primeira” como um encontro

entre o indivíduo e a obra de arte, assinalado como um momento de descoberta. No entanto,

esta “descoberta” deve ser “pura”, ou seja, o indivíduo deve estar munido somente de sua capacidade perceptiva e não estar carregado e “contaminado” com bagagens teóricas e

abstrações conceituais que atrapalhariam o mecanismo natural de percepção das

características inerentes à forma do objeto artístico, pois “processos como os analíticos

dissecam e retalham essa impressão, destruindo as qualidades sensíveis que nos deram o

conhecimento primeiro do objeto”. Nota-se neste argumento a influência das teses de Koffka

sobre a questão dos valores pré-concebidos da obra de arte. Fraccaroli explicita as ideias do teórico alemão, onde se aborda a influência dos postulados culturais como um direcionamento condicionante à visão e apreensão da obra de arte, relação esta que deveria ser espontânea e desvinculada de formulações conceituais :

A resposta de Koffka é em termos do que ele chama “conceito de classe”. Em consequência de preocupações de ordem cultural, ou seja, de preconceitos intelectuais, morais e religiosos, o sujeito se desvia da percepção espontânea e puramente formal do objeto. Há uma cortina de bagagem cultural que lhe impede esse contato direto com os valores reais de uma obra de arte.45 (FRACCAROLI, 1952)

Sobre esta questão, Pedrosa recorre às ideias de outro teórico, H. Delacroix46 onde observa que “a arte restaura o valor dessa qualidade sensorial em que nossa consciência está imersa, e da qual a ciência aspira emancipar-se”. A arte traz em seu bojo a possibilidade de uma experiência estética e uma espécie particular de conhecimento que a ciência cartesiana

44 PEDROSA, Mário. Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte. In: Forma e Percepção Estética: Textos

escolhidos II- Otília Arantes (org.)- São Paulo: EDUSP, 1996. (Parafraseado) P.108.

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Citado por FRACCAROLI, Caetano. A percepção da forma e sua relação com o fenômeno artístico: O problema visto através da Gestalt. Aula nº 30-Plástica III, Setor de publicações, FAU-USP, 1952.

46 DELACROIX, H. Psychologie de l’Art, Paris, Alcan, 1927. Pedrosa cita diversos autores em seu trabalho que

desenvolveram questões sobre a mesma problemática da psicologia da forma e da psicologia da arte. Com estas citações, evidencia-se o profundo interesse por esta questão e o esforço do crítico em informar-se sobre o assunto.

deprecia por considerar potencialmente subjetiva e carente de métodos racionalizáveis. Em comparação à teoria do Einfühlung47, Pedrosa assinala que a experiência estética ali é manifesta no sentido do criador, do artista, pelo fato de o espectador colocar-se no lugar do artista, e relacionar-se com esta arte partindo de emoções e movimentos internos. Segundo esta vertente interpretativa, a emoção estética se enquadra como uma experiência puramente subjetiva. Para a teoria gestaltiana, no entanto, não há tamanho subjetivismo, uma vez que a experiência estética se vincula a um esquema motor cerebral designado por processos fisiológicos, se faz possível o desenvolvimento de análises cognitivas e estéticas dentro de parâmetros previsíveis.

É justamente esta discussão ‘objetividade X subjetividade’ que Pedrosa levanta e

encontra na gestalt a vertente “científica,” munida de uma sistemática metodológica e

postulações verificáveis que atribuiriam à arte a credencial de ciência do conhecimento, ainda que, como uma área com especificações peculiares. Após as investigações pela gestalt e notando sua insuficiência teórica para dar conta das novas acepções estéticas do neoconcretismo, Pedrosa também buscará aporte na fenomenologia, pois encontrará nesta um alargamento conceitual para poder avançar na compreensão da subjetividade que, percebe ali, ser inerente à experiência estética. Antes, porém, de enamorar-se das questões fenomenológicas, o crítico encontrará apoio metodológico nos conceitos da psicologia da forma, os quais por um período demonstraram ser um terreno seguro e suficiente para explorar e compreender os parâmetros da percepção humana enquadrando-a nas demandas da estética abstrata.

Em sua tese, Pedrosa assinala que estetas e historiadores que não conhecem essa teoria da percepção gestáltica, quando vão tratar de arte, não conseguem sair de um círculo vicioso, pois ou se delimitam ao campo da pura técnica plástica ou recaem no universo do subjetivismo abstrato. Interpretam a arte como técnica ou como impulso subjetivo e ignoram as questões científicas que englobam o campo artístico, tais como os estudos da geometria, linhas e cores, como também as relações visuais e perceptivas que se agregam como leis naturais ao pressuposto do fenômeno artístico, tanto em sua criação, como em sua apreensão.

Um exemplo expressivo do impacto gerado pelos estudos gestálticos sobre as formas de conhecimento da percepção artística, foram os estudos desenvolvidos na Escola da Bauhaus nos períodos em que se desenvolveu em Weimar e em Dessau. Esta escola legou às

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Einfühlung é a palavra alemã que significa entendimento ou empatia e foi usada por fenomenólogos como Edmund Husserl para explicar uma forma de conhecimento que procura entrar na experiência de outro ser humano e conhecer e sentir o mundo da mesma forma que esse ser humano.

artes e ofícios do século XX uma experiência revolucionária, em um momento curto, mas muito prolífero no campo das artes e das ciências, pois incorporou criatividade e experimentação exuberantes na pauta de suas criações. A Escola articulou um parâmetro modernizante que visava criar uma linguagem funcional que se despisse de toda a tradição clássica, onde qualquer ornamento deveria ser eliminado em prol do princípio em que a forma seguia sua função. Para tanto a Escola da Bauhaus se apoiou fundamentalmente nas teses gestálticas como fundamentos para suas criações.48 Estas teses descrevem e caracterizam a constituição elementar das formas e foram tais leis gestálticas de fechamento, de boa-forma, de continuidade, entre outras, que nortearam a estética que a escola desenvolveu.49