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1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

2.7 PESQUISAS POSTERIORES À TESE DE 1949

O interesse de Mário Pedrosa pelas teses da gestalt é marcado pelo desenvolvimento da tese Da natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, e por sua inclinação pró-ativa com relação ao estímulo às produções estéticas dos artistas do grupo Frente no círculo intelectual carioca. Pedrosa estimulava os artistas a desenvolverem experimentações estéticas, embasados pelas teses psicologia gestáltica, de modo a suplantarem a percepção figurativa e investirem em ritmos e modulações inovadoras no espaço bidimensional.

No entanto, este interesse pela gestalt, não se circunscreve somente ao período da tese. Em pesquisas realizadas no Acervo Mário Pedrosa na Fundação Biblioteca Nacional no Rio de janeiro, localizou-se um dossiê com manuscritos de Mário Pedrosa, nos quais se encontram anotações descontínuas sobre diversos autores. Tais anotações foram sortidamente redigidas em vários idiomas - inglês, francês, alemão, espanhol, além do português - que podem sinalizar-se como fichamentos e apontamentos sobre leituras e pesquisas realizadas pelo crítico. À primeira página do dossiê encontra-se uma anotação lateral, “este é o problema de minha tese”, que porventura, pode estar se referindo à tese de 1949, Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, uma vez que vários dos autores e temas citados nas inscrições manuscritas, referem-se ao tema da percepção artística. Embora a caligrafia de Mário Pedrosa apresente caracteres ilegíveis, alguns autores foram identificados nas citações, tais como: Cassirer, Arheim, Hegel, Merleau-Ponty e Riegl. Nota-se então, que ao lado de suas pesquisas sobre teóricos da gestalt, soma-se uma fortuna crítica de novas formulações teóricas que iam despontando nos campos da filosofia, da estética e da antropologia social.

Neste dossiê, distingue-se que dois autores são citados com grande frequência, são eles Roger Fry e Anton Ehrenzweig. Sobre as ideias destes autores, Pedrosa atém-se em longas reflexões e comentários. O dossiê não traz indicações com referência à data de inscrição. No entanto, pela abordagem das obras e autores, talvez fosse possível afirmar que o material tenha sido escrito em meados da década de 1950, pois a obra mais recente, dentre os autores citados, seria a de Anton Ehrenzweig, The psycho-analysis of artistic vision and hearing que fora publicado em 1953 em Londres. Com esta indicação cronológica, pode-se afirmar que Mário Pedrosa segue interessado pelas abordagens gestálticas e por toda sua reverberação

teórica, ao longo da década de 1950. Não se trata, portanto, de um crítico “novidadeiro” como

se lhe acusaram seus pares outrora, mas relaciona-se a uma busca dos fundamentos conceituais para uma arte que se queria racional e equilibrada.

Anton Ehrenzweig é especialmente citado pela obra The psycho-analysis of artistic vision and hearing publicada em 1953, por dedicar-se ao estudo pormenorizado da percepção artística. Em obra posterior, de 1965, The Psycho-analysis of Artistic Vision: An Introduction to a Theory of Unconscious Perception, o autor estabelece uma conexão entre as teses gestálticas e a psicanálise. Ehrenzweig propõe duas instâncias de percepção, a consciente denominada por ele de percepção de superfície, e a percepção inconsciente, denominada de percepção profunda inarticulada e articula um prolongamento teórico aos esquemas gestálticos, a partir do emprego da dimensão inconsciente e do dissecamento das várias camadas perceptivas. O estudo atento de Mário Pedrosa aos trabalhos de Ehrenzweig, aponta o acompanhamento dos desdobramentos teóricos das teses gestalticas entre as outras ciências. O crítico mantém-se atrelado às pesquisas gestálticas durante todo seu envolvimento com a arte abstrata e durante sua empreitada pela atualização86 das artes no ambiente brasileiro. Quando a arte se encaminha para novas experimentações e ganha o ambiente, as teses gestálticas não mais serão suficientes para o embasamento teórico de uma arte que opera com outros patamares perceptivos para além da dimensão visual, uma vez que estas teses

estabelecem leis que “engessam” a abrangência perceptiva. Este distanciamento das teses

gestálticas se consolida quando da publicação da tese Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte na obra Arte, forma e personalidade em 1979, momento em que Mário Pedrosa teria

86 A linguagem artística deveria ser atualizada, para que então o Brasil alcançasse o reconhecimento da crítica

mundial com uma linguagem inovadora e atual. Neste contexto Pedrosa foi o grande patrocinador e o primeiro a estimular a arte abstrata no Brasil, além de ser o seu principal teórico, enfrentando a resistência equivocada da crítica nacional.

declarado: “não tenho mais nada a ver com a Gestalt87” Para muito críticos e estudiosos da obra estética e política de Mário Pedrosa, esta declaração seria uma negação de todo envolvimento do crítico com esta vertente. No entanto, cumpre-nos assinalar que esta afirmação da crítica parece-nos anacrônica, pois centra-se na relação destas teses com o contexto artístico da década de 1970, que de fato não tinha mais nenhuma fundamentação fincada na formulação da psicologia da forma, uma vez que a arte não era mais forma, mas sim ideia, conceito. A questão não reside na invalidação das formulações gestálticas para pós- anos 1950, mas reside na própria problemática da arte das décadas subsequentes que direcionam-se para outras preocupações e abordagens.

Neste sentido, diante de todo o exposto, de todo o interesse e envolvimento de Mário Pedrosa com as teses da gestalt, assinala-se a importância desta teoria como um aporte teórico fundamental para as problemáticas artísticas alocadas na década de 1950. Problemáticas estas, para as quais, o crítico procurou formação, lançando-se em profunda e diligente pesquisa a fim de constituir uma crítica coerente, objetiva e fundada na tradição crítica e filosófica de sua época, à par de todas as novas teorias científicas que inundavam o campo artístico. A gestalt não mais serviu à arte, na medida em que a arte se direcionou a outras experimentações. É neste momento que Pedrosa a pretere por outras correntes que lhe ampare com maior alcance e liberdade criativa para suas inquietações estéticas.

87 Comentário citado por FRAYZE-PEREIRA, J. A. Estética da forma: Mário Pedrosa- crítica de arte,

psicologia e psicanálise. Artigo elaborado para o Colóquio Utopias Geométricas e Construtivas- Projeto Arte no Brasil: Textos críticos do século XX, sob a coordenação de Ana Maria de Morais Belluzzo, com apoio da FAPESP, realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo- USP, 11 e 12 de junho de 2007, p. 133.

3 O ENTROSAMENTO COM A OBRA DE ALEXANDER CALDER: