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UM CONTRAPONTO DA ESTÉTICA ABSTRATA: O EXPRESSIONISMO

1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

1.10 UM CONTRAPONTO DA ESTÉTICA ABSTRATA: O EXPRESSIONISMO

Ao abordar a estética abstrata e o envolvimento de Mário Pedrosa com tais questões, faz-se necessário assinalar, outras vertentes abstratas que foram contemporâneas às idéias do crítico brasileiro. Faz-se necessário este contraponto, a fim de evidenciar o caráter construtivo da abordagem de Pedrosa e sua vinculação com um aparato teórico pari passu com a sociedade da técnica e da ciência, e sobretudo, de uma preocupação constante com uma fundamentação da arte abstrata que não estivesse atrelada ao puro subjetivismo plástico. No entanto, paralelas à estas concepções, corriam outras formulações que se afirmavam a partir da expressão abstrata subjetiva. Era a formação de uma Escola, que não só afirmava uma estética organicamente sua, como também, atraia o próprio circuito das artes para solo norteamericano.

Clement Greenberg foi um crítico de arte de grande relevância no debate sobre a abstração na história da arte ocidental no século XX. Sua influência foi decisiva para a afirmação do expressionismo abstrato e para geração de artistas norte americanos da década de 1950. Não somente por participar ativamente deste movimento, mas, sobretudo, por realizar uma obra que efetivamente propõe um discurso situado da arte e de seus pressupostos estéticos. Foi um teórico portador de uma crítica incisiva, com argumentos, por vezes, com pontos de vista absolutos, o que lhe renderam críticas contundentes por parte da geração de críticos com os quais dialogava. Greenberg foi um crítico que se engajou nas posturas artísticas e críticas que assumiu, uma vez que “seu envolvimento com a produção moderna

não derivava de obrigação profissional ou acadêmica e sim de uma real afinidade”

30

(GREENBERG,1996 p.8), relação tão próxima com a arte moderna que as premissas do crítico se diluíam em um discurso categórico e confiante.

30 A citação refere-se ao ensaio de Rodrigo Naves sobre Clement Greenberg. NAVES, Rodrigo. As duas vidas de

Em seu texto seminal sobre a Pintura Modernista, Clement Greenberg lança suas concepções teóricas sobre a arte moderna, ou antes, da própria essência do moderno. Traça um percurso de idéias que remonta ao cerne do pensamento da Idade Moderna que teve por base a autocrítica de toda sua estrutura racional e filosófica. O próprio iluminismo que se constituiu como um movimento esclarecido de conhecimento e organização do saber tem início em uma perspectiva de crítica à um modelo social, político e econômico em franco sinais de desgaste e decadência. Greenberg delineia uma estrutura de pensamento que tem por base a idéia de crítica e crise, pois só há crítica quando há crise e necessidade de uma solução dialética, ou seja, uma nova reformulação a partir dos velhos pressupostos.

O pensamento de Greenberg segue as mesmas inflexões iluministas e apresenta uma filiação quase doutrinária do método e da perspectiva filosófica de Kant, intelectual que lhe desperta peculiar interesse. Assim como o filósofo vale-se dos limites da razão para balizar e estabelecer uma análise crítica da própria razão, o crítico desenvolve um método semelhante. Vale-se das premissas da arte, ou de uma perspectiva metalingüística a fim de articular uma autocrítica da própria arte sobre si mesma, de seus pressupostos e práticas a fim de estabelecer uma nova concepção sobre produção artística.

A crítica sobre arte vem de si mesma, em um movimento endógeno, num exercício de autocrítica e autodefinição. A área de competência de cada arte tem a ver com a natureza de

seus meios, onde cada arte encontraria sua “pureza” no fato de delimitar a circunscrição

epistemológica de sua existência e assim garantir padrões de qualidade e independência. A partir desta perspectiva maiêutica da crítica kantiana, as artes só se redimiram do questionamento, quando demonstraram que o tipo de experiência que propiciavam era válido por si mesmo e não podia ser obtido por nenhum outro tipo de atividade, atribuindo-lhe assim legitimidade e estatutos epistemológicos.

O paradigma da arte naturalista dissimulara os seus meios, usando a arte para ocultar a arte, onde copiar o real implicava em dissimular os componentes da pintura, de modo que não se pusessem evidentes no plano pictórico, o que se realizava de fato era a subversão da visão

ao “entrincheirá-la” no reconhecimento fidedigno do real. Em contrapartida, o modernismo

usou a arte para chamar atenção para arte, evidenciando-lhe as ferramentas tanto materiais quanto pictóricas, bem como seus processos de constituição.

O que outrora era depreciado, sob o modernismo as mesmas evidências processuais da matéria artística passaram a ser vistas como fatores positivos, passando a ser publicamente reconhecidas. Para Greenberg a definição de arte moderna está naquela que evidencia os

próprios processos do fazer, deixa indícios do “modus operandi” da arte e compartilha com o público os liames entre a concepção, criação e realização do fenômeno artístico.

Greenberg não chega a formular uma teoria propriamente original da arte moderna. Seus textos sempre curtos, diretos e abrangentes sintetizavam idéias que encontravam formulações em outros autores, geralmente em escritos de artistas. Um texto de Maurice Denis de 1890, intitulado Definição do Neotradicionalismo, evidencia premissas das quais Greenberg compartilha: “Lembrar que a pintura, antes de ser um cavalo de guerra, uma mulher nua ou qualquer anedota é essencialmente uma superfície plana coberta com cores

numa determinada ordem.”31

(Ibid,p. 10)

Para Greenberg, a modernidade artística está na evidência do processo e não no foco do que de fato se quer representar. Notadamente as idéias de Greenberg apresentam filiações teóricas em historiadores da arte como Wölflin e Wörringer, e associa-se a vertente de uma tradição formalista da arte, pois o crítico volta-se a questões formais em detrimento de questões de tema e conteúdo. O crítico privilegia a conquista da planaridade e assinala que a única e exclusiva qualidade da pintura é a bidimensionalidade, diz o crítico “Por ser a planaridade a única condição que a pintura não partilhava com nenhuma outra arte, a pintura

modernista se voltou para a planaridade e para mais nada.”32

(COTRIM; FERREIRA, 2001,p. 103). O modernismo rompe com a tridimensionalidade que diretamente estava associado ao conceito de ilusão. A partir de então a pintura modernista liberta-se da mimese e evidencia-se como pintura, como um ofício manual com características e concepções próprias.

Na busca de traçar o característico da arte modernista, Greenberg vai se aproximando das questões estéticas que quer enunciar, para então postular o patrocínio de seu movimento artístico. Ao conceituar os termos da arte e de seus axiomas, ao delimitar um domínio próprio da pintura e assumir a planaridade como característica fundacional da condição de pintura, ainda que forçosamente, o crítico assinala a relação que deseja estabelecer:

A tridimensionalidade é o domínio da escultura, e para preservar a sua própria autonomia, a pintura teve, principalmente, que se despojar de tudo o que podia partilhar com a escultura, e foi nesse esforço, e não tanto -repito- para excluir o representativo ou literário, que ela se tornou abstrata. (Ibid,p.104)

A arte abstrata para Greenberg seria o ponto mais representativo da idéia que o crítico constrói sobre arte moderna. Quando articula que o modernismo se orienta em uma direção

31 Citado In: NAVES, Rodrigo. As duas vidas de Clement Greenberg In: GREENBERG, C. Arte e Cultura-

Ensaios críticos. São Paulo: Ed. Ática, 1996.p.10

32 GREENBERG, C. A Pintura Modernista (1960). In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (org.). Clement

anti-mimética, que quer se libertar da figuração matérica da escultura e da tridimensão, afirma que a pintura modernista se tornou mais consciente de si mesma. Ao buscar um distanciamento da tradição e se lançar à novos pressupostos estéticos, o crítico falará na postura empírica que expôs a arte a novos riscos e a busca de novas normas.

O modernismo, segundo esta concepção, teve por base não a fixação de normas disciplinadoras de uma estética, foi antes a descoberta de que é possível ampliar esses limites estéticos indefinidamente. Assume a liberdade de criação, porém assume também a consciência de que quanto mais amplos os limites da arte, mas coerência empírica deve ter a proposta artística. Cada artista, ou movimento, vai articular sua criação em um campo de regras claras e definidas a fim de manter o estatuto artístico. O exemplo enunciado por Greenberg é Mondrian que se encaminha para absoluta abstração a partir de uma estética definida e disciplinada.

O modernismo para Greenberg é uma arte que se quer “liberta” dos pressupostos

clássicos, mas que mantém regularidades normativas. Não é uma arte livre de regras, antes é a liberdade de ampliar os estatutos normativos de acordo com as propostas que se quer experimentar. Daí o crítico enuncia que o modernismo não tem um programa específico, o que se observam são propostas e caminhos individuais que, sobretudo, convergem à um núcleo comum. Um núcleo de autocrítica e autoconsciência da pintura. Embora estas propostas individuais tenham fomentado diversas linhas artísticas, as estruturas da pintura ainda se mantinham em torno da planaridade e do pictórico. Neste sentido Greenberg afirma:

(...) a arte segue seu caminho sob o modernismo da mesma maneira que antes. Além disso, não e supérfluo insistir que o modernismo jamais pretendeu, e não pretende hoje, nada de semelhança a uma ruptura com o passado. Pode significar uma transição, uma separação da tradição, mas significa também o prolongamento de sua evolução. A arte modernista estabelece uma continuidade com o passado sem hiato ou ruptura, e seja qual for seu término, nunca deixará de ser inteligível em termos de continuidade da arte. (Ibid, p. 107)

Embora a arte moderna inaugure novos repertórios artísticos e vanguardas estéticas, as condições estruturais da arte mantêm-se as mesmas como uma continuidade da tradição, ainda que com outros pressupostos. A idéia de concepção, escolha deliberada, criação e realização da arte seguem as mesmas. O modernismo em si não é uma escola teórica é antes a conjugação de possibilidades teóricas e possibilidades empíricas, ainda que, desfazendo-se de alguns dos pressupostos que antes eram condição “sine qua nom” para a fruição estética. A grande novidade do modernismo é ter sido capaz de dispensá-los e, no entanto, continuar a proporcionar a experiência artística em seus aspectos essenciais. A arte moderna segue

essencialmente a continuidade inteligível do gosto e da tradição, uma vez que sem o passado

da arte, “a arte modernista careceria tanto de substância quanto de justificativa”