• Nenhum resultado encontrado

O ENVOLVIMENTO DE PEDROSA COM A ARTE ABSTRATA

1. PANORAMA DAS IDEIAS DE MÁRIO PEDROSA

1.9 O ENVOLVIMENTO DE PEDROSA COM A ARTE ABSTRATA

Pedrosa foi pioneiro na atenção dedicada à arte abstrata e foi seu grande patrocinador no cenário da arte brasileira, além de ser o seu principal teórico. Nesta empreitada, no entanto, enfrentou a resistência equivocada da crítica nacional que mal compreendia as premissas desta estética que propunha a transposição da figuração em composições de conteúdos abstratizantes. Ciente da força interior desta nova arte e sua relação com uma nova sensibilidade, Pedrosa não só mergulha no estudo de suas teorias fundamentais em busca de sua compreensão, como também estimula esta produção no cenário artístico brasileiro. O projeto de modernização da cultura, não se restringia às instituições de arte. A própria linguagem artística deveria ser atualizada, para que então o Brasil alcançasse o

reconhecimento da crítica mundial com uma linguagem inovadora e atual. Neste contexto, o crítico assumira-se como porta-voz deste novo movimento a fim de incorporá-lo ao seu projeto político:

Ao contrário dos muitos que então (no início dos anos 50) se interessavam por uma manipulação grosseiramente ideológica da arte, tomando-a apenas como um fundo ilustrativo na sequência de uma luta política, Pedrosa conhecia por dentro a dinâmica do processo cultural e dessa posição projetava seus lances. (...) ele o fez escolhendo conscientemente uma arte moderna de caráter construtivo nacional, racional, seguindo uma estratégia cultural que tinha raízes na própria realidade nacional. (...) Tratava-se, para Pedrosa, de criar uma arte adequada a um país novo ‘com carteira de identidade’ baseada numa vontade clara e racional de construção (...) 28 (BRITO, 1975)

Esta premissa foi evidenciada por Pedrosa em seu entusiasmo e interesse no envolvimento dos artistas e atualização da linguagem artística brasileira pela arte abstrata. A força estética da nova arte seduziu o crítico, conquistando-lhe a adesão imediata, mas que provocou a reação desconfiada da própria crítica nacional:

Mário Pedrosa pôs em pé de guerra a platéia (do auditório do Ministério da Educação num debate sobre “arte abstrata ou arte com temática social”) ao defender (...) a causa da abstração. (...) Inutilmente procurou mostrar aos presentes que a nova arte estava elaborando símbolos de uma linguagem plástica inédita, destinada a nos arrancar da atonia perceptiva quotidiana, na esperança de encurtar a distância que nos separa dos horizontes longínquos da utopia. (ARANTES, 1991,p. XIV)

A abstração se enquadrava dentro do social projeto moderno de valer-se da arte para promover a educação do grande público, como a grande aliada dos agentes sociais de

transformação, para “reeducar a sensibilidade” e a abstração como uma linguagem universal

poderia, com sua força simbólica, falar às mentes e às emoções. A força educativa da arte abstrata estava atrelada à expressão simbólica de seus signos. Não era uma arte ligada à academia e nem à tradição, ou seja, sua fruição dependia mais da experiência estética de cada espectador, do que o conhecimento prévio do lastro cultural da história da arte. Era uma arte independente, onde a forma e a cor tinham autonomia de significação, onde o diálogo era com as propriedades intrínsecas das formas e das cores inerentes à obra de arte, e não havia reminiscências da tradição acadêmica. Também não era uma arte autorreferente, ensimesmada, que se esgota em sua própria linguagem. A potência de sua ação estava no poder simbólico que abarcava, e na universalidade de sua apreensão, uma vez que todo espectador é capaz de estabelecer com a abstração, alguma relação estética devido às leis

internas do espaço pictórico, que em certa medida correspondiam à outras maneiras de interagir e perceber o mundo em constante transformação, onde as representações icônicas não faziam mais sentido:

Marchamos para uma civilização de signos inéditos ou rejuvenescidos, ainda mal absorvidos, de imagens símbolos. Já a cibernética nos propõe uma civilização da pura comunicação, e não mais da força, nem da eletricidade, nem do vapor. Uma civilização de comunicação sem contato direto. A arte abstrata aparece também para educar o povo, prepará-lo para entender-se, para comunicar-se sem ser pela palavra

29 (PEDROSA, 1996, p. 262)

Pedrosa acreditava que a nova linguagem inaugurada pela arte abstrata, colaboraria para a educação estética e crítica do público, no desenvolvimento da apreensão de uma produção artística diversa daquela figurativa, a fim de constituir o alargamento do cabedal crítico de

cada espectador. Como um atento “cidadão do mundo” e um olhar perspicaz e cosmopolita,

Pedrosa via na linguagem abstrata a realização dos intentos da arte moderna, em projeto, desde os impressionistas. Esta linguagem evidenciava um desprendimento da significação figural para uma compreensão sinestésica e objetiva dos elementos estruturais da “civilização

das máquinas”, que prezava pelo elementar e funcional. Deste modo, atualizar a linguagem

pictórica brasileira era uma necessidade estética a fim de que a comunidade de artistas e a produção cultural brasileira acompanhassem e se preparassem para as novas formas de percepção de um mundo em franca transformação. Atualizar a produção artística e crítica brasileira com a realização das premissas da arte moderna era uma demanda do momento, para uma produção que ainda se representava pela figuração alusiva.

A arte abstrata, para além de mais um movimento artístico era uma proposta promissora de reeducação do olhar, em um mundo onde o cinema e a fotografia imprimiam novos olhares sobre os usos e representações das imagens. A arte assim perdera sua função documental e agora estava liberta de seus preceitos acadêmicos para a constituição de uma representação que de fato simbolizasse os valores de seu contexto. Estava então aberto o caminho para uma nova forma de diálogo com o espaço pictórico, que abria um elo de comunicação entre os componentes estruturais da pintura com a sensibilidade e emoção do espectador. Daquela logicidade renascentista que organizava o espaço pictórico a partir da perspectiva e da constituição de formas nuançadas pelas cores, vê-se o campo artístico em

29

PEDROSA, Mário. Fundamentos da Arte Abstrata. In: Forma e Percepção Estética: Textos escolhidos II. ARANTES,Otília (org.). São Paulo: EDUSP, 1996. p.262

plena autonomia para poder operar a partir do desenvolvimento de investigações engendradas pela imaginação criativa dos artistas.

Pedrosa estava convicto do sucesso da estética abstrata, de uma arte que estava a par das demandas simbólicas de seu tempo, que pensou ser este não somente um movimento, mas uma nova possibilidade de relação com o não verbal em uma sociedade que se encaminhava para a soberania da imagem.

Assim, um dia o povo e os artistas restabelecerão, graças as realizações da arte abstrata, o contato perdido. Na decadência da civilização verbal, cuja curva descendente começa a delinear-se diante de nossos olhos e que arrasta consigo as conceituações mais sólidas e sagradas, a nova arte tenta restaurar o sentido das coisas eternas, dando vida a novos mitos que, só eles, poderão trazer aos homens uma nova razão de ser e de esperar. (PEDROSA, 1996, p.262)

Dentre as várias expectativas que Pedrosa projetava na estética abstrata, destacam-se algumas que estavam diretamente atreladas ao seu projeto político de sociedade. Poderíamos

assinalar, primeiramente, a “essencialidade de uma educação estética para a sociedade”, uma

vez que tinha convicção na força sensibilizadora desta arte. Para tanto as propostas estéticas da arte abstrata, ou da chamada nova arte, eram-lhe instrumentos revigorados em suas premissas de aguçar as capacidades sensíveis e perceptivas do grande público.

Pedrosa também assinalava a importância da internacionalização da arte no mundo moderno. Para ser um país moderno, o Brasil deveria mostrar sua arte ao mundo e para desfazer-se de seu estigma de uma cultura exótica pitoresca deveria atualizar-se com o de que mais moderno se realizava no mundo de então, ou seja, a arte abstrata. A internacionalização da arte não era vista por Pedrosa como submissão à um modelo, como mera cópia. O que o crítico aspirava, somava parte de um projeto mais amplo de instigar artistas à fim de desenvolverem pesquisas estéticas inovadoras e atribuir à arte brasileira uma riqueza de linguagens, para que esta pudesse desenvolver, com subsídios atualizados, sua originalidade e expressão próprias. Diante de toda a expectativa de progresso e modernização que o país assistia na década de 1950, o projeto de Pedrosa era estender essa modernização principalmente à cultura e às artes, e realmente evidenciar ao mundo o nosso lugar entre os países de ponta no globo.

Para além de uma questão nacionalista, o crítico aspirava realizar no Brasil, o mesmo processo de sensibilização que a abstração suprematista alcançara na Rússia revolucionária. Tendo em vista suas filiações políticas, compreende-se porque o projeto revolucionário socialista nunca lhe saíra da mente. Era-lhe um vislumbre a longo prazo, onde, em sua

concepção, a arte assumia o papel central de reeducação da sensibilidade e do espírito, preparando estes cidadãos para fazer acontecer a revolução permanente que instauraria uma sociedade mais justa e igualitária.

1.10 UM CONTRAPONTO DA ESTÉTICA ABSTRATA: O EXPRESSIONISMO