3.2 ESTUDO MATEMÁTICO DA BISSETRIZ
3.2.4 ALGUMAS APLICAÇÕES DA BISSETRIZ DE UM ÂNGULO
Acreditamos que abordar algumas aplicações da bissetriz de um ângulo pode justificar seu ensino, gerar maior interesse a seu respeito e ajudar na sua compreensão.
A primeira aplicação que apesentamos é a propriedade refletora da elipse que é definida por Alves Júnior (2015) como o lugar geométrico de todos os pontos cujas somas de suas distâncias à dois pontos fixos, denominados focos, é constante que gera uma curva fechada. A propriedade diz que em qualquer elipse um raio emitido de um dos seus focos é refletido passando pelo outro foco. Considerando uma elipse com seus focos representados por F1 e F2, e um ponto P, qualquer, pertencente à elipse (Figura 34) pelo qual se trata a reta t, tangente à elipse, se traçarmos a semirreta com origem em F1 que passa pelo ponto P, ela forma com a reta t um ângulo θ. Se traçarmos, por P, uma reta que forme, com a reta t, o mesmo ângulo θ, ela passará pelo outro foco da elipse, F2.
Figura 344 - Propriedade refletora da elipse
Fonte: Produção da Pesquisadora
Podemos provar que a normal2 à elipse traçada pelo ponto P é a bissetriz do ângulo F1PF2 como mostra a Figura 35.
Figura 35 - Propriedade refletora da elipse
Fonte: Alves Júnior (2015, p. 25)
2 A normal à elipse é definida como a reta perpendicular à tangente no ponto de tangência.
A partir dessa propriedade foram desenvolvidas várias aplicações. Uma delas se refere ao instrumento de iluminação dos dentistas que precisa que ela seja concentrada em um único ponto, o que é facilmente realizado quando são utilizados espelhos com a forma de um arco elíptico e com a lâmpada situada no foco mais próximo a este arco.
As “galerias de murmúrios” é uma outra aplicação da elipse. Silva (2011) descreve que essas construções são em formato de elipsóides3 e podem ser encontradas nos Estados Unidos e na Europa. Se duas pessoas forem colocadas nos focos do elipsóide elas poderão se ouvir de maneira mútua mesmo que haja ruídos, a sala seja grande e o volume da voz seja baixo, pois o som emitido por um dos focos, atinge a parede da sala e reflete em direção ao outro foco.
Uma outra aplicação que envolve a bissetriz é a propriedade refletora da parábola que diz que se “uma fonte luminosa situada no foco de uma parábola ao emitir um raio num espelho com formato de um paraboloide, o raio é refletido paralelamente ao eixo de simetria do mesmo.” (CHUNG, 2013, p. 16). Para Alves Júnior (2015) essa propriedade descreve a lei de reflexão da luz, segundo a qual os ângulos de incidência e reflexão devem ser iguais (Figura 36). Essa propriedade é usada na construção de telescópios, refletores, antenas parabólicas, faróis de carros, entre outros.
Figura 36 - ângulo de incidência e reflexão
Fonte: Produção da Pesquisadora
Assim se considerarmos um espelho no formato de um paraboloide de revolução côncavo (Figura 37) em torno do seu eixo de simetria e colocarmos uma luz em seu foco ela será refletida paralelamente a esse eixo.
3 Elipsóide é um sólido de revolução obtido ao rotacionar uma elipse em torno do seu eixo.
Figura 37 - Espelho parabólico
Fonte: Alves Júnior (2015, p. 33)
Alves Júnior (2015) prova, utilizando geometria analítica, que a reta normal à parábola em um ponto P é a bissetriz do ângulo FPQ (Figura 38) em que F representa o foco da parábola e Q é um ponto da reta 𝑃𝑄⃡⃗⃗⃗⃗ paralela ao eixo de simetria.
Figura 38 - Propriedade refletora da parábola
Fonte: Alves Júnior (2015, p. 30)
A última propriedade refletora é a da hipérbole que, de acordo com Alves Júnior (2015) diz que todo raio de luz emitido na direção de um dos focos (Figura 39) reflete no ramo mais próximo e passa pelo outro foco.
Figura 39 – Espelho hiperbólico
Fonte: Alves Júnior (2015, p. 36)
O autor mostra que toda reta tangente a uma hipérbole, em um ponto P, pertencente à essa hipérbole (Figura 40) é bissetriz do ângulo 𝐹1𝑃𝐹2 em que 𝐹1e 𝐹2 são os focos da hipérbole.
Figura 40 - Propriedade refletora da hipérbole
Fonte: Alves Júnior (2015, p. 36)
Outra propriedade que mobiliza a bissetriz é chamada lei de reflexão que se baseia na propagação da luz em linha reta, pois a luz escolhe o caminho mais curto.
Esta formulação conduziu a um verdadeiro avanço teórico, pois permitiu à Heron de Alexandria, no primeiro século depois de Cristo, explicar a lei da reflexão, quer dizer a igualdade do ângulo de incidência e do ângulo de reflexão. O ângulo de incidência é determinado pelo raio incidente a normal e o ângulo de reflexão é determinado pelo raio refletido a normal (Figura 41). Dessa forma, a normal representa a bissetriz do ângulo APB.
Figura 41 - Reflexão de um feixe de luz
Fonte: Produção da Pesquisadora
Tal situação pode ser caracterizada como a procura do menor caminho que um raio luminoso percorre para partir de um ponto A, refletir em um espelho e chegar em um ponto B. Como o raio luminoso refletido no espelho têm os ângulos de incidência e de reflexão de mesma medida Héron mostrou que o menor caminho é um segmento de reta (Figura 41), a partir da construção do ponto B´, simétrico do ponto B em relação
ao segmento que representa o espelho, constatando que AP + PB = AB´, pois PB = PB´.
No entanto, no caso da reflexão, a velocidade é constante, mas no caso da refração a velocidade da luz varia em função de um índice n do meio atravessado.
Esse princípio, chamado de Princípio de Fermat, diz que: a luz escolhe o caminho mais rápido, o que em um meio homogêneo onde a velocidade é constante equivale ao princípio anterior. Assim, para partir de um ponto 𝐴 e chegar em um ponto 𝐵, passando de um meio de índice 𝑛1 para um meio de índice 𝑛2, o trajeto da luz será o mais curto em tempo, entre todos os trajetos possíveis e, neste caso, os ângulos de incidência e de refração dependem das respectivas velocidades do feixe de luz no meio considerado (Figura 42), portanto, a igualdade desses ângulos, não são mais garantidas.
Figura 42 - Refração de um feixe de luz
Fonte: Posamentier e Krulik (2014, p. 147)
A bissetriz é também utilizada em problemas matemáticos, como é o caso da relação entre as bissetrizes dos ângulos internos de um triângulo que é utilizada na solução do problema, citado anteriormente, que trata de fios em um campo que terminam na beira de um lago (Figura 6). O problema consiste em colocar um terceiro fio, entre esses dois, de modo que tenha a mesma distância aos outros dois.
Este problema solicita a mobilização do conhecimento da relação entre as bissetrizes dos ângulos internos de um triângulo, o que dá à bissetriz um certo caráter de utilidade. Com este problema será possível verificar a utilidade de saber que as bissetrizes de um triângulo se intersectam em um ponto e, dessa forma tanto esse triângulo, quanto a bissetriz, têm que ser percebidos mentalmente pelos alunos.
Assim, para poder construir essa solução deve ser traçada uma reta que intersecta as semirretas que representam os fios (Figura 43), com isso é possível imaginar um triângulo em que o terceiro vértice seria o ponto de intersecção dos dois fios. Em
seguida, traçamos as bissetrizes dos ângulos internos assim formados, que se intersectam no ponto P.
Figura 43 - Construção da Bissetriz de origem desconhecida
Fonte: Produção da Pesquisadora
Por um outro ponto, na semirreta que representa um dos fios, traçamos uma reta paralela à anteriormente traçada, o que nos daria um outro triângulo, também com o terceiro vértice oculto. Da mesma forma traçamos as bissetrizes dos ângulos internos formados que se intersectam no ponto Q. O paralelismo e a congruência dos ângulos construídos garantem que os pontos P e Q pertencem à bissetriz do terceiro ângulo dos triângulos imaginados.
Nessas aplicações pudemos ver a bissetriz sendo utilizada nas justificativas de propriedades refletoras da elipse, da parábola e da hipérbole ou na resolução de problemas matemáticos que conduzem o indivíduo ao desenvolvimento, principalmente, das apreensões operatória e discursiva. No problema do lago, foi essencial a visualização, ou seja, a articulação entre a apreensão perceptiva e a operatória, pois deveria ser percebida a existência de um triângulo, com um vértice oculto, que poderia ser visualizado com a construção de uma reta. A apreensão operatória, por sua vez, conduz à uma modificação mereológica da figura inicial, uma reconfiguração para que a construção solicitada seja efetuada. A reconfiguração também está presente no problema do ângulo de reflexão no espelho, na construção do ponto B´.
As aplicações aqui mencionadas podem ser trabalhadas com alunos do ensino básico desde que já tenham os conhecimentos que devem ser mobilizados para que se atinja o objetivo de cada uma delas.
Após os estudos realizados buscamos verificar como os documentos oficiais sugerem o ensino da bissetriz e de possíveis aplicações.