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CONSTRUÇÕES POSSÍVEIS PARA A BISSETRIZ DE UM ÂNGULO

3.2 ESTUDO MATEMÁTICO DA BISSETRIZ

3.2.3 CONSTRUÇÕES POSSÍVEIS PARA A BISSETRIZ DE UM ÂNGULO

Iniciaremos esta seção abordando o livro “Os elementos”, uma obra sobre geometria constituída de 13 livros, escrita pelo matemático grego Euclides em Alexandria por volta de 300 a.C. A obra engloba definições, postulados (axiomas), proposições (teoremas e construções) e provas matemáticas das proposições.

A proposição 9 do livro I, Euclides (2009, p. 99-105) orienta como realizar a construção da bissetriz “cortar em dois o ângulo retilíneo dado”, que depende de outras duas, a proposição 3 “dadas duas retas desiguais, subtrair da maior uma reta igual à menor” e a proposição 1 “construir um triângulo equilátero sobre a reta limitada dada”.

Nos baseando nesse autor mostraremos a construção da bissetriz de um ângulo, por ele sugerida. Considerando o ângulo BAC (Figura 28) determinar o ponto D, qualquer, na semirreta 𝐴𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ e traçar a circunferência de centro em A e raio 𝐴𝐷̅̅̅̅ que determina na semirreta 𝐴𝐶⃗⃗⃗⃗⃗ o ponto E e que 𝐴𝐸̅̅̅̅ ≡ 𝐴𝐷̅̅̅̅.

Traçar uma circunferência com centro em D e raio DE e outra com centro em E de mesmo raio que se intersectam no ponto H formando o triângulo equilátero DHE.

A semirreta AH divide o ângulo BAC em dois ângulos adjacentes e congruentes, pois como os triângulos ADH e AEH são congruentes pelo caso LLL então os ângulos DAH e EAH são congruentes e, portanto, 𝐴𝐻⃗⃗⃗⃗⃗⃗ divide o ângulo BAC em dois ângulos adjacentes e congruentes.

Figura 28 - Construção da bissetriz segundo Euclides

Fonte: Produção da Pesquisadora

Almouloud, Augé e Traoré (1990) apresentam a construção da bissetriz de um ângulo por dobradura e com régua e compasso.

Bissetriz de um setor angular (dobradura): construa um setor angular 𝑋Â𝑌 em um pedaço de papel. Faça uma dobra de maneira que 𝐴𝑋̅̅̅̅ coincida com 𝐴𝑌̅̅̅̅. A dobra da folha é a bissetriz (figura 30) tanto do menor setor angular formado por esses segmentos quanto do maior setor. Podemos escrever 𝑋Â𝑍 = 𝑌Â𝑍 e 𝑌Â𝑍= 𝑋Â𝑍′. (ALMOULOUD, AUGÉ, TRAORÉ, 1990, p. 86, tradução nossa).

Figura 29 - Construção da bissetriz por dobradura

Fonte: Almouloud, Augé e Traoré (1990, p. 86)

Podemos observar que os autores tratam de setores angulares e não de ângulos, o que mostra que consideram o ângulo como região e, mais, definem a bissetriz como uma reta e não uma semirreta. Para a construção da bissetriz de um ângulo com régua e compasso os autores dividem a construção em quatro passos como mostra a Figura 30.

1º passo – Desenhamos dois arcos circulares de mesmo raio com centro em 𝑂. Esses arcos cruzam 𝑂𝑋⃗⃗⃗⃗⃗ em A e ⃗⃗⃗⃗⃗ 𝑂𝑌 em 𝐵. 2º passo – Desenhamos um arco com o centro em 𝐴. 3º passo – Trace um arco de mesmo raio, com centro em 𝐵. Esses dois arcos se cruzam em 𝐶. 4º passo – Verifique que 𝑋Ô𝐶 =

𝑌Ô𝐶, 𝑂𝐶⃡⃗⃗⃗⃗ é, portanto, a bissetriz (Figura 25) do setor angular 𝑋Ô𝑌.

(ALMOULOUD, AUGÉ, TRAORÉ, 1990, p. 87, tradução nossa).

Figura 30 - Construção da bissetriz com régua e compasso

Fonte: (Almouloud, Augé e Traoré, 1990, p. 87)

Bem próxima a essa construção Rezende e Queiroz (2008), na Figura 31, constroem a bissetriz de um ângulo determinado pelas semirretas OA e OB como sendo uma semirreta.

Figura 31 - Outra construção da bissetriz de um ângulo com régua e compasso

Fonte: (Rezende e Queiroz, 2008, p. 126)

1º passo – Traçamos uma circunferência 𝐶(𝑂, 𝑟) com raio 𝑟 arbitrário e suficientemente grande, a qual determina os pontos 𝐷 e 𝐸 sobre os lados 𝑂𝐴⃗⃗⃗⃗⃗

e 𝑂𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ do ângulo 𝐴Ô𝐵, respectivamente.

2º passo – Traçamos 𝐶(𝐷, 𝑟′) e 𝐶(𝐸, 𝑟′) com 𝑟′ suficientemente grande, e tomamos o ponto 𝑃, um dos pontos da intersecção dessas duas circunferências.

A semirreta 𝑂𝑃⃗⃗⃗⃗⃗ é a bissetriz de 𝐴Ô𝐵, pois 𝐴Ô𝑃 ≅ 𝐵Ô𝑃, já que os triângulos 𝐸𝑂𝑃 e 𝐷𝑂𝑃 são congruentes, pelo caso LLL. (REZENDE e QUEIROZ, 2008, p. 126).

Os autores apresentam ainda a construção da bissetriz de um ângulo com vértice inacessível a partir da Figura 32.

Figura 32 - Construção da bissetriz com origem inacessível

Fonte: (Rezende e Queiroz 2008, p. 130) Sejam 𝑉𝐴⃗⃗⃗⃗⃗ e 𝑉𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ os lados do ângulo.

Vamos construir a base 𝐷𝐹̅̅̅̅ de um triângulo isósceles, sendo 𝐷 e 𝐹 pontos dos lados 𝑉𝐴̅̅̅̅ e 𝑉𝐵̅̅̅̅, respectivamente. Tracemos a mediatriz do segmento 𝐷𝐹̅̅̅̅

que conterá a bissetriz procurada.

Para construirmos o triângulo isósceles mencionado, traçamos por um ponto 𝐶 de 𝑉𝐴̅̅̅̅, uma reta 𝑟 paralela a 𝑉𝐵̅̅̅̅ e, com centro em 𝐶, um arco 𝐷𝐸̂ de raio arbitrário, com 𝐷 em 𝑉𝐴̅̅̅̅ e 𝐸 em 𝑟. A base do triângulo procurado é o segmento 𝐷𝐹̅̅̅̅ onde 𝐹 é a intersecção da semirreta 𝐷𝐸⃗⃗⃗⃗⃗ com a semirreta 𝑉𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ . O triângulo 𝑉𝐷𝐹 é isósceles por ser, pelo caso A.A., semelhante ao triângulo isósceles 𝐶𝐷𝐸. (REZENDE, QUEIROZ, 2008, p. 130).

Há ainda um outro procedimento para traçar a bissetriz de um ângulo de vértice inacessível utilizando régua e compasso. Dadas duas semirretas 𝑉𝐴⃗⃗⃗⃗⃗ e 𝑉𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ das quais a origem V é desconhecida, que representam os lados do ângulo AVB.

Devemos traçar uma reta pelos pontos A e B e as bissetrizes dos supostos ângulos VAB e VBA (Figura 33) que se intersectam no ponto P.

Figura 33 - Outra construção para bissetriz de origem de origem desconhecida

Fonte: Produção da Pesquisadora

Por um outro ponto C qualquer na suposta semirreta 𝑉𝐴⃗⃗⃗⃗⃗ traçar uma reta paralela à reta AB, que intersecta a semirreta 𝑉𝐵⃗⃗⃗⃗⃗ no ponto E, as bissetrizes dos ângulos VCE e VEC que se intersectam no ponto Q. Se traçarmos a reta que passa pelos pontos 𝑄 e 𝑃 teremos a bissetriz do ângulo que determinará no prolongamento das semirretas iniciais o ponto V, vértice desse ângulo e origem da bissetriz.

Após essas construções, verificamos que na apresentada por Euclides (2009) conduz o aluno a reflexões a respeito da equidistância, da congruência dos triângulos que emergem da construção e da bissecção do ângulo.

O que difere na abordagem apresentada por Almouloud, Augé e Traoré (1990) é a representação da bissetriz por meio da dobradura e a consideração do ângulo como setor angular, termo não utilizado em livros brasileiros em que predomina a definição de ângulo por semirretas. Além disso, a bissetriz, para os autores, é uma reta e não uma semirreta.

A respeito da dobradura, Rego, Rego e Gaudêncio (2003) explicam que o origami, arte japonesa de dobradura de papel, é um recurso metodológico que favorece a construção de conhecimentos geométricos informalmente, por meio da observação de objetos e formas e pode integrar geometria e arte. Rezende e Queiroz (2008) simplificam a construção de Euclides (2009), mas utilizam as mesmas justificativas formais.

Com relação às apreensões, além da apreensão sequencial e perceptiva o aluno pode desenvolver a apreensão operatória por modificações mereológicas, especificamente, nas construções da bissetriz de ângulos de vértices inacessíveis. A apreensão discursiva é desenvolvida a partir da justificativa das construções realizadas. Não basta seguir passo a passo numa construção geométrica, é necessário entendê-la e mobilizar conhecimentos para realizá-la e, ainda, trabalhar com problemas em que esboços ou construções geométricas sejam necessários para sua solução.

Após o estudo das construções, apresentamos as aplicações na matemática e no cotidiano.