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Algumas contribuições de pesquisas acadêmicas para o ensino de Português

1. PANORAMA SOBRE A FORMAÇÃO E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES

1.4. Algumas contribuições de pesquisas acadêmicas para o ensino de Português

Como vimos, historicamente, a formação dos professores passou e passa por muitas transformações. Também os conteúdos escolhidos e a perspectiva adotada para o ensino são determinados por fatores sociais, históricos e pelo desenvolvimento das pesquisas nos vários campos do conhecimento. A seguir focalizaremos algumas propostas de mudanças mais significativas que as pesquisas acadêmicas têm indicado para o ensino de Português nas últimas décadas.

Na escola, tradicionalmente, o ensino de leitura e de escrita em língua materna é desenvolvido pelo professor de Português e sobre ele recai com muita facilidade toda a responsabilidade pelo fracasso do aluno. Os professores das diversas áreas argumentam que o aluno não aprende Geografia, História, Matemática, Ciências, entre outras disciplinas, porque não sabe ler, porque não sabe responder às questões por escrito. Portanto, o trabalho do professor de Português é muito visado na escola e na comunidade.

Em segundo lugar, uma grande polêmica acadêmica, entre filólogos e gramáticos por um lado e cientistas da linguagem por outro, já resolvida na academia, continua instalada na escola porque, ao professor, na maioria dos cursos, não são dados instrumentos para não ensinar gramática. A polêmica entre os professores ainda gira em torno do ensino de gramática e não sobre o ensino de leitura ou de escrita. Ensinar ou não gramática está

15 Dadas as limitações do gênero “dissertação”, optaremos pelas contribuições da Lingüística e da Lingüística

sempre presente nas discussões dos professores. Assim também como estão nas representações sociais que os graduando do curso de Letras têm sobre o ensino de gramática, segundo Barbosa (2004).

O aprendizado da gramática é visto como um conhecimento necessário ao professor de língua materna. Trata-se de saber que, por seu valor social, dá legitimidade e autoridade para o exercício da docência. Além disso, no confronto entre gramática e Lingüística, o aluno tende a construir uma visão de substituição, ou seja, troca-se o ensino da gramática pelo de lingüística porque este é melhor do que o outro, o termino por não convencê-lo em face do valor social do saber gramatical Alia-se a isso o fato de ser exposto a um conjunto de críticas,mas sem conhecer os princípios e concepções que sustentam a gramática tradicional. Boa parte do discurso do graduando sobre a gramática tradicional é reiterada no que foi estudado na escola. (p.163-164).

Isso também tem uma história. Magda Soares (1996) traça o percurso dessa disciplina no Brasil, que está presente no currículo da escola há apenas pouco mais de um século, nas últimas décadas do século XIX.

No período dos jesuítas, a língua portuguesa era utilizada como instrumento para alfabetização e estudava-se gramática da língua latina e retórica. A gramática da língua portuguesa passa a ser ensinada na escola após a Reforma Pombalina, em 1746, adotando- se o método de Luiz Antonio Verney: alfabetização em português, estudos da gramática de língua portuguesa precedendo ao da gramática latina, comparando-as.

Com a criação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1837, o ensino de gramática de língua portuguesa passa a ter um novo status. Os livros didáticos, gramáticas e manuais de retórica, surgem já nessa época e os autores são professores desse mesmo colégio.

Ainda segundo Soares (1996), é a partir da segunda metade do século XX que teremos uma real modificação no conteúdo da disciplina Português (p.16). Passamos a ter um único livro didático, com gramática e texto: ora é na gramática que se vão buscar elementos para a compreensão e a interpretação do texto, ora é no texto que se vão buscar estruturas lingüísticas para aprendizagem da gramática (p.17).

Na década de 70, a disciplina Português passou a chamar Comunicação e Expressão - nas primeiras séries do 1º grau - e Comunicação em Língua Portuguesa, nas séries finais; no 2º grau, o nome adotado foi Língua Portuguesa e Literatura Brasileira; por volta da metade dos anos 80 retoma a denominação Português. Nessa época, surgem as primeiras contribuições da Lingüística, introduzida no Brasil na década de 60 e também de outras

áreas como a Sociolingüística, a Psicolingüística, a Lingüística Textual e a Análise do Discurso.

Segundo a autora, podem ser identificadas quatro contribuições das áreas citadas aplicadas ao ensino de Português, que vêm alterando o ensino da leitura, da escrita, as atividades de prática da oralidade e até mesmo o ensino da gramática:

a) a Sociolingüística chamou a atenção para as diferenças entre as variantes lingüísticas faladas pelos alunos e a variante de prestígio;

b) a Lingüística tem trazido novas concepções de gramática de português que se opõem à concepção prescritiva vigente até então. Os estudos nessa área apontam também para uma nova concepção do papel e da função da gramática, inclusive quanto ao conteúdo e natureza desse ensino, que deve conter tanto a gramática da língua escrita quanto a gramática da língua falada;

c) a Lingüística Textual traz uma nova maneira de tratar o texto; isso conseqüentemente repercute em um modo novo de tratar a oralidade e a escrita.

d) a Pragmática, a Teoria da Enunciação e a Análise do Discurso trazem uma nova concepção de língua, agora vista como enunciação, observando o contexto em que a língua é utilizada, bem como as condições sociais e históricas de sua utilização.

Soares (1996) também aponta as contribuições de três recentes áreas de pesquisa: a História da Leitura e da Escrita, a Sociologia da Leitura e da Escrita e a Antropologia da Leitura e da Escrita. Os estudos que estão sendo realizados nessas áreas trazem uma nova perspectiva para o ensino de língua, ao levar em conta os aspectos históricos, sociológicos e antropológicos, na tentativa de responder perguntas como as seguintes: como se explicam as práticas de leitura e escrita atuais, à luz das práticas do passado? quais são essas práticas atuais de leitura e de escrita, que demandas de leitura e de escrita são feitas e serão feitas aos alunos nas sociedades grafocêntricas em que vivemos? Que gêneros de texto, que portadores de texto circulam nessas sociedades? Que funções e que usos têm a leitura e a escrita no grupo cultural a que os alunos pertencem? (p.21).

Uma quinta área que também tem produzido contribuições para a questão do ensino é a Lingüística Aplicada.

No entanto, Kleiman (2002) argumenta que imaginar que a formação do professor depende de seu conhecimento das contribuições de diferentes áreas do conhecimento só

pode levar ao abandono dos esforços de formação, pois as contribuições teóricas são muitas e em constante acréscimo. Só para ilustrar o absurdo de tal enfoque, considerando as contribuições teóricas para o desenvolvimento do leitor, a autora (2002, p. 30) traça o seguinte quadro, que mostra a gama de conhecimentos que o professor precisaria dominar para trabalhar somente com a leitura:

Áreas do Conhecimento Ensino

• Ciências sociais: etnografia, antropologia, história, lingüística aplicada

• Interação e construção de relações sociais

• Letramento: estudo do impacto da escrita nas relações sociais; contínuo oralidade-escrita

• Funcionamento dos discursos

• Criação de eventos de letramento significativos: projetos de letramento

• Progressão e prática social • Seleção de gêneros Ciências da linguagem: lingüística, lingüística textual,

análise da conversação

• Texto e significação; aspectos constitutivos da textualidade; intertexto

• Gênero; contínuo oral-escrita, Análise do discurso

• Linguagem e situação comunicativa, instituições e normas; relações de poder • Funcionamento dos discursos

• Seleção de textos

• Análise pré-pedagógica: estrutura, estilo e linguagem, legibilidade e intertextualidade • Verificação da compreensão: depreensão de

tema e estrutura

• Processos interpretativos: subentendidos, subjetividade, análise crítica da linguagem • Legibilidade e progressão

Ciências psicológicas e experimentais: psicologia cognitiva, psicolingüística

• Modelos de processamento do texto escrito • Processos mentais do sujeito: compreensão,

memória, inferência

• Estrutura e uso do conhecimento

• Estratégias de compreensão

• Ativação de conhecimento prévio; elaboração de hipóteses

• Verificação da compreensão: perguntas inferenciais.

De fato, tentar conhecer, compreender e aplicar tais contribuições no ensino de Português não é uma tarefa tão simples assim. São necessárias muita leitura, muito estudo e tempo para realizar tal aprendizagem; nas atuais condições sociais-históricas de trabalho,

fica quase impossível ao professor acompanhar tais mudanças. No REELP, tínhamos professoras que se formaram em 1975 e ainda estão atuando, num contexto que, como vimos ao discutir os programas de formação continuada da SEE/SP, não oferece as condições necessárias para que os professores assimilem tais mudanças.

Neste capítulo, construímos um mosaico sobre as condições que afetam o trabalho e a imagem do professor. Na formação inicial, desde a criação da universidade brasileira, já nascemos deformados. As políticas educacionais não consideram a existência do professor e impõem alterações drásticas no cotidiano escolar, tais como as implementadas durante o governo Covas ou as exigidas pelo desenvolvimento da ciência. As contribuições das pesquisas acadêmicas são importantes e úteis, mas a maioria dos professores não tem a elas acesso, seja por uma questão financeira ou porque os textos científicos também não têm o professor como interlocutor. Enquanto não conseguirmos promover uma articulação entre a formação inicial e continuada, entre o conhecimento produzido pela academia e pela escola, continua-se a gastar muitos milhões de dólares - sem obter o que se espera: a mudança na forma de atuar do professor..