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Era uma vez um grupo de professoras... Analise de uma historia de letramento e formação continuada

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Academic year: 2021

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GISLAINY SOARES FARINHA

ERA UMA VEZ UM GRUPO DE PROFESSORAS...

ANÁLISE DE UMA HISTÓRIA DE LETRAMENTO E

DE FORMAÇÃO CONTINUADA

UNICAMP

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM 2004

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA

IEL - UNICAMP

F227e

Farinha, Gislainy Soares

Era uma vez um grupo de professoras... Análise de uma história de letramento e de formação continuada / Gislainy Soares Farinha. - - Campinas, SP: [s.n.], 2004.

Orientadora: Profa. Dra. Angela Bustos Kleiman

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Letramento. 2. Formação de professores. 3. Educação permanente. I. Kleiman, Angela Bustos. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

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GISLAINY SOARES FARINHA

ERA UMA VEZ UM GRUPO DE PROFESSORAS...

ANÁLISE DE UMA HISTÓRIA DE LETRAMENTO E

DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Dissertação apresentada ao Curso de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem - Universidade Estadual de Campinas - como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Lingüística Aplicada.

Orientadora: Ângela B. Kleiman

UNICAMP

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM 2004

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________ Prof.ª Drª Ângela B. Kleiman

(Orientadora)

_________________________________ Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto

_________________________________ Profª Drª Marilda do Couto Cavalcanti

_______________________________________ Profª. Drª. Terezinha de Jesus Machado Maher

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TAMBÉM FIZ UMA LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo sacana,

Desses que tocam pandeiro nas esquinas, disse rindo: Vai ser mulher e professora.

Vai ser a Mulher escondida na professora

Vai ser babá, psicóloga, sexóloga, assistente social de seus alunos. Um bom-bril dentro e fora da sala de aula.

Vai ser Amélia, a sempre mulher de verdade. Vai carregar bandeira, fazer greve.

Vai ser a mal falada.

Mal remunerada não, é mal casada, Foi Maluf que disse.

Bechara declarou na ABRALIN:

O problema não é a gramática e nem os gramáticos,

O problema é quem faz o mau uso da gramática: a professora. Vai usar Caminho Suave, livro didático...

Vai ler a Proposta Curricular, os Subsídios à Proposta Curricular, os PCN e tantos outros.... A professorinha, a tia, a dona, a coitada da professora.

Ai, que anjo mais chato! Mas eu pinto, bordo e costuro. E, depois que fecho a porta Da classe e do quarto,

Faço o que desejo fazer, ou quase tudo...

Mas nessa luta não estou só, porque tenho as minhas amigas. A criação é o nosso forte.

Criamos o REELP para traçarmos nosso próprio caminho.

E nessa estrada estamos criando de um jeito todo, ou quase, feminino: A mulher e a professora.

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Ao meu pai, Arnaldo Farinha (in memorian), que me ensinou a sorrir e fez nascer em mim a eterna saudade.

À minha mãe, Nair Farinha, pelo exemplo de mulher, por sua garra e determinação.

Ao Marcos Vinicius, meu irmão, o primeiro e sempre cúmplice. Ao Luís Fernando, com quem descubro outro jeito de amar.

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora, Profª. Drª. Ângela Kleiman, que une brilhantemente o rigor teórico e a sensibilidade de caminhar ao lado de seu aluno, auxiliando-o em sua travessia. Para mim, foi motivo de muita alegria me descobrir acompanhada nesse trecho.

Ao Prof. Drº Valdir Heitor Barzotto, que representa uma militância inteligente, séria e dedicada, por ter nos mostrado (as professoras do REELP) que podíamos ter um jeito próprio de cuidar de nós mesmas e por ter nos apoiado em nossas descobertas profissionais.

À Profª. Drª. Marilda Cavalcanti, pela fineza na leitura do trabalho, que só pode ser feita por quem lê muito além das palavras.

À Sílvia, Cristiane, Marli, Jaldenice, Anna Tereza e Rita, por compartilharmos a construção do REELP, pelos momentos de alegrias, conquistas e dificuldades. Obrigada pela confiança em me autorizar a “contar” a nossa história. Espero ter sido fiel aos nossos laços.

Ao Laércio e Ana Maria, pelo carinho e amizade que nos une. Ao Marcos e Rosangela, que sempre me dizem mais.

À Celaine, a quem confio o que levo n’alma e que, algumas vezes, “me sabe mais que me sei”.

Aos novos amigos, Cosme, Iva, Eveline, Ana Lúcia, Samuel, Luciene, Cláudia, Analu, Glícia, Wagner, Marinalva, Clécio, Edvânia e Kassandra, pelas leituras de meu trabalho, pelos debates, pelo respeito às diferenças e, principalmente, pelo encontro das afinidades.

À Simone, amiga desde sempre, de Castilho à Campinas, por seu exemplo de luta e perseverança, pelas palavras de estímulos e pelas leituras.

À Ana Maria Padovani Pires, por seu espírito de liderança que nos faz confiar na possibilidade de um trabalho que sempre se apropria do melhor em nós.

A todas as pessoas que participaram do REELP como ouvintes, como palestrantes, como colaboradores, enfim, todos aqueles que fazem ou fizeram parte direta ou indiretamente das atividades do REELP.

A todos os meus parentes e amigos, porque sempre estão comigo.

À Prefeitura Municipal de Santa Bárbara D´Oeste, que sempre cedeu ao REELP um espaço para a realização de nossos eventos.

À Agência Farinha de Fomento à Pesquisa, administrada pela Presidente Vitalícia, Nair Farinha, professora de Matemática e Economista, que financiou essa pesquisa.

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APRESENTAÇÃO

O trabalho que se segue traz um relato e uma das possíveis análises de uma história de formação continuada. A princípio pode parecer uma tarefa bastante simples do ponto de vista acadêmico, já que há um aparato teórico/metodológico que possibilita meios para que se faça as análises, como também há um modo próprio para relatar episódios. Todos esses recursos podem ser mais ou menos fáceis dependendo do envolvimento (aparente ou não) do pesquisador com a comunidade pesquisada e com as questões tratadas. Sendo assim, parece-me, quanto maior for o grau de envolvimento maior é a dificuldade para usar tais ferramentas.

Esta é a situação que ora se apresenta. Contar e analisar a história de um grupo, no qual sempre fui, desde de seu início, uma das personagens mais entusiastas não é nada simples. Porque o REELP (Reuniões para Estudos de Ensino de Língua Portuguesa), para mim, foi uma história de amor vivida intensamente. Ao fazer as entrevistas para a pesquisa revivi as alegrias e as dores que temos ao lembrarmos de um amor recente. Parece que o REELP acabou, não sei se esta é a resposta mais adequada, mas sei que um modo de fazer REELP acabou e é por isso que ele é tratado como algo que passou. É como se fosse um namorado de sete professoras (essas são os membros do grupo), mas no momento de casar e consolidar a união, algo aconteceu e a cerimônia não se fez.

Portanto, houve duas tarefas muito difíceis de serem realizadas. A primeira tem a ver com o estilo: como falar da emoção em um espaço como academia. Como uma cantora, fiquei procurando o tom da música para execução da trilha sonora. Como trazer a emoção na medida certa? Como falar de dentro de uma experiência vivida como professora e agora, como pesquisadora, olhar para essa experiência e analisá-la? E como esquecer um pouco a emoção e colocar a objetividade do analista, também na medida certa?

E daí, como conseqüência, a segunda difícil tarefa, porque, além de analista também desempenho aqui o papel de porta voz de um grupo. Tenho compromisso ético e afetivo com “as professoras do REELP”. Procurei o modo mais adequado para descrever o que vivemos conjuntamente, e para que todas elas se vissem representadas, também na medida certa, já que seus nomes reais surgem nas páginas que se seguem. Tal relato e análise

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devem fazer jus ao que elas são enquanto mulheres (esposas, mães), profissionais e personagens dessa história. Tudo isso junto com a necessidade de, ao mesmo tempo, dar um tratamento teórico/metodológico adequado a essa história, para não correr o risco de invalidar tal empreitada aos olhos da academia. E o tom dessa dissertação é aquele que encontrou mais eco dentro de mim ao procurar me ajustar a todas as exigências que eu me fiz e que me fizeram.

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RESUMO

Nesse trabalho serão relatadas e analisadas a constituição e atividades desenvolvidas por um grupo de estudos, sem fins lucrativos, criado em Santa Bábara D’ Oeste/SP, denominado Reuniões para Estudos de Ensino de Língua Portuguesa (REELP). Sete professoras da rede pública estadual de São Paulo estiveram à frente da fundação e manutenção do grupo, no período de 1996 a 2001, que contou com o apoio institucional da Associação de Leitura do Brasil - ALB. A partir de um pequeno mosaico socio-histórico da profissão docente, delineamos os problemas enfrentados pelos professores em sua formação inicial e continuada e as suas relações com o Estado e os saberes necessários à prática docente, demarcando, assim, as condições históricas que propiciaram o surgimento do REELP. Por meio de entrevistas com os membros da diretoria do grupo e com algumas professoras que mais participaram das atividades reconstituímos uma versão do que foi esse projeto que caracterizamos como um projeto de autoformação continuada. Analisamos a organização e as estratégias utilizadas pelos membros da diretoria do REELP para atrair a participação dos professores, tais como: jornais, cartões de Natal e cartas-convites e os mundos novos de letramento envolvidos na execução dessa tarefa. As entrevistas também possibilitaram um olhar sobre as representações sociais das professoras sobre o exercício do docente, a partir do que elas consideraram as contribuições do REELP e as pequenas mudanças que se fizeram por meio dessa experiência.

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ABSTRACT

The purpose of this work is to analyse activities developed by a non-profit study group,created in Santa Barbara D’Oeste/SP, that goes by the name of REELP (Portuguese Language Education Studies Meetings). Seven teachers from the Public School System of the State of São Paulo founded and maintained the group, from 1996 to 2001, with the institutional support of the Associação de Leitura do Brasil – ALB. We start with a review of the history of the teaching profession in order to show the problems faced by teachers in their initial and continuing education, in their relations with the State and with university, and to delimit the historical conditions which account for the start of REELP activities. Through interviews with the group’s board of directors and some teachers who had frequent attendance in the meetings we construct a version about this project’s activities for continuing self-education. We analyse the organization and strategies used by the board members of REELP in order to attract membership, describing the new worlds of literacy involved in the execution of these tasks. The interviews also give us an insight about the social representation of teachers about their practice and about the aspects that they considered as contributions of REELP towards change in their teaching practice.

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Sumário

Introdução 21

1. Panorama sobre a formação e as condições de trabalho dos professores 29

1.1. Breve panorama da formação dos professores 29

1.2. Alguns aspectos do processo de profissionalização docente 35 1.3. A formação em serviço oferecida pela Secretaria Estadual de Educação de São

Paulo nos últimos vinte anos

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1.4. Algumas contribuições de pesquisas acadêmicas para o ensino de Português 48

2. A história do REELP e seus modos de funcionamento 53

2.1. “A nova velha história” 53

2.1.1. Surgimento do REELP 55

2.1.2. Os modos de funcionamento da Diretoria do grupo 62 2.1.3. O modo feminino de gerar ações de formação continuada 65

3. Relato e análise de uma história de letramento 69

3.1. Mundos de letramento 70

3.1.1. Esfera lúdico-afetiva 71

3.1.2. A esfera do administrativo/financeiro do REELP 77

3.1.3. O mundo acadêmico 79

4. As representações e as narrativas das professoras: uma quase mudança 89

4.1. Representação e auto-representação 92

4.2. Os saberes experienciais 98

4.2.1. Novas práticas docentes: uma possibilidade para sair da mesmice da escola 107 4.2.2 As professoras e sua relação com a escrita 111

Conclusão 117

Referências Bibliográficas 123

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INTRODUÇÃO

“Apenas a matéria vida era tão fina” Caetano Veloso

Pretendo analisar a história da criação de um grupo de estudos formado por sete mulheres, no qual me incluo, algumas casadas, outras solteiras, algumas mães, todas professoras de Português e funcionárias da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP).

O trabalho desenvolvido por esse grupo foi voluntário e calcado em um profundo desejo de transformação de nossa prática cotidiana. Para algumas de nós, foi também a confirmação de algumas práticas já realizadas, mas que eram percebidas pelos membros da comunidade escolar (pais, alunos, funcionários, professores e direção) de forma marginalizada. Além do desejo, outros ingredientes também foram utilizados, muitos dos quais pertencentes ao universo feminino; nossas atividades foram recheadas de alegria, bolos, café, refrigerante, ponto-cruz, sempre com uma preocupação em receber de modo acolhedor as pessoas que vinham para assistir ou para dirigir os encontros. Alguns versos do Renato Russo da música “Vamos fazer um filme” traduzem aquilo que na minha memória é o pano de fundo desta pesquisa:

A minha escola não tem personagem A minha escola tem gente de verdade Alguém falou do fim-do-mundo, O fim-do-mundo já passou Vamos começar de novo: Um por todos, todos por um

O sistema é maus, mas minha turma é legal

Os textos lidos para essa pesquisa, as teorias abordadas, servirão para fundamentar as experiências vividas pelo nosso grupo, com o intuito de compreender os mecanismos utilizados pelas professoras para lidarem com seus problemas em relação a sua prática cotidiana e aos conhecimentos necessários para enfrentar tais dificuldades.

Qual é a novidade em falar de um grupo de estudos organizado por algumas professoras? Se há alguma novidade, direi que é devido ao fato de não estarmos, de modo algum, vinculadas a alguma instituição pública ou privada oficialmente encarregada de

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oferecer cursos e/ou eventos de formação continuada. Eis o novo, um grupo de professoras que autogerenciam a sua formação.

Sugestivamente, nosso grupo chama-se REELP – REUNIÕES PARA ESTUDOS DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA1. Sugestivo, por quê? O Prof. Dr. Wilmar D´Angelis escreveu um artigo sobre o REELP, publicado em nosso segundo jornal (ver anexo 5), respondendo a essa questão:

Sobre o nome (REELP), aliás há ainda alguns meses, li no boletim da Associação de Leitura do Brasil, que aquele era um nome sugestivo. Perguntei-me, então: sugestivo por quê? E, além de sugestivo, seria mesmo apropriado? Em primeiro lugar, a questão é saber se REELP (lendo-se “help”) é um pedido (Socorro!) ou uma oferta (Ajuda). Em segundo lugar, se é justificável que seu nome-sigla faça recordar, intencionalmente, uma palavra inglesa, quando trata do ensino de Português. Quanto a minha primeira questão, minha conclusão é que o REELP é as duas coisas: pedido e oferta, apelo e proposta, Socorro e Ajuda. O REELP é pedido de socorro quando, numa atitude humilde, honesta e responsável as pessoas procuram outras para dizer: esse negócio de ensinar língua portuguesa é areia demais pro meu caminhãozinho, e queremos ter com quem conversar, compartilhar descobertas e incertezas. Bem, resta a segunda questão: um nome que ‘brinca’ com uma palavra inglesa, quando discute ensino de Português, se justifica? Em primeiro lugar, como acabo de destacar, REELP brinca com HELP. Isso quer dizer: aí nesse trocadilho inter-lingüístico tem humor! E onde há (bom) humor, há uma maneira mais agradável e, com freqüência, mais madura de fazer as coisas...Há um jogo engraçado de que, para pensar no ensino de Português, precisemos de um help. É uma gozação de nossa situação de país colonizado, não será?...Finalmente, não há uma riqueza poética mais profunda nesse nome (intencional ou não, pouco importa?). Conhecendo a história da colonização norte-americana que deu origem Santa Bárbara d’Oeste e Americana, não é justo pensar que, se hoje temos REELP, não podemos abandonar a história e esquecer o passado, quando precisamos ou tivemos help?

O REELP é um grupo que se propõe a oferecer um espaço para que os professores possam depositar suas angústias e encontrar meios para realizar um trabalho que faça sentido aos próprios professores e aos seus alunos. No entanto, a manutenção de um grupo, com tais características, não é uma tarefa simples. Em primeiro lugar, porque os recursos para a realização dos eventos do grupo eram todos autogerados, provinham de uma taxa cobrada dos professores em cada encontro, e da promoção de outras atividades que tinham por objetivo angariar fundos para o grupo, tais como: venda de pizzas e camisetas, idas ao

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A criação do nome: em uma das viagens que fizemos até Campinas para falarmos sobre o grupo com o professor Valdir Heitor Barzotto, criamos o nome. Tentamos do nome para a sigla, mas estava muito difícil. O próximo passo foi da sigla para o nome. Pensamos em Help, pois era o que estávamos tentando fazer, dar uma ajuda a nós mesmas. Do help saiu: estudos de língua portuguesa, mas e o H? e uma de nós brincou: “horganização”. Pensamos mais um pouco, o que estávamos pretendendo fazer com os professores eram reuniões para discutirmos sobre questões de ensino, e como o H tem som de R em inglês, por fim chegamos ao nome REELP – Reuniões para Estudos de Ensino de Língua Portuguesa.

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teatro com os alunos e excursões para professores. Em segundo lugar, porque atrair os professores para participarem dos encontros também foi e continua sendo difícil. Mantínhamos correspondência com cerca de quatrocentos professores de Português, que trabalhavam (e trabalham) na Diretoria de Ensino de Americana, englobando as cidades de Americana, Santa Bárbara D´Oeste e Nova Odessa. No início de cada semestre enviávamos o cronograma com as atividades a serem realizadas; no final do ano, enviávamos cartões de Natal e, esporadicamente, também fazíamos cartas-convite que tinham por objetivo incentivar a freqüência dos professores. Apesar de todo empenho do grupo, nem sempre era possível cobrir os custos da cada encontro devido ao pequeno número de professores presentes. E isso obrigava a diretoria do REELP a um esforço dobrado, porque além de organizar os encontros, pensando nos temas a serem abordados, do contato com os palestrantes, da comunicação com os professores, ainda exigíamos de nós mesmas o empenho de arrecadar fundos para custear nossas atividades.

Passamos a nos questionar sobre as possíveis causas do baixo índice de participação e levantamos algumas hipóteses que podiam justificar a ausência dos professores. Chegamos aos seguintes itens: a) a questão financeira; por ser mal remunerado, o professor não disporia de condições para freqüentar as atividades; b) o não reconhecimento pelos órgãos oficiais das atividades do grupo e c) a imagem negativa que a sociedade, de modo geral, tem dos professores, o que podia estar afastando-os das reuniões, pois, muitas vezes, o professor se depara com duras críticas ao seu trabalho nos cursos de capacitação/atualização. Vejamos uma breve análise de cada item:

a) Questão financeira.

A baixa remuneração do professor é tema bastante discutido contemporaneamente, é o que mais se fala desse profissional, depois de sua condição de despreparo. Ir ao REELP significaria acrescentar ao seu orçamento algumas despesas: os custos dos cursos e /ou palestras. Além disso, como as reuniões aconteciam aos sábados pela manhã, vários professores estariam com esse tempo comprometido com outras atividades para complementar sua renda familiar; ou, no caso de mulher, para os afazeres domésticos que não tinham sido realizados durante a semana, devido a sua jornada de dois ou três turnos.

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b) Os certificados do REELP não têm validade para os órgãos oficiais. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo só reconhece os cursos promovidos pela CENP - Centro de Estudos e Normas Pedagógicas. Na realização do 1º Congresso Multidisciplinar do REELP, protocolamos um documento no Palácio dos Bandeirantes, solicitando a dispensa dos professores para o evento e, depois de muitas ligações, a SEE/SP nos informou, via telefone, que o pedido fora negado, pois não faz parte da política educacional a dispensa de professores para tais eventos.

c) A imagem negativa do professor.

A imagem do professor vem sendo, cada vez mais, desgastada, tanto pela mídia quanto pela própria academia em algumas publicações que reforçam uma imagem negativa do professor, visto como um profissional malformado, não-leitor e incapaz de desempenhar seu papel. Em 1999, o REELP foi procurado pelo jornal Folha de São Paulo para contar como era desenvolvido o trabalho pelo grupo, e o modo como a jornalista Marta Avancini justificou a criação do REELP, além de minimizar os temas discutidos em nossos encontros, somente poderia desencorajar os professores. Segue abaixo um trecho da matéria, inclusive com os problemas de redação:

A insegurança e a falta conhecimento sobre métodos alternativos são dois fatores que impedem os professores de usar, mais intensamente, os livros paradidáticos em sala de aula. Para superar esses problemas, um grupo de professores do interior de São Paulo a organizar [sic] uma ONG (Organização Não-Governamental) para discutir a questão, chamado Reelp (Reuniões para Estudos do Ensino de Língua Portuguesa). ( Folha de São Paulo, 21/02/1999)

Na academia, muitas pesquisas desenvolvidas que trazem o professor no bojo de suas reflexões e constatações apontam a incapacidade desse profissional. A feminização do professorado - a docência no ensino fundamental e médio é exercida majoritariamente por professoras - traz como uma das conseqüências a desvalorização profissional. As atuais condições de trabalho e a política educacional vigente às quais é submetido o professor não atenuam a imagem negativa presente em alguns trabalhos. A imagem de leitor que se faz nos documentos oficiais e nas publicações destinadas ao professor, tratam-no sempre como aquele que está em busca de “receitas”, ou aquele que sempre segue à risca o que se diz, sem um juízo crítico e sem ao menos pensar sobre o que está fazendo.

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A academia e a mídia vêm construindo a imagem de despreparo do professor e fica difícil aos professores acreditarem que é possível formar leitores e escritores, já que são desacreditados como tal. Sendo assim, é possível que o professor fique muito inseguro quanto à sua prática. Acreditamos que o professor acabe incorporando essa imagem, mesmo que não tenha consciência disso. Podemos exemplificar com o primeiro convite que fizemos aos professores para as atividades do REELP. Propusemos na carta viabilizar condições e oportunidades de fazer reuniões com profissionais habilitados na área de ensino de Língua Portuguesa. O que estávamos chamando de “profissionais habilitados” eram os pesquisadores: não percebemos, naquele momento, que não estávamos nos considerando como habilitadas nessa área, apesar de todas as professoras possuírem a graduação em Letras.

Essas são algumas hipóteses que podem justificar a ausência dos professores nas atividades promovidas pelo REELP. Se a sua imagem é tão ruim, para que estudar? Se o seu trabalho é tão precário e não há nenhum reconhecimento, para que se esforçar para mudar essa situação? Se ele é um não-leitor, que meios terá para prover a sua formação continuada?

O objetivo central deste trabalho é elaborar uma reflexão sistematizada sobre as atividades promovidas pelo REELP e uma análise crítica de todo processo de criação, manutenção do grupo e das relações que estabelecia com o mundo acadêmico, a fim de verificar quais as possíveis contribuições dos eventos realizados no interior do grupo para a mudança daqueles professores que mais participaram. Nesse sentido, as análises incidirão, principalmente, nas percepções positivas das professoras sobre as suas participações nas atividades do grupo e o que ela consideraram como os efeitos positivos do REELP. Assim, podemos verificar o que as professoras identificam como uma formação continuada relevante e que pode contribuir em sua reflexão sobre a prática docente.

O trabalho se insere na área da Lingüística Aplicada que pesquisa, entre outras questões, a formação de professores e as práticas escolares, incluindo aí as práticas dos professores, sua relação com os alunos e a interação. Em função dessas pesquisas, discute-se a formação continuada e o letramento dos professores. De acordo com Kleiman (2002 b):

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O enfoque transdisciplinar da Lingüística Aplicada redimensiona e re-elabora os referenciais teóricos ou metodológicos dos vários campos de estudo que buscam interpretar o mundo social apoiando-se em metodologias que levam em conta o contexto em que os dados são gerados e que procuram compreender esses dados e seus contextos em toda sua riqueza, complexidade e profundidade(p.1).

A Lingüística Aplicada apresenta-se, portanto, como um espaço privilegiado para o desenvolvimento desta pesquisa, porque possibilita discutir a formação de professores, especialmente o professor de Língua Portuguesa, com um referencial teórico e metodológico que permite compreender melhor o processo que vivenciamos no REELP. O paradigma de pesquisa adotado é o da pesquisa qualitativa, pois nosso objetivo não é quantificar, ou seja, não é fazer somente um levantamento de todas as atividades do REELP ou do número de professores que as freqüentaram. Nosso objetivo é analisar o conjunto de práticas e eventos de letramento promovidos pelo grupo, a fim de conhecer os possíveis resultados e efeitos nas representações que os professores fazem de si mesmos e de suas práticas; é pintar um quadro dos eventos e entender a função das práticas situadas nesse contexto de formação.

Nas ciências sociais, a pesquisa qualitativa está associada a disciplinas que têm uma tradição interpretativista, tais como a Fenomenologia, a Etnometodologia, o Interacionismo Simbólico, a Antropologia, a Geografia Humana e a Educação (V. Mason, p. 3). Essas disciplinas estão preocupadas, por um lado, em compreender a realidade social, levando em conta os agentes sociais (suas crenças, seus valores) e, por outro, em interpretar essa realidade e os múltiplos significados que dela provêm. Esse trabalho faz parte do conjunto de pesquisas desenvolvidas no grupo Letramento do Professor, coordenado pela Profª. Drª. Ângela Kleiman. A perspectiva teórica dos trabalhos é orientada pelos estudos do letramento como práticas situadas, portanto, levando em consideração as necessidades profissionais, relevantes para o local de trabalho.

Para responder nossas questões, além da análise de documentos produzidos pelo grupo, entrevistamos em profundidade doze professoras; escolhemos seis que mais freqüentaram as atividades promovidas pelo REELP2 e os seis membros da diretoria do grupo. Por meio de entrevistas, as professoras rememoraram os cursos, focalizando os temas e conteúdos desenvolvidos; as mudanças que isso provocou em sua prática e/ou a confirmação do que já

2 Os nomes dessas professoras são fictícios. Mantivemos somente os nomes dos membros da diretoria do

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estavam realizando, ou seja, as entrevistas tiveram o objetivo de reconstituir os encontros e as conseqüências que desencadearam na formação e trabalho pedagógico dessas professoras.

As perguntas que guiaram as entrevistas foram: 1- O que o REELP significou para você? 2- Dentre as atividades de que você participou, de qual(is) você se lembra? 3- Houve alguma mudança em sua prática depois de sua participação no REELP? 4- Você acha que mudou a sua escrita depois de sua participação no REELP? Outras perguntas realizadas durante a entrevista foram feitas procurando compreender as respostas dadas, bem como aprofundar aquilo que, segundo suas respostas, mais marcou as professoras.

Ao rememorar a participação nos eventos do REELP, as entrevistadas puderam nos fornecer pistas sobre os reais interesses das professoras, pois o que guardamos na memória está relacionado com o que nos interessa. Segundo Thompson (1992), O processo da memória depende, pois, não só da capacidade de compreensão do indivíduo, mas também de seu interesse. Assim, é muito mais provável que uma lembrança seja precisa quando corresponde a um interesse e necessidade (p. 153).

Nove entrevistas foram realizadas nas casas das professoras, outras três foram realizadas nas escolas em que elas trabalham. Tiveram como principal eixo a rememorização. Ao relembrarem suas participações nas atividades do REELP as professoras entrevistadas fizeram uma avaliação de o que vivenciaram como participantes e como construtoras daquele espaço de aprendizado. Para isso, a memória é o elemento central. Segundo Bosi (1994):

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, ‘tal como foi’, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual (p.55).

Portanto, a memória é construção e, em muitos momentos durante as entrevistas, houve um diálogo sobre o vivido entre pesquisadora e entrevistados. Estávamos reconstruindo o que vivemos juntas. A lembrança de uma professora era repassada a outra no momento em que diziam à pesquisadora: “você se lembra?”

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No Capítulo I, tentamos compreender as condições sócio-históricas que propiciaram o surgimento do REELP, traçando um panorama da formação de professores, a política de formação continuada da SEE/SP e as mudanças sugeridas para o ensino de Português, dadas as contribuições da Lingüística e da Lingüística Aplicada para a área, há algumas décadas.

No Capítulo II, apresentaremos o REELP, fazendo um histórico do que foi por nós desenvolvido. Abordaremos a composição do grupo, as condições de trabalho que tínhamos na época de sua criação, as expectativas das professoras e como fizemos para manter o grupo ativo e atuante de 1996 a 2001.

No capítulo III, como referencial teórico para análise, utilizamos os estudos do letramento, tentando identificar as práticas de letramento proporcionadas pelas atividades do grupo que possibilitaram o contato com os mundos novos de letramento, analisando as estratégias utilizadas pelo grupo para atrair a participação dos professores, bem como as atividades de escrita para realizarmos nossos encontros.

No capítulo IV, apresentaremos uma análise das entrevistas das professoras que mais participaram dos eventos do REELP, bem como dos membros da diretoria do grupo. Ao rememorarem o que foi experienciado no REELP, as professoras reconstroem as representações que têm de si mesmas como profissionais, avaliam suas dificuldades, sentimentos e avanços como participantes do grupo. A partir do conhecimento adquirido no REELP e de sua vivência em sala de aula após essa experiência, as professoras relatam perceber mudanças em suas práticas docentes e declaram ter encontrado um espaço em que os seus saberes experienciais são valorizados.

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1. PANORAMA SOBRE A FORMAÇÃO E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES

“Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim.”

Jean Paul Sartre

O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama sobre a formação de professores, a política de formação em serviço da SEE/SP nas últimas duas décadas e as propostas de mudanças no ensino de Português, para compreender como foram construídas, historicamente, as condições para o surgimento do REELP.

Contrariando a primeira parte da epígrafe, interessa-nos, neste momento, mostrar pequenos trechos do percurso3histórico que culminou nas atuais e precárias condições de trabalho e a representação social4 negativa do seu ofício. Não cabe ao professor o papel de vítima do sistema. Por outro lado, também não deve ser colocado como “bode expiatório”5, atribuindo somente a ele a responsabilidade pelo fracasso dos alunos e da escola como um todo.

1.1. Breve panorama da formação de professores

Há uma vasta produção brasileira sobre os aspectos históricos da profissão docente, tais como: formação de professores, instituições, saberes, atividades docentes e organização da categoria do magistério. Porém, a expressão “história da profissão docente”, segundo Catani (2000) é mais rara e revela “a noção unificadora das várias dimensões do exercício

3 Abordaremos os aspectos relacionados à História da Educação e das Disciplinas e a Profissionalização dos

Professores. No entanto, apenas tangenciaremos essas questões, uma vez que o objetivo central do capítulo é fazer um painel das questões que afetam as representações sociais do professor e o trabalho docente.

4 Segundo Kleiman (2004, p.4): As representações sociais são definidas como conjuntos de conhecimentos a

propósito de objetos, pessoas, idéias que, sendo partilhadas pelos indivíduos ou grupos que se representam a si mesmos através delas, determinam seus comportamentos e as relações que estabelecem com outros objetos, fenômenos, práticas, pessoas e idéias; guindo-os nos modos de nomear os diferentes aspectos da realidade diária; nas tomadas de decisões e nos posicionamentos.

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profissional do magistério, cuja concepção exige a análise simultânea e integrada dessas mesmas dimensões: a formação, a instituição e os saberes, o exercício concreto da atividade, as relações com o Estado, as formas de organização da categoria profissional”(p.587). Dada tal complexidade e as restrições dos objetivos desse capítulo, apenas esboçaremos, de modo sucinto, algumas questões que são discutidas nesses temas, que serão abordadas, sempre que possível, na mesma seqüência. Reiteramos a idéia de que não é um capítulo que se constitua em história da profissão docente, mas um brevíssimo olhar sobre os aspectos relevantes de tal história para a outra história que me interessa, a do REELP.

A formação de professores, no Brasil teve início com as Escolas Normais, fundadas na metade do século XIX, no momento em que surgiam também na Europa. Essas escolas funcionaram de 1835 até 1971. A partir da lei nº 5.692/71, houve sua transformação em uma das habilitações do ensino técnico de 2º grau, o Magistério. E a partir da LDB nº 9.394/96 é que haverá a exigência da formação em nível superior6 para os professores das séries iniciais do ensino fundamental. Tal história está recheada de leis, decretos e resoluções que ora apontam para um avanço, ora representam um retrocesso na formação dos professores (Villela, 2000; Cunha, 2000; Catani, 2000; Tanuri 2000).

Desde os anos finais do Império no Brasil, momento em que as Escolas Normais são abertas às mulheres, podemos observar o denominado processo de feminização do magistério. Tanuri (2000, 1979), aponta como responsáveis por tal processo: os baixos salários, encaminhamento profissional como alternativa ou para o casamento ou para o serviço doméstico, especialmente das órfãs institucionalizadas; e a visão de que a educação da infância deveria ser atribuída à mulher como extensão de seu papel de mãe e de sua atividade educadora em casa. Tal processo tem sido responsabilizado pelo desprestígio social da profissão e pelos baixos salários.

No Estado de São Paulo, em 1892, foi aprovada a Lei do Ensino Público, criando o ensino primário e secundário. Para a formação dos professores do ensino primário seriam criadas quatro Escolas Normais e, para os de ensino secundário, um curso superior anexo às Escolas Normais. Somente em 1934, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e

6 A partir da Resolução SE 119 de 07.11.2003, o curso de Magistério não será mais oferecido pela pública

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Letras da Universidade de São Paulo (FFCL) é que foram estabelecidos cursos específicos para a formação de professores secundários. No entanto, Kullok (2000) afirma que:

As raízes dos cursos de licenciatura advêm da Escola Normal e não da primeira universidade em 1934, como seria de supor. A formação do professor veio para a universidade como apêndice. A situação de desnível acadêmico, aliada ao lugar menor onde se colocou a educação, produziu uma atitude preconceituosa que até hoje perdura nos institutos de nível superior que têm como objetivo a formação de professores. O preconceito, que sobrevive, não se alimenta apenas de um episódio do passado, mas decorre de uma concepção de universidade que prevaleceu ideologicamente (p. 102).

Segundo a autora, as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, na década de 1930, funcionaram como escolas normais de preparo do magistério secundário; ela acrescenta que, atualmente com os problemas enfrentados pela universidade, esta cumpre mal a sua função de escola de formação de professores. Dos anos 30 aos anos 60, houve uma evolução lenta e irregular dos estudos pedagógicos de nível superior, tanto público quanto privado. As escolas normais e os institutos de educação sofreram sucessivas adaptações, pois não havia instalações especialmente destinadas a esse fim.

Após a Reforma Universitária de 1968, houve uma expansão desordenada do ensino superior no Brasil e o aumento das faculdades particulares, principalmente dos cursos de licenciatura. Havia uma urgência em formar novos professores para atender à demanda, já que ocorreu um aumento considerável no número de alunos no ensino primário e secundário. O resultado desse processo, segundo Kullok (2000), é que as faculdades de filosofia se expandem e se multiplicam, enquadrando-se rapidamente os cursos de licenciatura entre os chamados cursos fáceis do nosso ensino superior, em que é fácil entrar e mais fácil ainda sair, em que os custos são baixos e duvidosa a qualidade de ensino (p.52). Tal expansão é realizada mais amplamente no setor privado. A privatização e a fragmentação institucional são as principais características do ensino superior no Brasil. Segundo Cunha (2000):

...as afinidades políticas eletivas entre os governos militares e os dirigentes de instituições privadas do ensino superior fizeram com que o Conselho Federal de Educação assumisse uma feição crescentemente privatista. Assim, no momento em que a reforma do ensino superior proclamava sua preferência pela universidade como forma própria de organização do ensino superior, o CFE já se empenhava em propiciar a aceleração do crescimento de estabelecimentos privados, a grande maioria isolados, contrariando a lei recentemente promulgada. O Congresso Nacional, fechado pelo acirramento do autoritarismo, menos de um mês após a promulgação da lei da reforma universitária, permaneceu à margem desse novo impulso atomizador acionado pelos grupos privatistas. (p.180)

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A falta de controle e de fiscalização por parte dos órgãos governamentais fez com que essa tendência privatista7 fosse levada às últimas conseqüências. Surgiram instituições que ofereciam os chamados “cursos vagos”, pois não era necessária a freqüência dos alunos, e os de finais de semana. Tais instituições mantinham cursos com alunos regulares e freqüentes e um grupo de alunos que precisavam somente realizar os pagamentos nas datas marcadas e que também podiam comprar os trabalhos (resenhas, monografias, etc...). As licenciaturas curtas, extintas na LDB nº. 9.394/93, e os cursos de complementação pedagógica, colaboravam para facilitar o comércio de formação de professores, pois além de serem de breve duração, o que acarretava uma simplificação no domínio do conteúdo e na qualificação profissional, também não havia um controle sobre o exercício docente no ensino superior, agravando ainda mais a precariedade na formação dos professores.

Outro fator que contribuiu para essa expansão desordenada do ensino superior foi a reforma do ensino de 1º e 2º graus – Lei nº 5.692/71- que finalmente estabeleceu um compromisso já tardio de fornecer o acesso das camadas populares à escola. Isso trouxe muitos problemas, pois não havia número suficiente de professores habilitados e tanto o sistema educacional quanto os professores não estavam preparados para o atendimento que essa nova parcela da população exigia e continua a exigir.

Nesse contexto, temos também o surgimento de cursos para sanar as “deficiências” da formação dos professores. Apesar de estar presente em nossa legislação desde a reforma universitária de 1968, ainda não conseguimos elaborar um modelo ou projeto de formação continuada que realmente atenda às necessidades dos professores. Sobre as conseqüências da reforma universitária, Kullok (2000) afirma que as faculdades de educação teriam por função formar e promover a atualização8 dos professores:

Em decorrência da concepção e das finalidades da faculdade de educação sua estrutura básica deveria abranger pelo menos três áreas: 1) A de graduação, dimensão mais ampla que ofereceria cursos de formação de professores primários (ainda ambiciosa, mas já prevista para os anos 70), de professores da Escola Normal, de pedagogos – especialistas-, e cursos de formação pedagógica dos licenciados; 2)

7

Tanuri (2000), traz alguns dados referentes ao número de escolas de formação profissional (curso Normal, Habilitação Específica para o Magistério) e de cursos de graduação nas instituições públicas e particulares, mostrando o menor número da primeira em relação à segunda.

8 Marin (1995), discute a inadequação dos termos: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento e capacitação.

Acreditamos que o termo atualização também se insere nessa categoria. A autora acrescenta que Educação Permanente, Formação Continuada e Educação Continuada apresentam conceitos que traduzem de modo mais adequado à perspectiva da reflexão sobre o exercício docente

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A de pós-graduação, dimensão que deveria ensejar a pesquisa, a fim de formar especialistas em altos estudos pedagógicos e para o magistério superior; 3)A capacitação supletiva (expressão usada na época) corresponderia à formação permanente do professor, em nossos dias substituída pela expressão educação continuada(p.72).

Nem as faculdades de educação nem as áreas específicas das licenciaturas têm condições de atender a todos os profissionais da educação que atuam nos sistemas de ensino. Laranjeira et. al (1999) discute os problemas na formação dos professores, tanto no Brasil como em outros países da América Latina, ao fazer uma síntese dos Referenciais para a Formação dos Professores, documento elaborado pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto, em 1998. Segundo a autora:

A hipótese subjacente neste documento é que, embora insuficiente para garantir, por si só, uma aprendizagem escolar de melhor qualidade, a formação de professores é uma condição sine qua non. No Brasil e em vários outros países da América Latina, a preparação para o exercício do magistério tem características muito similares: inexistência de um sistema articulado de formação inicial e continuada; ineficácia dos cursos de formação inicial, o que tem levado a práticas compensatórias de formação em serviço; heterogeneidade muito grande na oferta e qualidade de formação continuada; descontinuidade das ações de formação (p.21).

É o Estado que tem assumido a função de promover a formação continuada. No entanto, tal oferta está sujeita às mudanças na administração do governo. Sendo assim, há freqüentemente uma descontinuidade das ações implementadas, pois em cada gestão temos concepções diferenciadas sobre as deficiências da formação inicial, o que resulta em “outras práticas compensatórias” na formação em serviço.

Para Nóvoa (1995), a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos (conhecimentos ‘fundamentais’) e modelos práticos (métodos ‘aplicados’). Apontando um caminho alternativo, ele sugere a adoção de “modelos profissionais”. De acordo com o autor:

É preciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência, adoptando modelos profissionais, baseados em soluções de partenariado entre as instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de tutoria e de alternância. Esta opção obriga à instauração de novos mecanismos de regulação e de tutela da formação de professores, o que passa pela autonomia das Universidades e das escolas e pela celebração de acordos que traduzam a diversidade de interesses e de realidades institucionais. (p. 26).

Os modelos profissionais de formação de professores deveriam, segundo educadores como Eliott (1991, p.30, apud Nóvoa), integrar conceitualizações nos seguintes níveis: “1-

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contexto ocupacional; 2- natureza do papel profissional; 3- competência profissional; 4- saber profissional; 5- natureza da aprendizagem profissional; 6- currículo e pedagogia”. Ou seja, seria necessária uma reestruturação na formação inicial que possibilitasse uma articulação entre as universidades e as escolas. Nóvoa afirma que essas instituições são incapazes, isoladamente, de responder a estas necessidades. E essa mudança acarretaria também uma valorização dos espaços da prática e da reflexão sobre a prática (Zeichner, 1992, apud Nóvoa, p.26).

Após quase quarenta anos, são insignificantes os avanços que houve na área de formação continuada, pois as questões de ensino ocupam um lugar de menor prestígio dentro da academia, dificultando assim o engajamento de pesquisadores que realmente se comprometam com as questões educacionais, sem preconceitos ou idealizações. Os cursos oferecidos pelos órgãos oficiais versavam muito mais sobre as falhas dos professores do que forneciam subsídios que possibilitassem aos docentes uma reflexão permanente sobre seu trabalho. Ainda não foi possível a formulação de um modelo de formação continuada que estabeleça uma ponte entre o conhecimento produzido na academia sobre as questões de ensino/aprendizagem e o trabalho dos professores. Aprofundaremos mais esse assunto nos próximos itens que irão discutir a política da SEE/SP para a formação em serviço e as contribuições das pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Língua Portuguesa (ver itens 1.2 e 1.3).

Além das questões referentes aos lugares institucionalizados para aquisição de conhecimento - a formação -, há também questões relacionadas ao mundo do trabalho, a profissão professor. Os processos de profissionalização e de proletarização estão relacionados à autonomia docente para trabalhar o conjunto de saberes profissionais necessários para sua tarefa. No entanto, há uma complexa rede de controle e de poder do Estado e da universidade sobre tais conhecimentos. Tal complexidade deve muito também ao valor que é dado por esses agentes e pela sociedade aos professores e à escola. Não podemos deixar de observar também como é que tal categoria docente se relaciona com essa gama de fatores que influenciam sua prática. Faremos, a seguir, um breve olhar sobre esses aspectos.

Nóvoa (1995), falando do contexto de Portugal, de uma perspectiva histórica, afirma que há a luta dos professores para serem considerados como profissionais. Somente na

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metade do século XVIII a função docente passou por um processo de estatização, isto é, o ensino, que era realizado até essa época pelos religiosos ou por leigos controlados pela Igreja, passa para a tutela do Estado. No Brasil, na condição de país colônia, isso ocorreu no momento da expulsão dos jesuítas em 1759, responsáveis pela educação por 200 anos, desde 1549. Tanto aqui, como em Portugal, a atividade docente era não-especializada e secundária ao sacerdócio, mas havia grupos que a exerciam como ocupação principal. É a intervenção do Estado que vai instituir os professores como corpo profissional, dando-se a substituição da “vocação” para a prática de um ofício, isto é, a profissão.

Surge, então, a necessidade de se definir regras uniformes de seleção e nomeação dos professores, como também a criação de uma licença ou autorização conferida pelo Estado para o exercício docente. Essa licença era adquirida através de um exame que poderia ser requerido pelas pessoas que preenchessem certas condições, tais como: habilitações, idade, comportamento moral, etc. Com a criação desta licença foi possível definir um perfil de competências técnicas para a realização de recrutamento dos professores e delinear uma carreira docente. Foi necessária também a retirada dos professores da alçada das comunidades locais. De acordo com Nóvoa (1995):

Os professores aderem a este projecto, que lhes assegura o estatuto de autonomia e independência em relação aos párocos, aos notáveis locais e às populações: a funcionarização deve ser encarada como uma vontade partilhada do Estado e do corpo docente. E, no entanto, o modelo ideal de professores situa-se a meio caminho entre o funcionalismo e a profissão liberal: ao longo da sua história sempre procuraram conjugar os privilégios de ambos os estatutos (p.17).

1.2. Alguns aspectos do processo de profissionalização docente

Há uma vasta literatura sobre o assunto que discute o status profissional dos professores. Destacaremos os conceitos de professor, escola e profissionalização, porque são construídos historicamente e, dependem das representações sociais que estão agindo em determinadas épocas. Segundo Costa (1995):

Professor e escola são duas categorias que se constituíram historicamente relacionadas uma à outra, vinculadas conjuntamente aos processos e práticas sociais que produzem indivíduos partícipes das trajetórias histórico-culturais das sociedades em que vivem. À medida que a escola se estabeleceu como instituição social desenvolveu-se, também, um grupo ocupacional que exercia o controle e a autoridade

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no seu que fazer diário. A identidade desse grupo, referenciada ao papel, ao status social e ao significado político da atividade a qual se dedica, tem sido amplamente discutida e uma das vertentes produtivas desse debate é a que estuda o surgimento dos profissionais9. (p.85).

Profissionalização é um processo historicamente específico desenvolvido por algumas ocupações em um determinado tempo e não um processo que certas ocupações devem sempre realizar devido as suas qualidades essenciais; é uma forma de controle político do trabalho, conquistado por um grupo social, em dado momento. (p.89).

Portanto, é possível que, em determinados momentos históricos, a representação social tanto dos professores como da escola seja de maior ou menor prestígio.Como também são diferenciados os mecanismos de controle exercidos pela profissão. No início do século XX, por exemplo, a escola e os professores atendiam às expectativas sociais. De acordo com Nóvoa (1995):

O prestígio dos professores no início do século XX é indissociável da acção levada a cabo pelas suas associações, que acrescentam à unidade extrínseca do corpo docente, imposta pelo Estado, uma unidade intrínseca, construída com base em interesses comuns e na consolidação de um espírito de corpo. A profissão docente exerce-se a partir da adesão (implícita ou explícita) a um conjunto de normas e de valores. No princípio do século XX, este ‘fundo comum’ é alimentado pela crença generalizada nas potencialidades da escola e na sua expansão ao conjunto da sociedade. Os protagonistas deste desígnio são os professores, que vão ser investidos de um importante poder simbólico. A escola e a instrução incarnam o progresso: os professores são seus agentes. A época de glória do modelo escolar é também o período de ouro da profissão docente (p. 19).

Mas, a partir das últimas décadas do século XX, a profissão professor vem passando por um processo de desvalorização cada vez maior, pelo chamado processo de proletarização ou desprofissionalização. Para Contreras (2002):

Da mesma forma que o profissionalismo, tanto como descrição ou expressão do desejo, constitui um debate vivo no seio da comunidade educativa, outro dos temas controversos é o da paulatina perda por parte dos professores daquelas qualidades que faziam deles profissionais, ou, ainda, a deterioração daquelas condições de trabalho nas quais depositavam suas esperanças de alcançar tal status. É esse o fenômeno que passou a ser chamado o processo de proletarização. Embora não se possa falar de unanimidade entre os autores que defendem a teoria da proletarização de professores, a tese básica dessa posição é a consideração de que os docentes, enquanto categoria, sofreram ou estão sofrendo uma transformação, tanto nas características de suas condições de trabalho como nas tarefas que realizam, que os aproxima cada vez mais das condições e interesses da classe operária. (p.33).

O processo de profissionalização e de proletarização representam as condições que os professores vivenciam com relação ao seu status de profissional. O primeiro significa a

9 Nesta obra, Costa mostra como a palavra profissão tem se transformado na história. Para traçar a mudança

utiliza os trabalhos de: Nóvoa (1987); Larson (1977); Lawn & Ozga (1981); Parsons (1957); Cabrera & Jimenez (1991) entre outros.

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busca pelo reconhecimento e pelo controle de sua própria profissão. Já a proletarização é o processo inverso, isto é, simboliza o desprestígio, a falta de poder e as condições precárias de trabalho, que fazem com que os professores tenham que lutar pela sua sobrevivência na escola e fora dela. A superlotação das salas de aulas, os baixos salários, a falta de tempo disponível para a sua formação forçam esses profissionais a relegarem a busca pelo reconhecimento de sua profissão e de sua autonomia a segundo plano.

Contreras (2002) aponta, ao analisar as questões da autonomia dos professores, algumas vertentes que estudam o profissionalismo e seus desdobramentos. Um dos aspectos são as ambigüidades decorrentes da reivindicação do status de profissional:

A discussão sobre o profissionalismo dos professores está atravessada de ponta a ponta pelas ambigüidades que a própria denominação “profissional” acarreta, bem como pelos interesses no uso desse termo. Algo desse assunto pudemos observar ao analisar o modo conflitivo e contraditório com que o termo é usado quando os professores tratam de fugir da proletarização. Passa a ser ambíguo porque sua fuga é tanto uma resistência à perda de qualidade em sua atividade docente, como uma resistência a perder – ou a não obter – um prestígio, um status ou uma remuneração que se identifique com a de outros profissionais (p.53).

O autor nos mostra, baseado em estudos feitos sobre profissão (Guinsburg, 1988; Skopp, 1988; Enguita, 1990; Hoyle, 1980), a enorme dificuldade de atribuir à categoria docente à condição de profissional. A teorização mais extensa sobre o profissionalismo foi denominada de Teoria dos Traços, que se baseia na manipulação da imagem daquelas ocupações sobre as quais há um consenso quanto ao seu estatuto de “profissão”, tais como médico e advogado. Selecionam-se os traços – saber profissional, poder sobre o cliente, autonomia ou controle profissional independente, entre outros - que supostamente caracterizam esse tipo profissional e se compõe um retrato do profissionalismo. Ao comparar a atividade docente segundo os traços determinantes de uma profissão, a conclusão mais comum é a de considerar os professores como semiprofissionais. Atribui tal denominação ao observar que:

falta autonomia com relação ao Estado que fixa a sua prática, carentes de um conhecimento próprio e sem uma organização exclusiva que regule o acesso e o código profissional. Por conseguinte, os traços ideais de serviço (ou vocação), e de autonomia em relação ao cliente (se entendermos aqui como tal os alunos) ou trabalho rotineiro, não são elementos suficientes para que a docência seja considerada uma profissão (p.57).

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No entanto, tal análise torna-se simplista como nos aponta a crítica que Larson (1977, apud Contreras) faz à Teoria dos Traços, por seu caráter a-histórico e determinista, que obedece a interesses ideológicos. A autora defende que as profissões devem ser encaradas e pesquisadas como um mecanismo pelo qual certos grupos de trabalhadores desenvolveram estratégias para controlar o exercício profissional, impedindo o acesso de profissionais diferentes, recorrendo para isso ao Estado para que garantisse esse privilégio (p.59).

A exclusividade de um conhecimento especializado era forma de legitimação para exercer tal controle. Porém, a dependência do poder do Estado na defesa de seus interesses transformou as condições de trabalho. Os profissionais passaram a ser especialistas assalariados em uma organização empresarial ou burocrática, sujeitos ao controle administrativo, apenas com certo reconhecimento de suas capacidades técnicas e, apesar de tudo, com os privilégios que o conhecimento técnico lhes concede na hierarquia trabalhista da organização (Contreras, 2002, pp.59/60).

Para exemplificar tal situação, Contreras mostra a situação da profissão de médico. Atualmente, trabalhando em grandes estruturas institucionalizadas como as organizações hospitalares, companhias sanitárias e serviços estatais de saúde, a suposta autonomia profissional dos médicos parece ficar reduzida à sua possibilidade de diagnóstico e tratamento, sempre e quando for realizado dentro das estreitas margens da medicina convencional e das normas burocráticas que racionalizam sua capacidade de atendimento, diagnóstico e tratamento (p.60).

Essa tendência ideológica do profissionalismo tem como conseqüência manter a exclusividade do conhecimento; assim os problemas e conflitos referentes a sua área passam a ser somente assunto de especialistas, ocultando as opções ideológicas que sustentam as decisões profissionais: aos clientes cabe apenas acatar a avaliação do profissional. Sendo assim, o autor nos alerta para o fato de que a reivindicação de profissionalismo dos professores pode não ser uma estratégia eficaz, pois pode ser um meio de ocultar as carências de poder profissional. Tal viés ideológico está ligado à capacidade de impor um conhecimento como exclusivo. Segundo Popkewitz (1990, apud Contreras):

Os processos de profissionalização têm sido utilizados para introduzir sistemas de racionalização no ensino, de tal modo que o fruto foi a homogeneização da prática dos docentes, a conseqüente burocratização e perda da autonomia dos professores e o banimento da participação social na educação cada vez mais justificado como um âmbito de decisão dos profissionais ou da administração (p.61).

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Os professores acabam por exercer um papel secundário, conseqüentemente o seu trabalho é desvalorizado, ficam sem voz e as suas reivindicações são denominadas de queixas. O controle do exercício docente é feito por meio de implantações de programas de ensino elaborados pelo Estado, a partir dos resultados de pesquisas acadêmicas. Contreras (2002) discute que no processo de profissionalização, um dos aspectos mais fortes de legitimação, é a posse do conhecimento científico. De acordo com Larson (1989, apud Contreras):

A linguagem e a prática científica se apresentam como um “campo discursivo” restritivo e seleto, e a linguagem profissional acaba assimilando as formas e rituais do científico(...)As “comunidades de discurso” que constituem as profissões não são homogêneas. Embora determinados grupos possam fazer parte de um mesmo campo cognitivo especializado, nem todos os membros têm o mesmo domínio, nem o mesmo reconhecimento em relação a esse conhecimento que compartilham, senão que no interior dessas comunidades há divisões, estratificações e hierarquias. Diferentemente de outras ocupações, nas quais há uma continuidade de formação e titulação entre os que exercem diferentes funções dentro de uma mesma comunidade de discurso, no caso do ensino parece haver uma fratura entre os que possuem um conhecimento reconhecido e uma legitimação científica sobre a docência enquanto campo discursivo, por um lado, e os professores (não-universitários), por outro (pp. 61,62).

O conhecimento reconhecidamente válido é o advindo da pesquisa científica. Tal processo é baseado em duas explicações, segundo Popkewitz, (1991, apud Contreras): a primeira é a fé na ciência como motor do progresso humano (p.62) e, a segunda é devido ao processo histórico de institucionalização dos professores pelo Estado, como vimos anteriormente.

Portanto, no caso dos professores, há uma relação de subordinação com o conhecimento acadêmico: Quem detém o status de profissional no ensino é fundamentalmente o grupo de acadêmicos e pesquisadores universitários, bem como os especialistas com funções administrativas, de planejamento e de controle no sistema educacional (Contreras, 2002, pp 63/64). Há uma valoração muito diferenciada para o trabalho do professor universitário e do professor do ensino fundamental e médio. O primeiro gera o conhecimento; o segundo nem sequer consegue consumir tal conhecimento dadas as precárias condições de trabalho. Tal crença está tão arraigada que os próprios professores só consideram legítimo o conhecimento produzido pela academia. Os professores ficam pressionados pela regulamentação do Estado e pelas produções acadêmicas que tentam nortear as questões de ensino. Segundo Zeichner (1998):

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Freqüentemente, o conhecimento, gerado por meio da pesquisa educacional acadêmica, é apresentado de uma forma que não leva os professores a nela se engajarem intelectualmente. A pesquisa educacional tem sido, estranhamente, muito anti-educativa. Seus resultados são simplesmente apresentados como certos e definitivos, ou usados como justificativa para impor algum programa prescritivo a ser seguido pelos professores. Por exemplo, apesar das avançadas idéias e visões defendidas pelas políticas e pelos acadêmicos para as escolas e os professores, nesta era de reestruturação escolar ignora-se muito o que os professores conhecem e podem fazer. As propostas centram-se apenas na distribuição de soluções pré-programadas para os problemas escolares (p. 218).

Essas considerações sobre a imposição do conhecimento científico sobre o ensino já estão naturalizadas, isto é, as professoras assimilam-nas como verdadeiras. No REELP, optamos pelo modelo descrito acima, isto é, convidamos os docentes universitários para ministrarem, em nossas reuniões, os resultados de suas pesquisas, pois sequer nos considerávamos habilitadas para nossa função, como foi apontado na introdução deste trabalho. Apesar de manter a postura de subordinação com relação ao conhecimento acadêmico, foi no REELP que descobrimos que também produzíamos e éramos possuidoras de um conhecimento válido (aspecto que será analisado no Capítulo IV).

Em seu modelo de análise da profissão docente, Nóvoa (1995), utilizando os resultados de diversas pesquisas, propõe, por exemplo, a revisão do controle do Estado na atividade docente, pois não há regulações intermediárias de poder (em nível local, organizacional e profissional). Isso se constitui como um fator de estrangulamento do professorado e do seu desenvolvimento profissional. Portanto, os professores precisariam adquirir uma certa autonomia na gestão de sua própria profissão e uma ligação mais forte aos atores educativos locais (autarquias, comunidades, etc). Sugere ainda a criação de formas contratuais, em modalidades de convênios, que possibilitem aos professores um novo enquadramento e que estipulem normas de responsabilidade profissional.

Nóvoa ressalta que a presença do Estado no âmbito do ensino é importante para manter a equidade social e serviços de qualidade. No entanto, a supervisão do Estado deveria ser de acompanhamento e de avaliação reguladora, e não de prescrição e de uma burocracia regulamentadora. Não há um órgão intermediário que regulamente a profissão tal como é feito pelos Conselhos Regionais de Medicina, de Arquitetura, a Ordem dos Advogados. É o Estado que através de decretos, leis, guias e parâmetros curriculares determina o quê e como deve ser realizado o trabalho dos professores. Tais leis não incorporam discussões realizadas pelos professores; ao contrário, as mudanças são discutidas nos gabinetes, nos

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fóruns acadêmicos, e o professor apenas deve colocar em prática os resultados de discussões em que sequer participou.

Um exemplo disso, no Estado de São Paulo, é a implantação da Progressão Continuada, durante o governo Mário Covas. Não houve debate ou preparação para que os professores pudessem trabalhar nesse novo regime, o que gerou inúmeros problemas. Apesar de todo embasamento teórico que sustenta a Progressão Continuada, sua implantação aponta muito mais para uma alteração do número de alunos reprovados do que para uma mudança pedagógica. Um outro exemplo é a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino Fundamental – Ciclo I: segundo Silva (2003) o documento apresenta alguns problemas de textualidade e de adequação ao público-alvo, isto é, os professores encontram dificuldade para a sua leitura não porque não são leitores, mas porque o entendimento do documento requer um conhecimento que o professor não possui, a menos que ele também seja um lingüista.

Este pequeno esboço da história da formação dos professores e de suas relações no âmbito do mundo do trabalho é um retrato das condições históricas que propiciam a caracterização negativa da profissão docente. O REELP surge como uma tentativa de amenizar os problemas apresentados acima, porque as professoras, cujo grupo também fazemos parte, somos constituídas por esta história, mesmo que não tenhamos tido conhecimento formal de todas essas discussões acadêmicas sobre o processo de profissionalização de nossa categoria. Vivemos diariamente os conflitos gerados pela falta de autonomia pedagógica, pela falta de tempo e de condições para estudarmos, já que passamos pela formação inicial, que não nos prepara para a escola e os alunos reais, que ficam conhecidos somente no momento em que começamos a trabalhar.

1.3. A formação em serviço oferecida pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo nos últimos vinte anos.

Os órgãos que promovem a formação em serviço são da esfera governamental: o município, o estado e o governo federal, através do MEC. As universidades públicas também participam, pois são elas que dão o suporte técnico, contribuindo com suas pesquisas e publicações de divulgação científica, ou com a elaboração de documentos que

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servem como guias e/ou parâmetros para a prática docente ou com parcerias, pois a universidade organiza cursos para atender aos professores da sua região, a partir de um acordo com as secretarias estaduais ou municipais de educação. As empresas e as universidades particulares também participam, ou vendem alguns “cursos” para atender à demanda, algumas vezes, dos órgãos públicos, outras vezes para os professores que estão procurando uma melhoria profissional ou financeira10.

Analisando o Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo, implantado pelo governo Fleury em 1991, Borges (2000) mostra quais os meios utilizados pelo Estado para atender à demanda:

Sabemos que a maior parte das ações de capacitação tem-se realizado por meio de pelo menos três vias: multiplicadores, capacitadores ou diretamente, com os professores. É importante avançar no sentido de ações mais diretas nas escolas...A resposta às demandas vem sendo dada de três maneiras: a) de forma direta, pelos próprios órgãos da Secretaria, como a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), que tiveram participações diferenciadas em momentos distintos; b) de forma indireta, pelo ensino à distância; c) por meio de parcerias e também terceirizações (p.42).

O problema desses esforços é que os eventos são esporádicos, não têm uma continuidade, não promovem uma mudança significativa na postura dos professores com relação à sua prática, pois não levam em conta suas necessidades; decide-se o que os professores precisam em determinada época e montam-se esses cursos, palestras e oficinas (ou workshops). As abordagens que se fazem nesses eventos muitas vezes afastam ainda mais os professores, pois trazem implícita uma imagem negativa desse profissional. Em alguns momentos, esse esforço governamental envolve a publicação de um documento como as Propostas Curriculares e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Os conflitos entre os interesses dos professores e da SEE/SP foram apontados por Guiomar Namo de Mello, na Conferência de Abertura do 6º Cole (10/09/87). Mello falou sobre sua experiência na implantação das Propostas Curriculares pela CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, discorrendo sobre quais os resultados dos processos que tentam modificar a prática do professor:

...o professor da sala de aula, hoje, para mim, é como a esfinge: ou nós o deciframos ou ele nos devorará, a nós, pessoas da Universidade, dos seminários,das secretarias, dos órgãos centrais. E ele tem nos

Referências

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