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A formação em serviço oferecida pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo nos últimos vinte anos.

1. PANORAMA SOBRE A FORMAÇÃO E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES

1.3. A formação em serviço oferecida pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo nos últimos vinte anos.

Os órgãos que promovem a formação em serviço são da esfera governamental: o município, o estado e o governo federal, através do MEC. As universidades públicas também participam, pois são elas que dão o suporte técnico, contribuindo com suas pesquisas e publicações de divulgação científica, ou com a elaboração de documentos que

servem como guias e/ou parâmetros para a prática docente ou com parcerias, pois a universidade organiza cursos para atender aos professores da sua região, a partir de um acordo com as secretarias estaduais ou municipais de educação. As empresas e as universidades particulares também participam, ou vendem alguns “cursos” para atender à demanda, algumas vezes, dos órgãos públicos, outras vezes para os professores que estão procurando uma melhoria profissional ou financeira10.

Analisando o Programa de Reforma do Ensino Público do Estado de São Paulo, implantado pelo governo Fleury em 1991, Borges (2000) mostra quais os meios utilizados pelo Estado para atender à demanda:

Sabemos que a maior parte das ações de capacitação tem-se realizado por meio de pelo menos três vias: multiplicadores, capacitadores ou diretamente, com os professores. É importante avançar no sentido de ações mais diretas nas escolas...A resposta às demandas vem sendo dada de três maneiras: a) de forma direta, pelos próprios órgãos da Secretaria, como a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), que tiveram participações diferenciadas em momentos distintos; b) de forma indireta, pelo ensino à distância; c) por meio de parcerias e também terceirizações (p.42).

O problema desses esforços é que os eventos são esporádicos, não têm uma continuidade, não promovem uma mudança significativa na postura dos professores com relação à sua prática, pois não levam em conta suas necessidades; decide-se o que os professores precisam em determinada época e montam-se esses cursos, palestras e oficinas (ou workshops). As abordagens que se fazem nesses eventos muitas vezes afastam ainda mais os professores, pois trazem implícita uma imagem negativa desse profissional. Em alguns momentos, esse esforço governamental envolve a publicação de um documento como as Propostas Curriculares e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Os conflitos entre os interesses dos professores e da SEE/SP foram apontados por Guiomar Namo de Mello, na Conferência de Abertura do 6º Cole (10/09/87). Mello falou sobre sua experiência na implantação das Propostas Curriculares pela CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, discorrendo sobre quais os resultados dos processos que tentam modificar a prática do professor:

...o professor da sala de aula, hoje, para mim, é como a esfinge: ou nós o deciframos ou ele nos devorará, a nós, pessoas da Universidade, dos seminários,das secretarias, dos órgãos centrais. E ele tem nos

devorado com o artifício mais corriqueiro que existe, que é o de mimetizar todas as inovações que lhes mandamos dentro da prática reiterativa que eles já tinham. É como se o professor tivesse uma prática rosa e nós mandamos o azul. Ele vai mexendo, mexendo e dentro de dois anos já está rosa; a gente manda o amarelo, ele dá um jeito, mistura, mistura e fica rosa. Quer dizer, há um processo de mimetização do novo, em relação àquilo que ele já faz, que a gente não consegue _quebrar. Se nós queremos quebrar, não sei se é valido também quebrar, porque às vezes a gente quebra uma coisa que é ruim para pôr uma pior e que também não adianta _nós temos que saber de que cor é essa prática (p.13).

A metáfora utilizada por Mello pode servir como exemplo das políticas públicas implantadas nos últimos quinze anos, que continuam incorrendo nos mesmos problemas, ou seja, ainda não descobriram qual é a cor da prática pedagógica dos professores. A imposição das inovações não possibilita uma nova postura dos docentes. Tivemos, neste período, apenas uma ruptura na política educacional da SEE/SP entre os governos Quércia (1987-1990) e Fleury (1991-1994), de um lado formando o primeiro bloco, e os governos de Covas (1995-2002) e Alckmin (2003-2006), do outro lado. Porém, o modelo e a abordagem pouco se alteraram; conseqüentemente a ineficácia dos programas de formação em serviço promovidos pela SEE/SP tem se mantido. Segundo Borges (2000):

...os programas de formação continuada desenvolvidos pela SEE/SP não têm levado em consideração vários fatores importantes para sua elaboração e implementação, tais como o baixo índice de aplicação de verbas para a educação, as condições reais de trabalho dos professores e, principalmente, a falta de conhecimento das reais condições de organização e funcionamento das escolas, com os vários conflitos que ocorrem diariamente em seu interior. Tais programas têm apresentado propostas pedagógicas que não dão conta dos problemas educacionais, dada a falta de visão crítica da educação como fenômeno histórico e social (p. 56).

Para compreendermos melhor as condições em que surgiu o REELP, focalizaremos o trabalho desenvolvido pela SEE/SP a partir do governo Covas, momento em que se iniciaram as atividades do grupo. As reformas implementadas a partir de então agravaram ainda mais as condições de trabalho dos professores.

De acordo com Wey (1999), coordenadora da CENP no governo Mário Covas, a SEE/SP investiu vários anos em programas de capacitação, mas com resultados incipientes. Em 1994, o Estado de São Paulo contabilizava 1.560.000 alunos reprovados. Para alterar tal número, o governo Covas implantou, a partir de 1995, uma série de reformas. Um dos projetos de mudança era intitulado a Escola de Cara Nova11.

11 Na época, os professores sentíamos muito todas essas mudanças, e alguns brincavam dizendo que faziam de

Foram implantadas na rede as seguintes ações: a) reorganização da rede física: os alunos foram reagrupados de acordo com a faixa etária, algumas escolas passaram a atender somente aos alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental (da primeira à quarta série), e outras o segundo ciclo (de quinta à oitava série); b) informatização: as escolas receberam computadores e programas educacionais; c) desconcentração: as escolas e as delegacias de ensino passaram a receber diretamente os recursos para manutenção e aquisição de materiais didáticos; d) professor coordenador pedagógico: um ou dois desses profissionais para auxiliar na implementação da proposta pedagógica da escola; e) telecurso 2000: ensino supletivo; f) classes de aceleração: foi feito um trabalho diferenciado para que os alunos pudessem superar a defasagem idade/série; g) avaliação permanente: a implantação do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - SARESP; h) criação de salas-ambientes: organização dos espaços escolares em que as salas são separadas por área e ao final da(s) aula(s) quem muda de classe são os alunos e não o professor; i) progressão continuada da aprendizagem: a implantação de dois ciclos no ensino fundamental: da primeira à quarta série e da quinta à oitava série, assim o aluno é promovido de uma série a outra; j) Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC): momentos coletivos de reflexão sobre a prática.

Como dissemos anteriormente, nenhuma dessas ações foi discutida com os professores. Foram simplesmente implantadas. E algumas trouxeram muitas dificuldades. Vejamos alguns itens.

Quanto à Reorganização da rede física, apesar da grande rotatividade dos professores nas escolas, a retirada desses profissionais de escolas em que mantinham vínculos, inclusive afetivos, foi muito traumática, trazendo muitos problemas de adaptação aos professores, que resistiram bastante a tal mudança. Sabe-se que algumas vezes as escolas de um mesmo bairro ou cidade mantém relações nem sempre amigáveis, e cada uma delas tem seu próprio funcionamento, apesar da legislação ser igual para todas. Tal separação também aprofundou a distância entre os professores do primeiro ciclo e segundo ciclo do ensino fundamental; tradicionalmente há uma relação conflituosa entre esses dois segmentos no interior das escolas.

Em relação à informatização, as escolas, de fato, receberam muitos computadores. Ainda não houve a contratação de um funcionário para manter o funcionamento da sala de

computação. Com isso, é muito problemática a manutenção das máquinas. Também foram incipientes as discussões com os professores sobre a utilização de programas educacionais, sem contar que muitos professores não tinham acesso aos computadores.

Quanto à emergência da figura do Professor Coordenador Pedagógico, como há sempre um déficit de funcionários nas escolas, principalmente na secretaria, e como o volume de papéis pedidos pela SEE/SP é gigantesco, os professores coordenadores acabaram auxiliando os diretores nas questões burocráticas e não conseguem desempenhar suas funções dentro da escola, a saber, auxiliar os professores nas questões pedagógicas.

Em relação à Progressão Continuada da Aprendizagem, foi retirada a reprovação dos alunos sem instrumentalizar os professores para que pudessem trabalhar nesta nova realidade. Segundo Wey (1999, p. 231), a ampliação das possibilidades e oportunidades para o aluno realizar um percurso escolar bem-sucedido se dá por meio de recuperação contínua, paralela e nas férias. As condições de trabalho dos professores não mudaram, as salas continuaram superlotadas, dificultando assim a recuperação dos alunos que apresentavam dificuldades12.

Também em relação ao Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, as reuniões realizadas durante o HTPC têm sido ocupadas com os recados da SEE/SP, o preenchimento de fichas de alunos e de projetos a serem realizados na escola, atendimento aos pais de alunos que apresentam problemas de aprendizagem ou de comportamento, teleconferências realizadas pelo (a) Secretário (a) de Educação. Com isso, as questões pedagógicas são as últimas a serem discutidas em tais reuniões, sempre de forma fragmentada e inconclusa, pois o tamanho das pautas torna muito difícil manter a discussão de um item por mais de uma reunião.

Para a formação em serviço a SEE/SP criou o Programa de Educação Continuada (PEC). De acordo com Wey (1999):

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Atualmente, os professores têm enfrentado muitos problemas, pois alguns alunos mantêm a freqüência às aulas, mas não fazem absolutamente nada em sala de aula, esperando para ir para a Recuperação de janeiro, momento em que a freqüência por si só é garantia de aprovação. Por meio de uma resolução em 15/08/03, a SEE/SP excluiu a Recuperação de janeiro, fato que foi comemorado pelos professores.

Assim, a Secretaria de Estado da Educação propôs em 1996 o Programa de Educação Continuada (PEC) como forma de reciclar e preparar os profissionais das escolas e das delegacias de ensino: supervisores, assistentes técnico-pedagógicos, diretores, coordenadores, professores e funcionários. Trinta milhões de dólares foram aplicados em dois anos (1997-1998) no PEC, que foi se revelando a melhor forma de investir nos quadros da educação (pp. 227-228).

Na Diretoria de Ensino de Americana, o PEC não foi realizado, pois houve uma incompatibilidade entre os interesses dos membros da D.E. e a UNESP de Rio Claro. Em entrevistas informais, um funcionário, que exerce a função de supervisor, nos relatou que o PEC foi uma experiência muito infeliz para a D.E. de Americana. E afirmou que a UNESP – Rio Claro propôs cursos de cunho empresarial que não atendiam às necessidades diagnosticadas na região de Americana.

Ainda, concordamos com Pietre (1998) que, ao analisar uma atividade do Projeto de Educação Continuada (PEC), conclui que esse evento caracteriza-se mais como reciclagem13 do que como educação continuada:

O PEC, portanto, não pode ser considerado um projeto de educação continuada pois não ‘tem a significação fundamental do conceito de que a educação consiste em auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão’ (Marin, 1995, p.19). Pelo contrário: da forma como está organizado não permite um distanciamento crítico, pois reproduz a realidade da sala de aula tradicional; nem permite uma postura ativa, uma vez que não há essa crítica e o professor participante, como o aluno tradicional, assume uma atitude passiva dentro desse tipo de organização em que o professor fala e o aluno escuta...O PEC se caracteriza justamente através das concepções que Marin (1995) assinala como inadequadas ou impróprias: pode ser visto como um projeto de reciclagem, uma vez que pode ser colocado entre os ‘cursos rápidos e descontextualizados, somados a palestras e encontros esporádicos que tomam parcelas muito reduzidas do amplo universo que envolve o ensino’ (pp. 82-83).

A SEE/SP também promoveu uma avaliação do programa. De acordo com Wey (1999), foram realizados no PEC três tipos de avaliação: a processual, fazendo o diagnóstico e o acompanhamento das ações; a interna, realizada pelas Diretorias de Ensino e as Instituições capacitadoras; a externa, realizadas por instituições especializadas contratadas para avaliarem o Programa como um todo (as instituições foram: Fundação Carlos Chagas, que também coordenou a avaliação, a Universidade do Rio Grande do Sul, a Cesgranrio e a Fundação João Pinheiro).

13 De acordo com Marin (1995): reciclagem é um termo que – na perspectiva dos profissionais da educação-

jamais poderá ser utilizado para pessoas, sobretudo para profissionais, os quais não podem, e não devem, fazer “tabula rasa” dos seus saberes. Além do mais, por mais problemático que se apresente a situação em questão, a obtenção de melhores resultados não depende só de atualização, mas de outros fatores (p.14).

Miranda (1999) traz alguns resultados da avaliação externa realizada pela Fundação João Pinheiro. Dos 19 pólos criados, abrangendo todo o Estado de São Paulo, a autora destacou quatro, que tiveram experiências significativas. E conclui que:

Esses programas também tiveram problemas e nem sempre agradaram a todos. Algumas vezes as políticas da SEE caminharam em direção diferente dos programas. Mas, principalmente, foi possível também constatar, mais uma vez, um fato que conhecíamos de outras realidades: nem sempre um programa de educação continuada, por melhor que seja, consegue elevar o nível básico de formação de um docente (p.246).

Com relação à realização da avaliação externa, Miranda (1999) aponta as dificuldades encontradas:

A SEE prometeu um monitoramento para as quatro agências. Isso não ocorreu. Tivemos que buscar essas informações depois que descobrimos que o monitoramento não funcionou...As Agências de Avaliação Externa não tinham conhecimento das ações que estavam sendo realizadas nem recebiam relatórios parciais. .. A organização dos Pólos foi artificial e nem sempre observada...Os padrões de cursos – 4 módulos de 24 horas – foram muito rígidos e não observados. Ação-reflexão-ação não compreendida...Muitas DES não estavam preparadas para essa nova forma de organização de cursos de educação continuada (p.247).

Apesar da avaliação positiva da Coordenadora da CENP, Wey (1999)14, e de terem investido trinta milhões de dólares para promoverem o PEC, ainda houve muitos problemas e equívocos. Primeiro, porque o PEC parte do princípio de que as atividades promovidas são de capacitação e de aperfeiçoamento, o que implica uma abordagem que não oferece aos professores condições para que realmente consigam refletir sobre a sua prática, permanecendo assim o impasse apontado acima por Guiomar Namo de Mello. Segundo, porque, na prática, os programas de formação em serviço são mais um evento de reciclagem, como observado por Pietre. Terceiro, porque as agências capacitadoras mantêm uma postura prescritiva em relação aos professores e assim não conseguem estabelecer um diálogo com as questões referentes ao ensino.

O REELP surgiu um ano antes da implantação do PEC, momento em que vivenciávamos toda a mudança citada acima. E, como vimos, a implantação de tal programa também não alterou a realidade vivida por nós, professores da D.E. de Americana, pois para os professores dessa D.E. o PEC simplesmente não aconteceu. Nesta

14 A autora ressalta que, a partir dos resultados do PEC, aliado às outras ações implantadas foi possível evitar

a reprovação de 1.000.000 de alunos em 1997. No entanto, Wey esquece de mencionar que, mais provavelmente, este resultado é fruto das Classes de Aceleração e da Progressão Continuada.

última década, foram poucos os momentos em que os professores foram convocados para atividades de formação. Antes do PEC, os encontros realizados eram, muitas vezes, com autores de livros didáticos, pois as editoras patrocinam esse tipo de evento. A SEE/SP, apesar de suas tentativas de oferecer uma formação em serviço, ainda não conseguiu viabilizar um projeto de formação continuada que promova uma mudança significativa na prática dos professores. A seguir traçaremos, também de modo sucinto, as mudanças que ocorreram no ensino de Português a partir das contribuições da Lingüística e da Lingüística Aplicada15. As atividades promovidas pelo REELP tinham também por objetivo compreender e conhecer tais contribuições.