• Nenhum resultado encontrado

2.1 “A NOVA VELHA HISTÓRIA 16 ”

3. RELATO E ANÁLISE DE UMA HISTÓRIA DE LETRAMENTO

3.1. Mundos 24 novos de Letramento

3.1.3. O mundo acadêmico

Um dos principais objetivos do grupo era estabelecer um espaço de intercâmbio entre a produção acadêmica sobre ensino de Língua de Portuguesa e a prática dos professores. A elaboração de palestras, cursos, lançamentos de livros, publicações de jornais e congressos foi uma experiência inédita para os membros da diretoria do REELP, pois tais práticas acadêmicas não fazem parte do cotidiano dos professores do ensino fundamental e médio. Até então, nossa participação em tais eventos, quando era possível participar, era na periferia, como ouvintes.

Para a diretoria do grupo, a participação na elaboração dos eventos trouxe um aprendizado que gradualmente passou da montagem dos cronogramas dos semestres, com palestras de assuntos diversos, para a elaboração de cursos, chegando até a realização de congressos, que são atividades mais complexas, envolvendo maior número de participantes.

A seguir elencaremos os novos eventos de letramento acadêmico promovidos pelo grupo e como eles se desenvolveram

Os primeiros profissionais que vieram falar conosco foram contatados pelo professor Barzotto, que também nos forneceu alguns nomes e telefones para que nós mesmas pudéssemos convidar os profissionais. No início do segundo semestre de 1996, Barzotto ficou um ano estudando fora do país e já tínhamos conhecido algumas pessoas que estavam desenvolvendo suas pesquisas na Unicamp, na Puc-Campinas e também algumas pessoas que estavam ligadas a outras instituições na cidade de São Paulo (três professoras que faziam parte da diretoria do grupo matricularam-se, como alunas especiais, em algumas disciplinas na pós-graduação no IEL/Unicamp). Em função disso, ensaiamos nossos primeiros passos independentes da orientação acadêmica universitária28.

Nos encontros, procurávamos uma orientação para a nossa prática docente, portanto não havia uma preocupação com a linha teórica a qual se filiavam os profissionais que viriam falar conosco, ou a área ou a perspectiva adotada, fosse ela Lingüística, Lingüística Aplicada, Teoria Literária ou Educação. O que nos importava eram as reflexões que essas pessoas haviam feito sobre o ensino de Português e o que eles podiam contribuir para nossas reflexões. Nesse sentido, as nossas atividades eram situadas, partindo da necessidade do professor, ao contrário de atividades de formação hegemônicas, que partem da concepção teórica em auge.

Na análise de nossas necessidades, concluíamos que tínhamos a prática de sala de aula, sabíamos qual era o currículo, o que devíamos ensinar, pelo menos o que a tradição escolar indicava. Conhecíamos os livros didáticos aos quais tínhamos acesso e a dificuldade, muitas vezes, de elaborar material para se trabalhar em sala de aula, ou mesmo para reproduzir esse material. Conhecíamos os resultados de nosso trabalho em sala de aula e também sabíamos que era necessária uma mudança e/ou uma reformulação no que estávamos fazendo. Mas sentíamos falta de um espaço para discutir os nossos problemas de sala de aula e procurar meios para resolvê-los, isto é, procurávamos uma orientação teórica coerente como marco para a nossa reflexão.

28

Nossa limitação geográfica era devido aos custeios, pois não tínhamos recursos para convidar pessoas que moravam a mais 150 Km de Santa Bárbara d’Oeste.

Essas inquietações nos levaram a buscar profissionais que pesquisavam assuntos referentes aos problemas que encontrávamos, ou pelo menos que estivessem dispostos a conversar conosco sobre nossas questões. Esse era o principal critério na delimitação dos temas a serem trabalhados nos encontros (que tiveram, no máximo, trinta e, no mínimo, sete professores).

De 1996 a 2001, realizamos 41 encontros e dois congressos (ver anexo 2). Podemos dividir em duas categorias os temas que interessavam aos professores:

1º- os temas relativos ao ensino de Português, incluindo assuntos como leitura, escrita, produção de texto, avaliação de textos e gramática;

2º - temas de cunho “didático-pedagógico”, tais como: a relação aluno-professor (afetividade em sala de aula), o papel do professor na sociedade, planejamento, projeto político-pedagógico, interdisciplinaridade, recursos metodológicos (teatro, cinema). Para atrair a atenção dos professores e tentar amenizar a distância existente entre o docente da universidade e o docente da escola, os títulos para os temas que seriam discutidos em nossos encontros, inclusive os das atividades dos congressos que realizamos, sempre foram elaborados de modo genérico, isto é, sem a especificidade que parece ser característica nos títulos de trabalhos acadêmicos29. Preferíamos dar títulos que propiciassem um tratamento mais abrangente, tais como: Avaliação de textos (realizado em 20/04/1996); A produção do texto (12/04/1997); Leitura de textos não-literários (26/09/1998). Desse modo, acreditávamos que era mais fácil chamar atenção do professores, pois eles identificam mais rapidamente os problemas e/ou dificuldades para se trabalhar em sala de aula.

Uma outra atividade relacionada à esfera do mundo acadêmico foi a organização/participação em lançamentos de livros, também um tipo de evento geralmente interditado aos professores. Sendo assim, no segundo semestre de 1996, organizamos o lançamento de dois livros de divulgação científica: “Por que (não) ensinar gramática na escola”, de Sírio Possenti e “Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação”, de João Wanderley Geraldi. Para os professores participarem da palestra que os autores

29

Os títulos de trabalho como por exemplo: “Leitura no segundo grau: a apropriação como processo da macroestrutura do texto”; “Formando leitores, contando histórias – A construção da mudança de uma proposta pedagógica de ensino de leitura e escrita”.

fizeram, era necessária a compra do livro. Em cada um desses eventos conseguimos vender 30 volumes. Sabemos que a compra do livro não garante que ele será lido, no entanto, nosso objetivo era o de facilitar ao professor a participação em eventos de letramento que pudessem ampliar suas experiências em relação à leitura. Também realizamos o lançamento de um livro didático: “Lições de texto: leitura e redação”, de José Luiz Fiorin & Francisco Platão Savioli. Os professores pagaram uma pequena quantia para participar do evento e ganharam o livro, que foi doado pela Editora Ática, através da ALB (Associação de Leitura do Brasil).

Uma outra atividade importante para a nossa inserção em novos mundos de letramento foi a elaboração de cursos para os professores, que sempre são realizados pelos órgãos centrais aos quais eles estão subordinados, isto é, as Secretarias Estaduais e/ou Municipais. Em 1998, experimentamos transformar os oito encontros que realizávamos por semestre em um curso de trinta horas e oferecê-lo aos professores com o certificado da CENP (como dissemos na introdução, somente os cursos realizados pela CENP/SEE – SP têm validade para os professores da rede estadual). Para facilitar a autorização do curso, conseguimos que a Diretora de uma escola estadual, em que algumas professoras da diretoria do REELP trabalhavam, assinasse a proposta para o curso. O órgão executor seria o REELP. Fizemos o projeto nos moldes da CENP, através de um formulário para Curso de Extensão Cultural, que conseguimos na Diretoria de Ensino, elaborando as justificativas e os objetivos que considerávamos relevantes, também convidamos e pagamos aos professores que ministraram o curso, que denominamos “Reflexões Teóricas e Práticas sobre o Ensino de Língua Materna” (ver anexo 3). Após a realização do curso, montamos um relatório de todas as atividades produzidas (ver anexo 4), incluindo algumas avaliações que foram feitas pelos professores que participaram do curso como alunos, para ser enviado a CENP. Esse relatório também seguiu os moldes exigidos pela instituição. No segundo semestre de 1998, repetimos o curso com uma segunda turma. Esse curso foi um sucesso de público, cerca de sessenta professores estavam interessados, dividimos em duas turmas.

A elaboração de um curso reconhecido pela CENP demonstrou o amadurecimento do grupo em relação às questões acadêmicas, pois exigiu uma articulação maior, mais definida dos conteúdos a serem trabalhados. Escolhemos para tal evento o texto como objeto de estudo e o dividimos em quatro etapas:

a) Leitura de textos literários; b) Leitura de textos não-literários; c) Produção de textos;

d) Avaliação e correção de textos escritos.

Se observarmos a programação com os temas abordados no primeiro ano de atividade do grupo, veremos que, no primeiro, não houve uma seqüenciação dos conteúdos, como aconteceu em nossa experiência posterior, nesse curso reconhecido pela CENP, momento em que já tínhamos mais clareza do que queríamos e como fazer para conseguir.

Uma outra atividade que envolveu a nossa participação em eventos de letramento diferentes dos que geralmente povoam o universo dos professores foi a elaboração do jornalzinho do REELP. Publicamos dois jornais, em fevereiro de 1998 e em fevereiro de 1999, com uma tiragem de 2000 e 3000 números respectivamente (ver anexo 5). Nessa época, a atribuição de aulas dos professores que não são efetivos era realizada na Diretoria de Ensino; portanto, aproveitamos essa ocasião para distribuir os jornais, conversar com os professores e reiterar o nosso convite para que participassem de nossos encontros. Como já de praxe nas nossas atividades, transformamos um evento de letramento burocrático situado no mundo do professor num evento de letramento acadêmico—jornalístico, voltado para a formação e visando a comunicação com o professor.

A elaboração do jornal era feita pelos membros da diretoria: escrevíamos pequenos textos para as seções do jornal (editorial, notícias, um poema de autoria de uma das professoras da diretoria/Jaldenice, histórico do grupo) publicávamos o cronograma do semestre, além das propagandas dos patrocinadores. Também contamos com a colaboração de alguns professores que deram palestras no REELP (Valdir Heitor Barzotto, Wilmar D’Angelis, Claudia Rosa Riolfi), que enviaram textos escritos especialmente para a nossa publicação.

A organização de congressos é majoritariamente realizada pelos professores universitários para a divulgação de suas pesquisas. A participação dos professores do ensino fundamental e médio é, maciçamente, como ouvinte. Raramente encontramos um grupo de professores que promovam tal evento30. Para a realização do primeiro congresso,

30 Há o GRUBHAS Projetos Educacionais e Culturais, que oferece assessoria para as escolas e as secretarias

trabalhamos mais ou menos seis meses. O grupo encontrou novos tipos de dificuldades que ainda não tinham surgido, pois um evento desse porte demanda muito trabalho. Por exemplo, na organização dos dois Congressos, realizados em abril de 1999 e em maio de 2001, precisamos elaborar todo o material escrito que esses eventos requerem, a ficha de inscrição ao certificado, inclusive o texto da cerimônia de abertura. Os temas a serem abordados, os convites para os professores palestrantes, a organização das sessões de comunicação, enfim, todos os detalhes até a última atividade do encontro, foram pensados e elaborados pela diretoria do grupo. O congresso foi planejado como um evento multidisciplinar, isto é, tentando contemplar as outras disciplinas escolares, tais como: Matemática, História, Geografia, Inglês, Educação Física e Ciências. Além de pretendermos ampliar o público, ousamos adentrar na “moda” vigente, ou seja, a multidisciplinaridade.

No primeiro congresso, incursionamos ainda por outros mundos de letramento, como a burocracia governamental. Escrevemos um ofício para o Chefe da Secretaria da Casa Civil, solicitando a dispensa do ponto dos professores da rede pública estadual31. Protocolamos o documento no Palácio dos Bandeirantes/SP, pois a informação que obtivemos era de que a reivindicação deveria ser realizada dessa forma.

31 As entidades sindicais dos professores, diretores e supervisores de ensino (Apeoesp, Udemo e Apase, entre

outras) solicitam, no início de cada ano letivo, um calendário de dispensa de pontos para a realização de seus congressos e/ou reuniões de representantes de escola. Via de rega, tal solicitação é acatada e publicada no Diário Oficial do Estado. Muito provavelmente, o REELP não foi reconhecido como entidade representativa dos professores, por isso nosso pedido de dispensa foi indeferido.

O ofício tramitou até a Secretaria Estadual de Educação e, após várias ligações, inclusive para o gabinete da Secretária de Educação, fomos informados, via telefone (não chegamos a receber nenhuma correspondência oficial sobre nossa solicitação), de que nosso pedido não seria atendido: a dispensa dos professores para a participação de tais eventos não era possível. No entanto, alguns diretores de escolas de Americana e Santa Bárbara D´Oeste liberaram alguns participantes.

Como os congressos são eventos de maior porte, também utilizamos o conhecimento que um membro da diretoria, a professora Cristiane, tinha de outros mundos de letramento, tendo trabalhado na área Recursos Humanos antes de ingressar no Magistério, especialmente na Logística, que tem como um de seus focos determinar quais os recursos

materiais e humanos necessários na organização de um evento. Em função dessas necessidades, contratamos uma equipe de apoio para nos auxiliar na divulgação do evento – um jornalista com o intuito de nos auxiliar na divulgação do evento; uma fotógrafa para registrar os momentos/situações importantes do evento; uma copeira para os lanches dos intervalos e seis monitoras, alunas do curso de Secretariado da Escola Técnica Estadual de Americana (entidade que nos forneceu o espaço para a realização do congresso), para auxiliarem na recepção dos professores, informando o que e onde estavam acontecendo as atividades e providenciando o que fosse necessário para o bom andamento do evento. As monitoras foram orientadas e coordenadas por Cristiane.

Tivemos problemas com o jornalista, pois esse foi contratado para fazer a propaganda do evento, com o objetivo que tivéssemos acesso aos meios de comunicação; pretendíamos que esse profissional fizesse um trabalho de divulgação. No entanto, a concepção de notícia para nós era algo para ser divulgado, entrar na mídia sem precisa pagar, pretendíamos que ele tivesse feito do nosso congresso uma notícia e para o jornalista, notícia era o que acontece no dia. Ao percebermos que o jornalista contratado não estava resolvendo nosso problema, conseguimos uma matéria por meio de um ex-aluno da escola em que trabalhávamos que era jornalista em “O Diário”, em Santa Bárbara D’Oeste/SP, publicada em 14/04/1999, nove dias antes do Congresso que estava marcado para ter início em 23/04/1999. Também conseguimos gravar uma entrevista em uma emissora de televisão da mesma cidade. Cancelamos o contrato, mas ainda pagamos por um release que ele escreveu, não gostamos do texto e não publicamos. Pagamos pela inexperiência, mas aprendemos sobre novas práticas em instituições de novos mundos de letramento.

Conseguimos também a participação de alguns nas apresentações de comunicação. Houve várias sessões e, em todas as salas, havia um público considerável. Na realização do II Congresso Multidisciplinar do REELP, contamos com a colaboração de outras pessoas que não estavam diretamente ligadas ao grupo, professores das faculdades de Americana.como vimos no Capítulo II, apenas uma parte da diretoria do REELP encampou esse desafio. Apesar de contarmos com a presença de mais de 300 participantes, em sua maioria estudantes de Letras e Pedagogia, sentimos bastante a falta dos professores da rede estadual.

Como dissemos, fazer parte da Diretoria exigiu a participação em práticas de letramento que não faziam parte da vida das professoras membros dessa diretoria. Essa participação, assim como o engajamento na elaboração das atividades para o grupo, fez com que participássemos de experiências coletivas de aprendizagem e de usos da escrita que exigiam a mobilização de novos saberes e recursos.

4. AS REPRESENTAÇÕES E AS NARRATIVAS DAS PROFESSORAS: UMA