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Algumas Notas Sobre a Cena da Dança Contemporânea Independente de São

2. ACERCA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA

2.3 Algumas Notas Sobre a Cena da Dança Contemporânea Independente de São

Meu trabalho de conclusão de curso foi um solo de dança, que pretendia abordar minha relação conflituosa com certa imagem do homem negro, que me parecia

reducionista e que chegava a interferir na minha relação com as pessoas no cotidiano. Eu me deparava com tal imagem por meio de falas, programas de televisão, filmes, na busca por emprego e em outras áreas da vida. O trabalho foi criado a partir do diálogo entre dança e literatura. Para a peça trabalhei com a personagem Bom Crioulo (1895)27, da obra homônima do escritor brasileiro Adolfo Caminha (1867 - 1897).

Apresentei o trabalho no Departamento de Artes Corporais, do Instituto de Artes da Unicamp, no ano de 2010, e ,em janeiro de 2011, no Chile na cidade de Santiago onde participei de um festival chamado Fronteiras28.

A última apresentação foi realizada no Programa Primeiro Passo, em março, no SESC Pompeia29. Nessa noite, dividi a mostra com outro artista e, depois das apresentações, foi realizada uma conversa intermediada pela professora e dramaturgista de dança Rosa Hercoles30. Fui questionado sobre várias escolhas cênicas que tinha feito na construção da peça, mas a questão que mais impactou minha percepção de arte foi a observação que a intermediadora fez em relação a uma fala gravada que inseri no solo e que fechava uma narrativa. Ela me disse que a dança não era a melhor forma de contar histórias.

No mês seguinte, participei de uma oficina-audição e entrei para uma companhia da cidade de São Paulo, na qual dancei aproximadamente por quatro anos e, desde então, não fiz mais solos de dança.

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“ m C ” é um romance de 1895 e narra a história de Amaro, escravo fugido, que se torna marinheiro e tem uma relação amorosa com Aleixo, jovem branco e também marinheiro. Foi o primeiro romance brasileiro a retratar a relação afetiva e sexual entre dois homens o que escandalizou a sociedade da época. Foi traduzido em diversos países.

28

O Festival Fonteras é idealizado e coordenado pelo bailarino, coreógrafo e professor Khosro Adbi, iraniano radicado na Holanda. O Festival tem é realizado em diversos países aliando ensino de arte em comunidades socialmente vulneráveis e apresentação de trabalhos dos artistas participantes, que podem vir de diferentes países e de diferentes áreas das artes.

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Primeiro Passo foi um projeto realizado no Sesc Pompeiae teve início no ano de 2009. Tinha como objetivo apresentar artistas em fase inicial do desenvolvimento dos seus trabalhos, após as apresentações aconteciam conversas mediadas por pensadores e críticos da dança: “C m um percurso ou buscar um outro caminho dentro de uma carreira já consolidada. Todo gesto que indicar comprometimento com inaugurações, interessa ao Projeto Primeiro P ”. Disponível em <http://www.helenakatz.pro.br/mídia/helenakatz71245338329.jpg>. Acesso em: 13/09/2016.

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Inicia suas pesquisas sobre o corpo e seus processos de comunicação, em 1983, devido sua atuação como assistente de Klauss Vianna. Possui especialização em Eutonia pela Escola de Eutonia da América Latina (1990\94), Mestrado (2000) e Doutorado (2005) em Comunicação e Semiótica pela PUCSP. Professora do Curso de Comunicação e Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde 2000; coordenou o mesmo Curso de ago/2009 à julho/2013. Atualmente é Chefe do Departamento de Linguagens do Corpo (ago/2013). Diretora da Associação Nacional dos Pesquisadores de Dança - ANDA (2013/14). Coordenadora do Comitê Interfaces e Estados do Corpo - ANDA (2015). É membro do Centro de Estudos em Dança - PUCSP, desde 1995, e sua Vice-líder (2015). Investiga formas de comunicação no corpo, atuando principalmente nos seguintes segmentos: dança contemporânea, eutonia, dramaturgia e ensino da dança. Disponível em <http://lattes.cnpq.br/6647374741256192>.Acesso em: 16/05/2017.

Depois da experiência no Programa Primeiro Passo, e da mudança para a cidade de São Paulo, por conta dos trabalhos na companhia de dança, comecei a pensar que precisava entender como acontecia a dança paulistana e que, talvez, a dança que eu fazia em Campinas não era a mesma que se fazia naquela cidade.

Com a companhia, costumava fazer os ensaios na Galeria Olido e descobri que, no piso em que ensaiava, havia uma sala na qual ficava o arquivo dos projetos selecionados pelos Editais31 de Fomento a Dança para a Cidade de São Paulo, armazenados e disponíveis para a consulta.

Como discorrido, no início deste capítulo, a Lei de Fomento a Dança para a Cidade de São Paulo32, lançada em outubro de 2005, tem nos seus 12 anos de existência33 estabelecido, em certa medida, por meio da seleção de inúmeros projetos de companhias de dança, aquilo que se entende como dança contemporânea na cidade.

Uma vez mais, faz-se necessário lembrar de que não será dado enfoque à história da dança cênica nesta pesquisa, tampouco à dança cênica brasileira da cidade de São Paulo. Portanto será desdobrado um breve traçado sobre a questão para esboçar o cenário paulistano da dança independente.

A elaboração da Lei de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo resultou do empenho político de um movimento formado por artistas da dança contemporânea independente da cidade inspirados pela mobilização dos artistas de teatro que integravam o movimento Arte Conta a Barbárie34 estabelecido no dia 7 de maio de 1999 e que conquistou a construção e implementação da Lei de Fomento ao Teatro35 . As movimentações que culminaram na criação da Lei de Fomento à Dança tiveram início em 2002, mas a referida Lei foi implementada apenas em 2005.

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A Lei de Fomento à Dança é aplicada por meio de dois editais de seleção de projetos artísticos em dança contemporânea sendo comtemplados até 30 projetos por ano de pessoas jurídicas com sede no município. (Fomento à Dança 5 anos / Secretaria Municipal de Cultura, 2012, p. 205).

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LEI Nº 14.071, de 18 de outubro de 2005. 33

A defesa dessa dissertação ocorreu em julho de 2017. 34

“ contra a b ”: movimento organizado pela classe teatral paulistana, criado oficialmente em 7 de maio de 1999, como forma de mobilização contra a situação criada pelas leis de renúncia fiscal. Seu Manifesto propunha a luta por políticas públicas para a cultura. O movimento foi o principal articulador para a conquista da Lei de Fomento ao Teatro (Fomento à Dança 5 anos / Secretaria Municipal de Cultura, 2012, p. 133).

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Estabelecido pela Lei Nº 13.279/02 o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo tem por objetivo apoiar a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população, por intermédio de grupos profissionais de teatro que são financiados diretamente por este programa. Disponível em <https://fomentoaoteatro.wordpress.com>. Acesso em: 18/04/2017.

A dança cênica contemporânea independente da cidade de São Paulo deve sua gestação à ocupação do Teatro Galpão pela bailarina, atriz, coreógrafa e professora Marilena Ansaldi36. A artista interrompeu um percurso que passou pelo posto de primeira bailarina do Corpo de Baile Municipal e pela atuação no Balé de Bolshoi, em Moscou, para desbravar um caminho pelo qual estava interessada no entrelaçamento entre a dança e o teatro. Sob o regime ditatorial, vigente nos anos de 1970, a artista promoveu intensa programação, com aulas, cursos, palestras, mostras que impulsionaram as gerações seguintes que viriam a instaurar a dança contemporânea independente paulistana marcada pelos desejos de experimentação e hibridização de linguagens artísticas distintas.

Pelo Teatro Galpão, passaram importantes nomes, e alguns deles protagonizariam papel fundamental na construção da Lei de Fomento à Dança de São Paulo, dentre elas(eles) a dançarina e coreógrafa Célia Gouvêa.

Célia Gouvêa iniciou os estudos em dança na cidade de Campinas. Ruth Rachou foi uma professora importante no desenvolvimento de sua trajetória artística. Segundo Geraldi (2009), Rachou ministrava aulas na Academia Lina Penteado, em Campinas, e no Balé Renée Gumiel37, em São Paulo, que traziam princípios da técnica Martha Graham, mas também da de Merce Cunningham e José Limón, dentre outras – além do método de jazz desenvolvido pelo bailarino Eugene Louis Facciuto (GERALDI, 2009, p. 67).

Célia teve aulas com Ruth Rachou tanto em Campinas, quanto em São Paulo, para onde se mudou ao ingressar no curso de Filosofia da USP, em 1968. Em São Paulo, Célia também estudou com Renée Gumiel, por quem foi apresentada a dança expressionista alemã.

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Maria Helena Ansaldi (São Paulo SP 1934). Atriz e coreógrafa. Pioneira na criação de espetáculos que unem dança, teatro e recursos multimídia, a intérprete-criadora é precursora da dança-teatro no Brasil. Disponível em :< http://www.enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa253168/marilena-ansaldi>. Acesso em 27/03/2017.

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Renée Gumiel foi atriz e bailarina francesa. Estudou dança com Araça Makarowa, Kurt Jooss e Rudolf Laban, além de ter dançado com Harald Kreutzberg e trabalhou com Jean Cocteau e Igor Stravinsky. Chegou ao Brasil em 1961 tendo criado sua escola e companhia de dança, o Ballet Renée Gumiel, que funcionou até 1988. Fundou, também, a Cia de Dança Contemporânea Brasileira e integrou o movimento instaurado no Teatro de Dança Galpão. A artista também trabalhou com o Teatro Brasileiro de Comédia, o Ballet Stagium e o Balé da Cidade de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq12092006614.html>. Acesso em: 20/04/2017.

Entre 1970 e 1973, Célia Gouvêa viajou para a Bélgica, em Bruxelas onde fez parte da primeira turma da escola Mudra38, dirigida pelo bailarino e coreógrafo Maurice Béjart39. Segundo Geraldi (2009):

[...] os próximos três anos de educação como intérprete total - bailarina-atriz- cantora-percussionista-acrobata-criadora - serão determinantes para a definição dos rumos de seu projeto estético-ideológico. O preparo multidisciplinar fornecido pelo Mudra, ao retomar princípios de certas formas dramáticas como a tragédia grega, os mistérios medievais e o Teatro NÔ japonês (BÉJART, 1981), atribuirá grande importância ao corpo do intérprete na elaboração da linguagem cênica. A experimentação e combinação de diferentes materiais cênicos serão a tônica dos ensinamentos da escola, instigando no trabalho de seus alunos o espírito investigativo e a renovação de fórmulas reconhecíveis de organização coreográfica (GERALDI, 2009, p.70).

Ao retornar ao país, em 1974, Célia Gouvêa chega com seu companheiro de vida e trabalho, Maurice Vaneau40. Segundo Geraldi (2009), Célia Gouvêa deu aulas no Teatro Galpão em 1975. A artista ganhou bolsas e prêmios que lhe permitiram expandir sua formação em dança estudando com Carolyn Carlson41, com quem teve contato com o

trabalho de Alvin Nikolais42.

Desse modo, o trabalho de Célia Gouvêa foi influenciado por esse percurso na elaboração de uma obra marcada pela experimentação, articulando elementos diferenciados em cena, objetos, relações outras com a música e de uma corporalidade a partir de uma técnica desenvolvida por ela, para a qual deu o nome de técnica orgânica.

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Mudra foi uma escola de dança fundada em Bruxelas em 1970 por Maurice Béjart e ligado a sua companhia de dança, o Ballet do Século XX. A escola foi financiada pela UNESCO. A escola tinha várias disciplinas como coreografia, canto, ritmo, teoria da música e cenografia ensinadas por professores renomados, tendo se tornado uma referência mundial e formado muitas das grandes personalidades da dança atual, como a bailarina e coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker e a artista francesa Maguy Marin, por exemplo. Em 1970 Maurice Bpejart fundou o Mudra-Africa em Dakar, no Senegal. Disponível em:<http://www.unesco.org/archives/multimedia/?pg=33&s=films_details&id=117 >. Acesso em: 05/04/2017. 39

Maurice Béjart nasceu em Marseilles, França, em 1927 filho mais velho de três crianças filhas do folósofo Gaston Berger e de sua esposa Germaine. Teve uma prolífera carreira em dança, trabalhando em muitas companhias da Europa, tendo criado mais de 200 Balés, além de dirigido operas, peças de teatro e filmes. Disponivel em: <http://www.indpendent.co.uk/news/obituaries/maurice-b-jart-influential-choreographer-who- attracted-huge-audiences-to-ballet-760253.html>. Acesso em: 05/05/2017.

40

Maurice Vaneu(Bélgica 1926 – São Paulo 2007). Diretor, cenógrafo e figurinista. Belga de nascimento, Vaneu foi um dos diretores do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) nos anos de 1950. Disponível em <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa359441/maurice-vaneau> . Acesso em: 05/05/2017.

41

Carolyn Carlson é uma bailarina e coreógrafa nascida em São Francisco, Califórnia. Estudou na Universidade de Utah e dançou na companhia de dança de Alwin Nikolais, em Nova York. Depois se mudou para Paris trabalhando em muitas companhias e criando seu próprio trabalho. Disponível em: <http://en.carolyn-carlson/biographie/>. Acesso em: 15/05/2017.

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Alwin Nikolais (1910-1993). O coreógrafo era avesso a narrativa na construção em dança e ao movimento carregado de emoção. O artista tampouco estava interessado no protagonismo do bailarino e dava um tratamento a todos os elementos constitutivos de uma peça de forma igualitária. Ver Cavrell (2015).

Nesse período o cenário de políticas públicas para as artes era escasso, mas apesar dos inúmeros contratempos, a artista conseguiu manter certa regularidade em suas investigações e criações por meio de bolsas e prêmios.

Se durante o período dos anos de 1970, o engajamento na situação política, social e cultural do país se daria em contraposição ao regime ditatorial vigente, Geraldi (2009) afirma que, a partir dos anos 1980, a dança passou a se ocupar de outros interesses menos políticos e mais conectados à arte pela arte:

O enfraquecimento da arte política nos anos de 1970 e, em especial, nos 1980 terá grande influência no refluxo de projetos coletivos alternativos (como os do teatro de militância) que buscavam uma ligação com as problemáticas populares. A tematização das questões sociais e da cultura nacional ficará para segundo plano e a arte se verá compromissada, sobretudo, com a própria arte e seu artista. A desobrigação com os ideais de coletividade se expressa numa reorientação no plano temático (enfatizando a atomização da realidade cotidiana, os enfoques autobiográficos, etc); estrutural (tenderão a se diluir, por exemplo, as evoluções grupais figurando os movimentos e lutas da massa humana); e funcional (revelando-se numa tendência ao individualismo, por parte de diretores e encenadores, na concepção e execução do projeto estético. (GERALDI, 2009, pp. 13-14).

A menção à Célia Gouvêa é importante, sobretudo, porque a artista se tornou uma presença constante no cenário artístico da cidade de São Paulo e atuou de modo engajado na luta pelo estabelecimento das políticas públicas para a dança contemporânea independente da cidade de São Paulo.

A partir da abertura do país, após o período da ditadura militar, a dança – assim como o teatro – foi intensificando suas ações para o estabelecimento de uma cena potente da dança paulistana. Artistas importantes como Umberto da Silva43, por exemplo, ajudaram a criar uma estrutura para a dança contemporânea independente da cidade com a criação, dentre outras ações, da Cooperativa Paulista de Bailarinos Coreógrafos em 1994, tendo sido o artista a primeira pessoa a presidí-la.

Em 1995, foi fundado o Estúdio Nova Dança, por Adriana Grechi e Tica Lemos, que se formaram em Amsterdam, na Holanda, e introduziram a corrente da Nova Dança na cena da dança contemporânea independente, juntamente com Lu Favoreto. Katz (1999) afirma a importância do estúdio como fomentador e referência de novas

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Umberto da Silva foi um profissional da dança com larga escala e diversificada experiência artístico- docente-administrativa: pertenceu a grandes companhias nacionais e internacionais, foi um dos primeiros bailarinos da chamada "dança independente" – termo cunhado nos anos 1980/1990, para designar um jeito diferente de pensar e fazer dança (CALUX, 2012, p.131).

tendências para a dança da cidade, com a mostra Terças de Dança, na qual as e os artistas tinham a possibilidade de testar novas ideias e se tornou, na época, ponto de encontro de artistas e públicos interessados em trabalhos com caráter experimental e de pesquisa. O Estúdio gerou, segundo Katz (1999), três companhias - Cia Nova Dança, Cia Nova Dança 4 e Cia 2 Nova Dança. Funcionando primeiramente como uma escola, passou a se tornar um novo irradiador da dança contemporânea independente paulistana, com um forte movimento de dar visibilidade a dança como forma de arte e possibilidade profissional. Tentando novas organizações em grupo, de direção e criação artística, deu continuidade à tendência do hibridismo, do improviso, do estabelecimento de novas relações entre dançarinas(os), entre estes e objetos e com um foco voltado mais as questões cotidianas e ou mais abstratas na dança independente da cidade.

Em 2002, Célia Gouvêa, junto com Fabiana Dultra Britto, Maria Carvalho, Marcos Moraes, Eliana Cavalcante e Sofia Cavalcante, encabeçaram o Mobilização Dança e impulsionaram ações que ajudaram na conquista da elaboração e implementação da Lei de Fomento à Dança, em outubro de 2005.

Segundo Calux (2012), o artista Marcos Moraes relata que para convencer as e os vereadoras(es) da necessidade a haver uma Lei de Fomento à Dança, costumavam relacionar a pesquisa artística com a pesquisa científica, que, segundo ele, não tinha finalidades que estavam diretamente relacionadas às necessidades do mercado, mas que precisavam de apoio para que com o tempo fossem mostrando resultados. A despeito da frágil comparação ao situar a pesquisa científica apenas como aquela que não atende às necessidades do mercado, entende-se a relevância de argumentar-se junto às instâncias políticas, a partir da ideia de que arte contemporânea, se produz necessariamente com pesquisa.

Foi em um contexto melhor estruturado, em decorrência da implementação da Lei de Fomento à Dança, que ingressei na cena contemporânea e independente da cidade de São Paulo. Não tenho a dimensão de toda a movimentação que foi realizada anteriormente para chegar ao que o Fomento veio a se tornar, a não ser pelos livros e falas dos artistas que participaram dessa conquista. Seria necessário muito mais tempo para mergulhar nos entremeados dessas histórias, mas a presente pesquisa não terá fôlego para tamanha tarefa. No entanto, nos poucos anos em que estive dançando para grupos da cidade, por meio do apoio do edital, pude conferir, por experiência própria, a dimensão de tal conquista. A Lei tornou realidade aquilo que, possivelmente, as e os artistas costumeiramente sonham ou sonharam um dia: poder viver de dança. Mas a partir

de uma reflexão mais aprofundada, realizando a presente pesquisa, parece ter ocorrido nesse período de 12 anos da Lei de Fomento uma inversão de pólos. A elaboração da Lei foi realizada a partir de um grupo de artistas que desejavam realizar um modo de pensar e fazer dança específicos, marcado, sobretudo, pela necessidade de pesquisa, experimentação, e o não compromisso exclusivo com a criação e circulação de espetáculos de dança, mas com a possibilidade de pensar outros modos de compartilhamento dos trabalhos, que respeitassem a característica de cada projeto e cada organização de artistas. O edital, com o passar dos anos, passou a ser aprimorado pelas(os) artistas envolvidos e, com isso, a Lei que o ampara passou a irradiar o modo de pensar e fazer de outros artistas, fazendo com que estes passassem a se adequar, em certa medida, aos princípios da Lei, mesmo que não fosse da vontade desses grupos fazer a dança abarcada pela Lei de Fomento. Não só a produção de certo modo se arvorou em torno do Fomento, assim como, nos últimos anos, testemunhou-se o crescimento desse tipo de apoio público: os editais. A demanda cresceu em proporção inversamente oposta à oferta de editais, que vêm minguando, especialmente nos últimos dois anos.

No momento de escrita desse trabalho, uma conjuntura social, política e econômica turbulenta tomou o país. No início de 2016, a presidenta eleita sofreu um impeachment e, sentado agora em minha escrivaninha redigindo esse documento, fico sabendo que o vice-presidente que assumiu seu posto vê-se envolvido em denúncias de corrupção.

Somado a esse cenário, a cultura e, portanto, as artes penam em âmbito federal e, no caso de São Paulo, nos níveis estadual e municipal. Uma nova gestão foi eleita para a cidade e, em relação à cultura, viu-se a verba destinada a este setor impedida de chegar à Secretaria Municipal de Cultura para viabilizar os projetos que têm sido realizados há mais de uma década. Para além da crise política, esta se atrela a uma crise financeira, e as medidas de contenção e bloqueio de verbas na área são as justificativas colocadas pela gestão em exercício.

Apesar de a presente pesquisa não estar gabaritada para fazer uma análise desse porte, uma breve reflexão sobre fatos que antecederam o momento atual enfrentado pela dança contemporânea independente de São Paulo faz-se necessária, procurando atender à importância de, justamente, colocar a pesquisa acadêmica em interlocução com o contexto no qual ela é produzida. Eu, enquanto pesquisador, debruçava-me sobre o estudo da história do Fomento à Dança, o edital simplesmente foi cancelado em