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O solo em dança contemporânea : reflexões e investigações prático-teóricas do corpo em processo de criação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

LEANDRO DE SOUZA

O SOLO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA:

reflexões e investigações prático-teóricas do corpo em processo de criação

CAMPINAS – SP 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES DA CENA

LEANDRO DE SOUZA

O SOLO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA:

Reflexões e investigações prático-teóricas do corpo em processo de criação

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes da Cena. Àrea de Concentração: Teatro, Dança e Performance.

ORIENTADORA: MARIANA BARUCO MACHADO ANDRAUS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO LEANDRO DE SOUZA, E ORIENTADO PELA PROFA. DRA. MARIANA BARUCO MACHADO ANDRAUS.

CAMPINAS – SP 2017

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

LEANDRO DE SOUZA

ORIENTADORA: MARIANA BARUCO MACHADO ANDRAUS

MEMBROS:

1. PROF(A). DR(A). MARIANA BARUCO MACHADO ANDRAUS 2. PROF(A). DR(A). KAMILLA MESQUITA OLIVEIRA

3. PROF(A). DR(A). SILVIA MARIA GERALDI

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – Dança do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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À minha mãe, Maria Teresa de Souza (in memoriam).

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Mariana Baruco Machado Andraus, pelo apoio, respeito e engajamento em me orientar neste percurso investigativo.

À Rosana Baptistella, que me apresentou à dança e à amizade, durante esses quase 12 anos em que nos encontramos e desde então temos compartilhado os sabores e dissabores das escolhas que fizemos.

Às Profa. Dra. Ana Carolina Melchert, Profa. Holly Elizabeth Cavrell e Profa. Ângela Azevedo Nolf, pelo incentivo durante toda a gradução.

À Profa. Dra. Helena Altmann e Profa. Dra. Simone Fernandes, por aceitarem o desafio de receber um aluno de outro instituto, de uma área de conhecimento diferente daquela em que atuam e contribuirem para esse campo com respeito e diálogo horizontal.

À Profa. Dra. Sílvia Geraldi e Profa. Dra. Holly Cavrell pelos apontamentos precisos e generosos, realizados no exame de qualificação.

Às(Aos) Profas. e Profs. Dras.(Drs.) Daniela Gatti, Renato Ferracini e Joana Pinto Wildhagen, pela disponibilidade de aceitarem colaborar como suplentes nas bancas de qualificação e de defesa.

À Vanessa Dias, Daniel Santos Costa, Célia Zenaide, Zenaide Ribeiro da Silva, Tais Gomes, Maria das Graças Gomes da Cruz, Mary Fujimori e Maria Aparecida Almeida da Silva, amigos que de longe ou de perto sempre me ajudaram e me ajudam a caminhar. À Eliana de Santana, Hernandes Oliveira e Wellington Duarte, parceiros de trabalho e mestres na minha incursão pela dança contemporânea independente de São Paulo.

À Juliana Moraes e Eduardo Fukushima, pela disponibilidade em contribuir com esta pesquisa.

À Zuleica Rodrigues Nunes e minhas famílias de nascença e de ocorrência.

Ao Departamento de Artes Corporais em disciplinas da graduação e parcerias.

Ao - em Artes da Cena da UNICAMP, por acreditar nesta pesquisa.

Ao Centro de Referência da Dança da cidade de São Paulo e toda equipe da gestão de 2016 e 2017, pelo voto de confiaça e abrigo de minha pesquisa.

À Plataforma Exercícios Compartilhados, Adriana Grechi, Amaury Cacciacarro Filho, Érika Fortunato, as(os) artistas participantes e as(os) artistas provocadores das 4ª e 6ª edições.

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À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela bolsa de pesquisa concedida.

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RESUMO

Esta dissertação resulta de pesquisa desenvolvida acerca de um modo peculiar do fazer e pensar dança, que se tornou emblemático, especialmente no contexto contemporâneo: o solo de dança. A investigação apresentada possui caráter prático-teórico e desdobra-se em linhas de pensamentos que traçam percursos em âmbitos macro e microculturais e sociais, entrelaçando discussões a respeito da história da dança cênica ocidental e da experiência do pesquisador decorrente de seu envolvimento na cena da dança contemporânea independente da cidade de São Paulo. Os elementos teóricos fundamentais sobre nos quais este estudo se ampara são constituídos a partir da declaração de Laurence Louppe, segundo a qual o solo é o formato que expressa, de modo bem sucedido, o projeto original da dança contemporânea: afirmar a presença de um sujeito no imediato e na totalidade do seu ser e movimento. A pesquisa também transcorre da ideia de descentramento do sujeito proposta por Stuart Hall e do pensamento sobre coreopolítica apresentado por André Lepecki. Desse modo, configuram-se, a partir das instâncias práticas constitutivas aqui apresentadas, caminhos que perpassam questões que versam acerca de exercícios de subjetividade, originados no confronto do sujeito consigo próprio, o que implica o engajamento em criação de peças solo; do estabelecimento de parâmetros corporais forjados a partir da experiência; da observância dos contextos de criação em dança e da urgência de posicionamentos técnico-estético-poéticos, especialmente levando em consideração as perspectivas trazidas por sujeitos cuja legitimidade existencial está comprometida em razão das organizações sociais, culturais, políticas e históricas dominantes no ocidente. Esses caminhos são engendrados metodologicamente, traçando-se paralelos entre as exposições conjunturais e as problematizações circundantes da criação solo em dança contemporânea, a partir da leitura de bibliografia especializada, de entrevistas com dois artistas da dança independente paulistana e de um experimento criativo solo, realizado pelo pesquisador, visando à construção de um panorama abrangente com a finalidade de catalisar uma reflexão aprofundada a respeito do formato solo de criar dança contemporânea.

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ABSTRACT

This dissertation derives from research developed about a peculiar way of doing and thinking dance which has become emblematic especially in the contemporary context: the solo dance. The investigation presented in the current document possesses a pratical-theoretical character and unfolds in lines of thought that trace paths in macro and micro-cultural and social contexts, interlacing discussions on the history of western scenic dance and the ch ’ experience as a result of his involvement in the independent contemporary dance scene of São Paulo city. The fundamental theoretical elements on which this study is based are constituted from the statement of Laurence Louppe statements, in which the solo is the format that expresses, in a successful way, the original project of contemporary dance: to affirm the presence of a subject in the immediate and totality of his being and movement. The research also elapses the idea of the decentralization of the subject proposed by Stuart Hall and the thought on choreopolitics presented by André Lepecki. In this way, from the constitutive practical instances of this document, paths that perpass questions that relate to exercises of subjectivity originated in the confrontation of the subject with itself implied in the engagement in creation of solo pieces; from the establishment of forged body parameters from experience; from the observance of the creation contexts in dance and the urgency of technical-aesthetic-poetic positions, especially taking into consideration the perspectives brought by subjects whose existential legitimacy is compromised by social, cultural, political and historical organizations, dominant in the West. These paths are generated methodologically drawing parallels between the conjunctural expositions and surrounding problematizations of solo creation in contemporary dance, based on the reading of specialized bibliography, interviews with two artists from the independent dance scene of São Paulo and a solo experiment carried out by the researcher aiming for the construction of a comprehensive outlook in order to catalyze an in-depth reflection on the solo format of creating contemporary dance.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra dos Residentes do Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP),

São Paulo – SP, 2016. Foto: Vanessa Moraes._________________________________________82 Imagem 2: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Thiago Soares.__________________________________________________________________87

Imagem 3: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Thiago Soares.__________________________________________________________________88

Imagem 4: Leandro de Souza, poses dos fisiculturistas, ensaio, Nunca Mais Bom Crioulo, Departamento de Artes Corporais, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), Sala AD06, Barão Geraldo, Campinas – SP, 2010. Foto: Paula Ramos.____89

Imagem 5: Leandro de Souza em trabalho de conclusão de curso, Nunca Mais Bom Crioulo, Departamento de Artes Corporais, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), Sala AD06, Barão Geraldo, Campinas – SP, 2010. Foto: Paula Ramos.____90

Imagem 6: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 4ª edição, Galeria Olido, Sala Azul, São Paulo – SP, 2013. Foto: Jônia Guimarães .____________________91

Imagem 7: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 4ª edição, Galeria Olido, Sala Azul, São Paulo – SP, 2013. Foto: Jônia Guimarães .____________________91

Imagem 8: Tornado, Cordell, Oklahoma, Estados Unidos, 1981. Foto: NSSL The National Severe Storms Laboratory.______________________________________________________________94

Imagem 9: Terremoto, Yungay, Perú, 1970. Foto: United States Geological Survey (USGS).____95 Imagem 10: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra dos Residentes do Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Vanessa Moraes._____________________________________________97 Imagem 11: Gáfico Sismógrafo, 2012. Foto: Osservatorio Geofisico Comunale “Raffaele Bendandi” di Faenza_____________________________________________________________97 Imagem 12: Tornado Types, 2004. Ilustração: David Hoadly._____________________________98

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Imagem 14: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Jônia Guimarães .______________________________________________________________104 Imagem 15: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Jônia Guimarães .______________________________________________________________ 104

Imagem 16: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Jônia Guimarães .______________________________________________________________ 104

Imagem 17: Leandro de Souza em Sismos e Volts, Mostra Exercícios Compartilhados 6ª edição, Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo (CRDSP), São Paulo – SP, 2016. Foto: Jônia Guimarães .______________________________________________________________ 104

Imagem 18: Juliana Moraes em Desmonte, São Paulo – SP, 2015. Foto: Crys Lyra.__________113

Imagem 19: Eduardo Fukushima em Como Superar o Grande Cansaço?, São Paulo – SP, 2010. Foto: Inês Correa. ______________________________________________________________126

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 16

1. O SOLO ... 21

1.1 Um primeiro recorte ... 22

2. ACERCA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA ... 31

2.1 Sinalizando alguns pontos no espaço-tempo ... 32

2.2 Observando contextos: a Grande Modernidade ... 39

2.3 Algumas Notas Sobre a Cena da Dança Contemporânea Independente de São Paulo (a partir de minha experiência) ... 51

3. O DESCENTRAMENTO DO SUJEITO ... 60

3.1 Um segundo recorte (acidental) ... 61

3.2 Manifestações e invenções de presença ... 69

4. O SOLO EM DANÇA CONTEMPORÂNEA: Um corpo em processo ... 74

4.1 Quem Sou Eu na Fila do Pão? ... 75

4.2 Que Corpo? ... 82

4.3 Como Os Corpos Se Tornam Matéria? ... 88

4.4 Colisão entre a "Dança Sísmica" e a "Dança Tropeçante" ... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103

BIBLIOGRAFIA ... 109

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APRESENTAÇÃO

O solo de dança dominou meu imaginário por muito tempo, desde os estudos em dança, anteriores ao meu ingresso na graduação da Unicamp, esse interesse permaneceu por todo o tempo do curso de Dança e persistiu após a formatura, nos anos em que me envolvi na cena da dança contemporânea independente da cidade de São Paulo, participando de grupos, companhias e núcleos artísticos da cidade.

Por um tempo considerável, as peças solos de dança alimentaram meu interesse em fazer dança e, portanto, pensei ser válido dedicar-me a uma investigação sobre este modo de fazer e pensar a dança que ocupou um lugar de destaque entre as produções atuais, na dança contemporânea.

Após ter dançando por aproximadamente cinco anos em companhias e núcleos artísticos da cidade de São Paulo, um chamado interno me impulsionou para a realização de uma mudança de percurso, com isso, resolvi alterar minha rota, engajando-me, uma vez mais, na experimentação solo em dança contemporânea.

Decidi fazer uma retrospectiva da minha breve trajetória em dança, até o momento, tendo como marcos desse percurso duas peças solos - Ovelhas (2008), em que trabalhei a partir de xingamentos, insultos, ofensas e falas de desqualificação vivenciados na infância e adolescência e a peça Nunca Mais Bom Crioulo (2010), em que abordei a relação conflituosa com certa imagem de senso comum a respeito dos homens negros na sociedade brasileira, por meio de um diálogo com o personagem Amaro, o Bom Crioulo, da obra homônima do escritor Adolfo Caminha.

Desse processo, emergiram três movimentos - tremores, desequilíbrios e giros - que deflagraram as condições pelas quais venho forjando corporalidades, gestos e movimentos.

Assim, aponto para um corpo, que mais do que se mover é movido por um chão voluntarioso, instável e, por vezes, violento. Encontro assim, nas ideias acerca da coreopolitica de Lepecki, do descentramento do sujeito de Hall e do fim do sujeito de Almeida, uma discussão acerca do solo que se arvorou em torno da questão do sujeito na civilização ocidental euro-estadunidense centrada.

Da ilusão de um sujeito autodeterminado, desmontada pelas ideias apresentadas por essas/esses autoras e autores, o solo tem a possibilidade de constituir um espaço no qual o sujeito pode confrontar a si próprio e entender-se como parte de processos

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históricos, sociais, culturais e econômicos e a responsabilidade por aquilo que coloca no mundo por meio de sua arte.

Do cenário de fragmentação cultural e modos de fazer e pensar dança cênica, que acometeram os anos de desenvolvimento dessa arte, nos Estados Unidos, Europa e Brasil, cada dançarina e dançarino pode se munir de um rico arcabouço de práticas e ideias acerca do fazer dança cênica, o que a (o) possibilita elaborar um projeto próprio em dança. Talvez essa seja uma das razões pelas quais o formato solo de dança tenha se tornado um modo de produção recorrente no cenário artístico atual, da dança independente da cidade de São Paulo, por exemplo.

Soma-se a isso, o fenômeno de descentramento do sujeito que limou o entendimento de um sujeito com uma identidade fixa, e porque, nas palavras de Almeida, o indivíduo não cessa de se tramar, permanece insatisfeito e escapa de qualquer possibilidade de compreensão definitiva. Pode se pensar a atratividade do solo ,enquanto modo de criar dança, para além do discurso recorrente da falta de recursos financeiros para produções em grupo. Pensar o solo apenas como compensação por tal problemática, não se sustenta ao testemunhar inúmeras peças solos de dança que têm estabelecido novos patamares técnicos, estéticos e poéticos.

O referido formato de criação em dança mostrou-se campo fértil na elaboração subjetiva do sujeito, independente da abordagem em dança conter aspectos autobiográficos ou não. Se a intenção é fugir de si, solo não é um modo de fazer e pensar dança recomendável.

Essa subjetividade, que se dá por meio da elaboração cênica não preexiste, mas é tecida e se consolida no fazer artístico. Ela não parte de uma verdade do sujeito, mas de um posicionamento seu no interior de uma linguagem desenvolvida a um tempo: a linguagem da dança.

Pude verificar essa característica, ao refletir sobre meu próprio engajamento na criação solo em dança, ao perceber como o contexto no qual estou inserido, a dança contemporânea independente da cidade de São Paulo, tem sido fundante das ideias recentes que têm alimentado meu fazer artístico. As escolhas são minhas, mas não são geradas de um suposto eu, inabalável em mim.

Como processo de autoconhecimento, o solo possibilitou que eu pudesse me entender como artista da cena. É no encontro com o trabalho de William Pope.L, que começo a definir meu lugar de atuação na dança. Eu sou de ancestralidade africana, mas não falo com os deuses, isso não me torna menos ou mais negro, mas abre

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possibilidades de extrapolar certas tendências redutoras que cercam a produção de artistas negras e negros e a negação de sua contemporaneidade.

Desse modo, gostaria enfatizar que o solo pensado, para além da celebração narcisista do eu, pode ser território potente de autoconhecimento, desenvolvimento artístico e comunicação como os públicos. Também se faz necessário apontar que o solo ainda parece ter uma longa vida nos circuitos da dança cênica contemporânea , uma vez que, como afirma Almeida, uma significação está sempre a reenviar à outra significação, e isso a partir de uma sensação de borda em que o sujeito não cessa de inscrever, de plasmar e remodelar o seu desejo através do simbólico.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa teve a finalidade de adentrar e verticalizar a discussão acerca dos contextos que cercam o solo, enquanto um modo de fazer e pensar singular na dança contemporânea, fazendo-se um importante adendo: o de que não constitui parte da alçada deste documento propor fórmulas para a criação de solos de dança, pelo contrário, a pesquisa se propôs a refletir criticamente sobre alguns conceitos identificados por meio do estudo de autores da literatura especializada em dança e do diálogo com outras áreas do conhecimento científico, como a filosofia e os estudos culturais, com o objetivo de tecer uma argumentação aprofundada a respeito desse formato, cujo lugar de destaque ocupado no cenário atual tem gerado, por vezes, reações inflamadas.

Originado de um recorte realizado a partir da experiência pessoal do pesquisador, intenta-se alargar as fronteiras pessoais, a fim de prover uma interlocução desmistificada a respeito desse modo de produção em dança. Seria o solo expressão narcisista de uma dançarina ou dançarino? O solo é sozinho? É possível não falar de si próprio no solo de dança? Esses questionamentos podem não ser verificados explicitamente no decorrer da pesquisa, mas à medida que os percursos práticos e teóricos vão sendo desdobrados, as respostas vão emergindo, tanto quanto, novas questões são deflagradas.

Na procura por desenvolver uma metodologia capaz de gerar um panorama consistente e amplo, que respeitasse os limites implicados em uma pesquisa dessa natureza, lançou-se mão de caminhos multidirecionais de investigação compostos de eixos que vão se entrecruzando e sendo dinamizados de modo a culminarem em resultados não premeditados. Desse modo, é possível observar uma pesquisa bibliográfica em literatura especializada, produzida por pensadores como Louppe (2012; 2007), Hall (2015), Agamben (2009), Lepecki (2011; 2006), dentre outros autores, cujos desenvolvimentos teóricos vão alimentando as articulações propostas no trajeto investigativo.

Na tarefa de mover-se para além dos limites da abordagem exclusivamente teórica, o que se mostraria contraproducente, tratando-se de um estudo em uma área predominantemente constituída pelo labor artesanal cotidiano, foi realizado um convite a dois artistas da cena da dança contemporânea da cidade de São Paulo, Juliana Moraes e Eduardo Fukushima1, para que, a partir de suas vivências particulares como bailarinos e

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coreógrafos engajados no fazer artístico em dança, estes pudessem acrescentar à discussão proposta.

Para completar o quadro metodológico, foi incluído um experimento cênico solo realizado pelo pesquisador como recurso de investigação corporal dos conceitos visitados, com o intuito de movimentar corporalmente tais conceitos que, nesta pesquisa, são entendidos como basilares à própria dança contemporânea – a saber, a necessária presença do sujeito no fazer-dança-contemporânea.

Segundo a pesquisadora Laurence Louppe (2012), a dança contemporânea fez do solo um dos formatos que melhor expressariam seu projeto original: "afirmar a presença de um sujeito no imediato e na totalidade do seu ser e movimento" (LOUPPE, 2012, p. 293). É, portanto, a partir dessa declaração que as palavras que a compõem são desmontadas e colocadas em discussão ao longo da pesquisa, cujo cerne se arvora, sobretudo, em torno da questão do sujeito e de seu descentramento.

O primeiro capítulo se debruça sobre o recorte principal da pesquisa: o solo a partir do entrelaçamento de diferentes perspectivas apresentadas pelas autoras e autores que foram referência da pesquisa. Essa abordagem de abertura convoca outros lugares de fala, como o da dançarina e coreógrafa Juliana Moraes, uma dos dois artistas da cena paulistana da dança contemporânea selecionados para o desmembramento deste estudo. O critério de seleção da artista consistiu em razão do notório engajamento na criação de peças solos no início de sua carreira, que se tornaram, em certa medida, referência para uma geração de artistas ainda por se inserirem no circuito de dança da cidade de São Paulo. Outro fator aponta para a possibilidade de se observar um ciclo completo de atuação, que perpassa um início de trajetória artística, caracterizado por peças solos e em parceria com outros artistas, a ocupação do posto de direção em sua própria companhia de dança, a Companhia Perdida (2008 a 2014), e a retomada recente da atuação da bailarina na criação de trabalhos solos e em parceria, após um período de aproximadamente seis anos sem dançar.

O outro artista convidado a se juntar nessa jornada investigativa possui uma trajetória artística recente em relação à bailarina e coreógrafa anteriormente apresentada. Eduardo Fukushima se destacou como bailarino e coreógrafo no cenário artístico da cidade de São Paulo, assim como na cena artística nacional e internacional, exclusivamente por suas criações solos que o ajudaram a ganhar visibilidade e catapultar para o seu currículo a conquista de importantes prêmios e bolsas no Brasil e em outros

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países. As entrevistas concedidas pelos artistas para esta pesquisa podem ser conferidas na íntegra nos anexos deste documento, como um referencial para leitura.

Concluindo a conversa introdutória, acerca do solo presente no primeiro capítulo, o pesquisador se insere na discussão, colocando sua experiência em relação às distintas perspectivas articuladas no texto.

A seguir, procura-se, no segundo capítulo, delinear um entendimento a respeito do que venha a ser dança contemporânea nesta pesquisa. Tal iniciativa se deu pela constatação de que o engajamento de um sujeito, dançarina ou dançarino, tem sua subjetividade, seus modos de pensar e fazer alinhados e embebidos pelos contextos culturais, sociais, políticos, geográficos e econômicos nos quais estão inseridos. Desse modo, duas frentes são abertas e correlacionadas em seus possíveis pontos de convergência.

Em um primeiro momento, faz-se um escaneamento, realizando considerações acerca do entendimento de dança contemporânea que explicitam indiretamente os desafios de encontrar uma concepção definitiva e satisfatória para o termo. Apresenta-se ,a partir do referencial teórico elaborado para o estudo, percepções diferenciadas a respeito da nomenclatura como passo inicial para delinear um consenso adequado a este trabalho, sem a intenção de dar conta por completo da questão. Os eixos condutores fundamentais, para a realização dessa tarefa, consistem na proposição acerca da Grande Modernidade defendida por Louppe (2012) e na experiência do pesquisador no circuito de dança contemporânea da cidade de São Paulo, a partir da consideração de um mecanismo político de financiamento para a criação de trabalhos artísticos em dança importante neste cenário.

Dando prosseguimento, um segundo desdobramento para o desenho do entendimento acerca de dança contemporânea para a pesquisa é realizado. Amparado nos dois eixos condutores, apresentados anteriormente, neste capítulo, uma observação muito breve em aspectos pontuais da história da dança cênica do ocidente, a partir do cenário configurado, sobretudo nos Estados Unidos, pode ser conferido. A seguir, uma passagem breve por aspectos pontuais do cenário da dança cênica da cidade de São Paulo também pode ser verificado.

Após o necessário percurso de delimitação do campo da dança contemporânea, discorrido no trabalho, é dada a partida efetiva para o desmembramento da declaração de Louppe (2012): "afirmar a presença de um sujeito no imediato e na totalidade do seu ser e movimento" (LOUPPE, 2012, p. 293), acerca da vocação do formato solo na propagação

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bem sucedida daquilo que a autora reconheceu como sendo o projeto fundamental dessa concepção de dança.

Desse modo, o terceiro capítulo tem seus esforços comprometidos na discussão a respeito do sujeito envolvido na criação solo em dança. Como poderá ser verificado, este é pensado como parte de lugares e tramado a partir da relação cotidiana estabelecida em sua trajetória existencial, cuja experiência influenciará em suas escolhas técnicas, estéticas e poéticas.

Notar-se-á, eventualmente, que o panorama histórico anteriormente discorrido no segundo capítulo, ainda que abordado na superfície, culminará não só na configuração de um cenário artístico multifacetado de técnicas, métodos e procedimentos artísticos propiciador do pano de fundo social, cultural e político, que testemunhou a ascensão do formato solo como modo atrativo para as gerações da época, mas também na observação dos processos que depuseram a posição hegemônica do entendimento de sujeito ocidental, como portador de uma identidade ideal, que se pretendia racional, masculina, europeia, cristã e burguesa. Para o deflagrado fenômeno, a proposição apresentada por Hall (2015) acerca do “ m do j ” se converterá em um recurso teórico precioso para a discussão.

Na conclusão dessa etapa, o último assunto abordado no terceiro capítulo se refere à manifestação da presença do sujeito em seu envolvimento na criação solo de dança contemporânea. A partir da percepção, de que a presença constitui uma espécie de força interativa e constituída a partir da convergência de fatores múltiplos, a abordagem realizada procura desenhar um entendimento condizente com o percurso investigativo traçado na pesquisa.

O quarto capítulo, intitulado “O solo em dança contemporânea: o corpo em processo de ã ”, possui como eixo central o relato pessoal do pesquisador sobre o experimento de criação solo em dança contemporânea. Valendo-se da condição de artista da dança, atuante na cena da dança cênica contemporânea da cidade de São Paulo, em grupos, companhias e núcleos artísticos, o pesquisador decidiu se colocar em processo de criação solo, como mais um recurso metodológico, com a intenção de mobilizar os pensamentos e reflexões desenvolvidos até o momento na pesquisa. Os procedimentos são descortinados por meio de questões-títulos em que o artista-pesquisador versa sobre quem é, que corporalidade investiga, suas propriedades, características e as leituras físicas e simbólicas que ele engendra. Também está incluída, nesse relato, as elaborações coreográficas com as ferramentas dramatúrgicas elaboradas para o solo em

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questão. O artista-pesquisador procura, além disso, conversar com o trabalho do performer e artista visual estadunidense William Pope.L2 abordada a partir das leituras realizadas por Lepecki (2007) a respeito de uma obra específica do artista.

No final desse percurso, poderão ser averiguadas observações e ponderações acerca dos conhecimentos desenvolvidos na pesquisa. O leitor terá a oportunidade de, a medida que a investigação for afunilando, perceber mais as conexões pessoais do pesquisador com este modo de fazer e pensar dança contemporânea e entender ,certamente, o porquê de este ter se tornado tão atrativo para as gerações de dançarinas e dançarinos da atualidade. Ademais, o desafio, aqui colocado, implica sair do discurso pouco fundamentado e por vezes reacionário de tratar as dinâmicas envolvidas nesse modo de produção em dança.

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Em todos os referenciais pesquisados, livros sobre o trabalho do artista, acervos online de galerias e museus de arte, esta foi a grafia encontrada do nome do artista, portanto, sempre que for feita referência ao artista nesta pesquisa a grafia usada será William Pope.L ou apenas Pope.L.

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1.1 Um primeiro recorte

O interesse do pesquidador pelo solo em dança contemporânea teve início em seus estudos em dança precedentes ao ingresso no curso de graduação em dança do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), persistindo em toda sua duração e se estendendo após a conclusão deste, quando da atuação do autor como intérprete e criador em companhias de dança, grupos e núcleos artísticos da cidade de São Paulo.

No período da graduação, uma série de reflexões acerca do solo foram levantadas nas interações dialogadas entre o pesquisador e seus colegas. Foi observada uma tendência em ver o solo como expressão egoísta e narcísica do sujeito, atitude de um indivíduo que somente desejava “ ” ou que, supostamente, se percebia como "superior" ante os demais. Por vezes, a(o) bailarina(o)3 que se engajava na confecção de peças solo era tratada(o) como incapaz de fazer parte de trabalhos coletivos ou de integrar uma companhia de dança. No entanto, a experiência profissional posterior em dança levou o pesquisador a perceber o quanto tal concepção pode ser superficial.

O solo tem sido um modo de fazer e pensar dança muito presente no circuito de dança da cidade de São Paulo. Por exemplo, mostras como "solos, duos e trios", "o feminino na dança" e "o masculino na dança" tiveram longa duração no Centro Cultural São Paulo4, contando com a presença expressiva desse tipo de produção. Ainda hoje, no Festival Contemporâneo de Dança5, observa-se uma presença considerável de peças solos.

Como dito anteriormente, o formato solo em dança gera discussões intensas no meio artístico em questão. Algumas das questões envolvendo esse modo de fazer e pensar dança foram muito bem abordadas por alguns artistas-pesquisadores, não só da

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Levando em consideração a expressiva presença das mulheres na arte da dança, entendeu-se que fazer a menção das funções existentes nessa arte deveria ser feita primeiro no termo feminino seguido pelo termo masculino.

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O Centro Cultural São Paulo é um espaço de cultura e convívio inaugurado em 13 de maio de 1982 como extensão da Biblioteca Mário de Andrade e foi um dos primeiros espaços multidisciplinares do país. Promoveu mostras na área de dança que se tornaram referência na cidade como “S duos e ” “O Feminino na ” e “O Masculino na ” de meados da década de 90 e início dos anos 2000.

Disponível em http://www.centrocultural.sp.gov.br/CCSP_O_que_e_o_Centro_Cultural_São_Paulo.html#. Acesso em: 25/03/2017.

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O Festival Contemporâneo de Dança tornou-se uma importante mostra, que traz todos os anos, desde seu inicio em 2008, artistas de destaque da cena da dança contemporânea do Brasil e de outros países da Europa, África e América Latina. É organizado pelo produtor Amaury Cacciacarro Filho, com direção artística de Adriana Grechi, diretora do grupo de dança Núcleo Artérias da cidade de São Paulo.

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referida área, mas também em outras como o teatro e a performance arte. Abordagens que podem contribuir para a presente discussão.

Ferracini (2014) argumenta acerca desse modo de criação a partir da perspectiva do teatro, usualmente identificado nessa área como "monólogo", lembra o autor. O pesquisador articula a produção solo na sua potencialidade de alimentar os trabalhos realizados em coletivo, a partir de sua experiência como integrante do Núcleo de Pesquisas Teatrais (Lume Teatro)6 vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na dança cênica, é comum haver discussões menos aprofundadas, a respeito do solo, tenderem para a oposição deste formato em relação aos modos coletivos de produção, como lugares excludentes. Ferracini (2014) oferece um caminho contrário para lidar com tal questão no teatro, frequentemente marcado pelo trabalho de grupo.

O pesquisador argumenta que seria superficial sustentar a ideia de que a alta produção de solos se daria pela falta de verbas, ou por uma suposta negação do conceito de companhias. O autor defende essa ideia dando o exemplo da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo7 e do Programa Petrobras Cultural8 como duas importantes políticas de financiamento de produções teatrais, uma de caráter estadual e outra federal, que dão subsídios consideráveis, possibilitando a criação e manutenção de trabalhos em grupo. Ferracini (2014) explica que um dos perigos em afirmar tal relação de causa-efeito de modo taxativo seria a construção de um cenário no qual os solos passam a ser enxergados como uma produção de menor valor. Nessa acepção, solos seriam criados para compensar a falta de espetáculos grandiosos e de “m v ” artístico

6

O Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp (Lume Teatro) é um coletivo de 7 atores dedicados a criação, formação e pesquisa em artes cênicas vinculado ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi fundado inicialmente como “L b ó Unicamp de Movimento e Ex ã ” em 1985 pelo ator e professor Luís Otávio Burnier, do Departamento de Artes Cênicas desta Universidade, no dia 11 de março daquele ano.

Disponível em http//:www.lumeteatro.com.br/o_grupo/historia/linha-do-tempo. Acesso em 12/05/2016. 7 “E b pela Lei 13.279/02 o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo tem por objetivo apoiar a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população, por intermédio de grupos profissionais de teatro que são financiados diretamente por este g m ”. A Lei se aplica por meio do lançamento de dois editais por ano, um em cada semestre do ano, sendo selecionados no máximo 30 projetos por ano.

Disponível em http://fomentoaoteatro.wordpress.com. Acesso em 27/03/2017. 8

O Programa Petrobras Cultural tem por objetivo patrocinar a cultura brasileira em suas diversas manifestações no que concerne à criação, produção, difusão e a preservação. O programa atende as produções realizadas em todo o território nacional, por meio do lançamento de editais anuais para a seleção de acervos de museus, produção de filmes e projetos de educação voltado às artes nas linhas de financiamento: “P v ã e M mó ”; “P ã e D ã ” e; “F m ã ”.

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resultante da ausência de amparo financeiro: "já que não temos suporte para realizar uma produção relevante, façamos um simples solo!" (FERRACINI, 2014, p. 2).

Seguindo o raciocínio desenvolvido pelo autor, como supostamente não teríamos as competências para estabelecer companhias com um número expressivo de artistas envolvidos para a realização de grandes produções, então faríamos, como dito anteriormente: um simples solo! Assim, o referido pesquisador explica que essa forma de pensar as produções artísticas levaria a uma hierarquização entre os formatos, em que: "as grandes produções fomentadas e patrocinadas e/ou os espetáculos de grupos consagrados seriam considerados os espetáculos “ é ”” (FERRACINI, 2014, p. 2). Esse tratamento limitaria as chances de se pensar o solo enquanto um modo de produção particular: "em nada inferior ou situado num território menor" (FERRACINI, 2014, p.2). No que diz respeito à relação entre a criação solo e a criação coletiva, o pesquisador declara que os trabalhos solos desenvolvidos pelos integrantes do LUME TEATRO contribuem e chegam a ser necessários para manter seu engajamento artístico coletivo.

A pesquisadora Louppe (2012) declara que o solo foi uma das grandes invenções da dança contemporânea. A autora diz que este é o formato que melhor soube viabilizar o projeto fundamental da dança contemporânea, que consiste em: "afirmar a presença de um sujeito na totalidade de seu ser e movimento" (LOUPPE, 2012, p. 293). Essa visão se deve ao fato de que Louppe (2012) concebe a dança contemporânea como tendo origem na primeira geração de bailarinas(os), o que para outras(os) autoras(es), marca aquilo que se convencionou chamar de dança moderna. Desse modo, para Louppe (2012), a dança contemporânea nasce com as criações solos de Isadora Duncan. A autora chama de Grande Modernidade o período que tem início com Duncan até os anos de 1960 com a geração de artistas reunidos sob o teto da Judson Dance Theater, em Nova York, nos Estados Unidos.

Louppe (2012), a partir desta percepção, confere ao solo o caráter de "laboratório do movimento e do ser" (LOUPPE, 2012, p. 293), em que uma ou um artista se recolhe para criar um modo de dançar próprio. Este se lança a procura de um modo próprio de dançar que ainda está por ser descoberto e, em razão disso, não cabe no momento compartilhar com ninguém. A autora atribui ao solo o caráter de ruptura e inventividade que com ele surgiu nas danças solo de Isadora Duncan, quando a artista se opôs ao domínio do Balé, na dança cênica ocidental. Portanto, no pensamento desenvolvido pela

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autora o solo seria o formato que melhor expressaria o projeto da dança contemporânea, porque estes justamente nasceram concomitantemente.

Contudo é de se questionar se, passados tantos anos, essa característica permaneceu ou se modificou.

Ainda que, hoje, o solo já não tenha historicamente o mesmo alcance, continua a servir ao bailarino como um caminho de autodescoberta, um limiar para aceder à sua própria visibilidade. É um manifesto do ser, não a partir de um dado ontológico preexistente, mas de uma tensão que revela uma presença no movimento que o gera (LOUPPE, 2012, p. 294).

A pesquisadora faz, dessa forma, uma contextualização do solo indicando uma transformação de sua força original com o passar do tempo, no desenvolvimento da dança cênica no ocidente. Enfatiza a vocação do solo como espaço para a autodescoberta e lugar privilegiado da manifestação da presença de um sujeito por meio do movimento da bailarina(o).

A autora, ainda, traça paralelos entre o solo e a arte da performance ao informar que o assunto central daquele é o engajamento da bailarina ou do bailarino na obra. Para tal característica apontada por Louppe (2012) verificamos em Bernstein (2001) a intrínseca relação da autobiografia com a performance solo.

Chamando de "constrangimentos", Louppe (2012) declara que no solo o artista se autoimpõe regras com as quais deve lidar em cena. Desse modo, tal mecanismo impede que este(a) se engaje em fazeres cênico-corporais já desgastados. Louppe (2012) vê nesses obstáculos criados pela própria(o) criadora(dor), similaridades com o que ocorre na performance, em que um programa de ações é elaborado e seguido à risca pela(o) performer.

Bernstein (2001) afirma que o performer cria seu próprio script e revela mais elementos sobre a performance solo, que possibilitam o estabelecimento de paralelos com a criação solo em dança contemporânea.

Para Bernstein (2001), o caráter autoral da performance é o que de mais evidente se verifica nessa arte. Segundo a autora, diferentemente de um ator que representa uma personagem, que por sua vez habita um lugar imaginário distinto, essa característica não é encontrada na performance.

ã m m g g m g m m ã . ém ã do autor e do m é ainda mais compl mb ã j bj m

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m g ã quanto pelo emprego frequente m b g fico (BERNSTEIN, 2001, pp. 1-2).

Essa característica pode ser percebida em certas correntes da dança contemporânea, especialmente naquelas em que se verifica o desaparecimento da narrativa linear, da interpretação de uma personagem e o interesse por abordagens abstratas ou autobiográficas. Sinaliza, também, o risco, daquilo que se convencionou chamar, em algumas discussões, de ensimesmamento, uma vez que, como mencionado pela autora, o artista, autor e persona estão fundidos na obra solo, seja em performance ou dança contemporânea.

Louppe (2012) enfatizará o componente autobiográfico ou de autorretrato do solo de dança contemporânea. Tal característica parece ter adquirido projeção maior quando, nos dias atuais, observamos a incursão de indivíduos cujos corpos e, portanto existências, fogem dos padrões reconhecidos pela dança cênica ocidental como legítimos para a ocupação dos palcos. A reivindicação de Isadora Duncan se conecta a essa insurreição dos corpos na dança. A proliferação de modos de pensar e fazer dança cênica no ocidente, que atravessou desde aquele período até o momento presente, possibilitou que corpos-sujeitos, diferentes da norma social e cultural ocidental estabelecidas, encontrassem no solo um meio pelo qual pudessem se manifestar em sua inteireza.

No que concerne à arte da performance, Bernstein (2001) coloca que este campo artístico, segundo a autora oriundo das artes visuais, também se tornou, com o passar do tempo, uma forma por meio da qual corpos-sujeitos, à margem das sociedades, pudessem expor as fraturas sociais, culturais e políticas presentes no ocidente e por eles enfrentadas. A autora atribui tal façanha especialmente às mulheres, quando tal grupo de artistas e ativistas declarou que o pessoal é político. Esse dado novamente faz o solo de dança encontrar a arte da performance, ao considerar a perspectiva de Louppe (2012), que também traz a figura de artistas mulheres encabeçando o início da dança contemporânea em sua Grande Modernidade. A respeito dessa vocação da performance solo, Bernstein (2001) diz:

m b g m m m ã ã m v m ã m m v óg dominante. Para aqueles re g m m b g m m v ã v m g ã m “ - b ” (BERNSTEIN, 2001, p. 2).

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A partir das relações estabelecidas entre as percepções de Louppe (2012), Ferracini (2015) e Berstein (2001), realizadas até o momento, é possível traçar um panorama que expõe algumas das razões possíveis pelas quais o formato solo se tornou atrativo para geração atual de artistas da dança. Entretanto, parece haver um otimismo exarcebado em relação ao solo de dança, comumente enxergado como um lugar de liberdade. A respeito dessa observação, trago relatos da experiência de Merce Cunningham, bailarino e coreógrafo da dança moderna dos Estados Unidos, cujo trabalho e papel no desenvolvimento da dança cênica estadunidense será melhor desdobrada em capítulo posterior.

Cunningham , em resposta a Lesschaeve (2014), se trabalhar sozinho consistia em uma tarefa difícil, é enfático ao dizer que se tratava de uma situação horrível, principalmente porque, representava um desafio resistir no trabalho cotidiano. Para enfrentar esse problema, o artista desenvolveu uma rotina semelhante às estruturas de aulas de dança trabalhando os exercícios investigados todos os dias.

Trazendo exemplos de minha experiência na criação solo, possuo uma personalidade menos disciplinada que a de Cunningham. Na época da graduação em dança, ter a oportunidade de estar inserido em uma estrutura na qual salas de ensaio estavam à disposição, sempre que fosse preciso, constituiu um importante fator para o engajamento na criação solo. No atual estágio em que me encontro, vivendo na cidade de São Paulo, a escassez de espaços para ensaios de artistas, especialmente os que não contam com subsídios de nenhum tipo de apoio financeiro público ou privado, configura um fator limitante para a dedicação na criação de dança.

Outro dado importante a ser considerado é a da viabilidade financeira do solo. Nesse ponto da discussão, também a partir de minha perspectiva no campo da dança, parece-me um tanto precipitada. A ideia de que este formato é menos custoso em termos financeiros o coloca em situações perversas, em que a(o) dançarina(o) tem de arcar com todos os componentes que podem constituir uma peça solo de dança. O artista acaba tendo de encontrar soluções para a criação das sonoridades ou trilha da peça, elaborar o figurino, pensar a iluminação própria para cena ou mesmo lidar com tecnologias que julga serem fundamentais para a realização de seu trabalho. Se por um lado, na dança contemporânea, essa dinâmica se tornou um avanço nos modos de conceber dança cênica, por outro, em termos de políticas culturais para as artes e da demanda de contratação por parte de instituições privadas, a instabilidade observada estabelece tal característica como um imperativo e não como uma possibilidade. Ainda que recordemos

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das constatações de Ferracini (2015), acerca dos programas, sobretudo públicos, de financiamento para as artes, sua existência não impede, de todo, a dificuldade da instauração de processos criativos dessa natureza, porque existem também limites de contemplados por parte desses programas. Portanto, parece ser enganosa essa facilidade de criação solo, uma vez que tais dados não se confirmam na fala de Cunningham, um dos grandes artistas da dança moderna estadunidense, que nos conta sobre as dificuldades envolvidas na criação da cena solo em si. Tanto quanto se levarmos em consideração meu relato pessoal de dúvidas a respeito da facilidade atribuída ao solo no circuito de dança contemporânea independente de São Paulo.

Sobre o solo como promotor da visibilidade de uma artista, talvez nesse quesito seja preciso considerar outros fatores em jogo para o sucesso de um trabalho solo nos circuitos de exibição prestigiados e, aparentemente, bem remunerados da dança cênica contemporânea. Ao menos minhas dúvidas se intensificam ao analisar a cena da dança cênica da cidade de São Paulo.

Trago para essa questão um relato do dançarino Eduardo Fukushima, que dialóga com as questões levantadas e que foi um dos dois artistas da cidade de São Paulo selecionados para a realização de uma entrevista, a qual constitui parte integrante da metodologia de investigação elaborada para a presente pesquisa. Eduardo Fukushima é considerado um artista jovem e promissor da geração atual da dança contemporânea da cidade de São Paulo. Reconhecido nacional e internacionalmente, é lembrado por suas peças solos que lhe propiciaram a conquista de editais e prêmios de prestígio no cenário artístico do país e do exterior. Destaco, a seguir, a seguinte fala feita em conversa com o artista:

Acho que tem um componente chato que é a sorte, acho ruim, mas existe de as vezes você apresentar para uma plateia na qual você nem sabe que tem pessoas que podem te ajudar a mostrar mais e no meu caso acabei caindo nesses contextos, sem saber muito bem. Dancei em lugares que tinha muita gente da dança que podia ver aquilo e levar meu trabalho para frente. Então não acho que é só o artista, mas a rede que o ajuda a se destacar mais que outros. Não saberia precisar o porquê disso, porque tem tantos solos e então o meu é apresentado tantas vezes e não porque sou melhor que o outro. Insistência! Acho que é uma boa palavra. Eu insisti muito. Desde 2004 que eu insisto nessa, não foi logo nos primeiros trabalhos que eu tive êxito. Tive dois trabalhos que eu apresentei uma vez, teve um outro que eu apresentei três vezes, então fiz um outro que apresentei e até hoje apresento, acho que estou na centésima quinta. (Eduardo Fukushima em entrevista concedida à pesquisa).

Com base no relato de Eduardo Fukushima, podemos abrir uma outra faceta da discussão anteriormente levantada. As palavras do artista são trazidas para a pesquisa, porque em certos aspectos ela consegue ilustrar outros fatores a serem considerados no sucesso de um solo de dança nos dias correntes. Além de um trabalho árduo de criação, conseguir se inserir em uma rede de profissionais e instituições que deem um voto de

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confiança ao trabalho da(o) artista, parece ser relevante para sua alavancagem. Por exemplo, ao nos debruçarmos sobre a dança contemporânea da cidade de São Paulo, nos capítulos seguintes, será possível verificar como a conquista de um aporte financeiro, via editais públicos estaduais, federais e ou municipais, para a produção de uma peça de dança pode, em certa medida, operar como alavanca para a sobrevivência de uma dança solo, o que, contudoainda não é o bastante.

Retomando a ideia de liberdade de criação, como característica praticamente dada como certa, faz-se necessária uma contextualização. Como laboratório para a dançarina e dançarino atuais, a liberdade da(o) artista no formato solo, só é possível por meio de um exercício árduo de investigação que envolve empenho corporal intenso e capacidade de questionamento e reflexões profundas acerca de si próprio, das escolhas técnicas, estéticas e poéticas, que deverá ser bancada diante do circuito crítico como o é, por exemplo, o da cena da dança contemporânea paulistana, no qual sua decisões cênicas serão constantemente confrontadas. Portanto, não seria de todo equivocado pensar a liberdade no solo como sendo essa capacidade de reflexão e tomada consciente de decisões, enquanto posicionamento do sujeito como artista diante do circuito no qual se encontra inserido.

Para extrapolar, de forma breve, o solo como um exercício de liberdade apoiado no desenvolvimento de uma capacidade de reflexão e tomada de decisões, seria proveitoso pensar na potencialidade desse formato no processo de formação artística ou da dimensão da cidadania de um indivíduo.

Como artista orientador de um projeto realizado pelas secretarias de Educação e Cultura da cidade de São Paulo, chamado Vocacional9, nos anos de 2013 e 2014, pude testemunhar um processo de dedicação e aprofundamento abissais de uma vocacioanada10 que por iniciativa própria de seus 16 anos, moradora de uma região

apartada pela extrema distância dos centros privilegiados de circulação de bens culturais, sociais e econômicos da grande metrópole, que é São Paulo, engajou-se numa criação solo, cujo teor se configurava como um manifesto de sua condição de adolescente mulher, em uma geografia urbana precária e violenta, marcada por um machismo

9

O Programa Vocacional existe na cidade de São Paulo desde 2011, tem como objetivo a instauração de de processos criativos emancipatórios, por meio de práticas artístico-pedagógicas. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/dec/formacao/vocacional/index.php?p=7548. Acesso em: 10/08/2016.

10

Vocacionada ou vocacionado é a ou o adolescente, jovem, adulta(o) ou idosa(o), que participa das orientações artísticas promovidas pelo Programa Vocacional. Às vezes, esse indivíduo pode ser chamado de artista vocacionada ou artista vocacionado.

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retrógrado e pauperização sistêmica, que favorece escancaradamente a corrosão das relações entre os sexos.

Essa vocacionada, de modo muito bem apropriado de seu corpo, desenvolveu uma corporalidade cênica totalmente alinhada ao seu pensamento, sem nenhum dogmatismo técnico e estético, mas de uma abertura curiosa e um engajamento corporal investigativo incomuns, não encontrados, às vezes, em jovens artistas com acesso facilitado às manifestações artísticas mais radicais em termos de dança contemporânea. O exemplo extraído de minha experiência artística não propõe nenhum juízo de valor a ser atribuído a artistas de camadas sociais diferentes, mas tem a finalidade de tocar nos aspectos benéficos do exercício solo de criação em dança contemporânea, como espaço para a construção subjetiva de artistas aprendizes, exposições de ideias e manifestação de sua presença diante do olhar do outro, não a partir de um desejo narcísico, mas da necessidade incontornável de relação.

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2.1 Sinalizando alguns pontos no espaço-tempo

Não te vejo com a pupila, mas com o branco dos olhos. (Arthur Omar)

Segundo Louppe (2012), o solo consiste no formato que expressa, de modo bem-sucedido, o projeto original da dança contemporânea: "afirmar a presença de um sujeito no imediato e na totalidade do seu ser e movimento" (LOUPPE, 2012, p. 293). A autora é categórica ao dizer que esta é a única lei que rege as produções em dança contemporânea.

Com a finalidade de discutir tal colocação, para além de discordar ou concordar com ela, faz-se pertinente observar o que a autora compreende por dança contemporânea, assim como trazer outras percepções, a fim de delinear os contornos desse território na presente pesquisa.

Como pesquisadora da dança, Louppe (2012) elege um modo de definir dança contemporânea diferente das distinções presentes na historiografia da dança ocidental, usualmente amparada em dois pólos de referência: um situado nos Estados Unidos e outro no continente Europeu, nos países que compõem a parte ocidental desta região geográfica. Portanto, se certa historiografia tem por norma estabelecer divisões da história da dança cênica ocidental, partimentando-a em fases como moderna, pós-moderna e contemporânea, só para citar um exemplo, a autora compreende a dança contemporânea enquanto modos de fazer e pensar dança, reunidos sob o que decidiu chamar de "Grande Modernidade". Essa nomenclatura abarca o período que tem início com os artistas "fundadores", nos Estados Unidos, que se contrapuseram à presença preponderante do Balé11, enquanto sinônimo de dança cênica no e do ocidente, até então vigente naquele período.

Desse modo, para Louppe (2012) a dança contemporânea emerge na Grande Modernidade, com os trabalhos da dançarina estadunidense Isadora Duncan e percorre trajetos, que irão desaguar na geração de artistas integrantes do movimento de dança, reunidos sob o teto da Judson Dance Theater, em Nova York, nos Estados Unidos, na década de 1960. Após essa época, a autora identifica as produções como pertencentes à

11

Para se referir ao modo de pensar e fazer dança cênica no ocidente foi acordado usar a grafia com inicial maiúscula "Balé" ao invés de minúscula, assim como, foi decidido o uso da grafia em português "Balé" e não a escrita estrangeira "Ballet", como usado em algumas pesquisas sobre história da dança cênica no ocidente.

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época atual. Sendo assim, toda a produção em dança desse período, de Isadora Duncan até os dias correntes, é considerado pela pesquisadora como dança contemporânea.

Contrapondo esta postura, temos Banes (1980), que abraça a divisão dança moderna e dança pós-moderna. Na percepção da pesquisadora, a última categoria tem seu início exatamente quando a Grande Modernidade de Louppe (2012) se encerra: a geração de artistas da Judson Dance Theater.

Outro fator importante a se destacar é levar em consideração que o trabalho de Louppe (2012) abarca, prioritariamente, as produções realizadas nos Estados Unidos e na França.

A estratégia da autora em pulverizar as linhas divisórias, localizando a origem da dança contemporânea no que decidiu nomear de Grande Modernidade, possibilita-lhe transitar para frente e para trás, para cima e para baixo, para a direita, para esquerda e diagonais, na historiografia da dança cênica do e no ocidente, mencionando artistas de diferentes períodos, sem ter de se restringir a ordens cronológicas rígidas. Contudo, esta estratégia pode dificultar a observação das mudanças de abordagens técnicas e estéticas propostas pelos diferentes movimentos de bailarinas(os) e coreógrafas(os) que povoaram o percurso de desenvolvimento da dança cênica do ocidente euro-estadunidense referenciada12, especialmente ao levar em consideração que a geração de Isadora

Duncan constitui um movimento de oposição ao Balé, assim como o grupo de artistas da Judson Dance Theater se opôs aos modos de conceber as produções em dança das gerações de artistas que as(os) antecederam.

É possível traçar paralelos entre um solo de Isadora Duncan e uma peça solo de Trisha Brown; no entanto, também se verificam perspectivas cênicas e técnicas distintas.

De acordo com Louppe (2012), o que distingue a produção de dança da Grande Modernidade é a invenção de um corpo específico, elaborado por práticas, teorias e linguagens motoras próprias que extrapolam os limites exclusivos da criação de peças de

12

A partir de pesquisa em livros de história da dança como Boucier (2001), Portinari (1989), Cass (1993), Banes (1980), Louppe (2007; 2012) e Faro (1986) observa-se um recorrente resgate histórico do desenvolvimento da dança cênica a partir das cenas artísticas instauradas nos Estados Unidos e na Europa, sobretudo em países como França e Alemanha, ainda que, a exemplo do Balé clássico, a referência se desloque para localidade com a Rússia, por exemplo. Com base nesta percepção, será usado o termo: "euro-estadunidense referenciado" para qualificar a dança cênica ocidental levando em consideração que os cenários artísticos das regiões citadas, prevaleceram porque, historicamente, essas regiões se impuseram cultural, social, religiosa e economicamente em relação às demais regiões geopolíticas do mundo. Mesmo na historiografia brasileira, em Navas (1999), Bogea (2002) e Silva (2005), por exemplo, a intensa influência da dança dos Estados Unidos, assim como da Europa pode ser verificada na produção nacional. Este fator se constata tanto porque bailarinas(os) e coreógrafas(os) se formaram em escolas desses países e continentes, tanto como porque foram instruídos em território nacional em técnicas trazidas por professores que se formaram nessas linhas de pensamento e fazer da dança.

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dança. Cada artista desenvolverá um modo de pensar e trabalhar, cênica e corporalmente, distintos um dos outros. Tais modos passarão por uma sistematização e serão aplicados como treinamento para outros corpos formando escolas. Em oposição, a autora declara que em produções realizadas após este período, como as da Nova Dança francesa, por exemplo, não se observa a intenção das(os) artistas de inventar linguagens e ferramentas, mas apenas fórmulas para a criação de espetáculos.

Outro recurso para a análise de modos de fazer e pensar dança, utilizados pela autora, se ancora nos desenvolvimentos teóricos elaborados por Laban13. O que fica evidente na obra de Louppe (2012) é, em certa medida, a dívida da geração atual de bailarinas(os) e coreógrafas(os) com os desdobramentos técnicos e estéticos desbravados pelas(os) artistas da modernidade da dança nos Estados Unidos e na Europa.

Analisando a cena da dança contemporânea paulistana, é possível verificar o desinteresse em criar metodologias de criação e treinamento corporal, que possam ser sistematizados na intenção de formar um séquito de artistas tecnicamente especializadas(os). Permanece o caráter experimental das propostas cênicas, ainda que se deflagrem traços recorrentes de fazer e pensar dança que caracterizam o trabalho de cada grupo ou artista.

A partir dessa observação, a respeito do cenário artístico da dança independente14 da cidade de São Paulo, é oportuno trazer como referência para a pesquisa a concepção de dança contemporânea presente na Lei de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo15. A justificativa para tal recurso consiste na importância do mecanismo de

financiamento público municipal, de produções de dança com destacada qualidade

13

Rudolf Von Laban (1879-1958), nascido no Império Austro-Húngaro, foi um importante dançarino, coreógrafo e teórico da dança, sendo considerado um dos fundadores da dança moderna europeia. Segundo Valerie Preston-Dunlop (renomada professora, autora, palestrante e atual consultora do Trinity Laban Conservatoire of Music & Dance, Londres, Inglaterra), discípula direta de Laban, o artista e pensador da dança criou a coreologia, uma disciplina de análise da dança e elaborou todo um sistema de notação de dança conhecido atualmente como Labanotação ou Kinetografia Laban. Teve como discípulos Mary Wigman e Kurt Jooss, que se tornaram grandes artistas da dança de expressão alemã.

Disponível em https://www.trinitylaban.ac.uk/about-us/our-history/rudolf-laban. Acesso em 20/04/2016.

14 Segundo Calux (2012) o termo “ ” foi adotado nos anos de 1980/1990 para se referir a um modo distinto de pensar e fazer dança na cidade de São Paulo. Nesta pesquisa poderá ser encontrada tanto a grafia “ ” como “ contemporânea ” para se referir ao cenário artístico da dança cênica da cidade de São Paulo.

15 A L F m D SP P j L mb L g v ã v P D é mérico e Nabil Bonduki. D vel em: <http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz11411061436.pdf>. Acesso em: 20/03/2017.

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artística, que possuem difícil apelo mercadológico, em razão do caráter experimental dos trabalhos. Outra razão para a inclusão dessa concepção na pesquisa se deve ao fato de a presente Lei ter sido elaborada em decorrência de processos históricos de mobilizações reivindicatórias de uma política própria para a área, por parte da classe artística da cidade. Sendo assim, a Lei é fruto de um movimento forjado em meio às correntes de pensamento de modos de pensar e fazer dança de bailarinas(os) e coreógrafas(os) na prática artística cotidiana, e não um projeto elaborado exclusivamente pela máquina pública municipal, ou seja, a concepção de dança contemporânea presente no edital emerge da prática artística e é reivindicada pelas(os) artistas da cidade. Seu impacto na produção de dança na cidade de São Paulo pode ser observado na escrita da professora e crítica de dança Helena Katz:

(conhecida como ‘ a c nea ’ c c c c - c todas as outras). c c c a contempor h c , evidentemente, acabou por direcionar o que passou a ser feito por aqui (KATZ, 2014)16.

Vale destacar, como justificativa da inclusão desta concepção acerca de dança contemporânea, o fato de que tenho, desde a formatura no curso universitário em dança, desenvolvido uma trajetória artística na cidade de São Paulo, participando de projetos de artistas que foram contemplados pela referida Lei.

Desse modo, observa-se no texto da Lei de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo a seguinte concepção acerca de dança contemporânea:

§ 1º Entende-se por dança contemporânea um modo de produção artística, que envolve investigação, pesquisa e criação, não diretamente relacionadas a critérios Biográficos de artistas ou a categorização da obra por estilo, conteúdo ou técnicas;§ 2º A pesquisa mencionada no § 1° deste artigo refere-se às práticas de pesquisa da linguagem cênica coreográfica e investigação de parâmetros técnicos corporais próprios, mas não se aplica à pesquisa teórica restrita à elaboração de ensaios, teses, monografias e semelhantes, com exceção daquela que se integra organicamente ao projeto artístico17.

16 D vel em: <http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz11411061436.pdf>. Acesso em: 20/03/2017.

17

Disponível em: <http://www.fomentoadanca.blogspot.com.br/p/lei-de-fomento-danca.html>. Acesso em: 20/03/2017

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