• Nenhum resultado encontrado

3. O DESCENTRAMENTO DO SUJEITO

3.1 Um segundo recorte (acidental)

“Retire o centro e terás um universo” (Arthur Omar)

Um sistema social, econômico, cultural e até mesmo religioso estabelecido por um grupo de pessoas de modo a organizar as relações entre si, também gera um movimento inverso. Tal sistema acaba por gerar um tipo de indivíduo portador das qualidades adequadas à operação do sistema instaurado. O pensamento aqui exposto se ampara na perspectiva de Afshar (2016) para tratar das faculdades racionais do sujeito envolvido em uma sociedade neoliberal:

M ó - m ã m ã m m m m ã e m . C m v m mbém m g ã g m m j m m m v ã e justificativas a serem internalizados pelos agentes que se queiram reconhecidos, tais modelos nã m b ã m g j ó m g óg m g v que aspiram ser socialmente reconhecidos

(AFSHAR et al., 2016, p.1).

Pensando no desenvolvimento da dança cênica ocidental, como um sistema artístico, também ele gestado no interior de uma trama social, econômica, cultural e religiosa específica, pode-se considerar que, igualmente, artistas, bailarinas(os), coreógrafas, coreógrafos, diretoras, diretores e demais profissionais ligados à área estruturaram e estruturam esse campo artístico, assim como o inverso também ocorre. O que se propõe, a partir da reflexão apresentada, é que o território delimitado como dança cênica ocidental coloca para as e os artistas que nele se inserem aquilo que Afshar (2016) expõe no trecho destacado: "conjuntos de comportamentos, modos de avaliação e justificativas a serem internalizados pelos agentes que se queiram reconhecidos" (AFSHAR et al., 2016, p.1), nesse meio. Desse modo, o sistema artístico da dança cênica ocidental, assim como o contexto da dança contemporânea idependente da cidade de São Paulo, torna-se "animado" para "determinar a configuração de seus agentes racionais" (AFSHAR et al., 2016, p.1). Um exemplo dessa dinâmica pode ser observado nos desdobramentos do capítulo anterior, em que a partir da implementação da Lei de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo, por parte de grupos de artistas que reinvidicavam política públicas culturais que proporcionassem suporte para a produção da

dança contemporânea independente paulistana, passou a se verificar a projeção de um entendimento do fazer e pensar dança contemporânea, pautada pela Lei e abraçada pelos grupos que por ela desejavam ver seus trabalhos, financeiramente amparados.

Quando Louppe (2012) declara que o solo, enquanto formato que melhor atinge o propósito estabelecido pelo projeto da dança contemporânea, corresponde “à presença de um sujeito na totalidade de seu ser e movimento" (LOUPPE, 2012, p.293), essa percepção já situa o indivíduo em um contexto específico. O de um sujeito engajado em um modo de pensar e fazer dança circunscrito em um território nomeado como dança contemporânea, cuja concepção compartilhada por Louppe (2012), tem sua gênese ancorada no que a autora define como Grande Modernidade, instaurada com os trabalhos de Isadora Duncan e a geração por ela representada, seguindo percurso até desembocar na geração de artistas dos anos de 1960, residentes na Judson Dance Theater, em Nova York, Estados Unidos.

Não se está defendendo, com tal reflexão, a ideia de um determinismo do sujeito, mas propõe-se uma desestabilização de certa tendência em percebê-lo(a) como absolutamente autodeterminantes. Um sujeito que gesta sua subjetividade, a partir de um interior independente e apartado de todo contexto social, econômico, político, geográfico e cultural. A tempo, vale lembrar da coreopolítica apresentada por Lepecki (2012), ao dizer que a modernidade, na figura da cidade, criou a ilusão de mobilidade livre e acelerada de indivíduos autodeterminados, sobre um chão político liso que aplainou toda as irregularidades, desníveis, buracos, fragilidades e conflitos desse terreno. Também volta-se a enfatizar o caráter oscilatório, como se vê no exemplo anteriormente mencionado, a respeito da constituição da cena da dança independente da cidade de São Paulo.

Entretanto, Louppe (2012) oferece uma alternativa para lidar com essas questões, ao expor o caráter laboratorial do solo de dança, ou seja, um lugar de experimentação, de encontro da e do artista consigo próprio, de autoquestionamento, de exame intenso de si próprio.

A discussão sobre sujeito é travada em outros campos do conhecimento científico, como a filosofia ou a psicologia. O foco principal neste capítulo é delinear, ainda que de modo não aprofundado, o entendimento de sujeito a partir das especificidades do campo sobre o qual a presente pesquisa está situada: a dança contemporânea. No entanto, o diálogo com outras correntes do pensamento científico, acerca da questão se faz bem- vindo, com a finalidade de aproveitar a tradição de conhecimentos desenvolvidos.

Portanto, é se traz para a presente discussão, a respeito do solo de dança contemporânea, o fenômeno de "descentramento do sujeito" apresentado por Hall (2015), que defende a ideia de que as identidades dos sujeitos têm sido deslocadas, na modernidade, dos seus lugares comuns de percepção, em função das mobilizações sociais, econômicas, políticas e religiosas ocorridas no desenvolvimento das sociedades ocidentais. A colonização de regiões geográficas do mundo por parte de nações estrangeiras a estas, os grandes deslocamentos populacionais, as interações entre diferentes povos, as relações afetivas e sexuais entre etnias distintas, as adoções, por populações de idiomas diferentes de suas línguas de origem, todas essas transformações foram borrando, desfazendo e reconfigurando as fronteiras de classe, gênero, raça/etnia/cor, de sexualidade e assim sucessivamente.

Tais mudanças provocaram um descompasso na concepção hegemônica acerca do sujeito ocidental, cuja identidade se reivindicava como masculina, europeia, heterossexual, cristã e burguesa.

De modo análogo, pode-se pensar que o ato de ruptura protagonizado por Isadora Duncan, em relação ao domínio do Balé como dança cênica ocidental, também precipitou o deslocamento das ideias do que seria ser uma(um) bailarina(o) e, consequentemente, dos modos como ela ou ele concebiam o corpo, os modos de pensar e fazer dança cênica no ocidente euro-estadunidense referenciado.

Isadora Duncan, de acordo com a proposição de Louppe (2012) a respeito da origem da dança contemporânea, deu o pontapé inicial para destituir a(o) sujeito bailarina(o) do Balé caraterizado pela habilidade corporal virtuosa, da perfeição dos corpos, das linhas retas e do corpo bidimensional.

Contrapondo por um momento a ideia de Louppe (2012), vale lembrar que, seguindo a linha de desenvolvimento do Balé, serão encontrados movimentos de transformações tão potentes quanto o ato de ruptura de Isadora Duncan. Apesar de a bailarina ter proposto uma ruptura drástica, dentro do Balé, inúmeras maneiras de ver e fazer transformaram esse modo fazer e pensar dança cênica.

Relembrando a breve observação dos contextos do desenvolvimento da dança cênica contemporânea ocidental nos Estados Unidos e na dança contemporânea independente da cidade de São Paulo, realizada no capítulo anterior, é possível traçar um paralelo com a ideia de descentramento apresentada por Hall (2015) pensando que todos os deslocamentos testemunhados, a intensa experimentação, a desintegração de fronteiras e interpenetração dos limites de cada arte que foram apagadas, borradas,

redesenhadas pelas sucessivas gerações de dançarinas, dançarinos, coreógrafas, coreógrafos e demais artistas da dança cênica dos distintos períodos históricos de cada localidade, contribuíram para as transformações dos sujeitos engajados no fazer e pensar dança.

Em uma palestra no ano de 2016, o pesquisador André Lepecki relatou uma cena que explicita o impacto da transformação da(o) bailarina(o) na dança contemporânea. O pesquisador conta a respeito de uma bailarina da companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch 44 , que, após um extenuante ensaio, submetendo-se aos insistentes questionamentos e requisições da coreógrafa, com a finalidade de criar uma obra de dança, saía correndo pelo bosque próximo ao teatro, chorando, para no dia seguinte retornar a mais um dia de intenso ensaio. Lepecki (2016) dizia que a bailarina sofria os efeitos colaterais de um tempo que tinha deixado de existir. Na dança contemporânea, a exuberante destreza física de uma bailarina ou de um bailarino não era mais o suficiente para ser considerado um excelente artista. Não era mais possível entrar em uma sala de ensaio, aquecer-se, aprender e executar com maestria os gestos e movimentos que uma coreógrafa ou coreógrafo havia elaborado anteriormente e desempenhá-los magistralmente em cena. A(O) bailarina(o) deveria pesquisar – não necessariamente ler livros sobre teorias complexas, mas encontrar corporalmente, explorar com afinco todas as variáveis do gesto e do movimento como modo de apresentar fisicamente respontas às inquietações trazidas pela(o) coreógrafa(o). Material que posteriormente, ainda passaria pelas mãos meticulosas desta ou deste artista.

A questão de um corpo fisicamente capaz de executar o conjunto de movimentos e gestos elaborados por uma coreógrafa ou coreógrafo, um corpo capaz de ser moldado por um outro, tem sido constante na história do desenvolvimento da dança cênica ocidental. A bailarina e coreógrafa Juliana Moraes conta a respeito dessa questão sobre sua experiência na direção de sua antiga companhia. A artista relata que encontrou dificuldades em transmitir as ideias a respeito de como desejava criar o corpo cênico para suas peças, para as bailarinas de sua companhia. Diz que precisava entender e respeitar o desenvolvimento de cada uma delas, lidar com seus desejos pessoais. Menciona como esperava que elas se movessem confrontadas com os desejos de serem ouvidas acerca do que concebiam em termos de dança:

44

.Pina Bausch (1940-2009) bailarina e coreógrafa alemã estudou na Folkwang School, em Essen, na época dirigida por Kurt Jooss. Teve contato com a dança estadunidense ao ganhar uma bolsa para estudar na Julliard School of Music, em Nova York. Assumiu a direção do Wuppertal Tanztheater e se tornou a referência maior no gênero conhecido como dança-teatro.

[...] quando você não dá espaço para o intérprete falar aquilo que ele quer falar, ele se sente diminuído, às vezes ele acha até que você está sendo antiético com ele. É uma região muito confusa (Juliana Moraes, em entrevista concedida à pesquisa).

Se, conforme o relato de Lepecki (2016), a bailarina da Tanztheater Wuppertal Pina Bausch lamentava sua condição na dança contemporânea, as bailarinas da companhia de Juliana Moraes demandavam uma escuta por parte da coreógrafa e a consideração de suas percepções acerca de como o trabalho poderia ser realizado.

A noção de sujeito é considerada por alguns pesquisadores como uma categoria moderna, contudo é conhecido um expressivo grupo de pensadores que têm sinalizado seu desenvolvimento, a partir de momentos mais remotos da história das sociedades ocidentais, referenciadas nas narrativas das nações europeias. O debate a respeito do entendimento de sujeito tem sido travado em uma quantidade considerável de diferentes áreas do conhecimento e, nesta pesquisa, foi dada a atenção aos modos como tal discussão pode ser abordada na dança cênica contemporânea.

Alguns dos pesquisadores envolvidos com a discussão acerca da noção de sujeito têm ancorado sua gênese ou marcado as manifestações iniciais deste no período historicamente reconhecido como Renascença, na Europa, época que sucedeu a Idade Média naquele continente. Uma época caracterizada pelo florescimento das artes, filosofias e ciências, consequência de uma série de mudanças culturais e perceptivas do mundo. Teria início, nesse momento, o que pode ser chamado de uma ascensão do sujeito, porque toda a produção de conhecimento cultural, político e tecnológico é voltada para a construção de uma estrutura, que tem por objetivo organizar a vida cotidiana das pessoas, um movimento que criou e colocou a figura do ser humano como eixo central dos eventos do mundo.

Em contraponto às ideias de desestabilização das identidades tradicionais dos sujeitos modernos, proposta por Hall (2015), Almeida (2012) defenderá que a fragmentação da cultura e a questão do fim do sujeito (pensamento que consiste em articular qual seria o seu propósito, sua razão, riscos e tensões, do que propriamente uma predição de sua extinção), resultaria em fenômenos não exclusivos da modernidade que, até mesmo, não poderiam ser reivindicados enquanto manifestação do que se convencionou chamar de pós-modernidade. Para exemplificar seu raciocínio, o autor evoca o contexto político-cultural de Atenas, na Grécia Antiga, século V, antes de Cristo, como um período imerso em corrupção e ceticismo, no qual conflitavam adeptos de

diferentes correntes de pensamento, contexto em que, Aristóteles construiu sua filosofia, que já se encarregava de refletir sobre o ser e oscilava entre o reconhecimento de sua mutabilidade ou não, interior, de pensamento e comportamento no decorrer da existência. Almeida (2012) dirá que questões sobre a mutabilidade e imutabilidade do ser permeiam toda a história do desenvolvimento social europeu, adquirindo configurações específicas, conforme cada período histórico, como os que sucederam a época de Aristóteles – a Idade Média, no século XII e XIII – até culminar na conjuntura da filosofia prolifera dos séculos XVII e XVIII. Almeida (2012) nega a intenção de afirmar um encadeamento lógico e linear de causa e efeito desses acontecimentos e as transformações advindas destes; contudo, pondera sobre as seguintes questões:

Pois se, de um lado, a cultura se define como um complexo de criações, de valorações, de crenças e representações que se materializam nas esferas da arte, da política, da religião, da economia, das leis, dos costumes e da moral, de outro lado, essas produções já revelam uma dinâmica de forças que se desdobram através de uma destruição e uma recriação, uma luta e uma cooperação, uma imbricação e uma superação que não cessam de terminar porque não cessam de recomeçar. Daí também poder-se definir a cultura como o espaço por onde se desenrola a tensão do desejo no seu iterativo ensaio de escrever e inscrever o simbólico do real e por onde o sujeito se manifesta como um sujeito literalmente

des-locado, descentrado, errático, hiante, falante (ALMEIDA, 2012, p.14).

Desse modo, parece-nos que Almeida (2012) comunga, em certa medida, com o autor de A identidade cultural na pós-modernidade quanto à ideia de que a persistente a fragmentação político-sócio-econômico-cultural, que adentrou o passar do tempo na civilização ocidental euro-referenciada, culminou, de certo modo, no deflagrado movimento de descentramento do sujeito:

A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, "sutura") o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. (HALL, 2015, p. 11).

Como a arte e, no caso da presente pesquisa, a dança cênica, está intrinsecamente relacionada a essa história macrossocial, política, cultural e econômica das sociedades ocidentais, não seria de todo equivocado que os desdobramentos históricos pelos quais a pesquisa atravessou, superficialmente na dança cênica ocidental tenham sido, em menor ou maior proporção, fatores precipitados por esse contexto mais abrangente.

A exemplo de Hall (2015), que elencou cinco acontecimentos, descobertas científicas e movimentos que colaboraram para o descentramento do sujeito, propôs-se para esta pesquisa o levantamento de alguns acontecimentos que colaboraram com o descentramento do sujeito na dança contemporânea:

1) O ato de ruptura de Isadora Duncan, que questionou o Balé como modo de pensar e fazer único da dança cênica ocidental e plantou a semente que levaria a dança a valorizar a criação de gestos e movimentos gerados a partir das peculiaridades corporais da dançarina(o);

2) As afirmações de Merce Cunningham de que: 1) qualquer movimento pode ser material para construir dança; 2) qualquer procedimento pode ser um método válido de composição; 3) quaisquer partes do corpo podem ser usadas (respeitadas as limitações); qualquer dançarina(o) da companhia pode ser um solista e; 4) pode se dançar em qualquer espaço. Contribuíram para que cada vez mais as e os artistas se engajassem em modos próprios de pensar e fazer a cena;

3) O entendimento de que "natural" para a geração pós-moderna da dança cênica dos Estados Unidos é, segundo Banes, a ação não alterada por recursos teatrais de dramatização ou estilização dos gestos e movimentos presentes nas danças cênicas modernas e no Balé o que ajudou, novamente, o favorecimento de corpos diferenciados e fora dos padrões normatizantes prevalentes na dança, não treinados arduamente em técnicas consagradas;

4) A ideia na dança pós-moderna dos Estados Unidos de que dança é pensamento e não está separada do corpo, restringida a uma movimentação mecânica e virtuosa. Desse modo, praticamente qualquer corpo poderia então, dançar.

Para esta pesquisa, entendeu-se que, em certos aspectos, as declarações elencadas acima possibilitaram que corpos não especializados pudessem realizar dança cênica, contrariando a ideia, então vigente, de dança como um lugar de poder sócio- político-cultural privilegiado nas sociedades ocidentais. Se o sujeito hegemônico ocidental possuía uma identidade masculina, branco-europeia, cristã, heterossexual, burguesa e da razão, talvez se possa pensar que também o bailarino ideal deveria ser, naquele contexto, um sujeito hegemônico ocidental branco-europeu, heterossexual, magro, possuidor de habilidades físicas sobre-humanas e eternamente jovem – e as rupturas acima elencadas promovidas por diferentes gerações questionaram justamente esse ideal.

Pensando a partir das proposições de Hall (2015), sobre o descentramento do sujeito, e alinhavando tal pensamento com o contexto de rupturas e proliferações de modos de pensar e fazer dança, presentes ao longo do desenvolvimento da dança cênica contemporânea ocidental, não será de todo equivocado pensar que os dois trajetos de transformação social, cultural, politica e econômica tenham convergido em terreno próspero para a ascensão do solo, enquanto um poderoso veículo para a manifestação das idiossincrasias de sujeitos que, a partir de então, continham em seus corpos as inscrições de identidades multifacetadas e cambiantes. Talvez indo mais adiante nessa linha de pensamento, trazendo a percepção do solo como laboratório do movimento e do ser, esses sujeito adquiriram um espaço disponível para exercitar e recriar, tensionar, friccionar e ficcionar outros modos de ser, ver e perceber latentes nas identidades multidirectionais pulsantes por meio de seus corpos. Portanto parece plenamente cabível o paralelo que se pode traçar com a conclusão de Almeida (2012) acerca do fim do sujeito:

O fim do sujeito consiste na sempre recomeçada tentativa de se tramar, encadear, entre-laçar, tecer, entre-tecer e apreender um significante que todavia, continua heterogêneo, heteróclito, ex-cêntrico e recalcitrante ao pedido ou à significação enquanto tal. É que uma significação está sempre a reenviar a outra significação, e isso a partir de uma sensação de borda em que o sujeito não cessa de inscrever, de plasmar e remodelar o seu desejo através do simbólico do real. É esta a ambiguidade da tensão fundamental do desejo e, portanto, do sujeito, que, na sua interativa dinâmica de satisfação e insatisfação, aponta para uma tendência mais elementar e mais originária ainda, qual seja, a das forças da dispersão e da reunificação, da fragmentação e da agregação, da destruição e da construção, da aniquilação e da recriação, do ódio e do amor. Thanatos e Eros. (ALMEIDA, 2012, p.332).

Os escritos de Almeida (2012), para o desfecho dos desdobramentos realizados neste tópico do terceiro capítulo, fazem-me compreender porque pessoalmente tenho ,ao longo desses anos, me interessado pelo formato solo e a razão de seu fascínio pela geração atual de dançarinas e dançarinos da dança contemporânea. A evidência se torna ainda mais presente quando sou atravessado, de tempos em tempos, por peças solos que me fazem renovar esse interesse por desestabilizarem as certezas que eu pensava ter sobre esse modo de pensar e fazer dança e, portanto, ele não seria mais capaz de me surpreender.

Também me surpreendo e me esforço para entender que, apesar do descentramento do sujeito, das inúmeras mobilizações de técnicas e modos de construção cênica instaurados na dança, ainda pode ser constatada uma constante tensão das antigas percepções de mundo e dos indivíduos que atravessa nossos fazeres

artísticos e, por vezes, faz com que essa nova dinâmica não se realize em toda sua potência ou sofra insistentes interditos na sua tentativa de se conectar com o público e se inserir nos circuitos de fruição artística. Essas minhas inquietações se tornarão cada vez mais nítidas a partir do próximo capítulo. Porém, antes de abordá-las, atenha-mo-nos a pensar brevemente a respeito da presença do sujeito, observada na declaração de Louppe (2012) acerca do projeto da dança contemporânea, já mencionado nesta pesquisa.