• Nenhum resultado encontrado

Alguns aspectos da ideologia e da dominação da indústria cultural

No documento Dada e o riso (páginas 123-174)

3. O riso dos dadaístas e a indústria cultural

3.2. Alguns aspectos da ideologia e da dominação da indústria cultural

O primeiro aspecto que devemos ressaltar nesta análise sobre a forma de dominação assumida nas sociedades industriais avançadas é que um número crescente de pessoas pôde, graças ao constante domínio do homem sobre a natureza, desfrutar, se compararmos, por exemplo, com a existência de qualquer outra geração do passado, de uma vida muito mais fácil e repleta de comodidades. O segundo elemento importante, estritamente relacionado com o antecedente, que deve ser observado: é que estamos tratando, cada vez mais, de uma sociedade sem oposição, ou seja, de uma circunstância social onde os interesses de poucos são transformados, através, sobretudo, dos meios de comunicação de massa, no interesse de todos os homens de bom senso, paralisando, desse modo, qualquer possibilidade de criticar a dominação imposta pela sociedade industrial.

Se considerarmos esses aspectos, não obstante a sua aparência de racionalidade, tal sociedade, de acordo com a definição elaborada por Herbert Marcuse, mostra-se, no seu todo, irracional (MARCUSE, 1969, p. 14). Ela pode revelar-se, apesar da força pertinente ao seu discurso ideológico, algo extremamente contraditório. Desse modo, a produtividade que, por um lado, gera toda uma enorme gama de riquezas e possibilidades, por outro lado, também destrói o livre desenvolvimento das necessidades humanas. A paz e a estabilidade política de um mundo cada vez mais globalizado são alcançadas somente através da constante ameaça da guerra. Mesmo o seu crescimento econômico dependeria, como podemos notar ao pensarmos na tecnologia empregada na agricultura das regiões mais desenvolvidas, nos subsídios que

protegem tais setores nos países da união européia e nos milhões de pessoas que ainda morrem de fome no continente africano, da repressão das possibilidades de amenizar a luta pela existência. A união da produtividade crescente e da destruição crescente, ou seja, da preservação da miséria face à riqueza sem precedentes, tornou-se uma das principais características do modelo de desenvolvimento adotado pelas mais importantes economias capitalistas. Tal realidade ainda é completada, de acordo com a discussão que iremos desenvolver a seguir, com uma série de produtos da indústria cultural cuja principal característica será um determinado tipo de riso.

Trata-se de uma repressão, além disso, muito diferente daquela que caracterizou outras etapas, menos desenvolvidas tecnicamente, da consolidação da civilização ocidental capitalista. A sociedade contemporânea possui uma capacidade técnica e material muito maior, o que significa também, um maior alcance da dominação da sociedade sobre os indivíduos, por isso mesmo, o seu aspecto eficiente, racional e, ao mesmo tempo, arrasadoramente irracional salientado pelo autor. A nossa sociedade, portanto, garante o seu poder através, não só do terror, mas, sobretudo, pela eficiência esmagadora das novas tecnologias. O progresso técnico passou a ser empregado em todo o sistema de dominação e coordenação. Ele procurou reconciliar, com isso, as forças que se opõe ao sistema, refutando toda a foram de protesto que lutasse por uma outra perspectiva histórica de liberdade e, garantindo, simultaneamente, um padrão de vida de esplendor e luxo para boa parcela da sociedade.

Sentiríamos, por isso mesmo, a terrível confusão gerada pela mistura da confirmação das nossas esperanças em vivermos num mundo de conforto e o temor quanto às decisões dos poderes estabelecidos para garantir a confirmação destes mesmos privilégios usufruídos despreocupadamente. Poderíamos comparar a nossa situação, em determinados aspectos, ao náufrago do romance de Daniel Defoe. Assumiríamos, dessa maneira, a condição de herdeiros de Robson Crusoe, tanto por continuarmos a desenvolver um irrestrito domínio da natureza, como por desprezarmos, de várias maneiras, todos os “selvagens” que não compartilhassem nossas técnicas e os nossos valores morais. Isso tudo com a enorme vantagem de recebermos todas as invenções prontas e distribuídas pelas principais redes de departamentos espalhadas por todas as cidades, até mesmo naqueles continentes mais miseráveis e desiguais (DEFOE, 197-).

Esta situação de total aceitação de grande parte da população não legitimaria nossa sociedade. O predomínio do discurso ideológico da sociedade industrial não a torna mais racional e menos repreensível. O que devemos questionar aqui seria a existência ou ainda a permanência desta distinção entre consciência verdadeira e consciência falsa, pois, tal diferença somente mantém o seu significado se o indivíduo puder desenvolver sua capacidade crítica, de negação, de recusa e de oposição ao estilo de vida hegemônico. Infelizmente, como iremos discutir nos próximos parágrafos, a sociedade estabelecida reprime, justamente através da sua eficiência em entregar uma quantidade cada vez maior de mercadorias avidamente desejadas, este desejo de modificação. A conquista científica da natureza, portanto, seria amplamente utilizada para conquistar também o próprio ser humano e seus mais íntimos desejos.

A dificuldade em se estabelecer uma teoria crítica, de acordo com Marcuse, aconteceria, precisamente, quando temos de nos confrontar com todas essas conquistas alcançadas pela sociedade industrial avançada (MARCUSE, 1969, p.17). Ficamos desprovidos, portanto, de fundamentos lógicos para transcender a dominação do real. A sensação de vazio acabaria ocorrendo porque as categorias da teoria social crítica foram desenvolvidas em uma época histórica que exigiu a recusa e a subversão. Os conceitos críticos foram personificados, além disso, na ação de forças sociais, definindo, com isso, as próprias contradições que marcaram a sociedade européia do século XIX. Sociedade, indivíduo, classe,

família, por exemplo, designavam forças e esferas em conflito, muitas delas, ainda não integradas nas condições estabelecidas. A integração da sociedade industrial, evidentemente, acabou fazendo com que tais categorias fossem perdendo sua característica crítica, tornando- se, em muitos casos, meramente descritivos, ilusórios ou somente termos operacionais.

A sociedade, denominada por Herbert Marcuse, de unidimensional oscilaria, dessa maneira, entre duas hipóteses aparentemente contraditórias. A primeira delas seria a de que tal sociedade poderia evitar uma transformação verdadeiramente qualitativa durante um futuro previsível. A outra seria a de que existiriam certas forças que poderiam destruir esta barreira artificialmente construída, fazendo “explodir” as forças e instintos repressivos desta mesma sociedade.

Procuramos enfatizar, na discussão anterior, o caráter de aparente contradição porque, na verdade, ambas as tendências conviveriam simultaneamente e, até mesmo, de forma complementar nas sociedades industrializadas ocidentais do século XX. A primeira tendência, no entanto, parece ser a predominante, ou seja, qualquer acontecimento ou ação que possa ser utilizado para a sua reversão, estaria sendo revertido, sistematicamente, para a prevenção de qualquer mudança. Nesse sentido, nem os avisos de uma catástrofe nuclear, nem o alerta de um acidente natural global, muito menos o reconhecimento do que estaria sendo feito para a subversão da ordem e nem o reconhecimento dos fatores que impedem um novo comportamento humano, parecem ser suficientes para uma transformação da atual situação de acomodação. O riso, a paródia e a ironia, por isso mesmo, assumiram outras formas, outras características e também outros conteúdos ligados à própria dominação do indivíduo diante de uma época que priorizou a satisfação material como condição essencial para a realização pessoal.

Devemos perceber, além disso, que o aparato técnico de produção não funcionaria na sociedade industrial desenvolvida e automatizada, exatamente como aconteceu em outras etapas do desenvolvimento da Revolução Industrial, como uma simples soma dos instrumentos de produção e distribuição. Podemos dizer, na verdade, que ele se transformou num sistema que determinaria tanto o produto do aparato, como as operações de manutenção e ampliação do domínio social, ou seja, a tecnologia assumiu um caráter totalitário na medida em que passou a ser o elemento preponderante para compreender as oscilações, as habilidades, as atitudes socialmente necessárias e as próprias aspirações individuais. Toda a oposição entre o público e o privado, entre os tipos de necessidades individuais ou sociais são eliminadas. A sociedade unidimensional, através do desenvolvimento de novas tecnologias, instituiu uma série de maneiras agradáveis e eficazes de controle e coesão social.

O autor do livro A ideologia da sociedade industrial questionou inclusive, pelas particularidades totalitárias assumidas pelo pensamento científico na nossa sociedade, a tradicional e consagrada noção de neutralidade da tecnologia. Não poderíamos mais simplesmente isolá-la do uso político que lhe foi conferido pela sociedade, porém, teríamos de compreendê-la como um novo e eficaz sistema de dominação que operaria tanto no conceito, como na elaboração das próprias técnicas constantemente renovadas. O caráter específico desse projeto histórico de repressão das nossas potencialidades poderia ser observado quando notamos o sentido das experiências, das transformações e da organização do conhecimento elaborado, ou seja, a compreensão da sociedade e da natureza passa a ser considerado como mero material para ampliar mais ainda o poder dominante.

Tal projeto moldou, além disso, todo o universo da palavra, da ação, enfim, toda a esfera cultural. Neste ambiente de dominação tecnológica a cultura, a política e a economia estão fundidas em um só sistema que acaba ou contemplando, ou rejeitando, conforme o caso e a necessidade mais urgente, todas as alternativas históricas apresentadas como crítica ao modelo cultural existente. A racionalidade presente nas novas tecnologias torna-se, portanto, respaldo para a existência de um mesmo tipo de racionalidade na política. Os critérios da

economia passaram a ser os mesmo amplamente usados pela política: produtividade, crescimento, metas, estabilidade e dominação.

As novas formas de controle inauguradas pela civilização industrial desenvolvida produziram também uma confortável falta de liberdade que torna a dominação suave, aceitável, razoável e até benquistas como um marco favorável do desenvolvimento tecnológico. A supressão da individualidade pela mecanização de tarefas socialmente importantes e penosas, a concentração dos antigos empreendimentos individuais em organizações burocráticas eficazes, produtivas e centralizadas, a regulamentação da competição entre sujeitos econômicos equipados de forma desigual, a coordenação política e intelectual da sociedade nos mesmos moldes da ordem tecnológica são considerados, não obstante todos os seus possíveis efeitos lamentáveis, que afetaram bilhões de pessoas, como fatos promissores e, principalmente, como únicos procedimentos válidos para garantir a racionalidade exigida.

A crescente libertação das necessidades básicas tornou-se uma possibilidade real para grande parte das pessoas nas sociedades capitalistas desenvolvidas esvaziando, com isso, o conteúdo das antigas liberdades pertencentes a um estágio anterior da sociedade burguesa marcado por uma produtividade mais baixa. A independência de pensamento, a autonomia e o direito a contestação, numa sociedade organizada para atender a uma demanda cada vez maior de consumo, estão perdendo toda a sua função crítica. As pessoas já não consideram tais liberdades como algo realmente importante, também parece não fazer nenhuma diferença que as necessidades sejam atendidas graças a um sistema totalitário de produção, pois, nas condições de um padrão de vida de plena satisfação material, uma atitude crítica passa a ser vista como algo socialmente inútil ou até mesmo nocivo para o bem estar geral, sobretudo, quando ele possa acarretar alguma desvantagem econômica e política que represente uma ameaça ao funcionamento tranqüilo da sociedade.

O ideal do empreendedor livre arquitetado pelo liberalismo clássico não representou, considerando tal perspectiva, uma vantagem para a grande massa de trabalhadores do século XIX, na verdade, a liberdade de trabalhar ou morrer de fome, significava apenas a insegurança para aquela parte da população despojada dos seus meios de produção, por isso, o fato de o indivíduo não ter mais que ser compelido a se demonstrar no mercado de trabalho como um sujeito econômico alienado, poderia ser considerado como uma grande conquista da civilização.

Os novos processos tecnológicos de mecanização e padronização, desencadeados ao longo das várias fases da Revolução Industrial, poderiam, certamente, liberar os indivíduos da estafante labuta nas fábricas, garantindo um tempo livre das preocupações com a sobrevivência diária, poderiam, além disso, garantir o desenvolvimento de potenciais ainda desconhecidos ou obliterados pelo cansaço do trabalho cotidiano. A estrutura da existência humana, com a liberação das imposições do mundo do trabalho explorado, seria profundamente alterada, os proletários ficariam como foi descrito por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista livres das necessidades e das possibilidades do capital, podendo exercer, a partir da tomada de poder e da revolução nas relações de produção, a sua própria autonomia.

O que aconteceu, no entanto, foi justamente o contrário. O desenvolvimento dos aparatos tecnológicos terminou impondo as suas exigências econômicas tanto para a defesa, se necessário, da expansão do tempo de trabalho, quanto ao tempo livre, tolhendo, deste modo, a criatividade dos sujeitos a partir de uma cultura material e intelectual que não possibilitou nenhum tipo de expressão ou vivência que garantisse a construção de uma vida autônoma:

E não me venham, depois, falar de trabalho, quero dizer, do valor moral do trabalho. Sou forçado a aceitar a idéia do trabalho como necessidade material, e nesse aspecto sou mais do que nunca favorável à sua repartição melhor e mais justa. Que as sinistras obrigações da vida mo imponham, vá lá, mas que me peçam para acreditar nele, respeitar o meu ou o dos outros, jamais. Prefiro, de novo, caminhar na noite a me acreditar aquele que caminha no dia. De nada serve estarmos vivos durante o tempo em que trabalhamos. O evento que cada um de nós está no direto de esperar seja a revelação do sentido de sua própria vida, evento esse que talvez ainda não tenha encontrado mas a caminho do qual eu sigo, não virá ao preço do trabalho. (BRETON, 1987, p. 62)

A sociedade industrial contemporânea, segundo a interpretação de Marcuse, tende a tornar-se, assim, totalitária pela própria forma em que esta organizada a sua base tecnológica (MARCUSE, 1969, p. 24-5). Trata-se de uma coordenação técnica e também econômica que opera através da manipulação das necessidades, impedindo, com isso, o surgimento de qualquer oposição eficaz ou que contradissesse os principais interesses econômicos, políticos e culturais da classe dominante. O autor afirmou que a sociedade totalitária, além disso, não se resumiria a uma forma específica de governo ou de partido, como, por exemplo, encontramos nos regimes totalitários organizados no leste europeu após a Segunda Guerra Mundial ou na América Latina a partir da década de sessenta. Ela deveria ser caracterizada, entretanto, como um sistema de produção e distribuição econômica, podendo, por isso mesmo, ser perfeitamente compatível com a ideologia e as práticas de uma sociedade democrática, como no caso dos países da Europa Ocidental e até principalmente dos Estados Unidos da América.

A implantação de necessidades tanto materiais como intelectuais, por estas sociedades totalitárias, que perpetuam formas ultrapassadas da luta pela existência, teria como principal objetivo impedir toda e qualquer forma de libertação do homem deste sistema opressivo de dominação. Devemos considerar, evidentemente, que a intensidade, a satisfação e mesmo o caráter das necessidades humanas, acima das necessidades biológicas, sempre foram condicionados pelo padrão cultural vigente. Neste sentido, o empenho ou o descaso, a satisfação ou o desejo de destruir, a cobiça ou a rejeição de algo depende dele ser ou não desejável e, sobretudo, necessário de acordo com os interesses sociais daquele momento. Temos, portanto, de ressaltar o caráter histórico e cultural das necessidades humanas. Evidencia-se, além disso, a repressão do social sobre o indivíduo, pois, as suas necessidades e a satisfação das mesmas estariam sujeitas aos ditames da cultura predominante.

Muitas vezes falsas necessidades são impostas aos indivíduos, ou seja, o sujeito passa a ser reprimido até o ponto de aceitar pretensas satisfações que atendem, na verdade, a interesses sociais particulares. A perpetuação de um trabalho alienante, a agressividade crescente, a miséria e a injustiça atenderiam aos interesses deste jogo de poder. A felicidade pessoal, pode até ser fomentada pelo prazer desfrutado pelo conforto de uma sociedade de consumo, mas, não é, de forma alguma, uma condição que tem que ser mantida ou protegida como objetivo final desta sociedade. Ela somente seria preservada se atendesse a objetivos muito específicos, ou seja, na condição de coibir todo o desenvolvimento das potencialidades individuais que fossem contrárias aos interesses econômicos dominantes. O resultado mais visível da criação dessas falsas necessidades seria a afirmação de uma sociedade eufórica e neurótica. O riso, como uma forma de manter o impulso consumista, a alegria e a satisfação das massas, passou a ser encarado como uma mercadoria muito valorizada, mais ainda, ele passou a ser constantemente agregado a outras formas e procedimentos para garantir a manutenção e o bom funcionamento do mercado global.

O riso mercadoria, portanto, seria cobiçado proporcionalmente à infelicidade ocasionada pela repressão imposta pela civilização industrial. Existiria uma coação, quase irrestrita e de caráter geral, impondo as aptidões que precisariam ser valorizadas, as formas adequadas de descanso e as distrações imprescindíveis que todo cidadão sensato deveria buscar. Tal coerção, pautada na manipulação e na inversão da realidade, incluiria, evidentemente, a produção em série de certo riso mercadoria. Ele seria um importante elemento na construção ideológica de um discurso de dominação, ou seja, sua atuação tornou- se cada vez mais fundamental para compreendermos como os comportamentos passaram a ser determinados por modelos criados a cada temporada pela indústria cultural.

O aumento no consumo do entretenimento em geral, seguindo os apelos de uma publicidade extremamente agressiva e amplamente divulgada pela indústria cultural, condicionou até mesmo a maneira como todas as pessoas necessariamente deveriam, a partir daquele momento, amar, ou seja, tudo aquilo que se mostrasse semelhante ao padrão estabelecido. Ele também passou a determinar aquilo que deveria ser odiado, ou seja, tudo aquilo que não esteja de acordo com as normas consideradas como ideais para se alcançar determinado status dentro da sociedade de consumo (MARCUSE, 1969, p. 26).

Todas estas necessidades possuiriam tanto um conteúdo, como uma função, determinadas por forças externas de caráter eminentemente social e inteiramente fora do controle dos indivíduos. Ironicamente o sujeito acabou considerando tais necessidades como se fossem os seus próprios anseios, reproduzindo-os e fortalecendo-os pelas próprias condições de sua existência empobrecida. No entanto, apesar desta completa identificação dos indivíduos com tais necessidades, aliás, identidade incentivada pelo próprio sistema de dominação, elas continuaram sendo produtos de uma sociedade extremamente repressiva na manutenção dos seus interesses.

O que prevaleceu na nossa sociedade, como podemos perceber pela discussão anterior, foi uma condição repressiva que mantive a grande massa na ignorância, cobrando, em contrapartida, o preço do desespero e da miséria de outros bilhões de seres humanos. Grande parte da população mundial ainda não conseguiu satisfazer as suas necessidades mais vitais, ou seja, ainda não alcançaram a satisfação dos requisitos básicos imprescindíveis para pensarmos em atender a realização de qualquer tipo de projeto seja ele algo sublimado ou não. Abundância e carência comporiam o cenário deste mundo que utilizou o riso como uma forma não só de aplacar qualquer tipo de contestação a tal situação de degradação das melhores potencialidades do ser humano, como também de transformar a dominação em algo extremamente agradável ou imperceptível para a grande maioria das pessoas.

Este universo de necessidades previamente estabelecidas não foi comumente discutido porque se estabeleceu um consenso acerca dos interesses sociais predominantes. Foram eles que determinaram todos os critérios do pensamento e do comportamento socialmente desejados. Devemos, no entanto, considerar, como salientamos anteriormente, que tais padrões são históricos e elaborados culturalmente. Os julgamentos sobre as necessidades e as suas satisfações envolveriam, dessa maneira, padrões culturais que condicionariam aquilo que seria ou não prioridade em determinado momento. Considere-se, neste sentido, o desenvolvimento dos indivíduos e a própria utilização dos recursos materiais. Não podemos esquecer, apesar do discurso ideológico predominante, de que os termos que definem nossas necessidades foram historicamente construídos, variando, por isso mesmo, segundo uma série de circunstâncias de caráter temporal e também espacial.

Podemos identificar, infelizmente, algumas características que apontam nossa sociedade como uma administração repressiva dos indivíduos. Tal caráter de repressão da sociedade, que se torna, quanto mais racional, produtiva e técnica ela for, total nos nossos

No documento Dada e o riso (páginas 123-174)