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Henri Bergson e a sua interpretação filosófica do riso

No documento Dada e o riso (páginas 72-95)

O sujeito que busca o riso utiliza conscientemente diferentes meios para alcançar determinados fins. Devemos salientar, entretanto, que o riso não constitui, em muitos destes casos, o seu objetivo final. Ele seria, na verdade, apenas uma transição, necessária e complexa, visando algumas finalidades mais imediatas. Quando o indivíduo zomba de alguém, neste sentido, o seu objetivo imediato seria impor uma humilhação ao outro através do riso. As diferentes modalidades de ironia e zombaria procuram atingir alvos que se situam muito além do próprio riso. Tais finalidades acabam revelando, como havíamos destacado nos tópicos anteriores, muito da mentalidade, do comportamento, das atitudes e dos valores dos indivíduos envolvidos na questão.

Não podemos esquecer que o riso abrange realidades extremamente diversas e também contraditórias. Muitas teorias filosóficas esclareceram aspectos variados e complementares desse importante comportamento. Estes diversos risos, portanto, acabaram traduzindo toda uma enorme variedade de sentimentos, idéias e vontades. Pretendemos, neste tópico, apresentar, ainda que de modo sucinto, porém, sempre os relacionado com a nossa própria abordagem acerca do riso desenvolvido pelo Dada, alguns elementos da filosofia do riso elaborada no século XIX. Acreditamos, com isso, que poderemos completar o quadro do seu desenvolvimento histórico e compreender melhor as suas conseqüências sociais. Faremos, neste sentido, uma seleção de determinados conceitos desenvolvidos por alguns dos filósofos significativos do período, mas, sobretudo, trabalharemos utilizando como principal referência às idéias desenvolvidas pelo pensador francês Henri Bergson no seu livro sobre o riso4. Assim, tentaremos, nos parágrafos seguintes, desenvolver algumas das implicações contidas nestas discussões acerca do significado do riso enquanto forma de conhecimento e também de coerção nas interações sociais.

O riso irônico contido no grotesco romântico do século XIX, pensando, por exemplo, num Jean Paul ou mesmo num Baudelaire, seria um meio do poeta vingar-se da sociedade da sua época. O aspecto regenerador do riso carnavalesco medieval, nesta visão romântica de uma derrisão absurda, desapareceu. O que passa a prevalecer, neste angustiante momento, seria certo papel de libertador dos novos temores suscitados pelas mudanças ocorridas a partir das Revoluções Burguesas. Não podemos esquecer, afinal de contas, que a sociedade teve de enfrentar inúmeras transformações econômicas, políticas e sociais provocados pela Revolução Industrial. O mundo ficou diferente e os homens sentem medo diante destas mudanças. O humor irônico seria capaz de livrá-los do medo.

Podemos, deste modo, apontar a existência de uma forte ligação entre o riso diabólico dos românticos e o riso contemporâneo da derrisão generalizada frente a um mundo sem sentido. Restaria somente uma barreira a ser transposta para completar a transição entre estes dois momentos e para que o riso, assim, pudesse se tornar onipresente na vida do homem do século XX. O limite superado pelo artista foi o desaparecimento do próprio diabo. A sua morte, entretanto, também significou uma ameaça para a própria afirmação daquele impulso derrisório e revolucionário do Romantismo, pois, o riso que caracterizaria o nosso tempo, cada vez mais absurdo e eufórico, passou, não mais a ser um promotor do ideal de liberdade, mas, um instrumento a serviço da dominação e do conformismo às regras do mercado. O riso mercadoria estaria presente, a partir desta época, em todas as esferas da sociedade, entretanto, não haveria mais o diabo como elemento de contraposição. Tal desaparecimento teve uma ampla repercussão nas características assumidas pelo riso a partir deste momento, ou seja, o

4Vamos considerar, neste tópico, principalmente o capítulo I “Da comicidade em geral/ A comicidade das formas

seu assassinato impediu que o riso pudesse se ligar, novamente, a insurreição e a crítica dos valores sociais. Desse modo, sua ausência representou, na sociedade da indústria cultural, um perigoso golpe contra as possibilidades humanas.

O riso diabólico necessitava da inteligência para garantir a sua plena eficácia. Os seus motivos cômicos, dessa maneira, aumentaram, consideravelmente, de acordo com o grau de civilização, pretensamente alcançado, pelas sociedades capitalistas da Europa Ocidental. Portanto, quanto mais civilizado o homem se julgava, maior era o seu sentimento de superioridade e, por isso mesmo, mais consciente se tornava do abismo existente entre a sua grandeza e a sua insuperável miséria cotidiana, ou ainda, da separação, cada vez mais evidente, entre as conquistas realizadas num ritmo nunca antes imaginado e a crescente pobreza presente nas ruas das grandes capitais. O choque provocado por tal contraste provocaria o riso amargo do poeta que pode, assim, ironizar toda a ideologia positivista a respeito da evolução e dos progressos alcançados pelo rico europeu civilizado. O grotesco, neste contexto social, passou a ser compreendido como a tomada de consciência das ilusões e enganos que constituiriam esta realidade de aparências, tratava-se, de um buraco, um inconveniente furo no belo cenário construído pelo imperialismo, que revelaria toda a fugacidade e derrisão da sociedade industrial do século XIX.

Quanto à ironia, considerando-a a partir desta visão romântica, poderíamos compreendê-la adequadamente, a partir de então, como uma forma, que adquiriu uma importância cada vez maior, do homem se relacionar com este mundo civilizado. Uma relação marcada, principalmente, pelo reconhecimento daquele abismo intransponível que passou a existir, fomentado, sobretudo, pelo avanço do capitalismo a partir do século XVIII, entre as esferas da cultura e da natureza. O riso dos românticos protegeria o artista contra esta torturante angústia e, ao mesmo tempo, também a expressaria, num misto de alegria e protesto frente ao mundo encarado como uma sucessão de misérias das quais não se poderia jamais escapar. Dessa maneira, tal grotesco promoveu a defesa, como observamos anteriormente nas idéias elaboradas por Victor Hugo a respeito do conceito, da beleza e da fealdade, da alegria e do sofrimento, da esperança e do temor, por isso mesmo, podemos dizer que o riso romântico nasceu da abrupta tomada de consciência de uma realidade grotesca não sendo, neste sentido, um riso puro. O sentimento que predominou, acima de tudo, foi o da cisão do sujeito e a expressão, através da arte, deste sofrimento latente.

Desse modo, observamos que aquele incessante progresso tecnológico, pautado na esperança positivista de uma sociedade que encontrasse, no final deste percurso linear, a tão esperada ordem, destruiu implacavelmente diversas sociedades, na África, na Ásia, na Oceania e nas Américas. A ação colonialista das grandes potências capitalistas destruiu os mitos daqueles povos, denominados de primitivos, transformando as suas crenças em peças de museu, em partes do repertório folclórico e em simples curiosidade turística.

Entretanto, tal ação não exterminou indiscriminadamente somente as matrizes culturais diferentes do modelo capitalista e etnocêntrico, mas, também destruiu algumas importantes noções do cristianismo que passaram a sofrer com os abalos produzidos pelas mudanças sociais e intelectuais vivenciadas pelas sociedades ocidentais a partir das revoluções capitalistas. Assim, tanto as crenças diabólicas como as divinas, por exemplo, também foram impiedosamente dizimadas. Afinal de contas, quando Deus passa a ser dado como morto, logo chega à vez do seu oponente, o diabo e, com o seu fim, surgiu também toda uma geração de jovens artistas niilistas.

Portanto, se o mundo, nesta segunda metade do século XIX, não é mais nem divino e, muito menos ainda, diabólico, todos os seus valores passam, então, a ser questionados, pois, a cada nova descoberta científica temos a revelação de toda a sordidez, mesquinharia e insignificância do homem.

Esta transição do riso romântico, inspirado por certa visão grotesca do mundo, até o insensato e angustiado riso dos dadaístas, pautado no absurdo de uma sociedade que promove a morte de milhões de seres humanos numa guerra sem precedentes, pode ser claramente percebida nas obras de Dostoiévski. No seu romance Os irmãos karamázovi, por exemplo, encontramos personagens que permanecem suspensos, num conflito insolúvel, na desintegração de todas as certezas, entre atitudes sublimes e monstruosas. Antes, porém de continuarmos a descrição das implicações desta transição para uma definição do riso Dada, vamos retomar a discussão do riso, da ironia e do grotesco feita por alguns dos filósofos desse período.

Para Hegel a ironia seria algo totalmente insuportável. Ela não só arruinaria como também acabaria tornando impossível qualquer construção intelectual. Quanto ao grotesco, por estar mais relacionado com a sua própria filosofia dialética, o filósofo alemão parece demonstrar um maior interesse. Ele o definiu como sendo o perpétuo choque entre a tese e a antítese que jamais alcançou a síntese, ficando, desse modo, num perpétuo suspense. Trata-se de um fenômeno, necessariamente, intrigante, nem sempre risível, marcado pela indefinição, pela mistura de contrários, pelo deslocamento de tudo o que havia sido consagrado e, finalmente, pelo completo contraste promovido pela incessante luta entre os elementos contrários (MINOIS, 2003, p. 513).

Sören Kierkegaard, por sua vez, considerou que o humor não poderia ser compreendido nem como algo que nos levaria simplesmente a angústia e, muito menos ainda, como um promotor do desespero humano. Ele permaneceria, no entanto, em estado de indefinição, de incerteza, retrato de algo sempre provisório e, finalmente, constatando o inegável absurdo da nossa precária existência. O homem, para conseguir ultrapassar tal estágio de incertezas, deveria buscar o caminho que o levasse ao conhecimento dos propósitos de Deus. O humor, nesse sentido, poderia ser considerado como um atalho para se alcançar os seus desígnios, ou seja, uma forma de se achegar à verdade absoluta contida nas revelações divinas:

Pois que há compreender e compreender! Aquele que o compreende – não, bem entendido, à maneira da vã ciência – fica desde logo iniciado em todos os segredos da ironia. Porque é com este equívoco que ele tem de se haver. Achar engraçado que um homem ignore de fato uma coisa, é dum cômico bem inferior, e indigno da ironia. Que há de cômico, no fundo, em que muita gente tenha vivido na idéia de que a Terra estava imóvel – quando não sabiam mais? Sem dúvida, nossa época fará por sua vez a mesma figura ao lado duma época mais adiantada em física. A contradição é aqui entre duas épocas diferentes, sem coincidência profunda. Por isso que seu contraste fortuito carece completamente de cômico. Eis contudo, ao contrário, alguém que diz o que é o bem...e por conseqüência o compreendeu. Quando em seguida vai agir, vê-lo cometer o mal...que cômico infinito! O cômico infinito deste outro, comovido até as lágrimas a ponto de com o suor elas lhe caem a cântaros, capaz de ler ou de escutar horas e horas o quadro de renúncia a si mesmo, todo o sublime de uma vida sacrificada à verdade- e que um instante depois, um, dois, três, uma pirueta! Os olhos ainda mal secos, e ei-lo que já se esfalfa, segundo as suas pobres forças, a ajudar ao sucesso da mentira! Ainda o cômico infinito deste discursador, que, com a verdade do acento e do gesto, comovendo-se, comovendo-te, te faz calafrios pela sua pintura da verdade, e desafia todas as forças do mal e do inferno, com um aprumo de atitude, um topete do olhar, uma justeza do passo – perfeitamente admiráveis – e, cômico infinito, que ele possa quase logo, ainda com quase toda a sua atitude, escapulir-se como um covarde ao mais pequeno incidente! O cômico infinito de ver alguém que compreenda toda a verdade, todas as misérias e pequenezas do mundo etc., que as compreenda e seja em seguida incapaz de as reconhecer! Visto que, quase no mesmo instante, esse

mesmo homem correrá a envolver-se nessas mesmas pequenezas e misérias, para delas tirar honras e vaidade, ou seja, reconhecê-las! Oh! Ver alguém que jura ter-se dado conta de como Cristo caminhou sob a aparência humilde dum servo, pobre, desprezado, objeto de escárnio, e, como dizem as Escrituras, sob escarros, e ver esse mesmo homem ocultar-se cuidadosamente nesses lugares do mundo, onde se está tão agradavelmente, aninhar-se no melhor abrigo. Vê-lo fugir com tanto receio como para salvar a sua vida, a sombra da direita ou da esquerda, da menor corrente de ar, vê-lo tão bem-aventurado, tão celestemente feliz, tão radioso – sim, para que nada falte ao quadro, é-o a tal ponto que sua emoção o leva até agradecer a Deus- tão radioso pela estima e pela consideração universais! Quantas vezes não disse comigo, em tais ocasiões: ‘Sócrates! Sócrates! Sócrates! Será possível que este homem se dê conta daquilo de que ele afirma dar-se conta?’ Assim dizia para comigo, desejando até que Sócrates não estivesse enganado. Pois apesar de mim, o cristianismo quase me parece demasiado severo e a minha experiência se recusa ainda a fazer deste homem um tartufo. Decididamente, Sócrates, só tu podes me explicar, fazendo dele um histrião, como um alegre espertalhão. Nem sequer tu ficas chocado, tu aprovas até que eu o sirva com molho cômico – sob reserva de o conseguir. (KIERKEGAARD, 2001, p. 84-85).

Já a teoria do riso de Arthur Schopenhauer pode ser encontrada na sua principal obra intitulada O mundo como vontade e representação. A explicação do riso elaborada pelo filósofo alemão insere-se, na verdade, num projeto muito mais amplo de explicar o mundo como vontade e representação. Para compreender a sua teoria do riso é preciso discorrer, inicialmente, sobre alguns de seus fundamentos filosóficos. Todas as manifestações do mundo, em primeiro lugar, seriam representações. A vontade, em contrapartida, seria a essência da coisa, ou seja, aquilo que estaria além de todas as representações.

Outro ponto importante a ser destacado para o entendimento desta teoria do riso seria que, de acordo com o filósofo, não existiria objeto sem um sujeito. Encontraríamos, assim, duas formas de representações de acordo com sua teoria. Através delas o sujeito poderia apreender o mundo. A primeira seria a representação intuitiva. Ela corresponderia àquela faculdade que chamamos normalmente de entendimento, que compreenderia todas as manifestações do mundo pelas leis da causalidade. Quando o entendimento conhece de modo correto teríamos aquilo que chamamos de realidade, ou seja, a passagem do efeito, no objeto, às suas causas, entretanto, quando isto não acontecesse alcançaríamos somente a aparência desta realidade. Trata-se, dessa maneira, de um conhecimento direto, baseado, sobretudo, na causa e no efeito. Já a segunda forma de representação pela qual o sujeito apreenderia o mundo seria, de acordo com Schopenhauer, a representação abstrata. Esta representação equivaleria àquela faculdade de conhecimento que chamamos de razão. O que ela conhece de modo correto, sempre pelo julgamento abstrato com fundamentos suficientes, chamamos de verdade e quando ela se engana de erro. A razão assumiria como sua função primordial a criação de conceitos para a compreensão do real.

A representação intuitiva, no pensamento de Schopenhauer, teria a primazia sobre o pensamento abstrato. Todo o conhecimento abstrato que não possui uma base concreta mostrar-se-ia pobre e incapaz diante da complexidade da realidade. A criação do conhecimento, dessa maneira, somente poderia acontecer quando concebemos diretamente a coisa e as novas relações e depois transpomos esse conhecimento concreto através da elaboração de conceitos. A razão transformaria em conceito abstrato, simplesmente, aquilo que já era conhecido intuitivamente.

Existiria também uma inadequação do pensamento abstrato em relação a certas atividades humanas, como, por exemplo, no caso da arte. Ele seria, além disso, incapaz de apreender todos os detalhes que a representação intuitiva consegue perceber. Os conceitos,

por melhor elaborados que tenham sido elaborados, jamais se encaixaram, em virtude mesmo dos seus próprios limites e de certa rigidez, as transformações que ocorrem na realidade. O riso seria o resultado da incongruência entre o pensamento abstrato e o pensamento intuitivo, ou seja, o riso pode decorrer quando o objeto se deixa pensar pelo conceito e, no entanto, não tem nenhuma relação com ele, diferenciando-se de tudo o que pode ser pensado através do conceito.

O riso, segundo ele, seria promovido pela descoberta súbita da incongruência entre o real e a sua apreensão. Assim, se o mundo se revelou como se fosse uma realidade incongruente e cruel, teríamos muitas razões para rir. A risada incessante diante do triste espetáculo apresentado pelas nossas próprias misérias. A sensação agradável que sentimos com o riso explica-se pelo fato do riso residir, exatamente, dessa súbita confrontação entre a intuição e o pensamento abstrato que se resolve, finalmente, pela vitória da intuição. Deste modo, se o riso constitui uma característica própria do ser humano seria porque ao animal faltariam a razão e os conceitos mais gerais que formariam, precisamente, a segunda parte do binômio descrito anteriormente. Restaria, assim, somente a intuição, não havendo qualquer possibilidade daquele confronto e da agradável sensação decorrente do embate entre intuição e pensamento abstrato.

Este estado de prazer característico do riso acontece porque sentimos satisfação ao percebermos a incongruência entre o pensado e a realidade:

A causa desse prazer é a vitória da representação intuitiva sobre a abstrata, do entendimento sobre a razão: percebemos que a razão, com seus conceitos abstratos, não é capaz de descer à infinita diversidade e às nuanças do concreto, isto é, da forma de conhecimento primeira. O concreto é o meio do presente, do regozijo e da alegria, e não implica esforço algum. Além disso, o conhecimento intuitivo não é subordinado ao erro e não tem necessidade de comprovantes do exterior; ele se sustenta a sai mesmo. O pensamento abstrato, ao contrário, é o segundo poder do conhecimento; ele necessita de esforços significativos, e seus conceitos se opõem freqüentemente à satisfação de nossos desejos diretos, porque eles são os meios do passado, do futuro e do sério, constituindo veículos de nossos receios e preocupações. (ALBERTI, 2002, p. 175-6).

De qualquer modo, segundo este pensador, haveria somente duas possibilidades de riso. Um que ele chamou de tolo e o outro de riso triste. Os seus contemporâneos teriam escolhido o primeiro tipo de riso. Para se obter um bom riso, entretanto, seria necessário que o ridente fosse um homem plenamente convicto, ou seja, que ele acreditasse fortemente em alguma coisa, posteriormente, o mesmo sujeito constataria, sumariamente, que estivera inteiramente equivocado durante toda a sua vida. O riso amargo, diante de tamanha decepção, nos escapa como um grito de dor. Escorregadio e incontrolável este riso amargurado se instala mesmo quando não o desejamos mais, permanece testemunhando o momento em que vivenciamos uma transformação na realidade que destrói impiedosamente todos os nossos fiapos de esperanças acalentados desde sempre.

Portanto, Schopenhauer, tendo consciência de viver em num mundo que já é humorístico e onde todos riem de qualquer tolice, acusou a sua época de desonrar o termo humor. O riso de seus contemporâneos seria pura idiotia. O verdadeiro riso, aquele próprio do filósofo, seria aquele que constata o absurdo da vida confrontado com a vontade de viver. Trata-se do conflito entre o desejo de continuar vivendo e a própria falta de sentido que justificasse esta existência, algo, enfim, que explicasse às razões dos contínuos sofrimentos impostos ao homem.

O riso, como uma espécie de reflexão sobre a solidão humana em um universo que já não possuía nenhum sentido preestabelecido, estaria, de acordo com a visão de Nietzsche, além do bem e do mal, purificando, deste modo, tudo aquilo que ele tocasse. O ser humano, por sofrer intensamente durante toda a sua miserável existência, precisou inventar o riso. Ele e o pessimismo, portanto, caminhariam, de acordo com a concepção deste filósofo, sempre pela mesma seara. Podemos entender, assim, que o riso aconteceria apenas quando tomamos consciência da nossa inevitável condição de náufragos desesperados. Somente a partir deste momento de lucidez conseguimos, finalmente, suportar melhor a imensidão de todas as intempéries que sobre nós desabam ininterruptamente. Nossa miserável e pretensiosa espécie sobrevive graças à ajuda encontrada no riso.

A humanidade, não obstante o retorno periódico dos proclamadores da finalidade da vida e desses criadores de ídolos sérios, sempre terminaria voltando para a sua eterna comédia. O riso, mesmo quando pensamos neste riso pessimista e elitista, carregaria a sabedoria, faria parte da vida e, por isso mesmo, acabaria sendo fundamental para podermos continuar afirmando o nosso desejo de viver.

Outra importante análise sobre o riso apareceu na obra do filósofo francês Henri

No documento Dada e o riso (páginas 72-95)