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O grotesco

No documento Dada e o riso (páginas 36-44)

A história e o desenvolvimento do método de construção das imagens grotescas originaram-se, como já havíamos salientado no tópico anterior, de um período muito mais antigo. Podemos encontrá-lo, portanto, na mitologia arcaica de diversas sociedades, inclusive, nos mitos dos gregos e dos romanos. O tipo de imagem grotesca abarcava, nos fins da Antigüidade, quase todas as esferas da arte e da literatura. Entretanto, apesar desta fase de eclosão e renovação, o pensamento estético da Antigüidade acabou se desenvolvendo no sentido daquilo que hoje conhecemos como tradição clássica. A imagem grotesca, por isso mesmo, não recebeu nenhuma denominação geral permanente, ou seja, nenhum termo especial foi criado, nenhum sentido preciso lhe foi atribuído e tampouco a teoria lhe conferiu um reconhecimento como categoria artística.

Foi somente no período do Renascimento que o termo “grotesco” apareceu. Inicialmente, ele possuía uma acepção bastante restrita. No final do século XV e início do século XVI, como destacamos anteriormente, escavações feitas em Roma, mais precisamente nos subterrâneos das termas de Tito, revelaram um tipo de pintura ornamental que até então permanecera desconhecida. Esta pintura foi chamada de grottesca, palavra derivada do italiano grotta (gruta). Posteriormente decorações semelhantes foram encontradas em outros lugares da península itálica. O mais importante, no entanto, foi a revelação que a palavra grotesca trouxe, ou seja, a percepção de um riso que possuía uma tonalidade ambígua e baseada principalmente na contradição com a realidade:

Tudo isto é grotesco, no sentido literário e artístico do termo. A palavra aparece, nessa época, com a descoberta, pouco antes de 1500, de antigas decorações complexas no subsolo, as ‘grotas’ da casa Dourada de Nero. Trata-se de uma invenção mediterrânea que dá lugar, desde o início do século XVI, a um estilo pleno de fantasia, bizarrice, evocando o sonho e, às vezes, a loucura. A coisa existia antes da palavra, isto é certo; mas, no século XVI, ela entra no vocabulário e adquire verdadeira autonomia. E, como nada surge por acaso, pode-se dizer que o riso grotesco nasceu da consciência humanista da ambigüidade e da ambivalência do ser. Ela responde ao aparecimento de uma nova sensibilidade: o modo suscitado pelo crescimento brutal dos conhecimentos, que começa a tornar fluido o seguro mundo das aparências (...). (MINOIS, 2003, p. 301-2).

O “novo” motivo ornamental, descoberto ou inventado pelos renascentistas, continha algumas características marcantes que o diferenciou sobremaneira dos demais estilos da época. Características como a proliferação, a dissolução, a exuberância, a invenção e a combinação através de jogos insólitos, tornavam o grotesco algo inteiramente inusitado. As formas vegetais, as formas animais e as humanas, por exemplo, se confundiam, transformando-se, ou moldando-se, numa transformação completa da realidade, de liberação do maravilhoso, da criação do fantástico e de plena liberdade. Assim, podemos dizer que, na criação grotesca, todas as fronteiras usuais são suspensas. Tudo isso sem que haja, como ocorria no caso da estética oficial, qualquer linha restritiva capaz de conter os exercícios de criação feitos com elementos desprezados e fora das normas estabelecidas.

Além disso, o movimento também deixa de representado como formas acabadas, num universo estável, harmonioso e regrado. Ele, pelo contrário, seria interno, exprimindo-se através de uma atitude de questionamento e de não conformismo, ou seja, numa transformação que acarretava sempre duvidar, numa constante metamorfose, no perpétuo refazer-se, na mutação de certas formas em outras aparentemente bizarras, num processo intermitente que abolia as soluções definitivas e a lógica formal. O ornamento grotesco, dessa forma, seria marcado pela leveza, pela liberdade e por um caráter essencialmente risonho. Tal caráter suscitaria um riso que, ampliado pelo aspecto trágico da dúvida carregada de angustias e sofrimentos para aquele que ousa indagar a sua realidade, simbolizaria uma inquietante estranheza frente ao mundo considerado, neste momento crucial de não aceitação, como um território desconhecido, marcado pelo desconforto e pelas incertezas existenciais.

A ampliação dos significados contidos no vocábulo grotesco realizou-se lentamente. Lessing, por exemplo, na segunda metade do século XVIII, contrapõe-se aos representantes do classicismo alemão saindo em defesa do personagem Arlequim. Tal questão, aparentemente restrita ao âmbito das exegeses críticas, era, no entanto, muito mais complexa, pois, encobria um problema de princípio, ou seja, tratava-se de estabelecer, definitivamente, se um elemento que não correspondia ao padrão de beleza e do sublime aceito naquele período, seria admitido, a partir de então, como parte importante no processo de criação artística. Möse também pode ser citado como autor da primeira apologia do grotesco. O mundo grotesco, segundo ele, possuiria uma integridade, com leis estéticas e critérios de perfeição próprios, que o tornaria independente das normas de beleza da estética clássica. Haveria, no grotesco, a tendência de reunir o heterogêneo, de violar as proporções naturais, de assumir sempre o caráter hiperbólico, de produzir o quimérico, de elaborar a presença do caricaturesco e de sublinhar o cômico através da paródia. Devemos citar finalmente, dentro desta nova concepção acerca das principais implicações do grotesco, a figura de Flogel. O grotesco, de acordo com este autor, pode ser definido como sendo tudo aquilo que se aparta sensivelmente das regras estéticas vigentes. Ele deveria conter, nesse sentido, elementos corporais e materiais marcados, sobretudo, pelo exagero das formas.

Teríamos ainda, com a eclosão do movimento Romântico, a elaboração de novos sentidos para o conceito de grotesco. Ele serviria, no contexto do Romantismo, para expressar, não obstante tenha conservado alguns elementos da visão popular e carnavalesca dos séculos precedentes, uma visão de mundo, mais próxima aos ideais da nova classe dominante, individual e subjetiva. O grotesco romântico seria, então, uma reação contra os cânones da época clássica. O indivíduo, consciente de sua total solidão, passou a representar, então, o seu próprio carnaval e também a usar, como uma necessidade constante, máscaras que o protegiam dos olhares da sociedade. A sensação carnavalesca do mundo transpõe-se na forma da linguagem do pensamento filosófico idealista e subjetivo. Entretanto, ela deixa de ser, como acontecia no grotesco da Idade Média, a sensação vivida da unidade e do caráter inesgotável da existência que se renova a partir do riso.

O princípio do riso também acabou sofrendo uma importante transformação nesta fase de predomínio dos ideais românticos. Ele não desapareceu das criações poéticas do século XIX, no entanto, tornou-se evidente que, neste grotesco romântico, existiu uma espécie de atenuação na forma de expressar o riso. Se não houve, por um lado, uma exclusão do riso nas obras denominadas sérias, por outro lado, constatamos uma mudança, nem um pouco sutil, de tom, pois, ele deixou de ser jocoso ou alegre e passou a assumir, principalmente, as cores mais elaboradas do humor, da ironia e do sarcasmo.

Podemos também, principalmente no que se refere ao tratamento dispensado ao terrível nas obras românticas, notar que o caráter regenerador e positivo do riso, presente nas diversas manifestações do grotesco durante a Idade Média e Renascimento, foi reduzido, neste momento, ao mínimo. Na batalha enfrentada pelo artista o resultado, a partir de então, seria, inevitavelmente, a derrota, não existiria mais a possibilidade da regeneração, mas, somente, a lancinante experiência de ser um estrangeiro, um marginal, um boêmio ou um inapto que simplesmente não consegue, ou não deseja, enfrentar a realidade advinda com a Revolução Industrial:

“A degeneração do principio cômico que organiza o grotesco, a perda de sua força regeneradora suscitam novas mudanças que se separam mais profundamente o grotesco da Idade Média e do Renascimento do grotesco romântico. As mudanças mais notáveis ocorrem com relação ao terrível. O universo do grotesco romântico se apresenta geralmente como terrível e alheio ao homem. Tudo o que é costumeiro, banal, habitual, reconhecido por todos, torna-se subitamente insensato, duvidoso, estranho e hostil ao homem. O mundo humano se transforma de repente em um mundo exterior. O costumeiro e tranqüilizador revela o seu aspecto terrível. Tal é a tendência do grotesco romântico(...) a reconciliação com o mundo, quando se realiza ocorre em um plano subjetivo e lírico, às vezes mesmo místico. Ao contrário, o grotesco medieval e renascentista, associado à cultura popular, representa o terrível através dos espantalhos cômicos, isto é, na forma do terrível vencido pelo riso. O terrível adquire sempre um tom de bobagem alegre”. (BAKHTIN, 1999, p.34).

Compreenderemos os contrastes entre os tipos de grotesco analisados até aqui, através de dois elementos que lhe são comuns, mas, que também possuem sentidos muito diferentes em cada situação.

A loucura constituiu a primeira particularidade que nos permite revelar o enfraquecimento daquela força regeneradora do riso no grotesco romântico. Este motivo, seja qual for o contexto histórico a ser analisado, seria característico do grotesco. O louco consegue, afinal, observar o mundo com um olhar diferente, livre dos preconceitos e dos juízos do senso comum. Iremos, dessa maneira, considerar a loucura, principalmente, sob dois pontos de vista. No primeiro, ligado ao grotesco popular, a loucura adquire o alegre caráter de paródia ao espírito oficial. Seria, portanto, uma loucura festiva em franca oposição à gravidade unilateral das autoridades políticas e religiosas. No segundo, relacionado com o

grotesco romântico, ela deixa o seu tom alegre e assume o sombrio e trágico tom do isolamento. Podemos, neste sentido, relacionar a questão da loucura com o motivo da tragédia da marionete. Elemento que pertenceu, exclusivamente, ao ideal de rebelião, empreendido pelos poetas românticos, contra o processo de desumanização promovido pela sociedade capitalista. Trata-se, então, de percebermos a existência de forças sobre humanas (o capital) que convertem os homens em marionetes de potencias desconhecidas, incontroláveis e, muitas vezes, destrutivas.

Devemos considerar, além disso, o motivo da máscara como uma das mais importantes diferenças, basta lembrarmos que manifestações como à paródia, a caricatura e a careta são por ela suscitadas, entre os dois tipos de grotescos que estamos analisando. A máscara traduz a alegria das alternâncias e das encarnações vividas por uma pessoa, ou seja, dos vários papéis sociais que poderiam ser vividos por só um indivíduo. Uma alegria baseada na relatividade, na negação da identidade e do sentido único. Ela seria a expressão das transferências, das metamorfoses, da superação das fronteiras naturais, encarnando, enfim, o princípio do jogo através do ridículo e dos apelidos. A máscara revelaria, portanto, a essência profunda do grotesco.

Vamos tomar como exemplo, para entendermos melhor a função que a máscara pode exercer em diversas sociedades, o nascimento da caricatura. Ele está relacionado diretamente com as lutas religiosas do século XVI e com o desenvolvimento de novas técnicas de impressão que permitiram a difusão de grande número de exemplares volantes. Este gênero do cômico transformou o riso numa arma eficaz contra os dominadores. Quando o artista carrega nos traços ele destrói toda a frágil dignidade dos “retratos” oficiais. Com a caricatura, torna-se bastante claro que seria suficiente pouca coisa para fazermos oscilar para o ridículo uma fisionomia até então nobre e distinta. A máscara da dignidade humana, dessa forma, mostra-se, para aquele observador mais atento, como uma textura muito fina, deixando transparecer um rosto grotesco e ridículo, ninguém, pois, conseguiria permanecer impune do arguto olhar que revela o avesso do homem sério. Importante não esquecermos que este foi um recurso muito utilizado por diversos dadaístas. Basta lembrarmos dos trabalhos realizados por George Grosz, neles, o artista, com grande carga de ironia corrosiva, deixa patente, numa atitude radical, a transformação dos indivíduos em simples mecanismos viventes. Explorados, acomodados e alienados pela arte burguesa.

Portanto, a máscara, no grotesco romântico, também foi arrancada da unidade da visão popular e carnavalesca do mundo, com isso, ela se empobrece e adquire outros significados alheios à sua função original. Ela, ao perder inteiramente seu aspecto regenerador e renovador, acabou enganando, dissimulando e encobrindo, com uma feição muito mais lúgubre, o vazio da nossa era.

Finalmente, devemos listar, nesta relação das diferenças dos papéis assumidos por vários elementos tanto no grotesco medieval e renascentista, como no grotesco do Romantismo, a figura do Diabo. Ele, que na Idade Média era um alegre e ambivalente porta- voz de opiniões não-oficiais, assume, no grotesco romântico, a fisionomia do espanto, da melancolia e da tragédia. O seu riso tornou-se sombrio e maligno durante o século XIX. Dessa forma, o antigo processo de ridicularizar todo e qualquer elemento santificado, ou seja, a inversão realizada nos rituais e a assimilação do riso como uma prática no templo, converteu- se em algo excêntrico, realizado por alguém “original”. Este indivíduo, que pode até estar no interior de algum templo, caminhará, porém, amarguradamente sozinho. Ele tem a desagradável sensação, murmurando queixas em total desolamento, que os seus constantes protestos não provocarão jamais a almejada transformação da sociedade.

Jean Paul, no livro Introdução à Estética, analisou os elementos do grotesco romântico, chamado por ele de humor destrutivo, destacando o seu caráter universal. Tal humor não estaria direcionado contra alguns elementos da realidade, mas, seria a rebelião

contra toda a realidade perfeita e acabada. O humor, neste sentido, passa a ser compreendido como uma maneira de existir, de ver e também de mostrar o mundo, o que não significa compreende-lo como algo necessariamente cômico. Tudo o que fosse perfeito deveria ser aniquilado pelo humor. Ele destaca o radicalismo deste humor destrutivo que transforma o mundo em algo terrível, exterior e injustificável. Uma realidade, enfim, que suscita o medo, o indivíduo não percebe nada estável à sua volta e, por isso, sente que o chão desaparece sob seus pés. A visão pessimista de um mundo considerado como um grande mercado de ilusões. Assim, ele não separa o grotesco do riso, afirmando, inclusive, que sem o princípio do cômico o grotesco não poderia existir. No entanto, na sua teoria o riso mostra-se despido da força regeneradora e renovadora, tornando-se, portanto, sombrio e melancólico (BAKHTIN, 1999, p. 37).

Outros importantes pensadores e escritores também consideraram o grotesco. Hegel, por exemplo, compreendeu o grotesco como uma mescla de zonas heterogêneas da natureza. Ele possuiria, de acordo com o filósofo alemão, dimensões exageradas, multiplicaria os órgãos do corpo e ignoraria, além disso, o papel organizador desempenhado pelo princípio cômico. Por tudo isso, o grotesco não deveria ser considerado como tendo qualquer tipo de ligação com a comicidade de um modo geral. Já Schneegans considerou o grotesco como exagero do que não deve existir, ou seja, como sátira negativa que acabava ultrapassando o verossímil e se transformando em algo fantástico. Também Victor Hugo o definiu como um meio de contraste para a exaltação do sublime.

Aliás, Hugo, no seu livro sobre o grotesco e o sublime (HUGO, 1988), elaborou uma teoria acerca do grotesco partindo, na verdade, de uma outra teoria: a teoria das três idades, ou seja, as três grandes ordens de coisas sucessivas na civilização. O gênero humano, exatamente como o indivíduo, cresce, desenvolve-se e amadurece passando por três grandes idades que ele denominou de tempos primitivos, tempos antigos e tempos modernos.

Como a poesia se sobrepõe sempre a sociedade, o autor procurou desvendar, de acordo com a forma poética, o seu caráter social. A cada uma destas épocas vividas pela civilização, teríamos uma idade poética correspondente. Dessa maneira, seguindo a cronologia proposta pelo poeta, nos tempos primitivos o lirismo seria a forma predominante, já nos tempos antigos teríamos a epopéia e, finalmente, nos tempos modernos o drama. A ode viveria do ideal e poderia ser comparada a um lago tranqüilo; a epopéia dependeria do grandioso e poderia ser vista como um rio que dele provém até lançar-se no oceano do drama que precisaria do real para sua execução. Esta tripla poesia possuiria três grandes fontes que seriam a Bíblia, Homero e Shakespeare. Também é interessante observarmos como Victor Hugo ilustra as três idades da poesia a partir de três momentos cruciais do dia: o nascer do sol é um hino, o seu meio dia uma brilhante epopéia e o seu declínio um sombrio drama em que lutam o dia/vida e a noite/morte numa indefinição repleta de beleza.

O traço característico, de acordo com tal perspectiva romântica, a principal diferença que separa a literatura romântica e moderna da literatura clássica e antiga seria, justamente, o grotesco. Um princípio estranho para a Antigüidade, um tipo novo que foi introduzido na poesia e que modifica todo o seu ser, desenvolvendo uma nova forma de arte. O “gênio moderno”, tão complexo, variado nas suas formas e inesgotável nas suas criações, nasceria da união entre o tipo grotesco e o tipo sublime. O grotesco, neste sentido, só poderia ser compreendido como o reverso do sublime, trata-se de um meio, que passa necessariamente pelo incompleto, para se alcançar o estado de harmonia, em outras palavras, afirma-se que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o incompleto junto ao harmonioso, o bem perto do mal e a sombra perto da luz.

Contrariamente ao que acontecia na Antigüidade, quando passava quase despercebido no grande conjunto épico, o grotesco, no pensamento dos Modernos/Românticos, desempenhou um imenso papel. Ele estaria disseminado por toda à parte criando, por um

lado, o disforme e o horrível e, por outro lado, o cômico e o bufo. Através do grotesco também poderíamos, segundo Hugo, nos elevar para o belo com uma percepção mais fresca. O contato com o disforme, dessa maneira, funcionaria como um termo de comparação e um ponto de partida, oferecendo ao sublime moderno, justamente pelo contraste da sua forma, alguma coisa de mais puro e de maior do que jamais poderia alcançar o belo antigo.

A poesia do nosso tempo é, pois, o drama, o caráter do drama é o real e o real apenas pode ser compreendido como o resultado da combinação entre o grotesco e o sublime, pois, Hugo define a verdadeira poesia na harmonia dos contrários. Estes elementos se combinam no drama, assim como se cruzam na vida e na criação:

Com efeito, na poesia nova, enquanto o sublime representava a alma tal qual ela é, purificada pela moral cristã, ele representará o papel da besta humana. (...) O belo tem somente um tipo; o feio tem mil. É que o belo, para falar humanamente, não é senão a forma considerada na sua mais absoluta assimetria, na sua mais intima harmonia com nossa organização. O que chamamos feio, ao contrário, é um pormenor de um grande conjunto que nos escapa, e que se harmoniza, não com o homem, mas com toda a criação. É por isso que ele nos apresenta, sem cessar, aspectos novos, mas incompletos. (HUGO, 1988, p. 33).

O grotesco seria, pois, além do “germe da comédia recolhida pela musa moderna”, uma das supremas belezas do drama. Os poetas modernos, além disso, ao meditarem sobre a existência, de ressaltarem sua pungente ironia, de lançarem sarcasmo e de zombarem sobre as enfermidades sociais do seu tempo, tornaram-se, afinal, apesar de todo o riso suscitado, homens marcados, profundamente, pela tristeza.

Teríamos ainda, na intenção de elaborar um contraponto nesta discussão sobre o grotesco romântico e modernista, que abordar a importante discussão acerca das características fundamentais da imagem grotesca, tanto na pintura como na poesia, considerada por Wolfgang Kayser. Sua definição do grotesco contém uma forte tonalidade lúgubre, de imagens terríveis e espantosas. A elaboração conceitual proposta por Kayser mostrou-se alheia a toda a evolução histórica do grotesco até o Romantismo (KAYSER, 2003).

O grotesco da Idade Média e do Renascimento, de acordo com a tese elaborada por Bakhtin, estaria impregnado da visão carnavalesca do mundo. Uma das suas funções seria libertar a realidade de tudo o que existe de terrível e atemorizante, tornando, assim, a vida muito mais inofensiva, alegre e luminosa. Todos os fantasmas que normalmente habitam o cotidiano, portanto, transformam-se em “simples” figuras cômicas. A liberdade, propiciada pelo riso carnavalesco compreendido como vencedor da seriedade unilateral da realidade cotidiana, caracterizaria, enquanto encarnação de um gênero de vida que propõe uma verdadeira alternativa subversiva, este grotesco ligado, sobretudo, à cultura popular.

Wolfgang Kayser, em total contraste com essa visão de superação da dominação do medo através do riso, percebe que o nosso mundo converteu-se, repentinamente, no mundo

No documento Dada e o riso (páginas 36-44)