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Técnica, ideologia e dominação

No documento Dada e o riso (páginas 174-185)

3. O riso dos dadaístas e a indústria cultural

3.3. Técnica, ideologia e dominação

A atual racionalização técnica deveria ser considerada, de acordo com a visão de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer no livro Dialética do esclarecimento, como a racionalidade da própria dominação:

Os remadores que não podem se falar estão atrelados a um compasso, assim como o trabalhador moderno na fábrica, no cinema e no coletivo. São as condições concretas do trabalho na sociedade que forçam o conformismo e

não as influências conscientes, as quais por acréscimo embruteceriam e afastariam da verdade os homens oprimidos. A impotência dos trabalhadores não é mero pretexto dos dominantes, mas a conseqüência lógica da sociedade industrial, na qual o fado antigo acabou por se transformar no esforço de a ele escapar. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 47).

Ela representaria o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre o restante da sociedade. As necessidades passaram a ser controladas e tudo o que fugia ao padrão foi recalcado pelo poder central ou pela consciência individual. O zeloso cidadão George F. Babbitt, personagem do romance de Sinclair Lewis, teve, de um modo bastante ilustrativo, sua vida inteiramente pautada por tais imperativos (LEWIS, 2002). Não existiria mais confiança nas suas atitudes e também não haveria mais interesse ou perspectivas para novas aventuras. Ele não conseguiria mais se esquivar da realidade e da opressão. Não parecia haver meios de fugir do emprego fastigioso, da família detestável, dos falsos amigos e nem de si mesmo. A rotina afastava qualquer idéia de liberdade ou heroísmo.

Toda a arquitetura criada por Lewis no seu romance reforça a idéia de que a indústria cultural confere a todos os aspectos da sociedade um ar de semelhança. Portanto, a cidade de Babbitt, Zenith, com seus prédios de aço, cimento e pedra calcária, que pareciam torres sólidas “como um rochedo e delicadas como varinhas de prata”, ou ainda, as casas novas que resplandeciam nas colinas mais distantes como “ninhos de riso e de sossego”, poderia ser confundida com qualquer outra cidade capitalista desenvolvida. Os seus monumentos tornam- se caricaturas arquitetônicas e não propriamente o estilo de uma época.

O amanhecer dos habitantes nestes cenários urbanos do início do século XX não possuiria nenhuma possibilidade romântica. Todos moldavam suas vidas por um padrão de felicidade artificialmente fomentado. Eles consideravam as suas insípidas experiências como marcos de uma nova etapa na história do município. Zenith poderia ser considerada sob a perspectiva pragmática de sua associação comercial como uma próspera cidade que se preparava para novos desafios.

A mais alta e moderna torre espelhada da cidade podia ser vista de qualquer ponto e passou a ser a única referência para indicar endereços e caminhos aos visitantes. Não diziam mais que tal loja era perto do açougue do senhor D. duas ruas à esquerda da tradicional padaria, mas de modo altivo, informavam que ela ficava duas ruas depois daquele prédio azul e espelhado à direita daquele outro prédio em estilo clássico. Os cidadãos de Zenith deveriam, portanto, apontar somente para uma direção. Deveriam preparar-se para o desenvolvimento incessante daquela comunidade com a certeza de que somente existiria uma possibilidade viável para o progresso e a felicidade geral da comunidade.

O sonho perseguido pelos burgueses de Zenith somente poderia se realizar com a construção de todos aqueles edifícios semelhantes que passaram a constituir a paisagem de prosperidade alcançada pelo esforço e pela especulação dos sagazes empreendedores capitalistas. A série de prédios monumentais transformou o “decadente” centro da cidade em uma excelente oportunidade de investimento. Trata-se, por um lado, de um processo de urbanização típico da sociedade capitalista, por outro lado, percebemos a formação de um embrião que gradualmente destruiria, em nome da funcionalidade e do futuro, a história e a memória do município. O centro modernizado da progressista metrópole, dentro em breve, seria uma cópia do padrão arquitetônico de outras cidades da região e uma miniatura perfeita dos modelos desenvolvidos em outras capitais do país e do mundo. Todas as casas antigas cederiam lugar a uma nova arquitetura em harmonia com a ideologia da sociedade capitalista. Concreto, prédios, asfalto, avenidas e carros foram elevados à condição de sinais exteriores do progresso almejado. A dinâmica Zenith, totalmente semelhante a outras cidades não só do

país como também do mundo, ficaria inteiramente descaracterizada, conformando-se, portanto, à própria lógica predominante nas diversas relações sociais.

Outros projetos urbanos, posteriormente, alcançariam os chamados bairros populares. O trabalhador ficaria livre da velha casa, do quintal, da conversa com a vizinhança, das árvores, do portão aberto durante o dia, das cadeiras na calçada, do jardim com roseiras... Ele também poderia aproveitar os benefícios de um espaço vertical e arrojado. Minúsculos apartamentos higiênicos garantiriam muito mais qualidade de vida ao indivíduo e fabulosos lucros aos capitalistas, além, de sujeitar o trabalhador, ainda mais, ao domínio e aos interesses da burguesia. O discurso ideológico existente na sociedade realizou-se até mesmo na arquitetura dos centros urbanos.

Todo o indivíduo, para ser considerado um cidadão verdadeiramente honesto, ou seja, para tornar-se socialmente aceito pela nova classe média citadina, deveria compartilhar, necessariamente, todos os ideais da sua época. Ele estaria, além disto, inteiramente submetido ao fascínio dessa nova vida propagada pela indústria cultural. O indivíduo, satisfeito pelas comodidades materiais e também pela promessa de muito mais liberdade, desfrutava, com isso, tranqüilamente o status “duramente” conquistado.

O seu riso, neste contexto, transformou-se na afirmação da sua felicidade e também em uma maneira de não levantar suspeitas sobre qualquer possível sentimento de frustração ou infelicidade diante de sua existência medíocre. O orgulhoso indivíduo da sociedade unidimensional poderia desafiar o futuro e comparar todos os seus êxitos com o modesto passado vivido por seus antepassados. A sua família não poderia imaginar que um dia ele alcançasse tamanho êxito material, por isso mesmo, a necessidade da criação de alguns símbolos que evidenciassem os seus triunfos, seu poder e a sua estabilidade: o carro que deveria ser o equivalente a um brasão real, aquele apartamento tornar-se-ia como um despojo da sua mais nobre conquista, uma superabundante profusão de quinquilharias precisaria ser ostentada diante de qualquer incrédulo que ousasse desconfiar de sua segurança material e uma família deveria ser formada como complemento natural e prova definitiva do seu sucesso econômico.

Ele poderia observar, assim, da sacada do seu apartamento, ótima localização, próximo ao centro, estilo colonial, com duas vagas na garagem e no terceiro andar, a violência da grande cidade desenrolar-se lá embaixo, com uma expressão de alívio e tranqüilidade. Poderia suspirar e rir na certeza de que ela nunca conseguiria alcançar tais alturas ou ameaçar sua cômoda displicência matinal.

Todos os planos do indivíduo, prisioneiro do excesso de conforto criado pela sociedade industrializada, reproduziriam os mesmos valores consagrados pela sociedade unidimensional. Num futuro próximo, quando prosperasse mais nos negócios, ele poderia, de acordo com a ideologia imposta através da indústria cultural, adquirir uma bela e confortável casa no subúrbio. Quem sabe num condomínio cercado por toda a segurança? Nesse bucólico recanto da classe média metade de todas as casas possuía um quarto de dormir igual ao seu. A decoração, os móveis, a cor das paredes e os inúmeros eletrodomésticos mostrariam que nunca alguém chegaria a amar, a sofrer ou a viver realmente naqueles aposentos impessoais. Todas elas seriam insuportavelmente perfeitas, uniformes e funcionais, entretanto, nunca constituiriam um lar. Seu único defeito seria, portanto, a completa impessoalidade. Viveria-se ali como se fosse num maravilhoso quarto de hotel. O proprietário um hóspede exigente e permanente. Despida de qualquer singularidade a residência acomodaria, portanto, o hóspede/morador como se ele estivesse passando somente uma noite antes de partir e nunca mais voltar. A sua excelente casa não mostrava, aliás, como todas as demais residências perfeitas e funcionais dos seus simpáticos e prestativos vizinhos, nenhum traço da sua individualidade, mas, pode ser observada como um retrato perfeito da sua condição de completa submissão aos valores estabelecidos (LEWIS, 2002, p. 22).

Todas as manhãs, na terra prometida alcançada pela burguesia puritana, milhares de pessoas seriam enviadas para o centro urbano de Zenith como produtores e consumidores. Eles buscariam trabalho e diversão, receberiam o seu maná ideológico e não esboçariam nenhum tipo de protesto. Inúmeros prédios, uma profusão de carros transitando pelas ruas, multidão, turbilhão de pessoas, informações e mercadorias substituiriam vantajosamente os bezerros de ouro. O cenário onde as existências medíocres encontrariam refúgio contaria ainda com o riso mercadoria preenchendo um importante papel na construção de um discurso de dominação política e econômica. A grande concentração de pessoas imporia uma produção em série, uma disseminação de bens padronizados para satisfazer necessidades, cada vez mais, semelhantes. Estabeleceria-se, a partir de então, um contraste entre toda aquela arquitetura para gigantes e a mesquinhez da vida sem realizações que o indivíduo unidimensional levaria entediando-se diariamente nos escritórios, no comércio ou nas indústrias.

A falta de perspectivas históricas acabaria provocando uma enorme e indecifrável sensação de angústia. O sujeito observaria, com um triste e vago olhar, a sua vida se esvair lentamente, improdutivamente. Ele se arrastaria durante décadas sem criar nada verdadeiramente seu. Uma multidão de pessoas entediadas suportaria o trabalho como um interminável castigo divino. O trabalhador, entretanto, deveria aceitar, como bom chefe de família e cidadão cumpridor dos seus deveres, toda a exploração sem esboçar nenhuma reclamação demasiadamente ríspida. A manutenção deste sorriso constante, apesar das inúmeras adversidades, somente poderia acontecer graças ao suprimento constante e barato do riso mercadoria.

O sujeito alienado não deveria mostrar sua condição de infelicidade crônica. Tal “anormalidade” foi reprimida pela indústria cultural. Ela desenvolveu, por isso mesmo, um calendário que transformou todas as festividades em uma necessidade rotineira e controlada por uma série de interesses políticos e econômicos. Desse modo, o indivíduo, cercado por todas as mercadorias da indústria cultural e submetido ao rígido controle dos seus mínimos atos, parecia muito mais um derrotado, que sucumbiu e encontrou alívio na sua própria queda, do que um participante ativo em um cortejo dionisíaco. O seu riso, definitivamente, não apresentou aquele inconfundível brilho do mais completo triunfo sobre as regras e sobre o poder da sociedade.

A rotina terminou predominando em todos os aspectos da sua vida. O indivíduo unidimensional, representado aqui pelo ilustre personagem George F. Babbitt, iniciou o sagrado ritual que representava todos os dias antes de começar a trabalhar, visando garantir a sua tranqüilidade emocional. Beber uma quantidade razoável de café para conseguir ficar acordado e ler os jornais que assinava. Assinando três diferentes periódicos ele garantia a agradável sensação de ser um cidadão informado sobre os problemas de sua época. Todavia, o diário de circulação nacional de postura conservadora, a gazeta voltada apenas para as questões econômicas e o semanário da cidade que, basicamente, continha os fatos policiais, a cobertura esportiva dos times locais, as notícias da política local e os acontecimentos sociais de Zenith, reproduziam sempre o mesmo discurso, reforçando a mesma visão de mundo, construindo, assim, uma interpretação do real que jamais considerava as suas contradições e os seus conflitos. Cada artigo que Babbitt devorava como se fossem verdades absolutas, reforçava ainda mais o discurso dominante, nele, qualquer tentativa de contestar o discurso hegemônico passa a ser considerada como algo perigoso e despropositado, uma ameaça, portanto, que poderia desestabilizar a ordem econômica e social.

O pensamento crítico, neste sentido, passou a ser considerado como um elemento nocivo e perigoso. Ele deveria, para que o indivíduo pudesse manter o seu inabalável otimismo sobre os benefícios criados pela sociedade unidimensional, ser totalmente suprimido da vida social. As manifestações dadaístas, por isso mesmo, soariam como notas dissonantes

no idílico concerto orquestrado pelo desenvolvimento tecnológico do mundo capitalista do século XX.

Os sujeitos, confrontando a realidade tecnológica das sociedades capitalistas industrializadas, foram transformados em simples instrumentos de produção. Poderíamos dizer que seria um tipo de modificação, como foi abordado no tópico anterior, que fazia parte de um projeto histórico específico de dominação e manipulação. Este mundo, portanto, seria o resultado de uma escolha que determinou a nossa maneira de compreender, de organizar e de transformar a natureza e a sociedade. A escolha de certo padrão cultural definiria de antemão o âmbito das nossas possibilidades e de nossas limitações. O riso mercadoria colaborou para, desse modo, tornar incompatíveis outras alternativas ao pensamento unidimensional. As instituições, que representavam a racionalidade estabelecida, adquiriram, ao conter as potencialidades que ameaçam a ordem social, um caráter, paradoxalmente, irracional.

Possuímos valor, na sociedade unidimensional, apenas quando somos considerados, não importa em que fase da vida tal julgamento ocorra, seres produtivos. Este discurso ideológico, parte essencial da racionalidade do aparato social estabelecido e requisito para o seu funcionamento perfeito, busca, além disso, nos convencer de que a destruição da natureza seria o preço para o progresso, de que o sofrimento seria a contrapartida da felicidade, de que a renúncia traria satisfação, de que a labuta poderia ser vista sob a perspectiva do lazer, que os negócios não poderiam sofrer nenhum tipo de contratempo e, principalmente, de que toda a alternativa que contrariasse esta visão pragmática só poderia ser classificada como utopia ou simples delírio de pessoas alienadas.

O que tal ideologia não poderia revelar, porque se o fizesse revelaria a contradição fundamental desta sociedade, seria o fato de que a técnica conquistou o seu poder sobre a sociedade pelo domínio dos mais fortes economicamente. A exploração do homem pelo homem e do homem sobre a natureza passou a ser, cada vez mais, científica e racional. Tal racionalização envolveria uma administração científica, divisão social do trabalho, aumento constante da produtividade, emprego de novas tecnologias e empreendimentos que transformaram não somente o mundo econômico, como também o político e o cultural. O resultado deste processo foi uma contínua elevação do padrão de vida de parcelas importantes da população e, ao mesmo tempo, a criação de um modelo de comportamento que justificava, por si mesmo, toda a opressão inerente ao sistema. Portanto, toda a necessidade que pudesse escapar ao esquema previsto passou a ser recalcada individualmente.

A indústria cultural sempre prevê, para que ninguém possa escapar do seu poder repressivo, algum produto que satisfaça a necessidade de cada indivíduo: “Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 117). Pretensas distinções foram amplamente difundidas para que tivéssemos a ilusão da concorrência e, sobretudo, da possibilidade de escolhermos os produtos da nossa preferência. O público atacado pelos artistas dadaístas no início do século XX já vivia a fascinação pelos frutos da nova tecnologia desenvolvida pela segunda Revolução Industrial. O riso tornou-se, neste sentido, um produto amplamente difundido através dos novos meios tecnológicos disponibilizados. Transformou-se, como já havíamos ressaltado anteriormente, num fator importante na construção da ideologia dominante.

Como também salientamos em outros parágrafos podemos afirmar que a indústria cultural, como primeiro serviço oferecido ao seu cliente, classificou, antecipadamente, todos os aspectos da vida social. Em virtude da sua própria constituição objetiva ela tolheu completamente qualquer pensamento espontâneo do sujeito. A opinião do indivíduo passou a se formar, assim, através dos jornais, dos meios de comunicação de massa e da tecnologia que determinaria o ritmo econômico da sociedade capitalista. A imaginação do indivíduo massificado terminou por se atrofiar completamente. Mesmo assim, todas as outras pessoas

consideram o indivíduo massificado como um sujeito culto, informado e bastante razoável nas suas opiniões. Todos foram constrangidos, afinal, a utilizar o mesmo discurso que, oferecido através de diversos meios tecnológicos pela indústria cultural, acabou por se impor como uma verdade inquestionável.

O conformismo, apesar de uma constante inquietação e de um vago descontentamento individual com a vida controlada pela administração total, terminou por consagrar-se como aspecto predominante nas sociedades industriais. O pensamento foi padronizado e o indivíduo sente-se até mesmo constrangido por reclamar tanto da confortável vida que pode desfrutar como prêmio pelo seu bom comportamento. Envergonha-se por estar sempre descontente quando deveria sentir orgulho por pertencer ao grupo dos privilegiados que acorda e adormece rodeado pelas facilidades proporcionadas por mecanismos tão perfeitos na sua funcionalidade racional.

O consumo da arte mercadoria não pode admitir a insatisfação toldando, por um instante que seja a sua perfeita felicidade. Tal consumo direto ou relacionado com quaisquer outras mercadorias afetou diretamente a imaginação. Ela não teria mais forças suficientes para resistir ao ataque da alegria artificial. A inteligência, conseqüentemente, sofreu um processo de atrofia semelhante. A opinião passou a ser criada pelos jornais, a memória sucumbiu diante da avalanche dos produtos da indústria cultural que, devido a sua própria constituição, paralisavam a capacidade crítica e a espontaneidade dos indivíduos. O público, criado a partir do processo de constituição de um mercado cultural ampliado e tendo sua existência pautada por tais imperativos, acabou sendo eleito como alvo preferencial dos ataques efetivados pelo riso dos dadaístas.

Os produtos da indústria cultural, além disso, impuseram-se de forma violenta. O gigantesco mecanismo econômico instalou-se, de tal forma, que até os mais distraídos foram induzidos ao consumo ininterrupto. A indústria cultural transformou, por isso mesmo, o lazer em algo, cada vez mais, semelhante ao trabalho. O indivíduo passou a orientar o seu tempo de lazer pelos mesmos critérios utilizados no tempo da produção. Todos os setores da produção espiritual foram congregados, desse modo, para ocupar os sentidos dos homens durante todas as horas do dia.

O proletário que precisava lutar incessantemente contra as necessidades mais prementes da vida diária ficou extremamente contente quando conseguiu, finalmente, usar o período que não passava mais junto à máquina como simples passatempo ou distração dos problemas cotidianos. Ele tinha, evidentemente, vários motivos para se alegrar com tal mudança Não podemos esquecer que a “arte séria” sempre ficou restrita a poucos iniciados. Aquele que nunca teve acesso à arte séria encarava tal seriedade com escárnio e desprezo. A arte leve caminhou, dessa forma, lado a lado com a arte autônoma.

Desse modo, a multidão, mesmo no seu tempo dedicado ao lazer, começou a se orientar também pelo ritmo da produção industrial. A indústria cultural aproximou e igualou o lazer ao trabalho, ou seja, o descanso passou a se assemelhar cada vez mais ao trabalho. Ninguém conseguia tempo para repousar e refletir criticamente sobre o seu tempo, a sua existência e a sua realidade social. O movimento incessante transformou-se numa regra e até os mais distraídos não deixavam de consumir algo nesta corrida frenética para garantir um estoque sempre maior de novas mercadorias. Cada um dos seus produtos culturais tornou-se um modelo da gigantesca máquina econômica que não poderia jamais parar de oferecer o retorno esperado pelo capitalista.

Novos efeitos estilísticos foram buscados permanentemente pela indústria cultural. Eles permaneceram, no entanto, ligados ao velho esquema da tradição e ao poder da classe dominante. Não existiria, mesmo quando considerarmos as rupturas promovidas por uma vanguarda como o Futurismo, a possibilidade de fuga da lógica de dominação. As novidades promovidas pela indústria cultural, todas elas, não importa a seu caráter aparentemente

revolucionário, estariam marcadas pelos traços do jargão e se curvariam ao crivo da aprovação geral.

O primeiro olhar de um crítico ligado a tal lógica de perpetuação das hierarquias sociais dominantes decide, por exemplo, se aquele produto está suficientemente adaptado ao padrão aceito como normal. A indústria cultural colocou a imitação como algo absoluto, reduzindo, ao mesmo tempo, qualquer bem cultural ao puro estilo e a convenção socialmente aceita. Tal procedimento revelaria, como argumentaram Adorno e Horkheimer, o segredo contido em toda a produção da indústria cultural: a obediência à hierarquia social.

No documento Dada e o riso (páginas 174-185)