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Paródia, sátira e ironia

No documento Dada e o riso (páginas 105-115)

2. Dada, o riso e a paródia

2.2. Paródia, sátira e ironia

Devemos, agora, para continuar o desenvolvimento da nossa discussão acerca da paródia, traçar uma distinção entre a paródia satírica e a paródia irônica. A primeira buscaria violentar o original apontando os seus defeitos, revelando suas afetações ocultas, enfatizando suas fraquezas e diminuindo suas forças. Seria importante enfatizarmos, no entanto, que a paródia satírica não estaria restrita ao âmbito da sátira, ou seja, ela não se esgotaria como uma de suas modalidades. Criou-se, na verdade, uma espécie de interação e equilíbrio entre os seus vários elementos. O termo satírico, por um lado, supriria a paródia com o poder corrosivo necessário, a paródia, em contrapartida, ofereceria o elemento caótico essencial para a sátira, pois, ela não iria, normalmente, além da oposição de uma ordem em relação à outra, a paródia, em contrapartida, poderia, sem maiores dificuldades, opor à ordem a anarquia. A paródia satírica, além disso, poderia, graças à interação entre estes elementos, ter um alvo não

literário. Quanto à outra observamos que diferentemente da paródia satírica, que buscou ferir o original, deslocando-o e exacerbando-o, ela poderia até mesmo, o que acontece freqüentemente, homenageá-lo. A paródia irônica seria puramente formal, não privilegiando, como aconteceu com a paródia satírica, determinada intenção de caráter moral ou social, mas, prendendo-se, por definição, a uma determinada obra de arte original (FIKER, 2000, p. 103).

A ironia deveria ser considerada, portanto, como um traço fundamental para o funcionamento tanto da paródia como da sátira. Não deveríamos esquecer, entretanto, que isso não aconteceria exatamente do mesmo modo nos dois casos. Ela possuiria, além de estabelecer um contraste semântico entre o que seria afirmado e aquilo que seria significado, um outro papel interessante para o nosso debate, pois, a ironia teria uma função de julgamento. Tratar-se-ia da realização, freqüentemente de modo pejorativo, de uma criteriosa avaliação da nossa existência através de um olhar que revelaria algo diferente daquilo que enxergamos habitualmente como sendo a normalidade. O seu exercício de julgar implicaria, enquanto crítica irônica da realidade, uma multiplicação de elogios visando, muitas vezes, ocultar uma latente e escarnecedora censura. Finalmente, ainda encontraríamos, nesta dissimulação feita pela ironia, uma divisão de sentidos e também um questionamento do objeto escarnecido.

O caráter de duplicidade textual contido na paródia buscou assinalar, como notamos até agora, sobretudo, a diferença. A ironia também poderia ser definida, até mesmo semanticamente, como uma forma de marcar as diferenças de sentido. No entanto, enquanto pensamos a ironia trabalhando de forma mais pontual, ou seja, como um acontecimento relacionado diretamente a alguém ou a alguma coisa especifica, a paródia, em contrapartida, atuaria de um modo mais geral e raramente possuiria tal limitação avaliadora ou intencional como no caso da ironia.

A paródia poderia, enquanto subgênero do cômico, tornar o seu modelo até mesmo caricato, porém, existiria, concomitantemente, uma função conservadora que também seria realizada através do ridículo. Ela não se limitaria, portanto, a simplesmente assinalar o ridículo do seu objeto, mas, destacaria os pontos de maior cumplicidade e acordo existentes com o termo parodiado. Afinal, o prefixo para significa, como vimos anteriormente, tanto oposição, como “ao longo de”, o que permitiria um alargamento na compreensão do próprio âmbito e também no entendimento acerca das conseqüências da paródia sobre a realidade parodiada.

Poderemos também, considerando, evidentemente, esta prévia distinção e examinando a utilização comum da ironia como estratégia retórica privilegiada, estabelecer melhor as diferenças entre a paródia e a sátira. A paródia, neste sentido, nem sempre poderia ser vista como satírica, por outro lado, a sátira, muitas vezes, utilizou a paródia como uma arma para ridicularizar e corrigir os erros da humanidade. Vemos, com isso, que a confusão entre os gêneros da paródia e da sátira se estabelece, freqüentemente, por ambas se servirem, retoricamente, da ironia.

O objetivo e a própria identidade da sátira deveriam ser entendidos, portanto, como essencialmente corretivos da realidade social. Dessa maneira, compreendemos que o seu caráter corrosivo, enfatizado, principalmente, através do ridículo e do desdém, poderia conviver com uma dose de idealismo didático. Ela estaria, por apresentar tal característica “educativa”, seriamente empenhada na possibilidade de poder transformar ou melhorar a sociedade. Por outro lado, a paródia, principalmente no período das vanguardas históricas, não ridicularizou apenas os textos que lhe serviam de fundo, todavia, utilizou-os, na verdade, como uma espécie de padrão através do qual se poderia questionar a realidade social. Tratou- se de uma variedade reverente, mas, que também apontou para as diferenças entre os textos. Assim, a resposta encontrada pela paródia seria conseguida, principalmente, pela sobreposição de textos, ou seja, contrastando o sentido, tal como desejado pelo produtor do

texto, com o efeito obtido por aquele que promoveu uma codificação diferente do original. Devemos notar ainda que a paródia às formas artísticas, promovidas por vários artistas ligados ao Dada, foi amplamente utilizada como sátira dos clichês de uma sociedade que se tornava, cada vez mais, consumista e dominadora.

Outra importante diferença apontada por Hutcheon refere-se à distinção dos objetivos da paródia e da sátira (HUTCHEON, 199-, p.82). A primeira será, de acordo com a interpretação desta autora, sempre intramural, enquanto a sátira caracteriza-se por sua referência extra-mural, ou seja, por ser marcada por questões morais e pelo contexto social em que participa. A diferença nestas finalidades pode ser constatada através da existência, como já havíamos salientado, de um outro gênero de paródia, a denominada satírica, cujo alvo seria ainda outra forma de discurso codificado, definindo, portanto, seu âmbito intramural. Haveria, por outro lado, a sátira paródica que busca, diferentemente da paródia satírica, atingir um alvo exterior ao texto, empregando, para alcançar o seu objetivo corretivo, a paródia como veículo que nos levaria a um contexto extra-mural.

A paródia, de acordo com tal interpretação, funcionaria intertextualmente e a ironia, por sua vez, de modo intratextual. Ambas, no entanto, ecoariam marcando mais as diferenças do que as semelhanças.

Uma outra aproximação que precisaria ser pensada, dentro da discussão proposta pelo nosso trabalho, seria entre a ironia e o riso. A ironia, afinal, poderia tanto incluir como excluir, sugerindo, simultaneamente, distância e cumplicidade. O que aproximaria o seu funcionamento, sem dúvida, dos mecanismos descritos por Henri Bergson a respeito do riso como um mecanismo social. Isto não representaria, evidentemente, uma simples equiparação mecânica entre a ironia e o riso. Ela poderia, não obstante tal ressalva, representar, ao exigir códigos comuns para a sua perfeita compreensão, uma estratégia tão exclusivista quanto aquela desempenhada pelo riso. Exerceria, desse modo, uma função tão conservadora quanto aquele papel desempenhado pelo riso coercitivo, reforçando o poder desempenhado pela consciência coletiva, punindo, enquanto sanção espontânea, todos os desvios dos padrões preestabelecidos pela sociedade.

Portanto, aquela paródia que inclui a ironia estabeleceria uma distância crítica, absolutamente necessária, para a sua própria definição formal. Devemos perceber que, apesar de ser considerada por muitos teóricos como um paradigma da revolução estética e histórica, ela também contém, mesmo que pareça algo paradoxal, uma forte tendência para o conservadorismo.

Por seu alvo ser intramural a paródia acabaria imitando mais a arte do que a vida, revelando, através deste procedimento crítico e reflexivo, as características da sua própria natureza. A sua natureza textual e também pragmática implicaria em posturas, ao mesmo tempo, de reforço da autoridade e de transgressão das normas, formando, assim, uma intrincada discussão ideológica que precisaria ser levada em consideração para a compreensão dos inúmeros paradoxos que envolvem a paródia.

Mikhail Bakhtin considerou a paródia como um gênero híbrido, diálogo que, intencionalmente, toma a outra realidade textual como algo relativo ou retira-lhe, simplesmente, o antigo prestígio desfrutado. O romance poderia ser considerado um exemplo desta paródia auto-reflexiva. O autor russo fez, no entanto, algumas ressalvas quanto à função da paródia moderna que seria estreita e improdutiva quando comparada ao contexto da cultura popular medieval. O lugar que ela passou a ocupar na literatura moderna tornou-se, dessa maneira, insignificante. A cultura de massas promoveu, como iremos discutir no capítulo seguinte, somente uma “aparente” democratização da linguagem e das hierarquias ao nivelar os discursos anteriormente antagônicos. As formas, as imagens e os estilos da esfera da alta cultura foram, na verdade, varridos pelo desenvolvimento da civilização capitalista tecnológica.

A superação deste contexto de dominação e manipulação perpetuado pela indústria cultural parece ser quase que impossível de acontecer, no entanto, a paródia representou uma boa oportunidade de reflexão para as manifestações artísticas contemporâneas. Afinal, segundo Bakhtin, o avivamento das formas paródicas, por exemplo, durante a Idade Média e também no Renascimento, ofereceu a oportunidade, de certa forma, para novas possibilidades lingüísticas e para uma nova consciência literária. O negativo, nesta tendência utópica de transformação da sociedade, transformar-se-ia em positivo, a morte seria o prelúdio para o renascimento, a escatologia ou a obscenidade funcionaria, como foi ressaltado no seu estudo sobre o carnaval medieval, como uma afirmação da nossa vitalidade corporal.

Mesmo o romance em prosa desenvolvido inicialmente na Europa, como afirmou Bakhtin, teria nascido através de um processo de tradução livre e transformadora de outras obras que foram internalizadas, constituindo, deste modo, uma crítica de sua própria formação estética. As vanguardas teriam, neste sentido, a função de elaborar os discursos cujo peso se tornou parte do sistema ideológico elaborado pela indústria cultural. Elas não estariam fazendo uma mera imitação do real, nem procurariam, simplesmente, se apropriar do discurso de outrem somente para distorcê-lo, tratar-se-ia-se, na verdade, da apropriação criativa do passado, feita pelo diálogo criativo do artista vanguardista. A meta-ficção desenvolvida por muitas das vanguardas históricas poderia ser definida, portanto, como um discurso dentro e acerca do próprio discurso.

Esta “meta-ficção moderna”, exatamente como no caso do carnaval renascentista descrito por Mikhail Bakhtin, existiria na fronteira entre as esferas da arte e a dimensão da vida. Notamos, por isso mesmo, a pouca distinção formal existente entre o autor e o leitor ou entre o ator e o espectador, pois, ambos acabam intervindo ativamente, como observamos nas experiências realizadas pelos artistas dadaístas, na construção e destruição da obra.

A discussão sobre o carnaval medieval revelaria um princípio que deveria ser considerado fundamental em todo o discurso marcado pela paródia. Ele, paradoxalmente, caracterizou-se pela transgressão das normas; no entanto, tal subversão carnavalesca acontecia dentro da ordem, ela seria autorizada, de certa forma, pelo poder, ou seja, acabaria legitimando, ao mesmo tempo em que se consagraria, pelas tradições da sociedade e da igreja. Dessa maneira, como discutimos no primeiro capítulo, o carnaval e muitas outras manifestações de caráter popular existiram de forma autônoma e crítica, ou seja, fora do âmbito das cerimônias políticas e dos cultos eclesiásticos, entretanto, elas também faziam referência, simultaneamente ao seu discurso crítico, aos valores desta cultura oficiosa. Uma vida séria e outra existência carnavalesca, que somente adquiriam pleno significado nesta relação com o seu espelho oficial, sua motivação e a sua forma, portanto, derivavam do crivo desta autoridade reconhecida pelos indivíduos participantes da cultura medieval.

A igreja, por exemplo, durante boa parte deste período medieval, tolerou, preservou e até mesmo legalizou as formas carnavalescas, mas, somente por um determinado período e com o objetivo de reforçar as normas que vigoram no tempo da normalidade. Os festejos populares, em nítida oposição às festas de caráter oficial, celebravam, mesmo que temporariamente, a libertação de toda a ordem estabelecida, concomitantemente, a suspensão de toda a hierarquia, privilégios, normas e proibições vigentes no mundo diário. O riso carnavalesco, legalizado e tolerado pelos poderosos, não destruía, portanto, o poder baseado na palavra sagrada.

Dessa maneira, o disfarce paródico foi amplamente utilizado para ocultar certas contradições e não para destruir a cultura oficial. Tal afirmação está baseada na postulação feita pela paródia de certa institucionalização estética e a conseqüente aceitação de muitas das convenções, garantindo, com isso, certa estabilidade das formas reconhecidas pela tradição. Ela poderia transgredir os limites das convenções, todavia, exatamente como acontecia com o carnaval, tal licença seria concedida apenas temporariamente e respeitando os limites

autorizados pelo texto parodiado, ou seja, as transgressões perpetradas pela paródia, receberiam autorização da própria norma que buscou, insistentemente, subverter. Quando a paródia escarnecia, ela acabava também reforçando, em termos formais, as mesmas convenções transgredidas na sua criação, garantindo, desse modo, certa continuidade do legado histórico.

Uma boa ilustração histórica para entendermos o mecanismo desta transgressão autorizada pode ser encontrada nas peças satíricas gregas. Sua apresentação acontecia, como destacamos no início deste capítulo, invariavelmente, após uma trilogia de tragédias, havendo, portanto, uma nova elaboração, em forma cômica, de todo o material sério e trágico das peças precedentes. Com tal procedimento a peça satírica, assim como as trágicas, tornava-se canônica e alcançava a sua legitimação.

O mesmo ocorreu, de acordo com a interpretação conferida por Bakhtin à cultura popular, no contexto medieval cristão, a autoridade, muitas vezes, derivava a sua força através da paródia dos elementos da palavra sagrada e de alguns dos procedimentos dos “representantes” de Deus na terra. A paródia não deve ser definida, como podemos observar pelos modelos históricos citados anteriormente, somente como uma repetição, pois, a sua imitação acarretaria, necessariamente, uma diferenciação, sendo que a sua autoridade dependeria, em contrapartida, de um passado que legitimasse o seu status atual. A paródia funcionaria, assim, a partir deste binômio, marcado por ambigüidades, repetição e diferenciação:

Mas a paródia também pode, como o carnaval, desafiar as normas, com vista a renovar, a reformar. Na terminologia de Bakhtin, a paródia pode ser centrípeta – isto é, ter uma influência homogênea, hierarquizante. Mas também pode ser centrífuga, desnormativa. E julgo que é o paradoxo da sua transgressão autorizada que está na origem desta aparente contradição. A paródia é normativa na sua identificação com o outro, mas é contestatória na sua necessidade edipiana de distinguir-se do outro anterior. (HUTCHEON, 199-, p. 97).

Podemos traçar, além disto, uma aproximação da situação desta meta-ficção moderna com a definição do mundo carnavalesco realizado por aquele pensador russo. Podemos dizer que muitos dos seus pensamentos sobre o carnaval primitivo são esclarecedores, não obstante, as inúmeras limitações apontadas por ele acerca da paródia moderna, para a compreensão da situação estética e social do modernismo. Assim, o carnaval pode ser visto como universo da alegria e da inversão em oposição à cultura oficial defendida, sobretudo, pelo mundo eclesiástico. Não devemos esquecer que o medo foi um dos fatores que mais contribui para o poder da chamada cultura oficial. Experimentamos, a partir da modernidade, outros temores que são frutos do progresso capitalista. Já a meta-ficção elaborada pelo artista de vanguarda, por sua vez, contesta a ilusão novelística pautada em uma série de dogmas do realismo e do naturalismo, buscando, por contemplar em si mesma o comentário crítico, subverter toda a lógica de dominação, de ideologia e de autoritarismo presentes na constituição da civilização industrial desenvolvida.

Devemos considerar que a hierarquia das normas literárias baseia-se, a priori, numa analogia social, intelectual e moral, ou seja, que as normas culturais, como construções humanas, dependem, para garantir a sua plena autoridade, de certa homogeneidade e aceitação social. A paródia invocaria um distanciamento crítico em relação a esta hierarquia de valores, o que, neste caso, poderia ser utilizada como uma espécie de mecanismo retórico capaz de

induzir o leitor a procurar outros padrões, num jogo em busca de ideais imanentes, cujo desvio seria condenado, de modo satírico, na própria obra.

Podemos ainda destacar que a sátira tende a defender, apesar de efetuar, como observamos anteriormente, repetidos ataques contra os padrões culturais vigentes, as normas e os padrões sociais, pois, ao ridicularizar, ela terminaria por levar o desvio a concordar com os códigos sociais preestabelecidos.

O humor negro, uma forma comum da sátira na modernidade, poderia, neste sentido, até mesmo ser interpretado como um tipo de humor defensivo, ou seja, de resgate das normas culturais perdidas, uma tentativa, enfim, de enfrentar as experiências modernas do choque e da desorientação enfrentadas pelos indivíduos. Ele também representaria uma tentativa de recuperar a confiança, afinal, o escritor que desejou colocar em questão as normas literárias ou sociais, deveria ser capaz também de dominar a cultura do seu próprio tempo. Tal confiança no conhecimento, na compreensão e no controle parecia, justamente, faltar ao artista moderno. Ele não conseguiu mais estabelecer hierarquias de valores que garantissem algum sentido para as dimensões estéticas e mesmo para as relações sociais. Esta questão referia-se, na verdade a um problema que transcendeu o âmbito da literatura modernista ou do característico elitismo das vanguardas históricas, tornando-se, por isso mesmo, muito mais dramático para os dadaístas. Devemos pensar, portanto, que tal dilema esteve intimamente ligado à destruição dos limites da alta e da baixa cultura realizada pelo desenvolvimento, sem precedentes, da indústria cultural.

A falsa idéia de uma suposta democratização das hierarquias e a aparente diluição dos conflitos entre as classes sociais procura apresentar um tipo de inversão paródica, promovida pelas forças da indústria cultural, que testemunharia, de acordo com tal concepção, o triunfo do povo. Percebemos, infelizmente, que não se trata, de modo algum, do triunfo do povo prefigurado por um carnaval popular nos moldes propostos pela teoria de Bakhtin, mas, antes, do triunfo hegemônico do mercado. Dada pode ser considerado como uma prefiguração desta contradição, pois, as suas inúmeras transgressões contra as normas artísticas e os seus ataques contra os padrões sociais, apesar de todo o seu caráter revolucionário e niilista, foram legalizadas rapidamente pela autoridade que manipulava e neutralizava suas intervenções críticas. O riso, contido nas mais diferentes criações do Dada, foi, através da ação da indústria cultural, domesticado e reproduzido para o deleite das massas ávidas para o consumo de novas diversões.

Dessa maneira, a paródia depende, enquanto técnica de referência, das circunstâncias que a rodeiam. Ela estabelece uma espécie de jogo entre autor e leitor na busca pelo reconhecimento e por renovadas interpretações. A produção e também a recepção de textos, como observamos no caso da paródia realizada no carnaval medieval, pressupunham certo conhecimento cultural por parte do leitor/espectador, constituindo os códigos comuns que serão trabalhados pela paródia. Esta continuidade do legado cultural, no entanto, já não poderia acontecer da mesma forma numa época de uma educação massificada, como pressuposto da paródia, por isso mesmo, os dadaístas tiveram que elaborar outras modalidades de relacionamento com o seu público. O jogo realizado pelo Dada envolveu, constantemente, a quebra das regras, sua mudança abrupta e uma boa dose de arbitrariedade na elaboração de outros códigos que se afastassem, pelo menos inicialmente, do discurso ideológico da indústria cultural.

O distanciamento e também o envolvimento do leitor numa atividade hermenêutica participativa tornaram-se conseqüências diretas deste jogo realizado pela paródia de criação e destruição de códigos. As atividades dadaístas foram sintomáticas neste processo que abarcava sedução e agressão ao público que era levado a acreditar que estava participando ativamente na criação de sentido, enquanto, era escarnecido pelo riso dadaísta que apontava,

exatamente, para a falta de sentido e para a falsa liberdade experimentada por esta sociedade unidimensional.

Notamos, ao analisarmos este jogo do Dada com o seu público, que os códigos

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