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Reflexões que se debruçam sobre alguma relação entre as metáforas e os gêneros são feitas, pelo menos, desde a antiguidade clássica. Nas obras Poética (ARISTÓTELES, 2003 [c. 335 a.C.]) e Retórica (ibid., 2005 [c. 330 a.C.]), por exemplo, esses dois fenômenos são, em muitas vezes, descritos em função um do outro. As relações que Aristóteles (ibid.) apresenta, ao longo das suas considerações, são relativas, basicamente, a dois pontos de interseção entre eles. Um deles se refere à maneira que certos aspectos dos gêneros da retórica – em particular, a sua finalidade – servem para condicionar a aplicação adequada do recurso da metáfora. De acordo com o filósofo grego (ibid.), de fato, “a prosa possui menos recursos do que a poesia. […] É necessário empregar no discurso [oratório] quer epítetos, quer metáforas ajustadas” (p. 246). Outro ponto diz respeito aos efeitos (principalmente estilísticos) que o uso da metáfora teria tanto sobre a poética quanto sobre a retórica. Segundo Aristóteles (ibid.), nesse mesmo sentido, o uso demasiado de metáforas poéticas ou majestosas, no discurso oratório, poderia, em alguma medida, comprometer o seu efeito persuasivo.

De um modo geral, as observações que Aristóteles (2003 [c. 335 a.C.], 2005 [c. 330 a.C.]) dá sobre o emprego das metáforas nos diferentes gêneros são de caráter principalmente prescritivo. Elas se prestam, antes de qualquer coisa, à formalização dos limites do uso desse recurso no discurso prosaico ou das imposições do seu emprego na criação poética. É, de fato, essa maneira de se associarem esses dois fenômenos que parece resistir, até onde se reconhece (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; ORTONY, 1993b [1979]; KÖVECSES, 2010), no pensamento ocidental dos séculos seguintes ao de Aristóteles (ibid.). Restritas aos estudos da literatura e da retórica, as explicações tradicionais sobre metáforas apenas reverberam a noção clássica que exalta a sua função estilística para os discursos literário e argumentativo (cf., por exemplo, QUINTILIANO, 1933 [c. 95 d.C.]; CÍCERO, 1967 [c. 55 a.C.]).

Entretanto, a virada cognitiva no campo de estudos da psicologia e da linguagem (cf. EVANS; GREEN, 2006), em meados do século XX, e a virada cognitivo-discursiva no campo de estudos da metáfora (cf. VEREZA, 2010a), no começo dos anos 2000, fazem com que as

relações entre esse fenômeno e os diferentes tipos de discurso precisem ser repensadas. Uma objeção bastante incisiva à opinião de que a metáfora não passaria de um recurso estilístico está enunciada na afirmação de Lakoff e Johnson (2002 [1980]) de que

a metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação poética e um ornamento retórico. […] Por essa razão, a maioria das pessoas acha que pode viver perfeitamente bem sem a metáfora. Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas no pensamento e na ação. (p. 45)

Algo que essa observação sugere, em última análise, é que a metáfora pode realmente estar presente em quaisquer tipos de discurso e que a relação entre esse fenômeno e os vários eventos de uso da linguagem pode ser bastante fecunda. De fato, vários estudos que se filiam à teoria conceptual da metáfora (cf. LAKOFF; JOHNSON 2002 [1980]; LAKOFF, 1993), dão testemunho da ocorrência – em geral, bastante abundante – e da importância das metáforas em diferentes gêneros. Alguns desses estudos serão discutidos mais adiante.

Um trabalho relevante, que trata da relação entre a metáfora e os gêneros, a partir de uma perspectiva fundamentalmente linguística, é o de Cameron (2003). Em linhas gerais, a sua pesquisa descreve e analisa as funções pedagógicas que as metáforas desempenhariam em usos específicos da linguagem. Os gêneros que Cameron (ibid.) aborda, nesse trabalho, são aqueles que se realizam em situações de sala de aula. Uma das suas descobertas, que se refere aos papéis dos participantes nos contextos discursivos em questão, aponta “uma disparidade entre os alunos e os professores quanto à forma e à função das suas metáforas, o que reflete a diferença das suas posições no discurso”140 (ibid., p. 87). Outros estudos que, de uma maneira semelhante, buscam explicar as relações entre a metáforas e os gêneros são o de Steen (2002), em que analisa as propriedades textuais típicas das metáforas no gênero canção; o de Vereza (2007a, 2010b), que descreve o efeito argumentativo do uso de metáforas inéditas em colunas de opinião e editoriais; o de Espíndola (2010), em que busca identificar as funções semântico- discursivas desse fenômeno em textos publicitários, cartunes e reportagens policiais; e o de Semino (2011), em que se sugere que haveria, dentro do domínio discursivo das ciências, um continuum entre metáforas mais convencionalizadas e menos convencionalizadas demarcado pelo grau de especialidade dos gêneros em que ocorrem.

140 [There was also a difference between teachers and students in the form and function of metaphors that reflected their different status in the discourse.]

Ainda dentro desse contexto, volta-se uma atenção especial a um trabalho particular de Berber Sardinha (2011), em que também se considera a possibilidade de alguma relação entre a metáfora e os gêneros – porém, sob um olhar menos qualitativo do que quantitativo. Os esforços desse autor (ibid.) se focam na tentativa de verificar de que forma a variação da quantidade de expressões metafóricas que ocorrem em certos tipos de discurso poderia servir à caracterização dos respectivos gêneros. Ancorando os seus procedimentos em abordagens tanto conceptuais quanto discursivas da metáfora, Berber Sardinha (ibid.) argumenta que “a ocorrência de metáforas varia sistematicamente entre diferentes gêneros e registros, o que poderia dar origem a uma dimensão de variação metafórica”141 (p. 332). A importância dessa investigação, para este trabalho, em especial, reside no fato de ela fornecer evidências para uma possível contribuição de algum aspecto das expressões metáforas – nesse caso, a suposta densidade da sua ocorrência – na caracterização dos tipos de discurso. Com disso, ela parece realmente dialogar com alguma parte do escopo aqui pretendido. Entretanto, este trabalho se propõe a avançar em relação à pesquisa de Berber Sardinha (ibid.), na medida em que busca explicar a relação entre a metáfora e os gêneros com base antes na natureza cognitivo-discur- siva de ambos os fenômenos do que apenas na ocorrência das metáforas.

Comenta-se, por último, um estudo de Swales (2009) que também aproxima a questão das metáforas com algum aspecto relativo aos gêneros. Nele, Swales (ibid.) descreve algumas das analogias que diversas teorias dos gêneros recrutam para conceptualizar e explicar esse fenômeno. Das seis metáforas que esse autor (ibid.) consegue elencar, a primeira – que é a de “gênero como modelo social” [genre as social frames] (p. 149) – se baseia nas explicações de Bazerman (1997) para esse fenômeno. De acordo com essa metáfora, gêneros são entendidos “como modos de vida, modos de ser, […] que moldam as ideias que criamos e as mensagens por meio das quais interagimos”142 (ibid., p. 19). A segunda analogia identificada por Swales (ibid.) – a de “gênero como padrões linguísticos” [genre as language standards] (p. 149) – caracteriza a explicação que o próprio autor dá para esse fenômeno. Essa explicação define os gêneros, grosso modo, como um conjunto de noções convencionais, tais como as convenções que estruturam a linguagem de uma forma geral.

As outras quatro metáforas que Swales (2009) apresenta se baseiam em um trabalho de Fishelov (1993) e estruturam a noção de gênero: (i) “como espécie biológica” [genres as biological species] (p. 149), para dar conta do seu surgimento, evolução e morte; (iii) “como 141 [Metaphor use varies systematically across different genres and registers and this may give rise to

dimensions of metaphor variation.]

142 [Genres are forms of life, ways of being. (…) Genres shape the thoughts we form and the communications by which we interact.]

instituição social” [genres as social institutions] (loc. cit.), para representar os arranjos social e cultural do momento em que se realizam; (ii) “como família” [genres as families] (loc. cit.), para explicar as relações de similaridade ou de parentesco entre os gêneros; e (iv) “como atos de fala” [genres as speech acts] (loc. cit.), para dar conta da materialização do gênero dentro do discurso. Na verdade, das pesquisas que articulam a metáfora e os gêneros descritas aqui, a de Swales (ibid.) é a que parece ser menos pertinente aos propósitos deste trabalho. O que o seu estudo (ibid.) revela, na verdade, é que o raciocínio metafórico também estaria por trás da conceptualização da noção de gênero no discurso acadêmico, o que contribui com o postulado de ubiquidade desse recurso. Contudo, ainda que não trate de possíveis vínculos internos entre os dois fenômenos, o estudo de Swales (ibid.) representa, pelo menos, um meio de se perceber como a metáfora pode se colocar a serviço dos estudos dos gêneros.