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Um postulado bastante comum sobre a natureza das metáforas – mais especificamente, sobre a metaforicidade da linguagem metafórica – está representada pelo que Lakoff e Turner (1989) chamam de a “teoria da metáfora morta” [dead metaphor theory] (p. 128). Na verdade, 102 Pode se comparar a investigação de Berber Sardinha (2011) a um amplo empreendimento do Metaphor Lab, da Universidade Livre de Amsterdam, cuja proposta é a identificação e descrição de metáforas em gêneros e registros particulares (cf., principalmente, STEEN et al., 2010).

103 [In particular genres or registers, metaphorically used language has probabilities of use that are different from those in literal language. (…) Metaphor use varies systematically across different genres and registers and this may give rise to dimensions of metaphor variation.]

a noção de metáfora morta é bastante antiga; algumas observações feitas por Richards (1936) a respeito dessa questão sugerem que ela já atravessa quase um século. Contudo, a formulação mais célebre dessa teoria – que diz que “a única classificação consistente [de metáforas] está fundamentada na oposição elementar (ela mesma expressa metaforicamente) entre metáforas mortas e vivas”104 – está atribuída a Black (1993 [1979], p. 25, grifos no original). Nos moldes da teoria da metáfora morta (cf. BLACK, ibid.), portanto, a noção de metaforicidade pode ser traduzida, basicamente, por uma suposta vitalidade das metáforas.

Em linhas muito gerais, a classificação das metáforas com base na sua vitalidade (cf. BLACK, 1993 [1979]) marca como vivas as expressões metafóricas que são suficientemente transparentes, a ponto de poderem ser percebidas como tais. Já, as metáforas que não podem mais ser reconhecidas como metafóricas, por outro lado, estariam mortas. Para se ilustrar essa classificação, analise-se a sentença em (16) (MONTEIRO, 2013, p. 16), abaixo.

(16) Preço do leite sobe 17,5% após fraude.

A partir da abordagem conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993), não devem restar dúvidas de que o autor da sentença em (16) lançou mão de uma expressão metafórica – mais precisamente, “preço sobe” – para anunciar um reajuste no valor comercial de um produto. Afinal de contas, preço representa um atributo essencialmente abstrato e, logo, não possui verticalidade, que é uma propriedade de entidades concretas. Essa expressão seria uma atualização da metáfora conceptual MAIS É PARA CIMA (cf. LAKOFF; JOHNSON, ibid.), que está alicerçada no nosso conhecimento de que, por exemplo, quanto mais quantidade de uma substância colocamos em um recipiente, mais alto fica o seu nível dentro dele. A respeito dessa metáfora, ainda, supõe-se que ela constitua uma maneira muito convencionalizada de se falar e, principalmente, de se pensar a respeito do preço das coisas na nossa cultura. Na verdade, ela soa tão convencional, que talvez seja a maneira mais elementar – ou quase literal, diga-se de passagem – de entendermos a dinâmica dos preços.

Em função da alta convencionalidade de algumas expressões metafóricas – se não, da maioria delas – que usamos na nossa vida cotidiana, Lakoff e Johnson (2002 [1980]) afirmam que quase nunca tomamos consciência de que são metafóricas. Em outras palavras, entende-se que expressões bastante convencionalizadas (tais como “preço sobe”) pressupõem ambas uma 104 [The only entrenched classification is grounded in the trite opposition – itself expressed metaphorically –

produção e uma interpretação tão automáticas, que é muito pouco provável que atentemos para o fato de que existe uma metáfora por trás delas. Já o mesmo não se esperaria de uma expressão aparentemente inédita105 – como, por exemplo, “preços no céu”, em (17) (PASSOS, 2009, p. 03), abaixo. Ainda que possamos compreendê-la a partir da mesma metáfora MAIS É PARA CIMA, esse exemplo constitui uma expressão metafórica menos convencionalizada – do que “preço sobe”, pelo menos – para se falar do valor comercial de um produto106. Visto que a metáfora em (17), abaixo, não parece poder ser usada de uma forma automático, portanto, não deveria passar despercebido o fato de ela ser metafórica.

(17) Submarinos com preços no céu.

É basicamente nesse aspecto da natureza das metáforas – a sua convencionalidade107 que, de acordo com Müller (2008), a teoria da metáfora morta (cf. BLACK, 1993 [1979]) se fundamenta. O juízo que sustenta a classificação das metáforas com base na sua vitalidade (cf. ibid.) é, principalmente, o de que, posto que expressões metafóricas convencionalizadas não ativariam conscientemente a metáfora conceptual que as licencia (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]), a sua condição de metáfora não estaria mais acessível à nossa percepção. E o fato de não podermos percebê-las como metafóricas faria com que elas, de alguma maneira, deixassem de sê-lo. Portanto, elas estariam mortas (enquanto metáforas). Esse seria o caso da expressão “preço sobe” (MONTEIRO, 2013, p. 16). Em alguma medida, pode se comentar, ainda, que expressões metafóricas muito convencionalizadas – ou seja, institucionalizadas e lexicalizadas – seriam processadas de uma forma tão automática quanto quaisquer expressões literais. Contudo, essa alegação, por si só, já é bastante controversa (cf., por exemplo, GIBBS, 1984; CLOSS TRAUGOTT, 1985; SEARLE, 1993 [1979]; GIORA, 1997).

105 Para efeitos de consistência, opta-se, neste trabalho, pelo termo “metáfora inédita” para designar expressões metafóricas não convencionalizadas, que têm sido referidas variavelmente como metáforas novas, metáforas criativas ou metáforas deliberadas na literatura em língua portuguesa sobre esse tema. Essa escolha se justifica pelo fato de o epíteto “inédita” se referir, em princípio, a uma condição da expressão metafórica no sistema, enquanto que, por exemplo, “criativa” parece aludir a algo pertinente ao falante.

106 Não se encontra nos Novo dicionário eletrônico Aurélio da língua portuguesa (FERREIRA, 2004) e Dicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS et al., 2009), por exemplo, uma acepção de “céu” que denote uma forma de se referir ao valor comercial de produtos e serviços.

107 A noção de convencionalidade, aqui, teria a ver com a semântica das unidades linguísticas, ou seja, com a sua representação formal lógica. Convencionalidade, nesse caso, pode equivaler à interpretação computada a partir de supostos sentidos lexicais automaticamente associados às formas, antes que quaisquer inferências externas, baseadas em dados contextuais, possam ser derivadas (cf. GIORA, 1997).

Uma observação que precisa ser feita aqui é a de que, porque expressões metafóricas convencionalizadas não poderiam mais ser reconhecidas como tais, a teoria da metáfora morta (cf. BLACK, 1993 [1979]) sequer as considera como sendo casos autênticos de metáfora. E a postura que essa visão assume soa bastante radical: “não faz sentido, por exemplo, tratarmos um cadáver como um tipo especial de pessoa; da mesma forma, uma metáfora supostamente morta não é, de modo algum, uma metáfora”108 (ibid., p. 25). É interessante se notar, aliás, que essa postura segue de perto a ideia que Ricoeur (1975) sustenta sobre as metáforas. Para esse autor (ibid.), também, uma metáfora existe, tão-somente na medida em que a sua ocorrência pode ser reconhecida como tal, no contexto imediato em que ela é reconhecida. (Com efeito, Ricoeur (ibid.) apenas considerara metáfora aquilo que este trabalho chama de metáfora iné- dita). Partindo-se dessa visão, são metáforas, pois, somente as expressões metafóricas vivas. Um exemplo disso seria a expressão “preços no céu”, em (17).

Em última análise, o que está assumido em uma classificação das metáforas com base na sua vitalidade (cf. BLACK, 1993 [1979]) é que “a convencionalização das metáforas seria responsável, em princípio, pela perda imediata da sua transparência, bem como da percepção da sua metaforicidade”109 (MÜLLER, 2008, p. 179). Em outras palavras, segundo a teoria da metáfora morta, da forma como está descrita por Black (ibid.), a metaforicidade – ou seja, a possibilidade de uma metáfora ser reconhecida como tal – é produto necessário e irremediável da sua convencionalização dentro do sistema linguístico a que pertence.

No entanto, ainda que possua alguma consistência, essa explicação de metaforicidade não está imune a objeções. Em uma crítica à classificação das metáforas reduzida à dicotomia entre mortas e vivas, Black (1993) mesmo propõe um modelo mais abrangente, que inclui, em vez de duas, três categorias: as de “metáforas extintas” [extinct metaphors], de “dormentes” [dormant metaphors] e de “ativas” [active metaphors] (p. 25). Com esse modelo, Black (ibid.) tenta dar conta da distinção que identifica entre, respectivamente,

108 [This is no more helpful than, say, treating a corpse as a special case of a person: a so-called dead metaphor is not a metaphor at all.]

109 [The conventionalization of metaphors is supposed to lead automatically and instantaneously to a loss of transparency and of awareness of metaphoricity.]

expressões cuja etimologia real ou imaginada sugere uma metáfora impossível de ser ressuscitada (músculo como um camundongo pequeno, musculus); aquelas cuja metáfora original, que geralmente passa despercebida, ainda pode ser recuperada (obrigação como envolvendo algum tipo de amarra); e aquelas, objeto do meu interesse, que são e podem ser reconhecidas como efetivamente metafóricas.110 (p. 25, grifos no original)

Contudo, o modelo de classificação das metáforas em extintas, dormentes e ativas (cf. BLACK, 1993 [1979]) parece não avançar muito em relação à distinção entre mortas e vivas que esse autor pretende superar. De fato, Black (ibid.) não se presta a uma reformulação dos critérios que sustentam a teoria da metáfora morta, senão que apenas acrescenta uma categoria nova à classificação antiga. O seu modelo (cf. ibid.), no final das contas, continua reduzido a uma suposta vitalidade das expressões metafóricas, que se acha igualmente vinculada à sua convencionalização na língua. Por outro lado, uma visão que contesta, de uma maneira mais veemente, a classificação das metáforas com base na sua vitalidade (cf. BLACK, ibid.) e, de certa forma, a teoria de Ricoeur (1975) é a abordagem conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993), pois define esse fenômeno a partir de uma percepção mais conceptual do que linguística. Em oposição à teoria da metáfora morta (cf. BLACK, ibid.), por exemplo, Lakoff e Turner (1989) defendem que o que está convencionalizado no sistema linguístico não está necessariamente morto. O que a convencionalização de certas expressões metafóricas faz, na verdade, é dar testemunho do quão entranhadas e influentes conseguem ser as metáforas (conceptuais) que governam o nosso pensamento.

Considerem-se, por exemplo, as expressões “aumento de salário”, “queda do dólar” e “preço alto”. Até onde se supõe, elas se encontram bastante convencionalizadas no português brasileiro – geral e, até mesmo, em alguma variedade muito especializada. Essas são algumas das tantas atualizações da metáfora conceptual MAIS É PARA CIMA que evocamos de maneira tão espontânea no nosso cotidiano, que, geralmente, não nos damos conta de que se trata de expressões metafóricas. Porém, uma análise mais profunda desses exemplos – feita, digamos, por um especialista em metáforas – consegue deixar claro que a metáfora que as licencia está, de alguma maneira, presente no nosso pensamento. É possível se afirmar isso, sobretudo, pelo fato de essa metáfora ser muito produtiva em diversas situações em que usamos a linguagem, desde as mais prosaicas até às mais artísticas ou técnicas.

110 [One might consider distinguishing perhaps between expressions whose etymologies, genuine or fancied, suggest a metaphor beyond resuscitation (a muscle as a little mouse, musculus); those where the original, now usually unnoticed, metaphor can be usefully restored (obligation as involving some kind of bondage); and those, the objects of my present interest, that are, and are perceived to be, actively metaphoric.]

De fato, uma grande variedade de domínios, a que recorremos com alguma frequência, está estruturada (de um modo muito automático) nas bases da metáfora MAIS É PARA CIMA. Esses domínios correspondem, dentre outras coisas, a conceitos quantitativos (“alto índice de mortalidade”) e qualitativos (“baixo desempenho escolar”); a hierarquias (“cargo mais alto da empresa”, “cargo de subchefe”); a status sociais (“subir na vida”, “classe média”) etc. Nesse sentido, um comentário de Lakoff e Turner (1989) que contradiz a teoria da metáfora morta (cf. BALCK, 1993 [1979]) é a de que “as metáforas que estão vivas e que são efetivamente consistentes, vigorosas e eficientes, são aquelas tão automáticas, a ponto de serem usadas de maneira inconsciente e sem esforço algum”111 (p. 129). Isso quer dizer que são as expressões metafóricas convencionalizadas – que, em geral, nos passam despercebidas – que atestam, em grande medida, a forma como o nosso pensamento, no seu nível mais elementar, realmente funciona. Sendo assim, não seria prudente as julgarmos mortas.

Aliás, embora conteste a classificação das metáforas com base na sua vitalidade (cf. BLACK, 1993 [1979]), a abordagem conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993) não rejeita a possibilidade de existirem metáforas mortas. Nessa abordagem entretanto, elas não seriam fruto da convencionalização da expressão metafórica no sistema linguístico, senão que resultariam da prescrição da metáfora como um todo. Para ilustrar a morte de uma metáfora, evidente à luz de qualquer teoria, Lakoff (1987b) examina a palavra “pedigree”, que significa algo como “genealogia de um animal de raça, esp. cão ou cavalo” (HOUAISS et al., 2009). Essa palavra deriva do francês antigo “pied de gru” [pé de pássaro] (HARPER, 2016) e era originalmente usada para se referir ao diagrama da árvore genealógica de uma família, cuja forma se parecia, de fato, com a pata de uma ave.

O que pode se presumir disso, então, é que, na época em que “pied de gru” era usada para se falar – e para se pensar – sobre a linhagem de alguém, o conceito de genealogia estava cognitiva e, sobretudo, metaforicamente estruturado em termos da figura de um pé de pássaro. No entanto, esse mapeamento não parece mais se ativar no nosso sistema conceptual quando usamos, atualmente, o conceito de pedigree para nos referirmos à raça de algum animal112. Ou seja, pode se afirmar que o processamento de “pedigree” como metáfora não acontece mais, nem consciente e nem inconscientemente. Além do mais, a sua produtividade está restrita, até

111 [Those (metaphors) that are most alive and most deeply entrenched, efficient, and powerful are those that are so automatic as to be unconscious and effortless]

112 A imagem que parece ser metaforicamente evocada, no nosso sistema conceptual geral, quando falamos e pensamos, hoje em dia, sobre a ascendência de uma pessoa (ou animal) é a figura de uma árvore. Isso se encontra lexicalizado tanto em língua portuguesa (cf., por exemplo, HOUAISS et al., 2009) quanto em língua francesa (cf. por exemplo, GIRAC MARINIER; BAT, 2012).

onde se sabe, a esse único termo – que, aliás, dificilmente seria assinalado, em uma análise especializada de metáforas, como uma palavra sendo usada metaforicamente (salvo em uma análise etimológica mais pretensiosa, que revelasse a sua origem).

Conforme deve estar evidente, aqui, a ideia da morte de uma metáfora não é a mesma para Lakoff (1987b) e para a teoria da metáfora morta (cf. BLACK, 1993 [1979]), uma vez que as duas alicerçam a sua concepção de vitalidade em aspectos diferentes desse fenômeno. Por exemplo, afirmar que “pedigree” é uma metáfora morta, a partir da abordagem conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993), não significa, apenas, que ela está convencionalizada, mas que o seu mapeamento não constitui mais uma realidade psicológica. Nesse caso, Lakoff (1987b) sugere que, em vez de se recorrer à classificação tradicional entre vivas e mortas, “mais importante é fazer uma distinção entre metáforas convencionalizadas e metáforas que deixaram de existir”113 (p. 145). A sua solução conceitual para essas últimas é a categoria de “metáforas históricas” [historical metaphors] (loc. cit.).

É preciso se comentar, no entanto, que, ainda que tome uma posição no debate sobre a morte das metáforas, a teoria conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993) não dedica, em princípio, qualquer atenção pontual à distinção entre metáforas mortas e vivas. Com o foco central da abordagem conceptual da metáfora (cf. ibid.) incidindo sobre a dimensão cognitiva desse fenômeno, o seu funcionamento na linguagem – que inclui, aliás, a convencionalidade das respectivas atualizações – acaba sendo arredada a um segundo plano. O interesse em se abordar a questão da metaforicidade de um modo sistemática, por exemplo, a partir dessa abordagem, é muito recente (cf., por exemplo, GOATLY, 1997; KYRATZIS, 2003; STEEN, 2004; DEIGNAN, 2005; MÜLLER, 2008; DUNN, 2011).

Portanto, se, para a teoria da metáfora morta (cf. BLACK, 1993 [1979]), o fato de uma expressão metafórica qualquer poder ser reconhecida (ou não) como tal a coloca em alguma condição especial – isto é, ou viva ou morta –, para a abordagem conceptual (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]; LAKOFF, 1993), isso não é relevante. Com respeito a essa questão, Müller (2008) observa que “a teoria conceptual considera as metáforas inéditas como sendo atualizações particulares de uma metáfora conceptual, mas que estão supostamente tão vivas quanto outras expressões convencionalizadas, posto que estão igualmente fundamentadas em metáforas conceptuais ativas e vivas”114 (p. 184). Para Lakoff e Johnson (ibid.), com efeito, as 113 [It is extremely important to distinguish metaphors that are conventional from metaphors that do not exist

anymore.]

114 [Conceptual metaphor theory considers them (creative metaphors) to be a specific, creative way of realizing a conceptual metaphor, but they are supposed to be as much alive as their conventional companions because they are similarly grounded in active and vital conceptual metaphors.]

expressões metafóricas – tanto convencionais quanto inéditas – servem, acima de tudo, para darem indícios do que realmente importa para a sua teoria, isto é, as metáforas conceptuais. Esses autores (ibid.) sequer se prestam a quaisquer caracterizações sistemáticas de expressões metafóricas, e todas acabam recebendo o mesmo tratamento.

Até mesmo a noção de convencionalidade, no âmbito da abordagem conceptual (cf., sobretudo, LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]), é atribuída às metáforas de maneira diferente – ela está associada antes à sua dimensão cognitiva do que à sua dimensão linguística. Uma das explicações que Lakoff e Johnson (ibid.) oferecem, ao proporem a sua teoria conceptual, por exemplo, estabelece uma distinção importante entre o que chamam de “metáforas conven- cionais” e aquilo a que passam a se referir como “metáforas novas” (p. 235, grifo no original). Até onde se percebe, convencionalidade115, nesse caso, não teria a ver com algo da natureza das expressões metafóricas. Por metáforas convencionais, Lakoff e Johnson (ibid.) entendem, na verdade, “metáforas que estruturam o sistema conceptual ordinário da nossa cultura, o qual se reflete na nossa linguagem do dia a dia” (loc. cit.). Um exemplo de metáfora convencional, conforme essa visão, são as que evocamos para falar e pensar a nossa própria linguagem e que Reddy (1993 [1979]) chama de “metáfora do canal” [conduit metaphor] (p. 164):

IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) SÃO OBJETOS EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS SÃO RECIPIENTES COMUNICAÇÃO É ENVIAR116

De acordo com esse conjunto de metáforas, significados seriam entendidos em termos de entidades físicas, que podem ser colocadas dentro de palavras; essas palavra, por sua vez, podem ser enviadas de um emissor a um receptor, viabilizando, dessa maneira, a comunicação entre eles. Desse raciocínio, emerge um rol de expressões (em português e, até onde se supõe, em outras línguas117) para se falar sobre a linguagem – como, por exemplo, “passar um recado adiante”, “palavras vazias de sentido” e “apreender o significado de uma frase”. É importante 115 Na verdade, a partir da teoria conceptual da metáfora (cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980]), até mesmo a

noção de convencionalidade das expressões metafóricas adquire uma fibra mais complexa. Nessa perspectiva, pode se pensar, de fato, em diferentes tipos e graus de convencionalização da linguagem metafórica, determinados pela combinação de diversos fatores, tais como frequência, familiaridade, concretude, gramaticalização, etimologia etc. (cf. GIORA, 1997), que não somente a sua lexicalização. No entanto, problematizar e tentar resolver essa questão parecem exceder o escopo central deste trabalho. 116 Cf. LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980], p. 54.

117 Reddy (1993 [1979], p. 311-320), por exemplo, fornece uma lista de mais de cem exemplos de expressões, em língua inglesa, que seriam licenciadas pela metáfora do conduto.

se observar, aliás, que essas expressões parecem refletir uma “maneira tão convencionalizada de se pensar sobre a linguagem que fica difícil imaginar que esse modo de pensar possa não corresponder à realidade” (LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980], p. 55). Porque representa um mapeamento muito elementar do nosso sistema conceptual básico, a metáfora do conduto parece ser intrínseca à própria noção de linguagem de tal modo, que temos a impressão de não existir outra maneira, senão a metafórica, de concebê-la.

Por outro lado, quando uma metáfora não representa (ainda) um raciocínio elementar dentro do nosso sistema conceptual – o que significa entender automaticamente um domínio em termos de outro –, ela constitui, para Lakoff e Johnson (2002 [1980]), uma metáfora nova. Metáforas novas118 representam, grosso modo, desdobramentos de metáforas convencionais e são responsáveis por promover entendimentos novos a respeito das nossas experiências. Logo, “elas podem dar sentido novo ao nosso passado, às nossas atividades diárias, ao nosso saber e às nossas crenças” (ibid., p. 235). É possível se ilustrar isso com o que Reddy (1993 [1979]) introduz como o “paradigma dos fabricantes de ferramentas” [toolmaker paradigm] (p. 292), que representa uma metáfora conceptual alternativa à metáfora do conduto, com que o funcio- namento da linguagem também poderia ser entendido (e explicado).

Em linhas gerais, pelo paradigma dos fabricantes de ferramentas (cf. REDDY, 1993 [1979]) – que não parece ser muito convencional no nosso sistema conceptual básico, diga-se de passagem –, significados são entendidos em termos de materiais, e as palavras, em termos de instruções, as quais são particulares a cada indivíduo. A comunicação, nesse caso, se daria pela troca de instruções entre os indivíduos, que as aplicariam aos seus respectivos materiais. Sendo assim, as ferramentas – ou, ainda, os sentidos – que eles acabassem produzindo seriam resultado da soma das instruções que lhes fossem dadas, ao longo das trocas, com aquilo que os seus respectivos materiais fossem capazes de produzir. Até onde pode se deduzir, no final