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5.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

5.1.1 Construção dos corpora

Para realizar a sua análise, este trabalho recorre a uma variedade razoável de corpora que estejam identificados com um gênero distinguível dos demais. Com relação à construção desses corpora, em particular, são levados em consideração critérios de representatividade166 elencados por Biber (1993). Esses critérios dizem respeito, basicamente, aos tipos de texto ou de discurso que deverão ser contemplados; ao número de textos necessários para se obterem resultados com algum grau de generalização; e, por fim, aos parâmetros para a sua seleção. Nesta seção, são apresentados os detalhes dessa seleção.

No que se refere ao tipo, são selecionados, para esta análise, textos identificados com gêneros minimamente convencionalizados, vinculados a domínios discursivos comuns da vida social e cultural ocidental. Eles são: o soneto, pertinente ao discurso literário; a bula de medi- camento, pertinente ao discurso técnico-científico; o resumo de artigo científico, ao discurso acadêmico-científico; e a capa de revista, ao discurso de mídia. Por serem muito presentes, pode se confiar que esses gêneros possuam propriedades estruturais – textuais e contextuais – muito estáveis (cf. BHATIA, 2004). Isso permite se fazerem previsões e generalizações sobre aspectos específicos seus, relativos, inclusive, à sua linguagem mais prototípica. Sendo assim, a primeira premissa que fundamenta a escolha dos gêneros feita aqui é a de que eles poderiam ser comparados entre si em função, também, da natureza da linguagem metafórica típica dos seus textos. Além dessa, outra razão que motiva essa escolha – e que está diretamente relacio- 166 Segundo as explicações de Biber (1993), a representatividade de um corpus se refere à quantidade mínima

de unidades (no caso desta análise, de textos) que uma amostra (ou seja, o corpus) precisa ter para conseguir incluir a maior extensão possível de variabilidade da sua população (ou seja, do gênero desses textos).

nada com a hipótese aqui explorada – é o fato de que a ocorrência (ou ausência) aparente de metáforas (do ponto de vista do falante comum), ou, ainda, um grau muito alto ou muito baixo de metaforicidade nesses tipos de discurso, parece constituir um fator crucial para a identifica- ção do seu gênero. Gêneros em que o reconhecimento (ou não) da sua eventual linguagem metafórica não é algo característico ou saliente – como, por exemplo, editoriais de jornal ou conversas orais cotidianas – seriam menos proveitosos para esta análise.

Em relação ao número, cada um dos corpora é composto de oito textos do seu gênero. Visto que a análise proposta neste trabalho se ocupa, basicamente, da dimensão qualitativa das metáforas no discurso – mais do que da sua dimensão quantitativa (cf. por exemplo, BERBER SARDINHA, 2011) –, esta análise se debruça sobre um número não exaustivo de textos. No entanto, prevalece a regra de que todos eles deveriam conter uma expressão metafórica, pelo menos, na sua extensão. Esse critério se justifica pelo fato de que, porque esta análise incide sobre a natureza da linguagem metafórica presente nos gêneros em questão, a ocorrência de alguma metáfora nos textos constitui uma condição sine qua non.

Outros dois critérios que esta análise observa, quanto à seleção dos seus textos, são: (i) todos eles devem ter sido escritos, originalmente, em língua portuguesa (do Brasil); e (ii) a sua estrutura formal deve atender, em grande medida, à descrição mais convencional dos seus gêneros167. Além do mais, na tentativa de se condicionar todos os corpora a um tema comum, optou-se por textos que tratassem de questões pertinentes ao meio ambiente (ou à natureza, no caso específico dos sonetos) ou à saúde humana. O critério de se ancorarem os corpora a uma mesma temática – nesse caso, o “discurso verde”168 [green discourse] (cf. MANSVELT, 2011) e o “paradigma da vida saudável”169 [health lifestyle paradigm] (cf. COCKERHAM, 2005) – está fundamentado no argumento de que isso autorizaria a comparação dos textos em função, por exemplo, dos domínios conceptuais que recrutam.

167 É importante observar que a identificação dos textos abordados aqui com os respectivos gêneros é uma determinação de ordem pessoal. Ela está fundamentada tanto no conhecimento tácito do autor deste trabalho (enquanto membro da comunidade discursiva que compartilha dos seus frames) a respeito desses tipos de discurso quanto na comparação das características observáveis dos textos com as descrições dos gêneros encontradas na literatura geral (cf., principalmente, MOISÉS, 2004, sobre sonetos; BRASIL, 2009b, sobre bulas de medicamento; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2003a, sobre resumos de artigo científico; e MCLOUGHLIN, 2000, sobre capas de revista).

168 Esse é um discurso político-econômico, pautado no cientificismo, que prega o combate à industrialização, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento de economias sustentáveis (cf. MANSVELT, 2011). 169 Esse é um discurso sociologizante, que promove a escolha de padrões de comportamento considerados

Quanto à escolha dos sonetos, em particular, esta análise reúne textos (cf. Anexo A) de quatro escritores brasileiros, consagrados pelo cânone literário, que são Carlos Drummond de Andrade (1902–1987), Glauco Mattoso (1951–), Manuel Bandeira (1886–1968) e Vinícius de Moraes (1913–1980). A reputação desses autores pode ser atestada pela frequência com que são citados em manuais, trabalhos acadêmicos e ensaios de literatura (cf., por exemplo, BOSI, 2006, CÂNDIDO, 2007; SOUSA, 2010). Para a seleção das bulas, está estabelecido que todas (cf. Anexo B) deveriam ser textos direcionados ao paciente – em vez de bulas direcionadas ao profissional de saúde – e ser de medicamentos de venda livre, ou seja, cuja comercialização é isenta da apresentação de prescrição médica (cf. BRASIL, 2003). Com relação aos resumos de artigo científico, são selecionados textos (cf. Anexo C) derivados de periódicos indexados e de acesso livre, na página virtual na internet, da coleção Scientific electronic library online (FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DE SÃO PAULO et al., 2016). Quanto à escolha das capas de revista, optou-se por textos (cf. Anexo D) vinculados a revistas de escopo geral e de distribuição semanal. Mais especificamente, as capas foram retiradas de edições de uma das três revistas gerais mais lidas no Brasil (cf. BRASIL, 2014b) – que são as revistas Veja (Editora Abril), Época (Editora Globo) e IstoÉ (Editora Três).

A parte da análise que se ocupa da descrição e da análise dos gêneros desses corpora se debruça sobre aspectos discursivos pertinentes a diferentes elementos seus. Essa parte dá conta, em um primeiro momento, do arranjo contextual em que cada tipo de discurso mais comumente se realiza e, em seguida, do plano textual e cotextual – isto é, do produto – da sua estrutura mais prototípica (cf. BHATIA, 2002, 2004). Para a primeira etapa, são consideradas as propriedades externas ao produto (cf., basicamente, BHATIA, 2002, 2004; STEEN, 2011a), que integram o todo do evento discursivo. Essas propriedades são

(i) o domínio discursivo a que esses gêneros pertencem (se científico, político, literário etc.), incluindo normas e valores sociais associados a eles;

(ii) os seus propósitos institucionais mais gerais, relativos ao domínio discursivo a que esses gêneros pertencem;

(iii) as práticas sociais em que esses gêneros são evocados (mais exatamente, o arranjo espaciotemporal em que se realizam); e

(iv) os seus participantes mais comuns (mais exatamente, os seus papéis na realização desses gêneros e as relações entre eles).

No que se refere ao produto de cada gênero, por sua vez, os aspectos discursivos (cf., principalmente, STEEN, 1999, 2011a) que são abordados correspondem a

(i) o canal pelo qual esses textos são geralmente comunicados (se oral ou escrito, se presencial ou por meio de alguma mídia impressa ou digital etc.);

(ii) as modalidades que integram os textos (se verbais, pictóricas, sonoras etc.); (iii) a forma em que esses textos geralmente se apresentam (se em prosa ou em

verso, por exemplo), incluindo as partes que compõem a sua estrutura;

(iv) o seu conteúdo mais prototípico (se ficcional ou real, por exemplo), incluindo temáticas e assuntos característicos;

(v) o tipo170 que identifica esses textos (se narrativo, descritivo, expositivo etc.); e (vi) as suas funções171 mais específicas (se emotiva, denotativa, conativa etc.); e (vii) o seu registro mais prototípico (se formal ou informal, por exemplo), incluindo

normas e variedades relativas a região, período, suporte etc.