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O QUE OS ESTUDOS REVELAM

E, por último, a (in)visibilidade científica produzida menos pela ausência de investigações sobre as crianças e a infância e mais pelo tipo dominante de produção de

3 PAIS E A ESTRATÉGIAS NA ESCOLARIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

3.1 F AMÍLIA E P AIS : S IGNIFICADOS

Percebe-se ao longo das últimas décadas a ocorrência de transformações nas finalidades e funções da família, pois, assim como outra instituição, ela não é um organismo estático. O modelo de organização familiar extensa de tipo patriarcal é insuficiente para a compreensão no conjunto das famílias. A organização das famílias do tipo nuclear, compostas por pai, mãe e filhos, tem sofrido sensível modificação, com aumentos no número de divórcios, casamentos entre pessoas do mesmo sexo e incorporação de agregados (genros, noras, avós, netos, etc.). Como afirma Zago (1994, p.

14), não se pode adotar o modelo nuclear como normativo para definir a família, pois não corresponde à realidade social e tem, por outro lado, servido para considerar como desorganizadas aquelas que não correspondem à forma de organização dominante na sociedade .

No âmbito escolar, tanto famílias como pais têm sido utilizados genericamente, embora possuam distintas conotações. O vocábulo pais tem sido associado mais comumente aos colegiados escolares, no segmento pais de alunos , implicando sua participação nas decisões colegiadas, e o termo família tem sido associado à participação na vida cultural da escola, como no caso do dia da família na escola , ou à participação em reuniões pedagógicas. O primeiro denota participação ativa, enquanto o segundo denota mais passividade (ZAGO, 1994).

D. Glasman30 (1992 citada por ZAGO, 1994), ao fazer uma análise do emprego e flutuação destes termos no quadro da instituição escolar francesa, observa que o termo pais tem sido associado, sobretudo, aos membros das classes médias e favorecidas, enquanto o termo família foi reinventado especialmente para designar os bairros populares. Embora os dois termos sejam genéricos, os dois não se confundem, visto que o termo família parece não estar associado a um papel ou função reconhecida pela escola, mas [a] um grupo que lhe é estranho ZAGO, , p. .

Segundo Plaisance (2000, p. 2), no quadro teórico das ciências humanas, o espaço cada vez maior ocupado pelos pais no interior do sistema escolar – cuja participação muitas vezes é atravessada por tensões e contradições – contribui para tornar necessárias as ações negociadas, os arranjos e os compromissos.

Assim, as experiências da infância estão muito relacionadas às atitudes e escolhas que adultos, especialmente os pais, fazem para a criança. Segundo Dubet e Martucelli (1996), os pais esperam da escola uma utilidade social, qual seja, a aquisição de um "capital escolar" diferenciado, que permita o engajamento nas melhores carreiras acadêmicas e sociais das crianças.

Os pesquisadores distinguem três grandes estilos de famílias, de acordo com a interação – expectativas e práticas – que estabelecem com a escola. No primeiro tipo estão as famílias de camadas populares, de estilo estatutário , que acordam importância à acomodação , isto é, a certa forma de conformismo. Exercem um controle autoritário

30Glasman, Dominique. Parents ou familles : critiqued um vocabulaire génerique. Revue Française de Pedagogie, Paris, n. 100, 1992, p. 19-33.

sobre as crianças, distinguem os papéis (com uma fraca presença paterna), concedem um lugar insignificante à socialização externa. Estes são pais normativos que insistem sobre o conformismo, ou seja, com uma forte demanda por integração social. Querem que a escola socialize e que a infância seja preservada dos julgamentos escolares que a invalidam e ajustam suas aspirações às suas chances, ignorando, mais frequentemente, os usos da escola que podem fazer a diferença na competição. Oscilam entre a submissão e a recusa da escola, entre a defesa de um modelo de socialização "republicano" e de preservação de uma esfera privada (DUBET; MARTUCELLI, 1996).

Zanten (1996) nos afirma ainda que

O estilo estatutário , por exemplo, caracteriza-se por um monitoramento coercitivo dos pais sobre os filhos e por uma forte diferenciação dos papeis educativos do casal, juntamente com uma grande reserva em relação às formas de socialização oferecidas pela escola e às diversas solicitações dos agentes da instituição (ZANTEN, 1996, tradução nossa).

No segundo tipo encontram-se as famílias matriarcais , muito próximas das precedentes pela sua preocupação com a acomodação da criança, o controle, a distinção dos papéis, o fechamento relativo; concedem um lugar privilegiado à proximidade entre pais e filhos: as fronteiras internas não são rígidas (PLAISANCE, 2000).

E, por último, a socialização realizada pelas famílias de classes médias pode ser descrita como contratual e está, ao contrário, atenta à auto regulação da criança; essas famílias buscam o controle pela relação e discussão, experimentam papéis pouco diferenciados entre pai e mãe, e são, enfim, as mais abertas às cooperações exteriores. A aprendizagem das normas é apresentada menos como uma imposição que como um exercício de discussão. Para esse grupo, a socialização escolar é, no máximo, complementar àquela da família e tem como objetivo desenvolver a autonomia e a criatividade da criança, baseada em pouca coerção, com eixo na motivação. Esta atitude dos pais está associada a um controle forte, formal e informal, sobre as crianças. Os pais estão convencidos assim pela certeza de agir em nome do bem-estar da criança, na escolha de amigos, nas atividades extracurriculares, nos passatempos e nos jogos. Às vezes, estão tentando manter um discurso defendendo a respeito dos "jardins secretos" da infância; no entanto, a autonomia do mundo infantil está sob alta vigilância (DUBET; MARTUCELLI, 1996).

No estilo "contratualista", o foco é na autonomia das crianças e na relativa indiferenciação de papeis do pai e da mãe, acompanhado por várias formas de

colaboração com a escola e uma maior integração da dimensão escolar em projetos familiares (ZANTEN, 1996, tradução nossa).

Para as classes médias, prevalece em grande parte a função instrumental da escola, ou seja, elas são as principais beneficiárias de um dispositivo que sabem bem como utilizar. Em síntese, um dos principais lados do projeto educacional das classes médias passa por um conhecimento psicológico da criança, por uma certa técnica de reflexividade pessoal, por uma cultura "terapêutica" que busca vincular a organização do eu às exigências do trabalho. O desenvolvimento da criança é, ao mesmo tempo, um ideal e um recurso a serviço do verdadeiro ideal, apresentado como um objetivo secundário: o sucesso acadêmico e profissional. Precisam da felicidade subjetiva envolvida em um comportamento acadêmico rentável. É por isso que o lugar mesmo da criança neste modelo é, apesar de todas as aparências, tão incerto. Os esforços teóricos para compreender o mundo da criança são, no fundo, atravessados por uma suposta homologia entre o mundo das crianças e as expectativas sociais dos adultos. Certamente, estas exigências são relativamente atenuadas no ensino fundamental, embora os pais saibam que os problemas escolares reais começam aí. Desde os anos iniciais de escolaridade, vê- se uma preocupação claramente maior em relação ao "desenvolvimento" da criança e à sua expressividade. No entanto, esta mobilização é significativa, pois se subordina às exigências do sucesso acadêmico a serviço de um sucesso social (DUBET; MARTUCELLI, 1996).

Para Plaisance (2000), não é correto afirmar que as famílias ditas desfavorecidas se desinteressam pela escola e pela carreira escolar de seus filhos, pois, geralmente, os pais se mostram particularmente preocupados com estas questões, seja qual for seu meio social ou seu tipo familiar, e atribuem um valor importante à escola, ao menos para que seus filhos possam ultrapassar a condição que é a deles, por exemplo, ascendendo a um emprego estável (PLAISANCE, 2000, p. 6). Entretanto, para Zanten (1996), pesquisas norte-americanas e britânicas concluem a este respeito que uma das características que diferenciam mais as atitudes de escolaridade dos pais de classe média em comparação àqueles das classes populares é o fato de que os primeiros visam a dar aos seus filhos uma educação escolar e não-escolar "sob medida", enquanto os segundos se contentariam, a maior parte do tempo, com uma oferta "genérica" de educação (ZANTEN, 1996).