• Nenhum resultado encontrado

O QUE OS ESTUDOS REVELAM

E, por último, a (in)visibilidade científica produzida menos pela ausência de investigações sobre as crianças e a infância e mais pelo tipo dominante de produção de

4 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO, AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS, O PODER JUDICIÁRIO E O CONSELHO NACIONAL DE

4.1 A E DUCAÇÃO COMO D IREITO

Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor pra formação do homem. (Carlos Drummond de Andrade)41

Desde finais do século XIX, com a consolidação dos valores democráticos, entende-se a educação como essencial à vida em sociedade e como um direito universal inerente a todo ser humano, independentemente de etnia, credo, classe ou qualquer outro estrato

40 Para Lascoumes , p. , um instrumento de ação pública constitui um dispositivo ao mesmo tempo técnico e social que organiza relações sociais específicas entre o poder público e seus destinatários em função das representações e das significações das quais é portador . Estes instrumentos podem ser: legislativo e regulador, econômico e fiscal, convenção e incentivo, informativo e de comunicação (LASCOUMES, 2012, p. 20).

social. E, à medida que os indivíduos têm acesso à educação de qualidade, tornam-se mais capacitados a reconhecer e a exigir as garantias do Estado na proteção e garantia dos seus direitos, pois, além de ser um direito social, a educação é também uma condição para usufruto dos demais direitos.

Somente em meados do século XX a criança passa a ser considerada como cidadão dotado de capacidade para ser titular de direitos, e, para isso, concorreram diversas convenções e declarações que consagraram, de forma clara, um conjunto de direitos fundamentais próprios e inalienáveis.

Proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948 através da Resolução 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas, é o marco principal em relação ao estabelecimento dos direitos universais do Homem. Declara, entre outros, como direito de todo e qualquer cidadão o acesso à educação em sua totalidade. O artigo 26 da referida Declaração afirma que:

1. Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos (ONU, 1948).

Além desta Declaração, sobressaem-se, entre outros tratados, contratos e acordos internacionais visando ao estabelecimento de uma pauta global de direitos do homem: a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, abonada pela IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, em abril de 1948; a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1959; a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, em dezembro de 1960; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1966; o Protocolo de São Salvador, adotado pela Assembleia da Organização dos Estados Americanos, em novembro de 1988; a Convenção sobre os Direitos da Criança, realizada na Assembleia Geral das Nações

Unidas, em novembro de 1989; a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, resultante da Conferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990; a Declaração de Salamanca, aprovada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, em dezembro de 1994, e a Carta dos Direitos Fundamentais, adotada pela União Europeia, em dezembro de 2000.

Para Sarmento, Tomás e Soares , p. , a Convenção dos Direitos da Criança apresenta-se como o principal exemplo da tentativa de legislar e regular a infância a nível internacional . No entanto, assiste-se a um hiato entre os termos internacionais e as realidades locais de milhões de crianças. Ainda para estes autores, os direitos das crianças foram sendo progressivamente adotados a nível global, entretanto ainda persistem os fatores de desigualdade social entre elas, apesar de todas as transformações positivas na promoção de melhores condições de vida. Incluem-se nos fatores de desigualdade as condições estruturais e as representações sociais, culturais, simbólicas e ideológicas subjacentes à idade e à geração.

Todas estas ações tinham por preocupação o estabelecimento de um entendimento global sobre a aplicação e manutenção de esforços no desenvolvimento da educação pública como direito universal inerente à vida humana. Entretanto, por vezes as intenções internacionais distam do exercício pleno dos direitos, pois sofrem diversas influências e limites impostos pelo contexto econômico, político e cultural, e, em alguns casos, isto dificulta sobremaneira a sua universalização.

Juridicamente no Brasil, é na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) que a criança passa a ser vista, pelo menos na forma da lei, como um sujeito de direitos. Entre os direitos sociais elencados está, em seu Art. 6º, o direito à educação e os fundamentos deste direito nos Artigos n. 205 a 214. O Art. 205 expressa que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família.

Assim, os direitos educacionais receberam proteção jurídica diferenciada, com especificação de seu conteúdo e formas de exigibilidade, ao considerar o ensino obrigatório como direito público subjetivo (SILVEIRA, 2012). Este direito confere ao seu titular a faculdade de agir em conformidade com a situação jurídica abstratamente prevista na lei, e de exigir de outro o cumprimento de um dever jurídico (CURY, 2002b). Este direito se realiza na própria pessoa, opondo-se ao direito objetivo que ocupa uma vertente externa ao sujeito, mas a ele direcionado. O direito subjetivo é intitulado público quando decorrente de norma de caráter público, sendo que o Estado representa uma das

partes do vínculo e tem a obrigação jurídica de ofertá-lo. Neste caso, é assegurado ao titular, em abstrato, o exercício de um direito, estando este autorizado a exigir daquele que detém a obrigação jurídica a transposição desse direito potencial em realidade factível (CARMO; ROCHA, 2014).

Reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que a efetividade do direito à educação das crianças e dos adolescentes deve contar com a ação integrada dos pais ou responsáveis e dos agentes escolares.

Com o mesmo alinhamento, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394, de 23 de dezembro de 1996, reforçou as garantias de acesso ao ensino fundamental como direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo (Art. 5º). No compasso da CF/88, o ECA repete os termos da Constituição e amplia para as crianças e adolescentes o rol de direitos previsto no texto constitucional e, em seu Art. 54, elenca o que o Estado deve assegurar em relação à educação de crianças e adolescentes:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de

idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola (BRASIL, 1988). (Grifos nossos).

Destaca-se que o referido artigo ainda não foi revisto e alterado em seu inciso IV, de acordo com a Emenda Constitucional n. 53/2006, de 19 de dezembro de 2006, que altera a CF/88, passando o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade. Em virtude do princípio da supremacia da CF, no que esta legislação diverge do texto constitucional, fica implicitamente revogada. Veja-se que a educação infantil se

estende até os cinco anos, mas nunca além; e o ensino fundamental deve, obrigatoriamente, se iniciar aos seis anos de idade.

Entretanto não basta que o direito à educação esteja garantido em leis. Para que haja justiça social é necessário que a educação oferecida a todas as camadas sociais tenha qualidade. Por qualidade social entende-se aquela em que há garantia de direitos de cidadania e inclusão social, com a participação das pessoas na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Educação de qualidade social é aquela comprometida com a formação do estudante com vistas à emancipação humana e social; tem por objetivo a formação de cidadãos capazes de construir uma sociedade fundada nos princípios da justiça social, da igualdade e da democracia (BELLONI, 2003, p. 232).

Assim, para a autora, a oferta de educação de qualidade como direito de cidadania contempla três dimensões específicas e complementares entre si, quais sejam, o acesso à educação, a permanência no sistema escolar ou em atividades educativas, e o sucesso no resultado do aprendizado.

Da mesma forma, Carmo e Rocha (2014, p. 893) destacam que, para atender aos preceitos proclamados em relação à educação, os sistemas de ensino devem, além de manter a garantia de vagas, estabelecer qualidade para atender às necessidades e especificidades dos diferentes indivíduos e grupos sociais, indistintamente .

Sem dúvida, conforme Castro e Regattieri , esse novo ambiente jurídico- institucional inaugura um período sem precedentes de consolidação de direitos sociais e individuais dos alunos e suas famílias CASTRO; REGATTIERI, , p. .

Para finalizar, durante muitos anos a educação não foi concebida como um direito fundamental em nosso país; entretanto, nos últimos anos, podem ser observados avanços significativos nas políticas públicas de universalização da educação básica. Contudo, apesar dos avanços expressivos, são ainda necessários maiores investimentos no sentido de garantir a igualdade de acesso, permanência, qualidade e gratuidade a todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros.

No entanto, sabe-se que a realidade social não se transforma por efeito simples da publicação das normas jurídicas; assim, essa proclamação não foi suficiente para garantir uma melhoria das condições de existência das crianças.

De fato, tem havido muita dificuldade em implementar alguns dos princípios, nomeadamente o direito que a criança tem de receber educação, gratuita, obrigatória e de

qualidade, principalmente nas etapas mais elementares – educação infantil e ensino fundamental. A Escola, por sua vez, sendo um espaço de filiação e de construção de identidades, de socialização e de diversidade cultural, tem um papel primordial na formação das crianças e jovens e, no caso da infância marginalizada, na promoção da sua (re)inserção social, já que a educação é, ou deve ser, um fator de integração e de inclusão, quer ao nível cultural quer ao nível social. Mais ainda, a educação é um direito fundamental das crianças, e importante fator de transformação dos indivíduos e das sociedades.