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E STRATÉGIAS E E XPECTATIVAS F AMILIARES PARA A E SCOLARIZAÇÃO DE SEUS F ILHOS

O QUE OS ESTUDOS REVELAM

E, por último, a (in)visibilidade científica produzida menos pela ausência de investigações sobre as crianças e a infância e mais pelo tipo dominante de produção de

3 PAIS E A ESTRATÉGIAS NA ESCOLARIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

3.2 E STRATÉGIAS E E XPECTATIVAS F AMILIARES PARA A E SCOLARIZAÇÃO DE SEUS F ILHOS

Primeiramente, destaca-se o sentido que o conceito de estratégia tem neste estudo, para em seguida, sem a pretensão de fazer uma abordagem extensa, trazer o que alguns estudos têm indicado acerca das estratégias e expectativas familiares para a escolarização de seus filhos.

Segundo Nogueira (2010, p. 127-128), nas discussões acerca da noção de estratégia encontra-se a questão da natureza consciente (explicita) ou inconsciente (implícita) das condutas educativas dos atores, mas também o sentido que estes últimos atribuem a elas . O termo estratégia, segundo Ballion31 (1986, citado por NOGUEIRA, 1998, p. 50), associa-se a decisões racionais, ou seja, à elaboração, por parte dos indivíduos, de um cálculo custo/benefício com vistas a maximizar seus investimentos . Segundo Zanten (1996), Ballion contribuiu largamente para popularizar a ideia de funcionamento da escola menos como um monopólio estatal a serviço das classes dominantes, e mais como um mercado onde os consumidores mais ou menos experientes procuram o produto mais adequado às suas necessidades: excelência acadêmica, prestígio social, reparação das dificuldades de aprendizagem... (ZANTEN, 1996, tradução nossa)

Já na teoria de Bourdieu32 (1989, citado por NOGUEIRA, 1998, p. 50), o conceito de estratégia – fundamental para a compreensão da teoria dos campos – é o instrumento de uma ruptura com o ponto de vista objetivista e com a ação sem sujeito suposta pelo estruturalismo (que recorre, por exemplo, à noção de inconsciente). Ela é produto do sentido prático que advém da participação no jogo que se joga nos diferentes campos sociais, em torno da apropriação/manutenção das espécies de capital específicas de cada campo. Assim, ao invés de submissão a regras sociais explícitas, as ações são concebidas como participação no jogo, sendo o bom jogador aquele que adquiriu o sentido do jogo , que faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige NOGUEIRA, 1997; 2010).

Perrenoud (1978) apresenta a aprendizagem escolar em parte como produto de uma atividade voluntária guiada por um projeto pessoal e/ou familiar, e também relacionada,

31 BALLION, Robert. Le choix du collège: le comportement éclairé des familles. Revue Française de Sociologie, XXVII, p. 719-734, 1986.

entre outros fatores, ao fenômeno denominado desigualdade social de formação, que indica que possuidores de um mesmo diploma não se encontram no mesmo nível no que diz respeito ao domínio de conhecimentos adquiridos ao longo do processo de escolaridade. As diferenças reais mantêm relação com a origem social dos sujeitos e evidenciam privilégios sociais desiguais – rendimento desigual, prestígio, interesse pela profissão, vida cultural, participação social e política. Há muitos anos a sociologia da educação tenta explicar a desigualdade social de formação, buscando os fatores que a determinam desde a primeira infância. Os jovens têm formações desiguais porque frequentaram em anos anteriores, um ensino cujas condições básicas de conteúdos, duração e níveis são diferentes (PERRENOUD, 1978, p. 133-137).

Acrescente-se aqui que, no Brasil, nem todos frequentam a pré-escola, visto que ela não está sequer perto da universalização. E, como verificou-se, sem serem por si só determinantes, as aquisições nesta etapa da educação básica têm grande importância na formação dos anos iniciais, e estes, sobre o decurso de uma existência.

Segundo Perrenoud (1978, p. 135), a aprendizagem escolar desigual é, por um lado, uma desigualdade atual de competências reais ou reconhecidas – pelo aluno, pelos seus familiares, pela escola e, por outro lado, é uma desigualdade virtual, que se manifestará cinco ou dez anos mais tarde, na medida em que a desigualdade atual determina destinos escolares distintos.

Não saber ler corretamente aos 12 anos exclui, portanto, todo um conjunto de ensinos que, pelo contrário, serão frequentados por aqueles que leem bem. De tal modo que a desigualdade no domínio da leitura contém em germe muitas outras desigualdades, incidindo algumas delas em conhecimentos completamente estranhos à língua, por exemplo em matemática (PERRENOUD, 1978, p. 136).

A conversão de um diploma ou de uma formação inicial num estatuto social resulta de uma sucessão de estratégias e de oportunidades, e se deve, muitas vezes, a determinantes estranhos à formação inicial. Contudo, a desigualdade social perante o mesmo ensino desempenha um papel crucial na vida do sujeito, visto ser desigual o domínio de conhecimentos e o destino escolar que implica, constituindo-se em fundamento de posterior seleção.

Do ponto de vista da democratização do ensino, a desigualdade diante de um mesmo ensino constitui um duplo problema. Para o autor, uma maior igualdade perante o mesmo ensino deixaria de alimentar os mecanismos amplificadores de seleção posterior e teria

um peso maior sobre a igualdade social das formações finais, mais do que as múltiplas reformas na estrutura do ensino.

O valor atribuído à educação depende de inúmeros fatores que incluem, além do tempo, da distância e dos riscos, particularmente o custo que é necessário à família despender. De uma classe social para outra, diferem as aspirações, a procura pela educação e os projetos de escolaridade. Depende, ainda, das vantagens esperadas, tanto em relação à própria formação como em relação às possibilidades de saídas profissionais que determinadas formações possibilitam. Estes fatores variam de uma classe social para outra, devido, simultaneamente, às desigualdades nas condições objetivas de existência e às diferenças de valores, de definição da realidade, de percepção das oportunidades, etc. Estas diferenças de aspiração e de projeto repercutem nos investimentos, por vezes desiguais (PERRENOUD, 1978, p. 136).

Para Sirota (1994), os quadros médios colocam na escolarização de seus filhos – vista como investimento –suas esperanças de mobilidade social. O investimento no início da escolaridade é visto como uma caderneta de poupança para o futuro êxito social. Se trata de dar uma boa largada naquilo que é vivido como uma corrida de obstáculos SIROTA, 1994, p. 128). Dessa forma, o período escolar organiza o período da infância, com um treinamento permanente no ofício de estudante para garantir o êxito acadêmico. Assim, o período do lazer quase se confunde com o tempo escolar.

Verifica-se nas sociedades contemporâneas grande concorrência por títulos escolares como forma de adquirir posições profissionais privilegiadas (COSTA, 2009). Para a autora, a escola é, sem dúvida, a instituição central nesse processo, e a família, uma das referências principais para a realização da identidade pessoal dos sujeitos, na qual circulam as expectativas sobre o futuro dos filhos, assim como a mudança ou ruptura destas mesmas expectativas. Diversos estudos mostram que os pais possuem projetos educativos para seus filhos e se utilizam de múltiplas estratégias para escolher estabelecimentos de ensino ou acompanhar o processo de escolarização destes. Concebida como estratégia por excelência para garantir um destino (pessoal e social) favorecido para os filhos, vê-se uma intensificação dos investimentos parentais na escolarização dos filhos (NOGUEIRA, 2005; RESENDE, NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2011).

Paixão (2007) faz uma análise de duas perspectivas teóricas sobre as relações família- escola: perspectiva de teorias utilitaristas, a partir das reflexões de Agnes Henriot-van

Zanten33, e perspectiva da sociologia da experiência, de François Dubet e Danilo Martuccelli34. Na primeira perspectiva, conclui que, em relação aos projetos de escolarização de seus filhos, as famílias fazem escolhas racionais diante da situação de competição em que vivem, avaliando a relação custo/benefício. Neste sentido, atuam como estrategistas, objetivando as melhores chances e os melhores caminhos que propiciem escolarização de sucesso e competitiva no mercado de trabalho, e a origem social é um ponto de referência a partir do qual os agentes procuram avaliar suas opções, os riscos, as vantagens e desvantagens de cada alternativa PAIXÃO, , p. . As análises nesta vertente utilitarista tendem a associar projetos de escolarização com projetos de mobilidade social e a interpretar o acompanhamento da escolaridade como indicador de investimento visando ao sucesso escolar. Em pesquisas realizadas principalmente na França sobre as estratégias instrumentais e de socialização, as famílias de camadas médias assalariadas têm expectativas de que a escola desempenhe papel importante na socialização de seus filhos e, ao mesmo tempo, tentam utilizar a escola como instrumento para estabelecer sua identidade de classe e a de seus filhos. Quando em escolas públicas, acionam estratégias de controle sobre os amigos dos filhos e sobre os lugares por eles frequentados. Procuram escolas não apenas com nível pedagógico alto, mas que também transmitam orientações sociais. Entre as camadas populares, há contrastes entre o que esperam da escola. Algumas famílias têm a expectativa de que a escola dê formação social e moral, enquanto outras esperam que a escola cumpra seu papel de instruir, pois a educação deverá vir de casa. Quanto ao estabelecimento, em geral se submetem aos critérios estabelecidos pelo poder público, mas algumas se utilizam de estratégias de evitamento de certas escolas. As famílias de elite controlam mais a escola e procuram estabelecimentos privados que operam forte seleção de alunos/as e que possibilitam um controle sobre os/as professores/as, sobre o funcionamento do estabelecimento e sobre as práticas pedagógicas PAIXÃO, , p. .

Zanten (1996) conclui que os elementos mais evidenciados nos estudos que analisa mostram as convergências e as contradições que emergem entre a utilização da escola como um meio de acesso aos diplomas mais rentáveis no plano econômico e social

33 ZANTEN, H.-van A. Stratégies utilitaristes et stratégies identitaires des parents vis-àvis de l école: une relecture critique des analyses sociologiques. Lien Social et Politiques – RIAC, Montreal, n. 35, p. 125-135, Printemps, 1996.

34 DUBET, F.; MARTUCELLI, D. Les parents et l´école: classes populaires et classes moyennes. Lien Social et Politiques – RIAC, Montreal, n. 35, p. 109-121, Printemps, 1996.

e sua utilização como instrumento de socialização. Para ele, estes dois objetivos podem estar estreitamente relacionados, no plano social, com a junção de uma lógica de mercado e de distinção social; e, no plano individual, à afirmação de uma identidade social específica através do aumento no desempenho escolar das crianças. No entanto, o traçado destas duas orientações, a nível coletivo, nem sempre é óbvio: as estratégias de sucesso e as estratégias de socialização podem ser contraditórias quando se trata de fazer escolhas de escolaridade para uma determinada criança ou de oferecer formação e educação ao nível de uma instituição, de uma área de formação ou de um sistema escolar como um todo. Esta possibilidade de contradição abre espaço de jogo para os atores sociais e uma nova área de pesquisa para os sociólogos da educação.

Na segunda perspectiva, da sociologia da experiência, o sentido da escolarização não se impõe de forma consensual ao conjunto da sociedade. Asseveram que no mundo contemporâneo ocorre um processo de desinstitucionalização da escola, no qual ela é vista como objeto de consumo e como um grande negócio. A pesquisa que desenvolveram versa sobre as expectativas dos pais, pertencentes às camadas médias e populares na França, sobre a escolarização de seus filhos. Tecem as análises a partir de um quadro de referência que considera que o sentido da escolarização construído pelos atores sociais articula três dimensões: a lógica instrumental, na qual a expectativa dos pais é a de que a escola dê mais chance na vida social e em um mercado de trabalho competitivo; a lógica da socialização, na qual a escola atua para favorecer a integração dos indivíduos em uma sociedade nacional, local, étnica, impondo a aprendizagem de conhecimentos e de valores; e a lógica da educação, que diz respeito à aquisição de valores e atitudes no processo de subjetivação do sujeito. Concluíram que há diferença entre as expectativas das camadas populares e das camadas médias em relação às três lógicas apontadas acima. Na lógica instrumental, as camadas populares tendem a revelar falta de ambição em relação à escola, pois não consideram reais as chances de que a mesma seja capaz de promover mobilidade social. Já ao contrário, os pais pertencentes a camadas médias utilizam a escola como estratégia instrumental para a promoção da mobilidade social. Por isso, acompanham o processo de escolarização de seus filhos, mantendo-se informados sobre o que se passa na escola e buscando compreender as bases do trabalho pedagógico que a escola realiza. Na lógica da socialização, nas camadas populares a expectativa é de integração, ou seja, mesmo rompendo com a cultura da esfera familiar e do bairro espera-se que a criança aprenda a ser polida, a respeitar os adultos e

a internalizar comportamentos considerados desejáveis pela sociedade. Nas camadas médias, a expectativa é de socialização contratual, ou seja, a aprendizagem de normas sociais deve se dar em decorrência de discussão, estimulando-se a motivação, a autonomia e a criatividade do indivíduo. Finalmente, na lógica da educação, a expectativa em relação à escola é marcada por ambivalência e tensão para as famílias das camadas populares enquanto nas famílias de camadas médias há o que a autora chama de harmonia vigiada . Para as primeiras, a escola é valorizada pela socialização e recusada pela destruição do sujeito individual, pois busca explicação das dificuldades escolares de seus filhos, colocando em questão os valores da família de forma a provocar angústias, sofrimentos, culpa e incertezas. Isso tende a não ocorrer nas segundas, que buscam articular a organização emocional e as exigências do trabalho escolar, ou seja, o sucesso escolar com a realização pessoal de seus filhos (PAIXÃO, 2007).

Stein (2010), analisando as estratégias traçadas pelas famílias de diversas classes e frações de classe na procura de espaços educacionais de atendimento no contra-turno da escola, verificou que as mesmas acabam se transformando em estratégias de investimento cultural. Em sua análise, estabelece seis tipos de estratégias para a utilização destes espaços alternativos pelas famílias: estratégia de socialização – complementação da socialização primária iniciada na família; estratégia assistencialista – definida por um determinante externo na escolha – o trabalho dos pais; estratégia de complementação – na qual os filhos podem realizar as tarefas escolares, ter aulas de reforço e complementar seu aprendizado; estratégia de guarda – decorrente da confiança que depositam na instituição ou alguém quando precisam trabalhar; estratégia de potencialidade – busca de atividades alternativas que contribuam para o desenvolvimento de novas potencialidades; estratégia de inclusão – complementação à aprendizagem de crianças deficientes.

Em pesquisa realizada por Paixão (2005), no Brasil, a autora procurou entender o significado da escolarização para um grupo de catadoras em um lixão do Grande Rio de Janeiro. Todas as entrevistadas valorizam a instituição escolar e esperam que essa se empenhe na educação de seus filhos, que se ocupe de sua socialização, promovendo integração à sociedade . Enfatizam mais a dimensão afetiva/relacional que a cognitiva, e esperam que seus filhos escapem de trabalhos desqualificados socialmente, como o do lixão, sem formular expectativas de promoção social PAIXÃO, , p. .

Em relação à expectativa de ascensão social por meio da escola, por parte de pais das camadas médias e médias altas de escolas particulares na cidade de São Paulo, Fevorini e Lomonaco (2009) concluem que estes tornam-se verdadeiros profissionais em acompanhamento escolar. Essas camadas coincidem nas expectativas, podendo destacar-se que: esperam que os filhos tenham prazer em aprender, a curiosidade aguçada, uma formação ampla em todas as áreas do conhecimento, inclusive nas artes e nos esportes, mas que, sobretudo, desenvolvam o pensamento crítico FEVORINI; LOMONACO, 2009, p. 80); esperam que a escola promova interação saudável entre os alunos e que seus filhos desenvolvam amizades sólidas e tenham prazer em ir à escola; e, ainda, esperam estabilidade na proposta pedagógica, no corpo docente e atenção individualizada por parte dos professores.

Em síntese realizada por Nogueira (2005, p. 564), abordando as tendências no campo da sociologia da educação acerca das relações entre o sistema escolar e a estratificação/mobilidade social, particularmente analisando o fator família, verifica-se que, entre os anos de 1950 e meados da década de 60, pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França voltam-se para a dimensão sociocultural da família – nível de instrução, atitudes e aspirações dos pais, clima familiar, hábitos linguísticos etc. – como poderoso fator explicativo das desigualdades de oportunidades escolares entre os educandos . Nos anos , o foco das pesquisas sociológicas sobre a temática, desenvolvidas principalmente na França e Estados Unidos, é a transmissão pela família a seus descendentes da herança material ou simbólica, analisada a partir da condição de classe do grupo familiar, sem levar em consideração o funcionamento interno das famílias. A partir dos anos 80, inicia-se um movimento de renovação do objeto, superando o plano das análises macroscópicas e das relações estatísticas entre a posição social dos pais e a performance escolar dos filhos (NOGUEIRA, 2005, p. 569), e passa-se a abordar a temática a partir das trajetórias escolares dos indivíduos e das estratégias utilizadas pelas famílias neste percurso. Com efeito, o termo estratégia passará, a partir de então, a ser um termo chave para o sociólogo ocupado com a problemática das relações família/escola NOGUEIRA, , p. . Outra questão emergente apontada pela autora refere-se à natureza das lógicas que regulam as estratégias das famílias em matéria de escolarização. Geralmente, os estudos dividem-se entre duas ênfases: analisam as práticas familiares sublinhando o caráter utilitarista de suas ações, acentuando as condutas de investimento que buscam a rentabilidade econômica e ocupacional dos

produtos da escolarização (diploma, distinção profissional , e, outras vezes, dão ênfase à dimensão identitária – qualidades morais para uma boa integração a certos meios sociais NOGUEIRA, 2005, p. 569). Esse olhar a partir do microssocial acompanha um novo modo de compreensão dos fenômenos sociais, que enfatizam a autonomia relativa dos sujeitos em suas ações, representações e valores, e que concebem a realidade social como resultante de um trabalho de construção permanente. Não se ignora o peso que os condicionantes externos exercem sobre o grupo familiar, mas este passa a ser concebido como portador de um projeto próprio, cuja dinâmica interna e forma de se relacionar com o meio social é, em boa medida, uma construção própria.

Assim, o funcionamento e as orientações familiares operariam como uma mediação entre, de um lado, a posição da família na estratificação social e, de outro, as aspirações e condutas educativas e a relação com a escolaridade dos filhos (NOGUEIRA, 2005, p. 569).

Há muitos anos que a sociologia da educação tenta explicar a desigualdade social de formação, ou seja, tenta isolar os fatores determinantes e reconstruir sua gênese a partir da primeira infância. Sob o ângulo da desigualdade social, a assimilação desigual perante o mesmo ensino, ao final dos anos iniciais do ensino fundamental, apresenta uma dupla face: é por um lado uma desigualdade atual de competências conhecidas (pelo aluno, pelos seus familiares, pela escola) e que, independente da continuidade dos estudos, implica uma série de consequências imediatas, como, p.e., no papel que exerce a leitura na diversão, e, por outro lado é uma desigualdade virtual, na medida em a desigualdade atual determina destinos escolares distintos. Ou seja, a desigualdade no domínio da leitura contém em germe muitas outras desigualdades, incidindo, algumas delas, em conhecimentos completamente estranhos à língua, por exemplo, em matemática . Do ponto de vista da luta contra a desigualdade social perante a escola, uma maior igualdade na educação inicial, mais que as múltiplas reformas na estrutura do ensino médio, constitui uma dupla vantagem no final da educação básica: deixaria de alimentar os mecanismos amplificadores de seleções e teria maior peso sobre a igualdade social. Assim a assimilação desigual dos conteúdos iniciais constitui o fundamento de seleções posteriores (PERRENOUD, 1978, p. 134-136).

Como se sabe, as aspirações, a procura pela educação e os projetos de formação diferem de uma classe social para outra. O valor atribuído a um tipo definido de formação depende de numerosos fatores, particularmente do custo que é necessário despender para adquirir esta formação (tempo, distância, trabalho, riscos corridos, despesas, etc.) e

das vantagens esperadas, tanto da própria formação como das saídas profissionais que ela oferece. Estes fatores variam de uma classe social para outra, devido simultaneamente à desigualdade das condições objetivas de existência e às diferenças de valores, de definição da realidade, da percepção de oportunidades etc. A aprendizagem escolar é, em parte, o produto de uma atividade voluntária, guiada por um projeto pessoal ou familiar. As classes sociais diferem não só no seu nível global de aspirações, mas também na sua inclinação para formar estratégias escolares a longo prazo, e na sua capacidade de as conduzir com conhecimento de causa (PERRENOUD, 1978, p. 136).

Segundo Zago (1994), em uma revisão das pesquisas realizadas no Brasil e no exterior, existe uma diversidade temática e disciplinar abordando a relação família e escolaridade.