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O P ODER J UDICIÁRIO E A J UDICIALIZAÇÃO DAS R ELAÇÕES E SCOLARES

O QUE OS ESTUDOS REVELAM

E, por último, a (in)visibilidade científica produzida menos pela ausência de investigações sobre as crianças e a infância e mais pelo tipo dominante de produção de

4 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO, AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS, O PODER JUDICIÁRIO E O CONSELHO NACIONAL DE

4.2 O P ODER J UDICIÁRIO E A J UDICIALIZAÇÃO DAS R ELAÇÕES E SCOLARES

Para Ribas e Souza Filho (2014, p. 41), o Poder Judiciário está legitimado a fazer cumprir a CF, podendo determinar medidas ao Executivo, ou inibir ações inconstitucionais deste, e esclarece que a judicialização quer dizer que questões políticas e sociais não estão mais sendo decididas somente pelas instâncias políticas tradicionais – Executivo e Legislativo – mas também pelo Judiciário . Asseveram que o juiz, ao passar a ver o mundo como um problema político, tem a obrigação de, ao proferir uma decisão, avaliar os resultados que ela irá provocar RIBAS; SOUZA FILHO, 2014, p. 43). E, ainda, apontam que o aspecto negativo da judicialização é que ela exibe as dificuldades enfrentadas pelos Poderes Legislativo e Executivo.

Segundo Cury e Ferreira (2010), cada vez mais o poder judiciário está sendo chamado a dirimir as mais variadas questões que antes não eram levadas a seu conhecimento. Asseveram que o processo de judicialização da educação ocorre quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e de julgamento pelo poder judiciário , o que significa a intervenção do poder judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas CURY; FERREIRA, 2010, p. 3-5).

De acordo com Silveira , a maioria das ações é levada a litígio em períodos específicos, ocasionadas por alterações nas políticas de oferta do atendimento educacional e na legislação .

Cury e Ferreira (2009), analisando as consequências da relação entre justiça e educação, apontam três questões importantes em relação ao sistema de educação: a) a transferência de responsabilidades de questões que podem ser resolvidas na própria escola para o sistema jurídico; b) a escola desconhece as atribuições do sistema de garantia de direitos; c) a necessidade de ações integradas entre a escola e o sistema de proteção da criança e do adolescente. Igualmente apontam três questões que se colocam em relação ao sistema de proteção: a) os integrantes do sistema jurídico desconhecem o sistema de ensino e despreparo dos seus membros para lidar com os problemas da educação; b) o exagero na forma de agir, levando a uma indevida invasão do sistema legal no educacional; e, por fim, c) a burocratização das ações, levando a efeitos tardios e inócuos (CURY; FERREIRA, 2009, p. 43-44).

Para Weber (1982), se há lei e se, a partir dela, regras são estabelecidas, a questão da desobediência a elas não deveria ser respondida pela jurisprudência, pois esta:

Estabelece o que é válido, de acordo com as regras do pensamento jurídico, que é em grande parte limitado pelo que é logicamente compulsivo e em parte por esquemas fixados convencionalmente. O pensamento jurídico é

válido quando certas regras jurídicas e certos métodos de interpretação são reconhecidos como obrigatórios. Se deve haver lei e se devemos estabelecer essas regras – tais questões não são respondidas pela Jurisprudência. Ela só pode afirmar: para quem quiser este resultado, segundo as normas de nosso pensamento jurídico, esta norma jurídica é o meio adequado de alcançá-lo (WEBER, 1982, p. 171). (Grifos nossos).

Para Sousa Santos, Marques e Pedroso (1996, p. 1-2), os tribunais são um dos pilares fundadores do Estado constitucional moderno, um órgão de soberania de par com o Poder Legislativo e o Poder Executivo , e estes, devido ao seu recente e crescente protagonismo social e político, constituem-se em um dos fenômenos mais intrigantes da sociologia política e da ciência política contemporânea . No entanto, apontam que este protagonismo judiciário traduz-se num confronto, entre outros, com o Poder Executivo. E, ainda, que a perda de coerência e de unidade do sistema jurídico se deve à sobrejuridificação das práticas sociais, que veio suscitar a questão da preparação técnica dos magistrados. Para eles,

Essas questões internas do sistema judicial não são abordadas e decididas num vazio social. Pelo contrário, a natureza das clivagens no seio da classe política, a existência ou não de movimentos sociais e organizações cívicas com agendas de pressão sobre o poder político, em geral, e sobre o poder judicial, em especial, a existência ou não de uma opinião pública esclarecida por uma comunicação social livre, competente e responsável, todos estes fatores interferem no modo como são abordadas as questões referidas (SOUSA SANTOS; MARQUES; PEDROSO, 1996, p. 9).

Ainda para estes autores, certos grupos sociais têm uma capacidade muito maior que outros para identificar os danos, avaliar a sua injustiça e reagir contra ela . Assim, referindo-se aos fatores sociais – classe, sexo, nível de escolaridade, etnia e idade –, apontam que os grupos sociais, que ocupam nessas variáveis situações de maior vulnerabilidade, são também aqueles em que tende a ser menor a capacidade para transformar a experiência da lesão em litígio (SOUSA SANTOS; MARQUES; PEDROSO, 1996, p. 15). Assim,

As funções políticas dos tribunais não se esgotam no controle social. A mobilização dos tribunais pelos cidadãos nos domínios civil, laboral, administrativo etc. implica sempre a consciência de direitos e a afirmação da capacidade para os reivindicar, e nesse sentido é uma forma de exercício da cidadania e da participação política. É por essa razão que as assimetrias sociais, econômicas e culturais na capacidade para mobilizar os tribunais, pondo uma questão de justiça social, põem simultaneamente a questão das condições de exercício da cidadania (SOUSA SANTOS; MARQUES; PEDROSO, 1996, p. 21).

Isso é da mesma forma para Barreiro e Furtado (2015), que, em seus estudos, concluem que a desigualdade social nas políticas públicas pode ser inferida pelas demandas individuais que geram direitos sociais desiguais aos cidadãos que possuem conhecimento da via judicial e aqueles que se resignam por desconhecimento desse instrumento.

Conforme Oliveira (1999, p. 72), para desmistificar a legislação e a justiça como

neutras , deve-se entender que a eficácia das normas constitucionais, em termos práticos,

depende de fatores jurídicos e políticos , e que, portanto, as chances de vitória são maiores quando as ações na justiça são acompanhadas de mobilização e organização da sociedade civil.

Para Azevedo (1999), a necessidade do direito resulta de os pontos de vista divergirem e da possibilidade da lei ser transgredida. Assevera que cada pessoa tem uma concepção de vida ou uma maneira de agir, o que leva, muitas vezes, a que a lei seja desrespeitada e descumprida. Sem isso, não haveria porque falar-se em direito ou aplicação do direito ou do Estado impor essa ou aquela conduta. Bastaria que as leis fossem respeitadas. Especialmente no caso do direito, o autor considera que o objetivo final é resolver os problemas existenciais da pessoa humana no seu relacionamento recíproco.

Em Geerttz (2006), encontramos que o direito também pode ser considerado como uma forma particular de se imaginar o mundo em meio a tantas outras áreas do

conhecimento, mas com a prerrogativa de se tratar de uma representação normativa, regulada numa determinada maneira de imaginar como devem ser as coisas (a lei) e como elas são (o fato), desenvolvendo um "sentido de justiça" que é sempre específico, "local", em dependência de como se relacionam fato e lei nos diferentes contextos (GEERTZ, 2006, p. 260).

Azevedo (1999) também nos diz que o direito envolve mais do que a legislação, envolve muitas outras relações, e, para compreendê-lo, devemos utilizar uma visão multifocal da sociedade. Para ele, a Constituição é composta de muitos princípios, e estes precisam ser desenvolvidos, desenrolados , por interpretação. Ela não é, por si, uma tábua de salvação e, como todos os textos, permite muitos entendimentos e aplicações (AZEVEDO, 1999).

Segundo Marmor (2013), o direito como uma prática social normativa pretende guiar o comportamento humano dando origem a razões para agir, e é profundamente interpretativo, envolvendo considerações valorativas. Assim, a interpretação talvez não seja puramente uma questão de determinação de fatos, nem de um juízo valorativo per se, mas sim uma mistura inseparável de ambos MARMOR, , p. .

Em Azevedo (1999), encontramos que a jurisprudência sobre determinados assuntos é criada quando juízes, advogados e promotores – entendidos como operadores do direito – passam, de geração em geração, o conhecimento de casos de conflito entre os membros da sociedade e transmitem uns aos outros como esses casos juridicamente podem ser resolvidos.

De acordo com Silveira (2010), a judicialização das relações escolares é um fenômeno recente, mas tem crescido dia-a-dia, gerando um aumento de ações judiciais movidas contra a direção das escolas e o Poder Estatal. Os motivos são vários, podendo- se destacar:

a) Demandas por acesso e permanência do aluno na escola: vaga em instituições de educação infantil; acesso ao ensino fundamental; não-concordância com os critérios para ingresso em educação profissionalizante e em educação de jovens e adultos; acessibilidade e atendimento especializado às crianças e aos adolescentes com necessidades educacionais especiais; permanência do aluno na escola em casos de penalidades por violação às normas escolares ou evasão escolar; dano moral; conduta discriminatória; documentos expedidos sem validade etc.

b) Demandas de responsabilidade municipal ou estatal: transporte escolar; melhores condições de funcionamento das escolas; regulação das mensalidades escolares; autorização e credenciamento de instituições privadas; reorganização de escolas públicas; municipalização; fechamento de creche em períodos de férias; financiamento da educação etc.

Segundo Ribeiro (2011), o STF tem um papel fundamental na análise das questões que são levadas até ele. Além da garantia do cumprimento dos preceitos emanados da CF – que devem ser fomentados através das políticas públicas, sejam elas originadas do poder central ou dos poderes locais –, acima de tudo, deve atuar em direção à manutenção da harmonia política-constitucional entre os entes federados (RIBEIRO, 2012, p.10).

Entretanto a judicialização pode ser um equívoco e causar transtornos aos sistemas de ensino, como ocorreu na questão das Ações Civis Públicas que provocaram alterações nas normativas que estabeleciam uma data de corte para a matrícula da criança na educação infantil e no ensino fundamental analisadas aqui nos capítulos 5 e 6.