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Ameaças de suicídio da mãe

No documento Ordens Do Amor - Bert Hellinger - 30-4-2013 (páginas 56-58)

HARTMUT: Durante toda a minha vida, falando grosso modo, estive sujeito a ameaças de suicídio por parte do mundo feminino. Estou sendo irônico. Minha mãe, depois do fracasso de seu casamento, sendo eu o filho mais velho, sempre me dizia: “Qualquer dia vou me matar.” Nunca concretizou isso, mas com essa atitude me estres- sou terrivelmente. Posso lembrar-me disso; foi realmente horrível. Começou quando eu tinha treze anos.

HELLINGER: Qual teria sido a solução? Sua mãe ainda vive?

HARTMUT: Sim.

HELLINGER: Continua dizendo isso hoje?

HARTMUT: Não, não. Agora está tentando prolongar sua própria vida e a de outros.

HELLINGER: Qual teria sido na época a resposta certa, a resposta liberadora? — Eu a dou a você. Para isso es- tou aqui. Quer ouvi-la?

HARTMUT: Certamente.

HELLINGER: Teria sido a seguinte: “Querida mamãe, não se preocupe; na hora certa farei isso por você.” HELLINGER (para o grupo): Reparam o efeito? Que chances teria a mãe de se suicidar, depois disso? E ele

também ficaria livre. Por mais estranho que pareça, traz bons resultados. Aqui trabalhamos também com tru- ques, quando são bons.

HARTMUT: Isso se repetiu com minha primeira mulher, mãe de meus filhos.

HELLINGER: Não quero saber disso agora.

(para o grupo): O que ele está fazendo? WILHELM: Continuando no problema.

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HELLINGER: Ele sabe a resposta. Poderia fazer com sua mulher o mesmo que teria feito com sua mãe. Mas fica no problema.

JOHANN: Esta frase só faz efeito quando ele a planeja como um truque e não acredita que finalmente tenha de cumpri-la?

HELLINGER: Quando ele diz a frase, só pode dizê-la com duplo sentido, e para isso se requer muita força. Dizê- lo a sério é fácil, mas dizer com duplo sentido, de modo que o outro tenha dúvida, é uma arte. Não deixa de ser um truque, mas exige força. Imagine que ele vá até sua mãe e lhe diga isso. Então os seus joelhos irão tremer.

JOHANN: Acho que pode acontecer que, ao dizer a frase, ele pense que realmente precisa cumpri-la, por não experimentá-la como de duplo sentido.

HELLINGER: Minha suspeita é que o próprio Hartmut já pensou seriamente que precisaria fazê-lo. Mas, nesse caso, a frase também o salvaria.

GERTRUD: Não entendi a frase, por não ter ouvido bem. Pode repeti-la para mim?

HELLINGER: Não, algo assim eu não repito.

HARTMUT: Sinto-me agora amordaçado, pois queria dizer que a segunda...

HELLINGER: Não quero ouvir isso agora, e isso você está percebendo corretamente. E não pode me forçar a is- so. Para que aconteça, precisa me ganhar primeiro. (para o grupo): Sobre o tema do suicídio vou contar-lhes uma história. É uma dessas que nos tocam. Quando a ouvimos, pode parecer que a morte e a separação foram revogadas. Assim, ela traz a algumas pessoas um alívio, como um copo de vinho tomado à noite. Depois do vi- nho elas dormem melhor, mas na manhã seguinte levantam-se de novo e vão trabalhar.

Outros, porém, quando tomam o vinho, ficam na cama e precisam de alguém que saiba despertá-los. Essa pes- soa lhes conta a história de um modo um pouco diferente, faz do doce veneno um antídoto, e assim eles desper- tam de novo e talvez se livrem do feitiço.

O final

Harold, um jovem de vinte anos, costumava agir como se fosse amigo íntimo da morte, e com isso chocava as pessoas. Contou a um amigo a história de seu grande amor, a octogenária Maude, com quem queria festejar o aniversário e o noivado e como ela, no meio desse júbilo, confessou que tinha tomado veneno e que, à meia- noite, estaria morta.

O amigo refletiu um pouco e, depois, contou-lhe a seguinte história:

“Num minúsculo planeta vivia, certa vez, um homenzinho. Como era o único ali, denominou-se príncipe, isto é, o primeiro, o melhor. Além dele, porém, também havia ali uma rosa. Antigamente ela exalava um delicioso perfume, mas agora parecia estar sempre murchando. O pequeno príncipe, que ainda era uma criança, fazia todo esforço para mantê-la viva. Durante o dia tinha de regá-la e à noite a protegia do frio. Contudo, quando ele próprio queria algo dela — como antes, às vezes, tinha sido possível — ela lhe mostrava seus espinhos. Não admira que com o passar dos anos ele ficasse saturado e resolvesse ir embora.

Primeiramente, visitou planetas vizinhos. Eram pequenos como o seu próprio planeta e seus príncipes eram quase tão excêntricos quanto ele. Nada o reteve lá.

Então chegou à bela Terra e achou o caminho para um jardim de rosas. Deviam ser milhares, cada qual mais bela, e o ar estava doce e pesado com o seu perfume. Jamais havia imaginado que houvesse tantas rosas — pois até então só conhecia uma —, e sua abundância e beleza o cativaram.

No meio dessas rosas, porém, foi descoberto por uma esperta raposa, que se apresentou como se fosse tímida. Quando viu que poderia engambelar o homenzinho, disse-lhe: ‘Talvez você ache belas todas essas rosas aqui, mas elas nada têm de especial. Crescem espontaneamente e precisam de pouco cuidado. Mas a sua rosa lon- gínqua é única, pois é exigente. Volte para ela!’

Então o pequeno príncipe ficou confuso e triste, e tomou o caminho que levava ao deserto. Lá encontrou um aviador que tinha feito um pouso de emergência e esperou que lhe fizesse companhia. Mas o aviador era um

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leviano que só queria divertir-se. Assim, o pequeno príncipe lhe contou que estava voltando para sua rosa. Logo que anoiteceu, esgueirou-se na direção de uma serpente. Fingiu que queria pisá-la e então ela o picou. Ele estremeceu e depois ficou imóvel. Assim morreu.

Na manhã seguinte, o aviador achou seu cadáver. ‘Espertalhão!’, pensou ele. E sepultou seus restos na areia.” Harold — assim se soube mais tarde — esteve ausente do funeral de Mau- de. Em lugar disso, pela primeira vez depois de muitos anos, colocou rosas no túmulo de seu pai.

Talvez se deva acrescentar que muitos que guardaram no coração a História do Pequeno Príncipe de Saint- Exupéry gostam de brincar com a ideia do suicídio e às vezes também o cometem. Nessa história encontram uma aura que inocenta e transfigura esse ato, como se fosse apenas uma brincadeira infantil, que realiza um so- nho infantil. Assim imaginam que seu desejo e sua esperança são mais fortes que a morte, e que esta talvez anu- le a separação, em vez de selá-la. E se esquecem de que o que chamamos de imortal é o que já sabemos que es- tá perdido e pertence ao passado.

No documento Ordens Do Amor - Bert Hellinger - 30-4-2013 (páginas 56-58)