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O amor, os preconceitos e a diferença em O Gato Ma lhado e a Andorinha Sinhá

Basta olhar para o título e subtítulo da obra para se saber que o livro apresenta um caso de amor. Mesmo que se possa supor que esse amor seria impossível, por causa das leis da natureza, o leitor não o chega a saber logo no início, podendo pensar que se trataria de uma histó- ria imaginada em que se apresentaria uma visão diferente do mundo. Antes de descrever a situação concreta da paixão e amor entre os pro- tagonistas, Jorge Amado serve-se dos versos do poeta popular baiano

182 Anamarija Marinovi´c Estêvão da Escuna7que imagina uma visão do mundo que “vai prestar

para nele se viver”, quando as pessoas conseguirem ver um gato maltês e uma andorinha casados. Este seria um mundo sem discriminações, em que todos teriam igualdade de oportunidades, em que as diferenças não apresentariam obstáculos e em que o amor e a felicidade eram o mais importante.

No poema popular, porém, há um verso, muitas vezes esquecido nos resumos e resenhas do romance, que é precisamente aquele em que se menciona que são os dois que andam a voar, sem se especificar como é que o Gato aprendeu essa arte: se por força do amor ou para se adaptar melhor à comunidade a que pertence a sua amada. Aqui já é possível vislumbrar-se alguma dificuldade com a qual o seu relaciona- mento seria visto e criticado na sociedade dos animais do parque. Entre o Gato e a Andorinha interpõem-se todos os obstáculos possíveis: o da pertença a diferentes espécies naturais (que, transposto para o mundo dos humanos, se interpretaria como o fator étnico ou racial), a idade (sendo a Andorinha ainda adolescente e o Gato muito mais velho do que ela), a religiosidade (ela é aluna da catequese do Papagaio e ele é uma criatura “sem lei nem Deus”), o estatuto social (uma vez que ele é pobre e apenas tem veludo roto, em que dorme, e ela, pela gentileza e educação, pode concluir-se que provém de uma classe mais alta).

Um outro fator que parece interferir no relacionamento dos dois é a sua experiência amorosa. Para a Andorinha, o Gato Malhado é o pri- meiro ser pelo qual se apaixona, enquanto ele já foi conhecido pelas suas numerosas aventuras, tendo na sua juventude partido os corações de muitas gatas, uma coelha e uma raposa. A estes elementos que difi- cultam a realização do amor entre os dois, une-se também a diferença dos caracteres: ela dá-se bem com todos os habitantes do parque e ele tem uma fama muito má, sendo considerado egoísta, pessimista, ladrão e assassino, sem que para as últimas duas acusações existam quaisquer provas, a não ser a sua aparência feia e mal-humorada.

7 Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Uma história de amor,

Rio de Janeiro, Record, 1976, p. 7.

O amor, a diferença e o preconceito no romance O Gato

Malhado e a Andorinha Sinhá 183 Embora possa parecer caricato reunirem-se tantas diferenças num só caso de amor, todas elas existem justamente para se afirmar a ideia do amor todo-poderoso que ultrapassa as barreiras e subverte, pelo me- nos temporariamente, a ordem preestabelecida e tenta anular os pre- conceitos arraigados. De acordo com Gbezala Almeida8, no contexto escolar este romance poderia ser trabalhado para fomentar o respeito pelos afetos e a pluralidade de concepções que existem na sociedade acerca da sexualidade, incentivando a melhoria das relações interpes- soais entre os jovens, salientando a tolerância para as diferenças pes- soais e eliminando os comportamentos que se baseiam em qualquer tipo de discriminação.

Antes de nos debruçarmos com mais pormenor sobre a história de amor entre os protagonistas, analisaremos brevemente alguns outros casos amorosos que constam na obra e que vale a pena mencionar.

O Vento inicialmente declarou os seus sentimentos à Manhã, e ela, em o amar, calculou todas as possibilidades desse casamento, encon- trando-se entre as vantagens a oportunidade de viajar pelo mundo e de ser ajudada pelo seu marido nalgumas das tarefas rotineiras do dia-a- -dia. O que, porém, a repeliu nesta ideia é o gosto do Vento de levantar as saias das mulheres e de ser uma pessoa instável, com numerosos defeitos e aventuras. Nesta situação, não se pode falar propriamente de uma história de amor, mas apenas de um caso de sentimentos não correspondidos por causa da incompatibilidade de interesses.

Na parte inicial da obra descreve-se o pato preto que faz corte à pata branca. O facto de, entre eles, existir a diferença na cor da plumagem, não provoca murmurações nem condenação por parte dos habitantes do parque e várias vezes é sublinhado que está bem ver-se “pato com pata”, implicando-se a igualdade a nível da espécie e, provavelmente, do estatuto social. Uma vez, porém, é discretamente mencionado que

8 Gbezala Almeida, O contributo da disciplina de Português no âmbito da Edu-

cação Sexual em contextoescolar, Projecto de estudo da obra O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, 8.oano de escolaridade, Grupo 300 do Agrupamento de Escolas de

Matosinhos, Escola Básica do 2.oe 3.ociclos de Matosinhos, 2010/2011.

184 Anamarija Marinovi´c o pato é “monógamo por força”, sendo a sua esposa a única pata no parque. Em nenhum parágrafo se descreve a força dos sentimentos ou a harmonia matrimonial entre eles, pelo que se pode deduzir que o seu casamento não é resultado do amor mútuo, mas apenas de uma convenção social.

Outro casal que merece a pena ser analisado é o dos pais da Ando- rinha Sinhá, para os quais é importante os cônjuges serem da mesma espécie e bons pais, e que, para salvarem a sua filha da má companhia do Gato Malhado, ultrapassam qualquer medo e dificuldade. Pouco se sabe, porém, se eles se amam, uma vez que o livro não apresenta nenhum sinal de carinho e ternura.

O casal dos pombos, “monógamos por convicção”, parece desmen- tir um pouco a imagem arraigada sobre a fidelidade a um só parceiro, muitas vezes comprovada pela ciência e elogiada pela poesia. Neste caso há que abordar o assunto do adultério encarnado no nascimento do Pombogaio, um pássaro estranho que falava a língua dos homens. Para sublinhar mais o envolvimento do Reverendo Papagaio nessa re- lação pecaminosa, o autor discretamente descreve as longas viagens do Pombo-Correio e a necessidade do catequista e pregador do parque de levar “o alimento espiritual” à pomba. Ainda que todos os animais te- nham certamente reparado no aspeto incomum da cria, o pássaro foi oficialmente registado como filho do casal dos pombos. Nesta parte da história é necessário sublinhar o carácter ingénuo do pombo com o qual, de forma bastante original, se elabora o estereótipo literário do marido enganado e destaca-se também que, ao reconhecer um filho que obviamente não é seu, o pássaro pretende ignorar a falsidade da sua es- posa para salvar a aparência de uma família forte e feliz.

O caso do nascimento do filho ilegítimo do Papagaio é apenas o re- sultado de uma das suas numerosas aventuras e histórias de amor, pois seduz as suas alunas da catequese, escondendo-se detrás de um elo- quente discurso religioso e moralista. Secretamente apaixonado pela Andorinha, embriaga-se na noite do seu casamento e diverte a assis- tência com brincadeiras e piadas de mau gosto e, certamente, de teor

O amor, a diferença e o preconceito no romance O Gato

Malhado e a Andorinha Sinhá 185 erótico. Esta é uma evidente crítica, não apenas a algumas práticas de uma parte do clero católico, como o é muito mais da hipocrisia e mentira presentes na sociedade.

Na situação do Galo Don Juan, de Rhode Island, que é maometano e tem um harém de galinhas, parece não haver lugar para o amor no sentido em que se entende a palavra nas culturas monógamas. Ainda que a Galinha Carijó seja a sua preferida, trata-se mais da satisfação da pulsão sexual do Galo e da sua forma de ostentar o poder viril, conquis- tando frangas cada vez mais novas. Nenhum dos habitantes do parque considera a sua poligamia estranha, nem reprovável, seja pela espécie para a qual é natural ter mais do que uma fêmea ao seu lado, ou pela clara menção da sua pertença à religião maometana.

A maioria dos casos de amor analisados até aqui, curiosamente, tem pássaros como protagonistas, o que ainda mais enfatiza o problema de a Andorinha Sinhá se ter apaixonado por um gato. Os relacionamentos amorosos que foram apresentados, ainda que decorram entre represen- tantes da mesma espécie, muitas vezes são supérfluos, sem substância, nem sentimentos sinceros, mas não é isso que impedirá os habitantes do parque de julgarem os dois amantes verdadeiramente apaixonados – o Gato Malhado e a Andorinha.

A última paixão que nos pareceu interessante, além da dos protago- nistas, é a ilusão que teve a Goiabeira em relação ao Gato, que todos os dias vinha coçar-se contra a sua cortiça. Apaixonada e querendo pare- cer mais bela, a árvore consultou um cirurgião plástico que lhe retirou todas as irregularidades do corpo. A partir de então, o Gato nem sequer olhava para ela. Gostava de estar na sua presença porque, precisamente, as suas curvas e rugas eram o que o atraía. A lição que este episódio dá ao leitor é sobre a auto-aceitação, sobre o autoconhecimento e a ideia de que se uma pessoa não gosta de si mesma tal como é, os outros não lhe darão nem respeito nem amor.

Como já foi referido, o assunto central desta obra é o amor con- trariado e impossível entre dois animais completamente diferentes: um Gato e uma Andorinha, que põe ante os leitores muitas questões, ao

186 Anamarija Marinovi´c mesmo tempo difíceis e interessantes: a (im)possibilidade de ultrapas- sar as diferenças, a atitude que tomaram ou deveriam tomar os prota- gonistas em defesa dos seus sentimentos, a aceitação do Outro e de si mesmo, a (im)possibilidade de eliminar os estereótipos e preconceitos. Uma outra pergunta que surge é: mesmo sem todas as dificuldades que se interpunham entre as personagens centrais, se a sua relação teria um futuro feliz a longo prazo? Com as diferenças de ambientes em que vivem e do caráter pessoal (a nosso ver, as mais importantes neste con- junto de obstáculos), será que o Gato e a Andorinha seriam realmente satisfeitos um ao lado do outro?

Embora seja verdade que, durante o seu namoro e, especialmente, nas estações da primavera e do verão, os temas da conversa nunca fal- tam, que o Gato e a Andorinha fazem tudo para se conhecerem e acei- tarem, é legítimo pensar-se que depois da primeira fase da paixão e do encanto, as suas diferenças (naturais ou adquiridas) seriam muito mais visíveis e que começariam a incomodar as duas partes do casal. Os seus medos de não serem aceites pelos animais do parque seriam cada vez mais acentuados e talvez se confirmasse a lei natural segundo a qual os gatos e as andorinhas são inimigos. O que nos faz pensar desta forma são os ciúmes que o Gato demonstra quando a sua amada frequenta as aulas da catequese com o Papagaio, ou quando o Rouxinol se aproxima dela.

Pela reação da Velha Coruja ao “mal de amores” do protagonista, vê-se que o seu amor, mesmo sem todas estas dificuldades, seria de curta duração. Mesmo acreditando nos sentimentos da jovem pelo Gato, a Coruja é racional e recorda a existência da “lei das andori- nhas”, uma regra natural que existe “desde que o mundo é mundo”, pela qual às andorinhas é proibido casarem com gatos. Como é óbvio, a ave sábia refere-se ao facto de os gatos usarem os pássaros na sua cadeia alimentar. No “Parêntesis das murmurações”, a preocupação da Cadela9 é também justificada pelo mesmo argumento. Uma vez que

nunca houve casos de tal relacionamento na natureza, esta personagem

9Jorge Amado, 1976, p. 44.

O amor, a diferença e o preconceito no romance O Gato

Malhado e a Andorinha Sinhá 187 defende o seu ponto de vista com o comentário que “o Gato é ruim, só quer almoçar a pobre Andorinha”. Além de perigoso, que talvez seja o único obstáculo justificável, este relacionamento seria “imoral e feio”10.

Ninguém do parque fundamenta a perspetiva da “imoralidade” des- te amor, muito menos da sua “fealdade”, com razões fortes e contun- dentes, a não ser qualificando o Gato de “ruim”, “criminoso” e de ou- tros adjetivos pouco decentes. O argumento mais frequente que todos usam é a frase “onde já se viu?”, repetida seis ou sete vezes, apenas na parte dedicada à bisbilhotice dos animais. Neste momento cabe discutir um pouco o conformismo e a mentalidade fechada do meio pequeno, que não é nem capaz, nem está preparado para aceitar nada que saia um pouco da ordem estabelecida e da convenção, da realidade limitativa e abundante em preconceitos. De acordo com Aline Maciel11:

Embora coloque em evidência o romance melancólico de dois seres de habitats antagônicos, naturalmente diferentes e, até mes- mo, inimigos, o texto toca também no problema do preconceito, da intolerância e da hipocrisia. Amado remete-nos para o tempo em que os animais falavam e, alegoricamente conta, na verdade, uma história de gente, deslocando a hierarquia dos lugares ins- tituídos, revisando valores. Através das personagens são feitas críticas não só ao comportamento dos homens, mas também às suas instituições, como a Igreja e a Academia. Assim, rompe com a função moralizadora da fábula num desvelamento crítico do jogo social e suas hipocrisias.

Os preconceitos sobre o Gato, com base no seu temperamento mal- -humorado, nos seus hábitos solitários, na forma como trata os habi- tantes do parque, não diminuem nem sequer quando os salva da Cobra-

10Jorge Amado, 1976, p. 45.

11Aline Maciel, “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá – Uma História de Amor.

A crítica social de Jorge Amado em uma obra Infanto-juvenil” in http://coralx.ufsm.b r. O site foi consultado pela última vez no dia 25 de agosto de 2012.

188 Anamarija Marinovi´c -cascavel. Em vez de reconhecerem o seu ato heroico, todas as perso- nagens, com a exceção da Andorinha, começam a inventar informação sobre ele para o denegrirem ainda mais e manterem a sua opinião ne- gativa. Enquanto para uns a expulsão da cobra é um “exibicionismo primário”, para outros é o resultado da sua suposta doença incurável, ou ainda uma forma falaciosa de se aproximarem dele com a intenção de afastar os seus inimigos. Nestas passagens nota-se a ideia que é difícil eliminar os preconceitos, até depois de provas contundentes e que a sociedade (sobretudo as comunidades pequenas, em que todos se conhecem e todos se ocupam da vida e dos problemas dos outros) necessita de grandes e radicais mudanças. Para tal acontecer é impres- cindível uma reforma a todos os níveis: político, cultural, educacional, social.

Em muitas resenhas e resumos deste livro que temos lido, apregoa- -se a aceitação da diferença a favor do amor e condena-se fortemente a intolerância e o preconceito em relação ao Outro. Não se pode po- rém esquecer que, entre a utopia e a realidade, muitas vezes se impõem razões e fatores pelos quais nem sempre resulta fácil respeitarem-se os valores defendidos e que, em muitas situações, é gratuito verbalizar uma ideia e complexo e duro realizá-la. No caso do Gato e da Ando- rinha tudo parece estar em ordem entre eles, embora os protagonistas desta história por vezes se esqueçam de que as aves dormem em ninhos e não em pedaços de veludo. Neste namoro, para além das murmura- ções e preconceitos há, de fato, causas reais que os separam. Mais do que as físicas e concretas que já evidenciámos, uma das razões que põe termo a este amor são os seus próprios medos e a consciência das suas limitações naturais.

Como um exemplo flagrante da não-aceitação da diferença por par- te dos habitantes do parque, cita-se mais uma parte do “Parêntesis das Murmurações”: “pombo com pomba, pato com pata, pássaro com pás- saro, cão com cadela e gato com gata”12. Ainda que se especifiquem

pares de machos e fêmeas da mesma espécie, na parte da citação “pás-

12Jorge Amado, 1976, p. 44.

O amor, a diferença e o preconceito no romance O Gato

Malhado e a Andorinha Sinhá 189 saro com pássaro”, já não se mencionam as espécies, mas sim as famí- lias de animais. Isto significa que há aqui uma determinada duplicidade na possibilidade de interpretar a diferença. Quando a andorinha Si- nhá é obrigada a casar-se com o Rouxinol, este casamento é bem visto, mesmo que os noivos não pertençam exatamente à mesma espécie, mas ao mesmo subgrupo de animais. Enquanto o Pai Andorinha tem vários argumentos a favor do seu futuro genro (é belo, gentil, jovem, canta bem e é da “raça volátil”), a Mãe Andorinha apenas se preocupa com casá-la para não ter que tolerar o “mau comportamento” da filha. As razões pelas quais o Pai aceita o Rouxinol são também de ordem super- ficial (o seu aspeto físico, a idade, a educação, a forma em que exerce a sua profissão de cantor e a origem étnica e racial), sem se importar minimamente com a existência de sentimentos e a felicidade da filha.

Partindo de lugares comuns e estereótipos literários, Jorge Amado usa-os precisamente para os desmanchar na sua história: o relaciona- mento começa na estação da primavera, quando a natureza se desen- volve, as flores lançam os seus cheiros mais agradáveis e quando tudo parece propício para o amor. Um pouco mais adiante, o autor dirá que o amor pode acontecer também em pleno rigor do inverno, dependendo daquilo que vai em cada coração. A ideia de conhecer melhor o Gato, o inimigo temido, para a Andorinha começa como uma brincadeira de adolescente, quando se escondia e lhe atirava gravetos para cima do dorso, o que é um outro preconceito muito comum, que os amores dos adolescentes não são sérios e não podem ser profundos. Para desmen- tir esta imagem estereotipada, Amado refere que a Andorinha deixou de praticar esse seu jogo quando se deu conta que poderia magoar os sentimentos do Gato.

O terceiro lugar-comum nas histórias de amor é que, às vezes, o aspeto físico ou o caráter do ser amado não é agradável após o primeiro contacto. Partindo da imagem que a protagonista tinha deste animal no parque (“feio”, “feiíssimo”, “tolo” ou “convencido”), o autor afirma que, precisamente, estas eram as razões pelas quais ela decidiu falar

190 Anamarija Marinovi´c com ele, conhecê-lo melhor e certificar-se de que ele tinha coração e que não era tão mau como o descreviam todos.

O último estereótipo deste romance é que o amor transforma as pessoas e torna-as melhores e mais generosas, o que aconteceu com o Gato. Estando apaixonado não agredia ninguém, mostrou que era capaz de sentimentos e ações nobres, até era mais sociável. O seu amor, porém, parece invisível para prevenir ou impedir o casamento do Rouxinol com a sua amada, ou pelo menos para se declarar e pedir a sua mão aos seus pais.

Apesar de conhecer a velha lei sobre a inimizade entre os gatos e as andorinhas, o que lhe interessa inicialmente é saber se eles os dois eram ou não inimigos. Embora pareça que este amor é daqueles que se oporiam a qualquer dificuldade, o Gato está plenamente consciente das suas diferenças, quando pede indiretamente a sua amada em casamento. A parte fulcral nesta declaração de amor é a frase condicional que in- dica impossibilidade: “se eu não fosse um gato”13. A esta pergunta, a

andorinha Sinhá não responde com outra condicional, que poderia ser “se eu não fosse uma andorinha, casava-me contigo”. Nem sequer é corajosa de dizer abertamente aos seus pais que ama o Gato. Nenhum dos dois se levanta em defesa do seu amor e deixam que os seus pró- prios medos e cobardias os separem muito mais do que a opinião da sociedade, os seus preconceitos e intolerância ou as leis da natureza e as suas diferenças.

Conforme o tempo passa e a relação entre os dois se torna cada vez mais impossível, a história torna-se mais séria e triste, os protagonistas mais distantes um do outro, até o seu infeliz destino ser selado com uma pétala de rosa, que parece uma ferida a sangrar e uma lágrima, que condena para sempre este amor ao fracasso. Este poderia ser o último dos lugares comuns das histórias amorosas que Jorge Amado usa para subverter os lugares comuns e preconceitos sobre o destino

13Jorge Amado, 1976, p. 42.