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Foi em Sintra, ao lado desta Lisboa, que encontramos os primeiros sinais da convergência de projetos entre Gilberto Freyre (1900-1987) e Jorge Amado (1912-2001), nos anos ’30.

Ao levantar a correspondência entre Ferreira de Castro (1898-1974) e o criador da sedutora Gabriela, feita de cravo e de canela, constata- mos, logo nas primeiras cartas de Jorge, uma inquietação que nos de- volvia, de modo inesperado, às pesquisas que vínhamos fazendo em torno de Gilberto Freyre.

Foi no Museu Ferreira de Castro, portanto, onde Ricardo Alves e sua equipe nos receberam com enorme boa vontade e atenção profis- sional, que percebemos a vinculação temática entre o antropólogo do Recife e o romancista de Salvador.

112 Antonio Dimas Em 1933, saía a primeira edição de Casa Grande & Senzala, livro inaugural de Gilberto Freyre, cujo foco imediato reavalia a inserção do legado negro na urdidura da cultura brasileira. Em 1935, dois anos depois, Jorge Amado publicava Jubiabá, romance que vinha na esteira de outros três anteriores – O país do carnaval, 1931; Cacau, 1933; Suor, 1934 – mas que alargava, de vez, o espaço para a inquestionável presença africana na cultura urbana da Bahia litorânea. Já na primeira cena do romance, quando o preto Balduíno nocauteia o alemão Ergin na praça principal de Salvador, o narrador deixa bem claro a quem cabe o lugar privilegiado daquela estória: ao negro baiano, cujos antepassados haviam sido arrancados, um dia, do outro lado do Atlântico.

Se nos três romances anteriores, ocupou-se Jorge Amado das fran- jas sociais de Salvador, centrando a ação deles em torno do desenraiza- mento intelectual (O país do carnaval), do dilema de classe (Cacau) ou da penúria material e social (Suor), em Jubiabá, seu quarto romance, consolida-se sua temática negra ou, mais que isso, seu reconhecimento do componente racial na constituição do povo brasileiro. Um pouco depois, em 1943, quando lançaria Terras do sem fim, completava-se seu portfólio temático, pronto para se desdobrar nos anos seguintes, e que se basearia, de preferência, na noção de posse, seja da terra, seja do corpo. Do corpo alheio ou do próprio.

A cena inaugural de Jubiabá, repita-se, é altamente sintomática dessa nova perspectiva romanesca, que se abre de forma definitiva para o grapiúna de Ilhéus.

Tempos atrás, no posfácio para nova edição desse romance2, come-

çamos por um paradoxo ao afirmar que o personagem Jubiabá “não é o centro de Jubiabá!” que o centro de Jubiabá “é Antônio Balduíno, negão sarado que já entra no romance dando porrada e destruindo um alemão com nome de deus germânico: Ergin.”3.

2Jorge Amado, Jubiabá, São Paulo, Companhia das Letras, 2008, pp. 325-341. 3Jorge Amado, 2008, p. 325.

Em torno da cultura do negro brasileiro: o projeto comum

de Jorge Amado e de Gilberto Freyre nos anos ’30 113 Retomando, de modo rápido, o romance, comentamos a luta que lhe dá início:

Em pleno largo da Sé de Salvador, marco zero da cidade e ponto de partida do romance, Balduíno e Ergin se atracam em luta de boxe, protegidos pela sombra da Igreja da Sé. Apesar da supre- macia ariana, tão apregoada naqueles anos 30, vence Balduíno, o mais instintivo, o menos preparado, o mais natural. Ciclope enfurecido, enxergando com um olho apenas – porque o outro tinha sido esborrachado, pouco antes, por um murro certeiro do alemão –, Balduíno nocauteia o adversário, derruba-o na lona e com isso desmonta a suposta superioridade de quem viera da Europa Central. Na frente de uma platéia improvisada, mestiça, barulhenta e sem modos, Balduíno vira rei. Majestade que, logo em seguida, vai ser devolvida à condição de populacho, depois de trocar de roupa no mictório público e antes de procurar a na- morada na zona.

Em instantes, Balduíno conhece a glória, que eleva, e o chão, que o enquadra.

Se no romance de formação convencional o herói acumula ges- tos virtuosos como forma de melhor se ajustar aos ideais da so- ciedade em que vive, Balduíno também não deixa por menos. A diferença é que, num contexto de forte desequilíbrio econômico e de inegável prevenção racial, a luta de boxe não é caminho para atingir o ideal. Nem para simbolizar, com facilidade e clareza, a oposição entre o pobretão preto e o ariano de raça. A luta é, no mínimo, para se fazer gente. Para ser visível, pelo menos. Para se ter uma brecha para respirar, se não for pedir muito.

No romance de formação europeu, tecnicamente conhecido co- mo Bildungsroman, a luta do herói é a de se mostrar tão viável quanto seus pares brancos. Para alcançar esse patamar, o herói precisa praticar as virtudes que dele espera a sociedade que o cria e o cerca. Na adequação aos trópicos, por sua vez, o protagonista do nosso romance de formação precisa mostrar, primeiro, que é gente. Sua luta, portanto, parte de piso mais inferior, se a ênfase não for ofensiva. Seu piso está lá embaixo. Abaixo daquilo que www.lusosofia.net

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a convenção social estipula como aceitável: sua glória vem do olho empastado de sangue; sua roupa se troca em lugar de dejeto público; seu prazer se busca em mulher de zona. A struggle for life dessa fera é mais literal que metafórica. Daí a batalha de Balduíno ser de maior envergadura. Primeiro, ele precisa mos- trar que é gente.

Depois, que é gente que pensa e que sente, apesar de negro e de pobre. Mais que acumular gestos virtuosos, Balduíno precisa, primeiro, descartar heranças tidas como atávicas.

Um percurso como esse exige força física e desassombro, às ve- zes suicida. E isso não falta a Balduíno, que de moleque abando- nado se torna líder grevista, num percurso sinuoso e carregado de problemas.4

Pois foram as primeiras origens desse Atlas negro que surpreende- mos, sem querer, numa manhã tranquila de verão tardio em Sintra, em 2005.

Folheando a pasta que contém a correspondência entre Jorge Ama- do e Ferreira de Castro, deparamo-nos, logo no início, com uma cur- tíssima frase de Jorge em bilhete sumário: “Estou recolhendo material para um romance – Jubiabá – sobre negros”5. Datada de 20 de junho

de 1934, a frase clara e sumária impressionou-nos pela assertividade do título, escolhido muito antes de a criança nascer. Afinal, tratava-se de um romance ainda em gestação elementar.

Acutilado pela frase, fomos às cartas restantes, em busca de outras migalhas informativas, que não tardaram.

Nesse momento – 1934 – Jorge tinha apenas 22 anos, três romances e repercussão limitada. Não que Ferreira de Castro fosse muito mais velho. Contava apenas 36 anos, mas dois de seus livros – Emigrantes (1928) e A selva (1930) – já haviam-lhe aberto as portas brasileiras, graças à ação altamente dramática dessas duas narrativas.

4Jorge Amado, 2008, pp. 325-326.

5Museu Ferreira de Castro. Cota: MFC/B-1/Sr. 2072 - Cx. 160. 20 de junho de

1934.

Em torno da cultura do negro brasileiro: o projeto comum

de Jorge Amado e de Gilberto Freyre nos anos ’30 115 Em Emigrantes, o português emigrado, fugido da miséria campo- nesa, cai no engodo do café paulista, ávido para triturar outras carnes que substituíssem a do escravo mal libertado do eito. Em A selva, é a borracha amazônica que mastiga, engole e cospe o incauto estrangeiro. Com esses dois romances, Ferreira de Castro já alcançara repercus- são polêmica no Brasil, onde alguns críticos zelosos do brio nacional se melindraram com a “visão negativa do país”, clichê que sempre surge em momentos de euforia nacionalista, em vias de ser inaugurada por Getúlio Vargas com a “Revolução de 30”, por um lado. Por outro lado, esses dois romances surgem no Brasil em momento propício, quando nossa literatura se preparava para explorar temas sociais, apanágio de uma modalidade literária prestes a eclodir nos nossos anos ’30.

Perplexo com as dimensões diferenciadas, em tese, da história e da ficção, Ferreira de Castro não rejeitou a realidade, nem a ficção que dela se aproveita e que com ela se constrói. Daí sua relevância para nossas literaturas, feitas com a mesma língua mas em cima de estra- tos vivenciais de procedência diversa. O surgimento de A Selva, em 1930, foi coincidência feliz e contribuição involuntária para um ciclo novo, que se abria no romance brasileiro: o ciclo conhecido como o do Romance de 30. Para nós, no Brasil, essa fase suplantava o projeto es- tético do Modernismo paulista de 22 e enveredava pela discussão sobre a função da literatura, sobre o papel do escritor e sobre as ligações da ideologia com a arte, como esclareceu João Luís Lafetá em seu livro marcante, intitulado 1930: A crítica e o modernismo6.

Com a selva que nos desvendou Ferreira de Castro, expandiu-se o espaço ficcional brasileiro, na iminência de englobar as agruras do sertão, a opulência decadente da várzea nordestina e a alegria mestiça, mas pobretona, do bas fond baiano.

Foi diante desse quadro temático em vias de se ampliar, portanto, que Jorge Amado buscou reforço para sua trincheira, invocando a aten- ção de seu parceiro literário do ultramar. Não sem certa intimidade pro-

6 João Luís Lafetá, 1930: A crítica e o modernismo, São Paulo, Duas Cidades,

1974.

116 Antonio Dimas vocatória, porque, poucos dias depois, em 17 de julho de 1934, insistia no assunto, informando Ferreira de Castro e aliciando-o à distância:

Ando aqui pela velha Bahia recolhendo material para um ro- mance sobre os negros do Brasil [. . . ] Hoje vou começar uma fabulosa viagem de saveiro por todos o recôncavo baiano. É pena não poder lhe convidar para comer comigo efó e acarajé.7

O trecho mais suculento dessa conversa ocorre, um pouco depois, em 10 de setembro de 1934, quando Jorge agradece os comentários de Ferreira de Castro sobre Cacau e Suor e estende-se, misturando infor- mação pessoal com outra mais ampla, de caráter editorial. Sem pose, mas não inocente, Jorge escreve:

Venho de passar quatro meses na Bahia, recolhendo um resto de material para um romance sobre negros. Chamar-se-á Jubiabá, nome de um macumbeiro de lá e espero fazer um livro forte, fi- xando nas duas primeiras partes – Baía de Todos os Santos e – Grande Circo Internacional – todo o pitoresco do negro baiano – música, religião de candomblé e macumba, farras, canções, conceitos, carnaval místico – e toda a paradoxal alma do negro – raça liberta, raça das grandes gargalhadas, das grandes mentiras e raça ainda escrava do branco, fiel como cão, trazendo nas cos- tas e na alma as marcas do chicote do Sinhô Branco. A terceira parte – A greve – será a visão da libertação integral do negro pela sua proletarização integral. Que acha v. do plano?

[. . . ]

Mande dizer o que v. está fazendo. Qual o livro que o preocupa no momento? V. tem um grande público aqui no Brasil. Aliás porque v. não envia pro Ariel uma nota sobre a nova literatura de Portugal? A revolucionária especialmente. Será que v. está sozinho aí? Aqui há um certo movimento intelectual que está fa- zendo alguma coisa. O público nos apoia inteiramente. Compra

7Museu Ferreira de Castro, Cota: MFC/B-1/Sr. 2072 – Cx. 160. 17 de julho de

1934.

Em torno da cultura do negro brasileiro: o projeto comum

de Jorge Amado e de Gilberto Freyre nos anos ’30 117

nossos livros. A crítica, é natural, se divide em descomposturas e elogios. Mande o artigo. Porque v. não aparece por aqui de novo? Pelo que depreendo dos seus livros v. esteve por aqui em 24. Gostaria de ser seu cicerone numa viagem longa através do Brasil. Vendo as casas coloniais da Bahia. Material que em suas mãos daria romances como A Selva.8

Esta troca de cartas estende-se, sumarenta, até as proximidades da morte de Ferreira de Castro, em 1974.

A solidariedade e o afeto que envolveram os dois, sempre ameaça- dos pelos regimes ditatoriais que, em momentos diferentes, os acusa- vam, haveria ainda de se mostrar, de modo concreto e quase fanfarrão (não fosse o olho vesgo da PIDE sobre eles!) em 1953. Seria mais econômico sumariar a voz de Jorge sobre seu encontro com Ferreira de Castro no aeroporto de Portela, em 1953. Mas seria também uma forma de seqüestrar-lhe a voz mais uma vez, além de malbaratar-lhe o humor, marca dominante e imprescindível de suas memórias preservadas em Navegação de cabotagem9:

Se me perguntassem qual o prêmio maior que me foi dado rece- ber em minha vida de escritor, o momento culminante, eu res- ponderia sem vacilar:

– O jantar na sala de trânsito do aeroporto de Lisboa.

A foto do famoso jantar, publicada no livro de Álvaro Salema, foi reproduzida por José Carlos de Vasconcelos no Jornal de Le- tras de Lisboa: apareço sentado entre Ferreira de Castro e Maria Lamas, vê-se ao fundo o famigerado inspetor da PIDE, Rosa Ca- saco, envolvido depois no assassinato do general Delgado. Má- rio Dionísio, um dos presentes, recordou em artigo no mesmo Jotaele os detalhes daquela prova de amizade, de solidariedade, ação de luta contra o salazarismo no apogeu, quem a considera- ria possível?

8 Museu Ferreira de Castro, Cota: MFC/B-1/Sr. 2072-Cx. 160. 10 de setembro

de 1934.

9Jorge Amado, Navegação de cabotagem, Rio, Record, 2006.

118 Antonio Dimas

Voltando de Moscou, via Estocolmo, telegrafo a Ferreira de Cas- tro pedindo-lhe que venha me ver no aeroporto de Lisboa, onde demorarei uma hora na sala de trânsito durante a parada do avião. Escritor maldito, sem direito a visto de entrada, via-me limitado à sala de trânsito nas sucessivas viagens que entre 1952 e 1960 realizei à Europa.

Fora encarregado de consultar Ferreira de Castro sobre a possi- bilidade de lhe ser conferido o Prêmio Mundial da Paz. Contava com o prestígio do romancista para que pudesse romper o cor- dão de isolamento que a polícia política estabelecia em meu re- dor, mas não confiava demasiado, o salazarismo não era de brin- car em serviço. Daquela vez brincou. Ou apenas quis utilizar o jantar como uma trampa para identificar, confirmar, observar inimigos do regime capazes de audácia tal, temerários?

Imagine-se minha surpresa e minha comoção ao deparar-me na sala de trânsito não só com o autor de A lã e a neve: vários escritores portugueses – alguns rostos conhecidos, a maioria co- nhecida só de nome – ali me esperavam para saudar e abraçar o companheiro com entrada proibida em Portugal. Sentaram-me ao centro da grande mesa, de um lado Ferreira de Castro, na ca- deira do outro lado iam-se revezando os demais, um de cada vez, para duas palavras de afeto. Rápida hora de exaltação, ninguém comeu os manjares servidos, era outro o alimento com que se alimentavam a luta e o sonho.

Admiro-me com a quantidade de fotógrafos, acionam as câmaras sem parar, insistindo em registrar todas as presenças, comento com Alves Redol:

– Muitos fotógrafos, hein. . .

– Um é nosso, os outros são da PIDE – me explica.

Noite sem comparação, essa da sala de trânsito em Lisboa. Em- barquei no avião de coração repleto, no aeroporto a polícia sala- zarista cerca, detém, interroga promotores e convivas do jantar.

Navegação de cabotagem, pp. 214-215

Em torno da cultura do negro brasileiro: o projeto comum

de Jorge Amado e de Gilberto Freyre nos anos ’30 119 Eram iguais os motivos que levavam os nossos governos arbitrários de então a redobrar sua atenção com Ferreira de Castro e com Jorge Amado? Eram os dois malditos pelas mesmas razões? Ou os motivos de um complementavam o do outro e os tornavam ambos indesejáveis sob a perspectiva do poder de plantão?

Difícil de responder a essas questões neste espaço agradável, mas curto de tempo. Isso é tema para bancas acadêmicas, diante da qual se sentará um candidato tímido arrodeado de examinadores ferozes.

Com boa margem de segurança, o que se pode afiançar é que a li- teratura produzida pelos dois continha dose de crítica insuportável aos governantes. E que, no caso de Jorge Amado, essa dose era ainda acres- cida de uma sexualidade que só fez se acentuar com o tempo, para con- trariedade de um Álvaro Lins, por exemplo, que fez restrições críticas a Jubiabá, agarrado a dois argumentos. De uma perspectiva mais esté- tica, sua estrutura pareceu-lhe conservadora: “Uma estrutura, aliás, que se enquadra na forma tradicional do romance naturalista. . . ”10. De um

lado mais composicional, sua crítica não perdoou o “estilo simplista e desleixado do Sr. Jorge Amado”11, nem a displicência psicológica dos

personagens de Jubiabá. Ao apreciá-lo, o crítico de Pernambuco res- saltava que, em Jorge Amado, “sua imaginação só atua no plano das vi- sões físicas, enquanto se paralisa ou se descontrola no plano das visões psicológicas”12. Em suma: para o crítico de maior projeção naquelas

décadas de ’30 e ’40, a narrativa do autor baiano perdia no psicológico o que ganhava na movimentação social dos grandes conjuntos de per- sonagens. Como se Jorge estivesse interessado em prospecção psico- lógica; como se o romance daquele momento não estivesse em busca, justamente, do social, em detrimento do pessoal, em grande guinada temática.

10 Álvaro Lins, Os mortos de sobrecasaca, Rio, Civilização Brasileira, 1963, p.

241.

11Álvaro Lins, ibidem, p. 241. 12Álvaro Lins, ibidem, p. 241.

120 Antonio Dimas O confronto entre o social e o psicológico nas narrativas dessa dé- cada torna-se muito claro ao serem consultados os números do Boletim de Ariel13. Embora seja lacuna sensível um estudo monográfico so- bre o significado dessa revista, é em suas páginas que ainda ecoam as disputas temáticas da nossa criatividade literária desse período, funcio- nando elas como poderosa câmara de repercussão das escolhas narrati- vas. Basta lembrar, por exemplo, que é nela que Jorge Amado e Otávio de Faria se disputam em torno das preferências sociais ou psicológicas do romance brasileiro de então. Ora é Otávio reclamando de “excesso de norte” que teria provocado “uma avalanche de testemunhos vindos do Norte ou do Nordeste, todos eles se pretendendo romances, mas na maioria dos casos simples depoimentos sobre a mediocridade literária nacional”14, ora é Jorge doutrinando: “A literatura proletária é uma li-

teratura de luta e de revolta. E de movimento de massa. Sem herói nem heróis de primeiro plano. Sem enredo e sem senso de imoralidade. Fi- xando vidas miseráveis sem piedade mas com revolta. É mais crônica e panfleto [. . . ] do que romance no sentido burguês”15.

Luís Bueno, em estudo já clássico sobre o assunto, intitulado Uma história do romance de 30, equacionou bem a questão, quando resume:

O romance social ou proletário foi quantitativamente dominante na década [de 30], mas seu prestígio teve a tendência de diminuir a partir de um momento de auge em 1933. O romance psicoló- gico, seu antagonista, ao contrário, foi menos numeroso, mas seu prestígio foi se consolidando com o correr dos anos.16

O prevalecimento e a valorização crítica desta ou daquela tendência é matéria para o curso do tempo, mas a expectativa otimista da época quem a explicita é Jorge Amado mais uma vez, em carta para Ferreira

13Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, 1933-1939. 14Otávio de Faria, “Excesso de Norte”, julho de 1935. 15Jorge Amado, “P. S.”, agosto de 1933.

16Luís Bueno, Uma história do romance de 30, São Paulo, Edusp, 2006, p. 15.

Em torno da cultura do negro brasileiro: o projeto comum

de Jorge Amado e de Gilberto Freyre nos anos ’30 121 de Castro, datada de janeiro de 1935, mês propício a profecias esperan- çosas:

Parece que este será o grande ano do romance brasileiro. Pelo que se anuncia. Parece que sairá muita coisa e alguma coisa boa. Todos os romancistas que têm feito sucesso nestes últimos anos, darão romances em [?]. Espera-se muito deste ano.17

Visto em perspectiva, aliás, não era só o romance que buscava gran- des aglomerações, grandes blocos, massas compactas como pista para focalizar e identificar a nossa nacionalidade.

Um pouco antes do aparecimento de Jubiabá, um outro livro pro- vocou enorme impacto na inteligência brasileira, desacostumada, até então, com linguagem desabrida em estudo que se queria sério e de caráter científico. E que, não fosse isso suficiente, ainda se permitia