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O romancista brasileiro Jorge Amado completaria cem anos em 2012. A data traz a oportunidade para uma visão de conjunto da re- cepção crítica que sua obra encontrou ao longo do tempo. Nem sempre fruto apenas da leitura, convém lembrar.

Examinando esse olhar cambiante, podemos entender um pouco dos mecanismos que regeram a glória e o ostracismo literário no decor- rer desse século. Um tempo em que fatores extraliterários passaram a ser determinantes para a consagração ou a rejeição, com uma intensi- dade e um alcance antes inconcebíveis.

Lembro de uma conferência de Doris Lessing, durante o Seminá- rio de Literatura de Cambridge, de que ambas participamos em 1996 – quando ela ainda não tinha recebido o prêmio Nobel (o que ocorreria em 2007). Com veemência, ela se queixou das distorções do processo da fama, a que assistira durante o século XX. Disse que o mais impor- tante atualmente, quando a imprensa fala num escritor, é apresentá-lo como famoso – em vez de comentar suas obras, que o jornalista se

96 Ana Maria Machado dispensa de ler. Afirmou que, cada vez mais, as pessoas a cumprimen- tavam por ter dado uma entrevista ou por terem visto sua foto numa revista ou sua imagem na televisão – mas cada vez menos comentavam uma página ou cena que tivesse escrito. Reclamou de estar sendo per- manentemente julgada por fatores que não tinham a ver com os textos que escrevera – desde discussões de questões feministas até o fato de ser branca criada na África. Discorreu sobre as dificuldades desse tipo de solidão crítica para um criador, quando é tão necessária uma leitura de seus textos. Queixou-se do isolamento a que são relegados hoje os escritores, perdidos sem encontrar ressonância intelectual, ignorados quando publicados.

Não há como deixar de observar as semelhanças entre esses pontos levantados por Lessing e certas atitudes dominantes no recebimento da obra de escritores como Jorge Amado. Principalmente porque essa geração deles (Doris Lessing nasceu apenas sete anos depois do ro- mancista baiano) viveu o momento do pós-guerra, quando no início dos anos 1950 o superficial talvez tenha começado a dominar o consistente, efetuando-se essa transição entre o abandono da leitura analítica de um texto literário e a exacerbação midiática em torno à figura pública de um autor tratado como celebridade.

Certamente, o entendimento da recepção crítica à obra de Jorge Amado ganha muito se contextualizarmos essas transformações.

Justamente nessa época, entre 1954 e 1956, o crítico Roland Bar- thes escreveu os artigos sobre temas do quotidiano que iria em seguida reunir no livro Mitologias. Um deles, “O escritor em férias”, trata exa- tamente desse fenômeno que começava a ser observado, lembrando que tais “mistificações astutas que a alta sociedade tece para poder controlar melhor seus escritores”, aliando nobreza e futilidade sem dessacralizar seu trabalho, tinham o efeito de garantir que fosse mantido o prestígio dos autores – desde que fossem inofensivos, ressalva.

Mas ao parecerem inofensivos a uns, tornavam-se ofensivos a ou- tros. Contemporâneos ou pósteros. Com frequência, a recepção à obra desses escritores se deixou contaminar por esses ruídos em torno a sua

Jorge Amado: uma leitura das leituras 97 biografia, personalidade ou figura pública, de uma forma que até pode ter acontecido em gerações anteriores mas raramente com tanta inten- sidade.

Um pouco de tudo isso gira em torno da forma como Jorge Amado foi lido ao longo do tempo, numa série de fenômenos de recepção inte- ressantes. Como se sua leitura estivesse permanentemente sendo cons- truída, destruída e reconstruída ao sabor dos anos que passam e das mudanças dos leitores. Sem esquecer que ele também mudou, e bas- tante, à medida que foi desenvolvendo sua obra.

De início, vale a pena lembrar: em seu estudo sobre a recepção comparada da obra de Jorge Amado na França e no Brasil, Pierre Rivas2 começa fazendo a distinção entre sucesso e fortuna crítica. Aquele tem a ver com a popularidade. Esta, com a aceitação da obra pelo cânone literário.

Lembra Rivas que, na tradição da modernidade, sucesso e fortuna costumam ser inversamente proporcionais e isso pode ser exemplifi- cado na França pelos casos de Victor Hugo e Émile Zola, vítimas de sua própria popularidade frente a outros autores canônicos como André Gide ou Marcel Proust, que levaram muito tempo sem fazer sucesso. Para ele, essa “é uma das razões dos infortúnios de Jorge Amado no Brasil”. Aponta o ressentimento de um certo Brasil face ao êxito de Jorge Amado e Érico Veríssimo em seu país. Sobretudo diante do fato de que “textos mais vanguardistas (o modernismo paulista) não alcan- çavam qualquer êxito”.

Na França, e em outros países, a recepção de Jorge Amado foi di- ferente. É verdade que partiu dos caminhos abertos pela ampla difusão garantida nas revistas e jornais partidários, pelos inúmeros prêmios e manifestações patrocinados pelo eficaz sistema de intervenção cultural da Internacional Comunista. E é também inevitável constatar que seus primeiros romances pagavam um tributo dócil aos modelos stalinistas

2Pierre Rivas, “Fortuna e infortúnios de Jorge Amado”, in Rita Olivieri-Godet e

Jacqueline Penjon (org.), Jorge Amado: leituras e diálogos em torno de uma obra, Salvador, Editora Casa de Palavras, 2004.

98 Ana Maria Machado do realismo socialista, com suas greves salvadoras, seus clichês e cha- vões proselitistas. Não admira que André Gide tenha sumariamente rejeitado essa obra, que lhe parecia superficial e linear.

Mas outros leitores em língua francesa enxergaram um pouco mais longe. Blaise Cendrars celebra nela a alteridade da periferia e Albert Camus a valoriza, opondo o que denomina uma “certa barbárie livre- mente consentida” aos jogos formais que dominavam parte da cena literária francesa na ocasião, na obra de autores como Giraudoux e ou- tros. Mais que isso, a obra de Amado lhe parece fecunda e Camus faz questão de destacar nela algumas qualidades que o impressionam: “a utilização emocionante de temas folhetinescos, o abandono à vida no que ela apresenta de excessivo e desmesurado”.

“Barbárie, liberdade, emoção, folhetim, vida, excessos, desmedi- da”. A escolha das palavras é significativa. Em poucas linhas, Albert Camus tocou em vários pontos que sua leitura lhe revelou. Leitura in- teligente e sensível, pois apenas nas décadas mais recentes é que tais pontos iriam ser reavaliados e resgatados, muito embora na ocasião fossem justamente esses os aspectos a que a intelectualidade mais le- vantava objeções.

Foi necessário um bom tempo para que olhares mais amadurecidos e isentos lançassem novas luzes sobre vários desses aspectos.

É o caso de abordagens como a de Afonso Romano Sant’Anna3,

que desenvolveu as propostas de Bathkin e o conceito de carnavaliza- ção com que o russo examinara as obras de Dostoievski e Rabelais, e trouxe uma contribuição sensível ao entendimento dos romances do baiano. Muito enriquecedores, também, são os estudos de José Mau- rício Gomes de Almeida, capaz de criticar o proselitismo ideológico do autor mas, ao mesmo tempo, revelar-lhe as qualidades. Igualmente iluminadoras são as análises de Eduardo de Assis Duarte, sobretudo quando evidencia como a segunda fase amadiana, em sua passagem do romance que se queria proletário para o romance que se deseja de

3 Revista Tempo Brasileiro, n.o74: Jorge Amado, km 70, Rio de Janeiro, julho-

-setembro 1983.

Jorge Amado: uma leitura das leituras 99 costumes, começa a se debruçar cada vez mais, e de forma mais conse- quente, sobre as questões de gênero e etnia que irão constituir grande parte da agenda intelectual do final do século XX.

Também é o caso dos ensaios que Roberto Da Matta4 dedicou ao

caráter relacional da obra de Jorge Amado, quando considera o escritor alguém que descobriu em seus romances “um modo de poder enfren- tar os temas não oficiais da sociedade brasileira”, neles representando as teias de relações pessoais que, entre nós, constituem o instrumento básico da vida em sociedade.

Esses estudos, porém, são relativamente recentes e de circulação algo restrita a setores especializados. De um modo geral, prevaleceu por muito tempo nos meios de crítica a outra visão. Talvez a própria acolhida entusiasmada que sua obra teve na França tenha contribuído para a ideia de que Jorge Amado escrevia para dar uma imagem pi- toresca e exótica, ao gosto de quem não conhece realmente o Brasil. Uma imagem atrasada, antiga e fora de época, já que era exatamente esse tipo de cor local que, um século antes, se exigira dos nossos ro- mânticos e indianistas, como Alencar. E que o próprio Machado de Assis questionou em seu famoso artigo sobre literatura e o instinto de nacionalidade.

Essa superficialidade da leitura de Amado foi reforçada pela má- -vontade de muitos dos departamentos de português das universidades estrangeiras, tradicionalmente ligados às instituições culturais lusitanas quando não praticamente feudos portugueses. Ainda mais se conside- rarmos que muitas dessas raízes profundas se fixaram durante o longo período salazarista. Sem dúvida, a entusiasmada aceitação desse novo autor brasileiro, comunista e de linguagem desleixada em relação ao cânone purista, trazia alguns aspectos difíceis de engolir.

Para se ter uma ideia da revolução simbólica representada pela che- gada dessa obra à França, por exemplo, basta recordar um fato. Por ocasião da primeira tradução de Jorge Amado para o francês, a folha

4Revista Tempo Brasileiro n.o74, 1983 e Cadernos de Literatura Brasileira, n.o

3, Jorge Amado, São Paulo, 1997.

100 Ana Maria Machado de rosto do livro exibia algo jamais visto antes: a informação de que se tratava de uma tradução direta do brasileiro.

Isso causou escândalo nos meios acadêmicos lusos. Como assim? A língua portuguesa mudara de nome? O escândalo se transforma em inequívoca má-vontade dos meios acadêmicos em relação a ele. Fazem objeções a sua escrita pouco ortodoxa, multiplicam-se as menções a sua sintaxe duvidosa, seus pronomes colocados de forma rebelde, sua “frouxidão linguística”, seu descaso para com os padrões castiços da gramaticalidade. Para esses meios, tratava-se de uma linguagem des- cuidada, indigna de quem pretendia ser escritor. Travestidas de defesa do idioma, tais objeções críticas cresceram e se repetiram em reparos feitos por zelozos guardiãos da gramática, de ambos os lados do Atlân- tico.

No entanto, é bom observar que essa mesma atitude pouco canônica em relação à língua era celebrada em outros autores como uma plata- forma literária, desejável e corajosa. “A língua errada do povo, a língua certa do povo”, de que falava Manuel Bandeira. “Pronomes? Escrevo brasileiro” – gabava-se Oswald de Andrade. A tal “contribuição milio- nária de todos os erros”, que seria transformada em estandarte de luta pela vanguarda.

Os exemplos são inúmeros, variados, claros. A questão já tinha sido ponto de honra, anseio por liberdade linguística em relação às chama- das “gramatiquices lusitanas”, bandeira de afirmação para Mário de Andrade ou para Monteiro Lobato. Mas nas páginas de Jorge Amado, essa teoria tão elogiada nos escritos de outros autores é considerada uma prática constrangedora.

É que ela não vinha apenas de uma proposição cerebral, mas bro- tava do ouvido e da memória afetiva. A praxis incomodava. O registro oralizante do falar brasileiro coloquial soava como uma provocação a mais, vindo se somar ao uso de palavrões e outras ousadias, para apre- sentar Amado como um autor que não merecia respeito, e beirava

Jorge Amado: uma leitura das leituras 101 a vulgaridade em sua insistência em dar foros de legitimidade a um linguajar chulo.

Como se não bastasse, a ênfase amadiana, mesmo se carregada de intenções proselitistas em sua primeira fase, está próxima a uma tradi- ção de criação popular. Nessas matrizes, a literatura de cordel, o fo- lhetim e os romances populares que corriam pelo interior do Brasil têm evidente influência e lhe fornecem um repertório de recursos que não se constrange em utilizar, aproveitando modelos de heróis que vinham desde o romantismo, defensores dos oprimidos.

Talvez, no fundo, essa fé amadiana na possibilidade de realizar a utopia seja também um traço que o aproxima de outros romancistas populares – como Charles Dickens ou o Victor Hugo de Os miseráveis, por exemplo. Dados os devidos descontos das circunstâncias históri- cas de cada um. Mas, de certa forma, também em Amado se poderia ver aquilo que Lamartine criticou em Hugo: “a paixão do impossível”. Aquilo que Vargas Llosa prefere chamar de “a tentação do impossível”. Inúmeras vezes, Jorge Amado repetiu que era apenas um contador de histórias e não pretendia ser mais que isso. Como se sentisse neces- sidade de reiterar que a sua prioridade literária era o desenvolvimento do enredo, não a exploração da linguagem.

São justamente esses gêneros narrativos populares, latentes em sua obra, que se constituem em herdeiros diretos das epopeias e do roman- ceiro popular ibérico. São essas as formas que irão se encarregar de preservar as delícias de ler pelo simples gosto do enredo. São essas as modalidades literárias que privilegiam a trama, a tessitura dos diversos fios da ação, a concatenação das peripécias. E que ninguém se deixe enganar pela aparente modéstia do escritor ao se definir apenas como um contador de histórias. Ele as conta com maestria, de forma cada vez mais intrincada, manipulando com segurança os cordéis de seus personagens, entretecendo diversos fios de cores e texturas diferente em sofisticada composição.

A linearidade dos primeiríssimos livros é logo abandonada, os con- flitos se requintam em matizes inesperados, os variados recursos narra-

102 Ana Maria Machado tivos vão se tornando cada vez mais elaborados no desenrolar da obra amadiana. Ambiguidades e dualidades passam a estruturar os relatos. Gabriela casa sem casar. Dona Flor tem dois maridos. Quincas Berro d’Água tem duas mortes. Os santos têm altares e terreiros, onde estão e não estão, de sumiços e aparecimentos. O padrinho de um batismo pode ser o próprio padre – mais que padre, compadre, e de Ogum. A benfeitora de Santana do Agreste pode ser justamente a execrada da co- munidade. O pistoleiro contratado como capanga pode ser o patriarca fundador e reverenciado, já que seu tiro certeiro pode ser a salvação de uma cidade. A beata espanhola se descobre mulata e feita, cavalo de santo. O paladino da cultura africana pode ter filho com uma sueca ou finlandesa. Tudo se move e reverbera. Nada ou ninguém é apenas o que parece ser, embora possa sempre ser também exatamente o que parece.

Do linear ao ambíguo, do equívoco ao multívoco, os caminhos da obra de Jorge Amado vão se multiplicando e se irradiando, à medida que ela se desenrola. O maniqueísmo inicial fica para trás, porque a realidade ao qual ele se aplicava não é abstrata: é vivida, tecida em memória e se impõe com força. Por maiores que sejam a indignação e a solidariedade, por mais intenso que se faça o chamado da liberdade, não há como evitar a certeza de que a vida é mais poderosa e as pessoas, mais complexas. Há sempre um “não é bem assim” implícito, um “por outro lado” latente.

Dessa forma, vai ficando para trás uma certa simplificação ingê- nua que havia nos romances de juventude. Aos poucos, percebe-se que a defesa do trabalhador explorado não impede a admiração pela força épica do coronel desbravador do cacau. A leitura dos romances se afasta das transparências imediatas e revela um autor no domínio crescente e seguro do seu ofício, capaz de fazê-lo manter sempre presa a atenção do leitor, sem deixar de estar atentíssimo ao que seus perso- nagens são capazes de criar.

Entre os recursos desse ofício já dominado está sua linguagem ora- lizante e brasileira, fruto de uma escolha pelo instrumento eficaz e não

Jorge Amado: uma leitura das leituras 103 de uma resignação ao empobrecimento linguístico por incapacidade de dominar a gramática ou devido à pouca intimidade com os clássicos – como quiseram insinuar certos meios acadêmicos que só conseguiram enxergar na voz amadiana o desleixo de um coloquialismo rasteiro e convencional.

Ferreira Gullar já chamou a atenção sobre isso, ao destacar na obra amadiana o

vasto painel da vida brasileira que ele vem traçando [. . . ], quase sem descanso. Um painel vivo, palpitante, realizado sem plano, como resposta à vida, a sua experiência de cidadão e escritor. [. . . ] Eis uma das questões que a crítica mais cedo ou mais tarde terá de encarar com seriedade, pois a obra de Jorge Amado é, entre outras coisas, a busca de uma linguagem literária que, sem abrir mão das qualidades encantatórias, quer ser ao mesmo tempo contundente e crítica.5

Hoje a linguagem de Jorge Amado já não é mais motivo para que ele seja combatido, ao menos no Brasil. Pelas portas que ele escanca- rou passa uma imensa quantidade de autores que vieram depois. Mas por vezes parece que ainda ficaram ecos de algumas questões coloca- das pela história de sua filiação (e desfiliação) partidária. Quando ele surgiu, na década de 30, e era do Partido Comunista, isso o fez ser execrado por alguns e idolatrado por outros. Quando deixou o par- tido, muitos dos que o idolatravam passaram a execrá-lo, enquanto os anticomunistas quiseram explorar sua decisão. Há que entender essas oscilações nas circunstâncias da época – e em geral o leitor das obras sabe situar isso no contexto, ainda que por vezes seja necessário uma certa complacência para superar alguns exageros.

A dificuldade é outra, mais sutil e geralmente esquecida. Trata-se de perceber o contexto da crítica que se exerceu sobre essas obras. Não se pode relevá-lo sumariamente como se não tivesse importância.

5Ferreira Gullar, “Com mão de mestre” (Veja, 17.08.77) apud Cadernos de Lite-

ratura Brasileira, n.o3, São Paulo, 1997.

104 Ana Maria Machado É que a visão crítica manifestada na época, dentro desse contexto, abarca toda uma gama de efeitos. De um lado, reações imediatas à publicação do livro, no calor da hora. De outro, uma reverberação mais duradoura, que se sustenta por mais tempo e pode criar raízes entre especialistas nos círculos universitários, repetida em respeitadas obras de referência e influindo sobre a visão que a posteridade passa a ter sobre o autor.

Descartando os casos de simples repetição preguiçosa ou de reite- ração admirativa, essa duração pode ser fruto de duas distorções dife- rentes. Pode estar ligada ao marasmo intelectual de alguns segmentos, responsáveis pela permanência e aplicação de um mesmo aparato de análise após as circunstâncias já terem se modificado. Mas pode tam- bém ser explicada por um simples descuido editorial: o recolhimento das páginas de jornais (destinadas a serem efêmeras) em antologias pu- blicadas em livros e transformadas em documentos duradouros, sem contextualizar o material escrito.

Com essa mudança, o que era um simples comentário de ocasião passa a ser um julgamento seguro e definitivo, destinado a resistir ao tempo. Adquire foros de autoridade e passa a ser considerado quase como um fato incontestável, informando livros didáticos posteriores, que transmitem essa visão a outras gerações que, em sua maioria, nem sequer leram os textos que geraram as críticas.

As revisões contemporâneas sobre a obra de Jorge Amado estão co- meçando a levar esse fenômeno em consideração e hoje já nos ajudam a fazer uma crítica da crítica.

José Maurício Gomes de Almeida, por exemplo, lembra que nos idos de 30 o realismo se impunha quase como um dogma e a crítica da época refletia isso. Eduardo Assis Duarte demonstra como a estratégia de Álvaro Lins em relação a Jorge Amado foi sempre a de apontar o que faltava na obra do escritor, somada a julgamentos subjetivos reiterados, usando termos como “miséria estilística”, “desleixo da composição”, “primarismo” e “despreparo”. Ívia Alves mostra a forte influência dos veementes juízos autoritários desse mesmo Álvaro Lins sobre a recep-