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A ampliação do direito ao sufrágio

3.1 VISÃO GERAL DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

3.1.3 A ampliação do direito ao sufrágio

A queda dos regimes absolutistas e a instalação de governos representativos democráticos estavam em curso e, paralelamente a esses processos, foram travadas lutas, em diversos países, que conduziram, paulatinamente, à incorporação de grupos de cidadãos no direito ao sufrágio. Os avanços ocorreram de modo lento e, às vezes, com retrocessos. O critério renda foi historicamente decisivo na obtenção do direito à franquia e gradualmente deixou de ser necessário. A questão de gênero também foi preponderante durante longo tempo. As mulheres só obtiveram o direito ao voto muito depois dos homens e após intensos movimentos feministas.

Na Inglaterra, por meio de leis sucessivas, a partir de 1832, o sufrágio deixou de estar atrelado ao substrato econômico e passou para o status pessoal em 1918, quando também foi admitido o voto feminino (MARSHALL, 1967) e universalizado o direito.

De acordo com Hobsbawm (1977, p. 35), o movimento cartista na Inglaterra, na década de 1840, incluía o sufrágio universal na sua lista de reivindicações. Era um movimento trabalhista pela reforma parlamentar, que teve seu nome baseado na Carta do Povo, programa elaborado pelo radical londrino William Lovett em maio de 1838 que exigia, além do voto universal e secreto, a igualdade dos distritos eleitorais, a eleição anual do Parlamento, pagamento aos parlamentares e abolição da qualificação de proprietário para os candidatos. Representou o primeiro movimento nacional trabalhista que nasceu do protesto contra as injustiças sociais da nova ordem industrial na Inglaterra. O esmagamento de uma revolta em Newport e o banimento de seus líderes para a Austrália abalou o movimento, que perdeu a sua força quando a economia saiu da depressão. Posteriormente, todas as reivindicações foram transformadas em leis, com exceção da eleição anual do Parlamento.

Na França, em 1792, durante o período revolucionário, segundo Bonavides (2011), há disposições oficiais no sentido do sufrágio universal, mas sua aplicação só se dá a partir de 1848. Nos Estados Unidos, o sufrágio universal é oficialmente assegurado em 1870 por meio de emenda à Constituição. E nova emenda estenderia o direito às mulheres em 1920. Mas até o movimento pelos direitos civis nas décadas de 1950 e 1960, era, na prática, negado a alguns grupos, como os negros. No século XX, os combates travados por segmentos distintos asseguram a ampliação de parcelas da população em condições legais de usufruir desse direito (BONAVIDES, 2011).

Durante o século XIX, combateu-se profiadamente a favor da implantação do sufrágio universal. Em todos os sistemas, a consumação lógica do princípio democrático só se verifica com o advento daquele sufrágio, que conduz politicamente a democracia à sua plenitude. O sufrágio universal fez-se assim inseparável da ordem democrática. No século XX, não somente se aboliu o sufrágio restrito como se lograram consideráveis progressos no alargamento cada vez maior da participação política, depois de introduzido o sufrágio universal (BONAVIDES, 2011, p. 255).

A partir das conquistas sociais de direito ao sufrágio, a participação da sociedade pelo voto em questões de interesse público passou a ser adotada por meio dos institutos do plebiscito ou referendo16. Na França, a primeira experiência, em 1804, foi protagonizada por Napoleão e lhe assegurou o império. Seu sobrinho, Luís Napoleão,

também recorreu ao plebiscito para legitimar-se no poder após golpe de estado em 1851. As principais mudanças constitucionais naquele país têm sido aprovadas por plebiscitos desde o século XIX. Sete referendos realizados na França desde 1958 até 2005 foram convocados pelo presidente da República. Um caso de derrota do Executivo é marcante. Em 1969, O General Charles de Gaulle convocou plebiscito para aprovar uma reforma política que envolvia o poder do Senado. Renunciou ao cargo após sair derrotado na consulta. A utilização desse instrumento de participação passou a ser mais periférica, não envolvendo assuntos centrais para o futuro do estado francês (BACKES, 2005).

Na Áustria, em 1978, segundo Backes (2005), um plebiscito convocado pela população conseguiu deter a construção de usinas atômicas. Na Alemanha, convocações ocorreram durante o nazismo (1926/1938) e não foi realizado nenhum outro depois. A Suíça é o país campeão nas consultas populares. No país, foram realizados cerca da metade do total de 800 plebiscitos de âmbito nacional até 1993 no mundo todo. Os eleitores podem impor uma medida contra a vontade dos governos e das legislaturas, poder que encontra similitude em alguns estados americanos, por meio da iniciativa popular, e no Uruguai. No sistema italiano, o eleitorado possui o poder negativo no uso do instrumento, ou seja, pode convocar referendos para derrubar uma lei aprovada pelo parlamento, não para propor uma nova.

Nos Estados Unidos, não houve plebiscitos de âmbito nacional, mas na esfera estadual são abundantes. As consultas ocorrem tanto por iniciativa direta dos cidadãos como podem ser convocadas pelos representantes nos legislativos estaduais. A previsão legal para o uso do instrumento foi incluída em praticamente todas as constituições estaduais nas primeiras duas décadas do século XX. Mas o uso se intensificou no final dos anos 70. O número de iniciativas populares para convocá-los tem crescido muito, fenômeno que pode ser explicado pela descoberta do instrumento por ativistas políticos, sobretudo para as questões relacionadas à energia nuclear e à redução de impostos. Políticos mais tradicionais têm promovido iniciativas desse tipo, atraídos pela visibilidade que as campanhas populares permitem, e com isso desenvolveu-se a chamada "indústria das petições", levando à profissionalização dos agentes envolvidos e à criação de uma infraestrutura para o procedimento. Há dados indicando que é grande a influência do poder econômico nas campanhas (BACKES, 2005).

Nas Américas, têm sido utilizados em vários países, sendo o Uruguai o que adota uma modalidade na qual é permitida a convocação por solicitação de parcela da

população. No Brasil, a população foi chamada a se manifestar em duas ocasiões por meio de plebiscito sobre o sistema de governo e, em outra, via referendo, sobre a posse de armas. No Chile, plebiscitos foram convocados pelo ditador Augusto Pinochet (1973/1990) em quatro ocasiões. E recentemente, houve um em Cuba para decidir pela manutenção do sistema econômico (BACKES, 2005). Mas, segundo pesquisas, afirma Backes (2005), são pouquíssimos os sistemas políticos que usam o instrumento de forma sistemática e nem sempre a participação da população é efetiva. E na maior parte dos casos a convocação tem sido feita pelos governos para resolver problemas difíceis, quando a democracia representativa comum não se mostra suficiente.

A profissionalização e burocratização dos partidos políticos, que se transformavam em “máquinas plebiscitárias”, é outra conseqüência do processo de conquista do sufrágio universal e de democratização nos diversos países a partir do século XIX. Weber (1982, 1993) afirmou que as legendas partidárias estavam racionalizando crescentemente suas técnicas de campanha eleitoral nos estados capitalistas de massa. O objetivo é conquistar votos, vencer as eleições e ter poder de barganha, muitas vezes apenas para nomear uma quantidade infindável de pessoas para os cargos públicos.

Esse aparato chamado de “máquina” nos países anglo saxões mantém sob controle os membros do parlamento. O homem a quem a máquina segue no momento se torna o chefe acima mesmo do líder parlamentar. A criação dessas máquinas significa o advento da democracia plebiscitária (WEBER, 1982, p.72).