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Pateman: o máximo de participação de todas as pessoas

2.3 TEORIAS DA DEMOCRACIA E MOTIVOS PARA A

2.3.9 Pateman: o máximo de participação de todas as pessoas

Na defesa de sua perspectiva participacionista de democracia, Pateman (1992) lembra que a palavra participação, nos últimos anos da década de 60, tinha se tornado parte do vocabulário político popular. Segundo a autora, isso aconteceu na onda de reivindicações, principalmente dos estudantes, pela abertura de novas áreas de participação (na educação de nível superior) e também por parte de vários grupos que queriam, na prática, a implementação dos direitos assegurados na teoria.

Na França, participação foi uma das últimas palavras de ordem utilizadas por de Gaulle em campanhas políticas; na Grã-Bretanha, vimos a ideia receber a bênção oficial no Relatório Skeffington sobre planejamento e, nos Estados Unidos, o programa antipobreza incluía fundos para o máximo possível de participação dos afetados por ela. O uso generalizado do termo nos meios de comunicação de massa parecia indicar que qualquer conteúdo preciso ou significativo praticamente desaparecera; participação era empregada por diferentes pessoas para se referirem a uma grande variedade de situações. A popularidade do conceito fornece uma boa razão para que se dedique alguma atenção a ele. Porém, mais importante do que isso, a recente intensificação dos movimentos em prol de uma participação maior coloca uma questão crucial para a teoria política: qual o lugar da participação numa teoria da democracia moderna e viável? (PATEMAN, 1992, p. 9)

Pateman aponta, no entanto, a dificuldade de “instalação” do conceito de participação entre os teóricos da política e sociólogos políticos. Segundo a autora, o conceito de participação na teoria de democracia mais aceita tem não apenas um papel

menor como até, mais do que isso, é apontado como perigoso em razão da comparação que se faz entre democracia e totalitarismo. Governos totalitários com tendências fascistas, por exemplo, observa ela, eram baseados em ampla participação popular, mesmo que se tratasse de uma participação forçada pela intimidação e coerção.

Resultados de investigações empíricas sobre atitudes e comportamentos políticos, realizadas em países ocidentais nos últimos 30 anos, revelaram também, diz a autora, a falta de interesse generalizado pela política e atitudes não-democráticas ou autoritárias, difundidas principalmente entre os grupos de condição socioeconômica mais baixa. A partir dessas constatações, Pateman afirma que teóricos chegaram à conclusão de que o “homem democrático” constitui uma ilusão e de que um aumento da participação política dos atuais não participantes poderia abalar a estabilidade do sistema democrático.

Alguns teóricos políticos, em especial os norte-americanos, defendem, segundo Pateman, uma revisão drástica (ou mesmo uma rejeição) das teorias dos chamados “teóricos clássicos”, que acalentavam o ideal máximo de participação do povo: Jean Jacques Rousseau e John Stuart Mill - ambos dão ênfase ao papel educativo da participação. Pateman procura refutar os argumentos dos teóricos críticos da teoria clássica da democracia.

A revisão dessas teorias feita por Pateman começa com Schumpeter, que deixa, segundo a autora, o parâmetro para a elaboração das demais obras sobre teoria democrática revisitada. O ponto de partida de Schumpeter, argumenta Pateman, seria um ataque à noção de teoria democrática enquanto uma teoria de meios e fins. Para ele, diz a autora, democracia é uma teoria dissociada de quaisquer ideais ou fins, sendo “um método político, um tipo de arranjo institucional para se chegar a decisões políticas”. Sua principal crítica em relação à doutrina clássica é que o papel central da participação e da tomada de decisões por parte do povo baseava-se em fundamentos empiricamente irrealistas. O ponto vital, ele acreditava, seria a competição pelo voto do povo por parte dos que potencialmente tomam as decisões.

Pateman analisa ainda os posicionamentos de outros autores como Dahl e Sartori. Para Pateman, Dahl segue o argumento de Schumpeter de que a democracia é um método político, o que se revela na lista das características, por ele oferecida, que

definem a democracia - “uma lista de arranjos institucionais centrados no processo eleitoral”, na avaliação da autora.

A vantagem de um sistema democrático poliárquico – tese defendida por Dahl - comparado a outros métodos políticos reside, na avaliação de Pateman, no fato de ser possível uma ampliação do número, tamanho e diversidade das minorias que podem mostrar sua influência nas decisões políticas e no conjunto do caráter político da sociedade.

Sobre Sartori, em sua Teoria da Democracia de 1962, Pateman afirma que o medo de que a participação ativa da população no processo político leve direto ao totalitarismo permeia todo o seu discurso. O autor, diz ela, argumenta contra o ideal democrático da teoria clássica, um princípio nivelador, para ele, que mais agravaria do que resolveria o problema real das democracias, ou seja, manter a verticalidade, a estrutura de autoridade e de liderança. Assim, na concepção de Sartori, como observa Pateman, o ideal democrático levaria o sistema à bancarrota.

Além disso, observa Pateman, Sartori afirma que o povo não age, mas deve reagir às iniciativas das elites políticas rivais. Ele também seria um dos poucos teóricos da democracia a tratar da questão da apatia do cidadão médio, afirmando que tentativas de se buscar respostas para esse assunto é um esforço equivocado, uma vez que as pessoas só compreendem e se interessam de fato por assuntos sobre os quais têm experiência pessoal ou por ideias que conseguem formular por si próprias. Tentar mudar esses fatos, no entendimento de Sartori, poria em risco a manutenção do método democrático, pois a única maneira de tentar mudá-los seria pela coação dos apáticos ou pela penalização da minoria ativa.

Para Pateman (1992), a teoria da democracia participativa é construída em torno da afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados isoladamente. Não basta para a democracia, de acordo com esse conceito, a existência de instituições representativas no âmbito nacional. É necessário o máximo de participação de todas as pessoas, a socialização e o treinamento social em outras esferas para que as atitudes e qualidades psicológicas necessárias possam se desenvolver. A principal função da participação na teoria da democracia participativa seria a educativa, em amplo sentido, tanto no psicológico quanto no de aquisição de práticas e de habilidades e procedimentos democráticos. Um sistema participativo,

assim, não teria problema quanto a sua estabilidade, que estaria garantida pelo impacto educativo do processo. A autora acredita ainda que a participação gera um efeito integrativo e auxilia na aceitação de decisões coletivas.

De acordo com Held (1996), Pateman argumenta, com base nas noções de Rousseau e John Stuart Mill, que a democracia participativa promove o desenvolvimento humano, aumenta o sentido de eficácia política, reduz o estranhamento em relação aos centros de poder, nutre uma preocupação com os problemas coletivos e contribui para a formação de uma cidadania ativa e com conhecimento, capaz de tomar um interesse mais acurado nas questões de governo.

Para que exista uma forma de governo democrática, Pateman acredita ser necessária a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e onde a socialização por meio da participação pode ocorrer em todas as áreas. Em sua opinião, a área mais importante para que isso ocorra é a indústria, pois a maioria dos indivíduos despende grande parte de suas vidas no trabalho e o local de trabalho propicia uma educação na administração dos assuntos coletivos, praticamente sem paralelo em outros lugares.

Dentro da concepção de democracia participativa, as esferas de atuação, como a indústria, poderiam ser vistas como esferas de atuação política por excelência, oferecendo áreas de participação adicionais no âmbito nacional. Pateman acredita ainda que a democratização das estruturas de autoridade da indústria, ao abolir a permanente distinção entre “administradores” e “homens”, significaria um grande avanço no sentido de satisfazer a condição de igualdade econômica exigida para que o indivíduo tenha a independência e a segurança necessárias para a participação igual (1992, p.61). Segundo a autora, na teoria participativa, a participação refere-se à participação igual na tomada de decisões e igualdade política diz respeito à igualdade de poder na determinação das conseqüências das decisões.

Como lembra Held (1996), assim como Mcpherson, Pateman rejeita a visão de que as instituições da democracia direta podem ser estendidas para todos os domínios (político, econômico, social) enquanto as instituições da democracia representativa seriam removidas. Rejeitou também a percepção de que a igualdade e liberdade completas poderiam ser criadas por meio da administração de todas as esferas (Held 1996, p. 268).

Segundo Held (1996, p. 271-272), os dois autores buscaram combinar e remodelar insights das tradições liberal e marxista, mas abordaram muito pouco sobre diversos fatores fundamentais, entre os quais, por exemplo, como as instituições da democracia representativa poderiam ser combinadas com as de democracia direta, ou como o escopo e o poder das organizações administrativas poderiam ser checados.