• Nenhum resultado encontrado

John Stuart Mill: governo representativo e opinião pública

2.3 TEORIAS DA DEMOCRACIA E MOTIVOS PARA A

2.3.6 John Stuart Mill: governo representativo e opinião pública

Como Weber e Schumpeter, e antes deles, John Stuart Mill (1981) defendeu a forma representativa de governo, em qualquer de suas modalidades, como a ideal. Mas, diferentemente de seus predecessores, considerava essencial a participação dos cidadãos no governo, nem que seja de forma ocasional. Tinha consciência, no entanto, da impossibilidade de efetiva participação integral de todos os cidadãos, a não ser em um vilarejo. Por isso, afirmou que a democracia, como é comumente concebida e foi praticada até aquela época, é o governo do povo inteiro por uma mera maioria exclusivamente representada. É classificado por Held (1996) como representante da corrente liberal de democracia, mais especificamente da “Developmental Democracy”.

Na visão de Held (1996), John Stuart Mill foi um claro advogado da democracia, preocupado com a extensão da liberdade individual em todas as esferas. A democracia liberal ou o governo representativo eram importantes para ele, como pontuou Held, não simplesmente porque estabeleciam fronteiras para a busca da satisfação individual, mas porque constituíam um importante aspecto do livre desenvolvimento da individualidade. A participação política (votar, envolver-se na administração local e nos serviços de júri) é vital para criar um interesse direto no governo e, consequentemente, a base para uma cidadania informada e desenvolvida, constituída de homens e mulheres, e para a

dinâmica de uma política de desenvolvimento das pessoas. Tal qual Rousseau, Mill concebeu a democracia como um mecanismo de auto-desenvolvimento moral.

A forma ideal de governo, para John Stuart Mill (1981), é aquela em que a soberania, o poder supremo de controle, pertence à massa reunida da comunidade. Aquela em que todo cidadão não apenas tem uma voz no exercício do poder, mas também é chamado, pelo menos ocasionalmente, a tomar parte ativa no governo para exercício de alguma função pública, local ou geral (MILL, 1981, p.31). Acreditava que a forma ideal de governo não significa uma que seja praticável ou aplicável em todos os estágios da civilização, mas sim aquela que, nas circunstâncias em que é praticada, acarreta o maior número de consequências benéficas, imediatas ou futuras. Um governo totalmente popular é, em sua opinião, o único que pode ter a pretensão de possuir essa característica e de satisfazer as duas condições elementares da excelência de uma constituição política: boa direção dos negócios e uma elevação e aprimoramento do caráter nacional.

Mill apontou as consequências positivas da participação popular na política. É por meio da discussão política, defendia ele, que o trabalhador manual, cujo emprego é uma rotina, e cuja maneira de viver não o põe em contato com nenhuma variedade de impressões, circunstâncias ou ideias, aprende que causas remotas e acontecimentos em lugares distantes exercem uma influência imediata e sensível sobre seus interesses pessoais e reais. Para o autor, é por meio da discussão política e da ação política coletiva que um homem, cujos interesses são limitados por suas ocupações diárias a um círculo estreito, aprende a simpatizar com seus concidadãos e se torna um membro consciente da grande comunidade.

Mill defende a participação política, mesmo que ocasionalmente, como forma de instrução moral do cidadão. Ele acreditava, como Rousseau, que o indivíduo, quando participante, atua em prol do bem comum.

Ele é chamado quando assim engajado, a pesar interesses que não são os seus, a guiar-se, no caso de pretensões conflitantes por outra regra que não suas parcialidades pessoais. A aplicar em todos os casos princípios e máximas que têm como razão de ser o bem comum. Ele aprende a se sentir como parte do público e a fazer do interesse geral o seu público (MILL, 1981, p.38).

Em Mill, as instituições políticas são obras dos homens e devem sua origem e existência à vontade humana. Acreditava que o mecanismo político não age sozinho,

mas foi feito pelos homens e deve também ser manejado pelos homens, até mesmo por homens comuns. O mecanismo político, segundo ele, precisa não da simples aquiescência dos homens, mas de sua participação ativa, e deve estar associado às capacidades e qualidades dos homens disponíveis (1981, p.7). Isso implica três condições: 1) o povo ao qual se destina a forma de governo deve consentir em aceitá-la, ou pelo menos não recusá-la ao ponto de opor ao seu estabelecimento um obstáculo intransponível; 2) Deve ter a vontade e a capacidade de falar o necessário para assegurar sua existência; 3) Deve ter a vontade e a capacidade de fazer aquilo que a forma de governo exige, sem o qual ele não poderia alcançar seu objetivo. Dentro dos limites impostos pelas três condições, Mill argumenta que as instituições e as formas de governo são uma questão de escolha.

Ele foi também precursor na defesa da opinião pública como um componente a ser respeitado e considerado nas decisões políticas. Dizia que a opinião é uma das maiores forças sociais e que uma “pessoa com uma crença política é um poder social igual a 99 outras que possuem apenas interesses” (p.11). Avaliou que aqueles que, alcançando uma abrangência geral, conseguem persuadir a população de que certa forma de governo ou um fato social deveria ser preferido, teriam dado o passo mais importante para arregimentar os poderes da sociedade.

Não foi por nenhuma mudança na distribuição dos interesses materiais, mas sim pela propagação de convicções morais, que a escravatura dos negros terminou no Império Britânico e em outros lugares. Os servos da Rússia devem sua emancipação, senão a um sentimento do dever, pelo menos ao crescimento de uma opinião mais esclarecida com respeito ao verdadeiro interesse do Estado. É o que os homens pensam que determina sua maneira de agir; e embora as persuasões e convicções dos homens comuns sejam determinadas num grau muito maior por sua posição pessoal do que pela razão, muito poder é exercido sobre eles pelas persuasões e convicções de pessoas de classes diferentes e, ainda, pela autoridade unânime das pessoas instruídas. Quando, portanto, a maioria das pessoas instruídas puder ser levada a reconhecer como salutar uma medida social ou uma instituição política, e uma outra como prejudicial; uma como desejável, outra como condenável; muito terá sido feito para proporcionar a uma, e negar à outra, a preponderância da força social que a faz viver. E a máxima de que o governo de um país é aquilo que as forças sociais o obrigam a ser é verdadeira apenas enquanto favorecem, ao invés de desencorajar, a tentativa de exercer, entre todas as formas de governo praticáveis na condição existente da sociedade, uma escolha racional (MILL, 1981, p. 12).