• Nenhum resultado encontrado

Macpherson: participação política para uma sociedade mais equânime

2.3 TEORIAS DA DEMOCRACIA E MOTIVOS PARA A

2.3.8 Macpherson: participação política para uma sociedade mais equânime

Não há registro de qualquer teoria de vulto que tenha sustentado ou analisado a democracia no mundo antigo, segundo Macpherson (1978). Na Idade Média, do mesmo modo, não se encontra qualquer teoria de democracia nem qualquer reivindicação de privilégio democrático. Os movimentos populares surgidos vez por outra não cuidavam de privilégios eleitorais, porque naquela época o poder não consistia em corpos eletivos. A partir dos séculos XVI e XVII, é possível encontrar teorias democráticas explícitas. Macpherson cita a Utopia, de Tomas More (1.516), e as contribuições do puritanismo inglês. No século XVIII, lembra as propostas de Rousseau e do norte-americano Thomas Jefferson.

De acordo com Macpherson (1978), no pensamento político tradicional do Ocidente, de Platão e Aristóteles até os séculos XVIII e XIX, a democracia era definida como governo para os pobres, ignorantes e incompetentes, à custa das classes com posses, instruídas e ociosas. Eram modelos e visões de democracia esboçados como

reações às sociedades divididas em classes de seus tempos, podendo, portanto, ser denominadas de “utópicas”. A partir do século XIX, diz Macpherson, essa concepção começa a se alterar com a tradição liberal-democrática que aceitava e reconhecia a divisão da sociedade em classes e propunha ajustar uma estrutura democrática a ela. O conceito de democracia liberal só se tornou possível, na avaliação de Macpherson, quando os teóricos descobriram razões para acreditar que a aceitação do sufrágio universal (“cada homem um voto”) não seria arriscada para a propriedade ou para a continuidade das sociedades divididas em classes.

Ele analisa três modelos sucessivos de democracia liberal desde inícios do século XIX:

1) Democracia protetora: suas razões para o sistema democrático eram que nada menos poderia em princípio proteger os governados da opressão pelo governo.

2) Democracia desenvolvimentista: introduziu uma nova dimensão ética vendo a democracia sobretudo como meio de desenvolvimento individual.

3) Democracia de equilíbrio e pluralista: deixou de lado a reivindicação moral, pois a experiência da atuação concreta dos sistemas democráticos mostrou que o modelo desenvolvimentista era inteiramente irrealista. Os teóricos do equilíbrio ofereciam, ao invés, uma argumentação da democracia como concorrência entre elites, competição que produz equilíbrio sem muita participação popular. Era o modelo “descritivo” mais preciso até então.

Segundo o autor, esse era o modelo vigente na época em que escreveu, cujos defeitos tornavam-se cada vez mais patentes, por isso, a possibilidade de substituí-lo por outro modelo mais participativo tinha se tornado uma “questão intensa e grave”. O quarto modelo seria, então, a Democracia Participativa, que não constituía, como ressaltou Macpherson, uma concepção tão sólida ou específica quanto os modelos anteriores. Essa corrente começou como lema dos movimentos estudantis da “Nova Esquerda”, na década de 60, e difundiu-se pela classe trabalhadora em consequência da crescente insatisfação entre trabalhadores fabris e de escritório e dos sentimentos generalizados de alienação.

Para Macpherson, não se pode dizer que um sistema com mais participação por si afastaria todas as iniquidades de nossa sociedade, mas sim que a baixa participação e

a iniquidade social estão de tal modo interligadas que uma sociedade mais equânime e mais humana exige um sistema de mais participação política (1978, p.98).

É, por conseqüência desse entendimento, associado, ao lado de Carole Pateman, à corrente participativa de democracia, segundo os modelos propostos por Held (1996), embora esse autor ressalte que os dois não têm posições idênticas, mas pontos de partida e comprometimentos comuns. Democracia participativa é o principal contra modelo da esquerda (ou Nova Esquerda12, como ficou conhecida a partir da década de 60) para a “democracia legal” da direita, ou Nova Direita, segundo Held (1996).

Mcpherson não tinha ilusões quanto à predominância da democracia direta e defendeu, em âmbito nacional, certo tipo de sistema representativo. Refutou a ideia de que os avanços da tecnologia possibilitariam uma democracia direta apropriada para as comunidades muito populosas. Embora pudesse ser um apelo atraente, achava que esse pensamento não atentava para uma exigência irrecusável de qualquer processo decisório: alguém deve formular as questões. E, em sua avaliação, a maioria das questões necessárias em nossas complexas sociedades dificilmente poderia ser elaborada por grupos de cidadãos específicos de modo a proporcionarem respostas que dessem clara diretriz aos governos. Por isso, não se poderia prescindir da atuação dos políticos profissionais.

A iniciativa popular não poderia formular adequadas questões sobre os grandes problemas interrelacionados de política social ou econômica em geral. Nada podemos sem políticos eleitos. Devemos confiar, embora não devamos confiar exclusivamente na democracia indireta. O problema é tornar responsáveis os políticos (MACPHERSON, 1978, p.101)

Dois pré-requisitos seriam necessários para se atingir a democracia participativa: a substituição do homem “preponderantemente consumidor” por um sentido mais forte de comunidade e uma grande redução da desigualdade social e econômica. Mas, ao mesmo tempo, adverte Mcpherson, essas condições conduzem a um círculo vicioso,

12 A Nova Esquerda emergiu, segundo Held (1996), como resultado de sublevações na década de 60,

debates internos na esquerda e insatisfação com a herança da teoria política, liberal e marxista. Dois conjuntos de mudança foram enfatizados pela Nova Esquerda como vitais para a transformação da política no Ocidente e no Oriente: o Estado deve ser democratizado por tornar o parlamento, órgãos da burocracia e partidos políticos mais abertos e accountable, enquanto novas formas de luta no nível local (fábricas, movimentos de mulheres, grupos ecológicos) devem assegurar que a sociedade, bem como o Estado, são sujeitos a procedimentos que asseguram accountability. O trabalho de Mcpherson está em linha com esses argumentos, embora ele tenha colocado ênfase especial na noção de democracia participativa como a chave para um futuro mais democrático, como observou Held.

porque é improvável que qualquer desses dois requisitos sejam satisfeitos sem uma participação democrática muito maior do que aquela que então existia. Diante dessa dificuldade, propôs uma variação desse último modelo, atuando, assim, também como um teórico prescritivo.

A proposta de Mcpherson é baseada na combinação de um aparelho democrático piramidal direto e indireto com a continuação do sistema partidário. Ele acreditava que esse modelo de democracia participativa poderia ser chamado de liberal, na medida em que prevalecesse um forte sentido do alto valor dos direitos iguais ao autodesenvolvimento. Isso deveria ser complementado com o afastamento da imagem do homem como consumidor maximizante e grande redução da atual desigualdade econômica e social, restaurando o princípio ético central do modelo dois (Democracia Desenvolvimentista – voltada para o desenvolvimento individual).