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A AMPLIAÇÃO ESTRATÉGICA DO AUDITÓRIO POR MEIO DA SIMBOLOGIA DO JORNALISMO CRÍTICO E INDEPENDENTE A NECESSIDADE DE DIFUSÃO DO

DOGMAS QUE AINDA SUSTENTAVAM RETORICAMENTE O IMPÉRIO: O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, VETOR DA METODOLOGIA RUIANA

4.1 A AMPLIAÇÃO ESTRATÉGICA DO AUDITÓRIO POR MEIO DA SIMBOLOGIA DO JORNALISMO CRÍTICO E INDEPENDENTE A NECESSIDADE DE DIFUSÃO DO

DISCURSO COMO PRIMEIRO PASSO PARA REDEFINIÇÃO DA REALIDADE SOCIAL

Analisado o nível material da retórica, chega-se ao momento de investigação das estratégias formuladas com o objetivo de influenciar esse primeiro nível retórico. O espaço para a disputa argumentativa em torno da nova forma de estruturação do Estado brasileiro estava aberto em virtude da queda da barreira retórica material até então existente. Rui Barbosa não se resumiria, porém, a simplesmente externar, nessa arena, suas opiniões acerca da melhor solução para a aporia em questão. Ele objetivava mais. Era preciso conferir a sua solução federalista estabilidade típica das opiniões institucionalmente dogmatizadas. O autor almejava positivar a nova forma de Estado e, assim, determinar o conteúdo de uma linguagem de comando específica, o direito. O caminho para tal interferência no sistema jurídico passava necessariamente por anterior processo de convencimento da sociedade. Somente por meio do controle público dos pontos de vista retoricamente defendidos seria possível chegar ao consenso, por meio do qual as opiniões ruianas seriam alçadas ao nível de verdade socialmente compartilhada, de critério para a adoção de condutas, para a ação. Ou seja, Rui Barbosa precisava fazer com que suas crenças pessoais fossem replicadas de maneira difusa no tecido social, de forma que os signos nela expressos transcendessem o sistema linguístico e, assim, passassem a forjar a nova realidade nacional. Criar estratégias para apresentar as próprias convicções da maneira a mais verossímil e segura possível era, então, a tarefa a que se propunha o autor.

O trabalho a nível analítico começa, então, por perceber uma divisão de vertentes estratégicas na retórica ruiana. Na segunda metade do séc. XIX, o discurso centralizador, produzido pelo grupo governante e reconhecido como legítimo no seio social, apresentava diversas lacunas argumentativas, que o desorganizavam. Rui Babosa foi capaz de reconhecê- las e, sobretudo, de captar as novas demandas sociais. Essas brechas favoreciam o agir

comunicacional do autor em dois sentidos. Primeiramente, elas mostravam-lhe os pontos de fragilidade e inconsistência da linguagem de comando unitarista. Isso criava condições estratégicas para o desenvolvimento de uma atuação retórica destrutiva das bases de sustentação do governo, ou seja, capaz de desarticular a monarquia. Em outro sentido, tais lacunas representava a existência de espaço argumentativo que não deveria permanecer vazio, mas sim ser preenchido pelo discurso ruiano. Caracterizam-se, desse modo, as duas vertentes organizadoras do agir prescritivo de Rui Barbosa em prol do federalismo.

Desnudar os mecanismos linguísticos utilizados pelo autor em cada uma dessas duas linhas centrais de ação é o objetivo deste capítulo e do próximo. Num primeiro momento, analisado neste capítulo terceiro, o autor buscou desconstruir os dogmas legitimadores do Estado centralizado em torno de um poder uno. Posteriormente, Rui Barbosa objetivava dogmatizar a opinião federalista de forma a preencher as brechas deixadas pela Coroa com suas convicções pessoais e, então, construir uma nova linguagem de comando jurídico- constitucional. A análise deste segundo momento é o objeto do capítulo quarto. Assim, ao perceber que a agir retórico finalisticamente estruturado não somente se presta a criar crenças, mas também a, quando estas são indesejáveis aos fins propostos pelo sujeito, destruí-las por meio da produção de desconfiança, Rui Barbosa estrutura sua metodologia em torno desses dois caminhos, inicialmente o desestruturante e, depois, o dogmatizante.

Como primeiro traço estratégico de sua metodologia, Rui Barbosa escolhe a via jornalística como caminho para tomar parte da discussão político-jurídica nacional. Ao reconhecer a necessidade da propagação de suas ideias, mas por estar então já alijado da vida parlamentar nacional, o autor percebe nos jornais a melhor alternativa. Essa escolha proporcionou, sob um olhar analítico, duas vantagens para a eficácia de sua atuação comprometida com a defesa do federalismo. Por um lado, conforme destacado no capítulo segundo, os jornais eram a esfera centralizadora das discussões relativas à política nacional e à organização do Estado brasileiro. Mais, num País de analfabetos, a participação nesse âmbito de discussão, mesmo que passiva, na qualidade de leitor, pressupunha o pertencimento a uma elite econômico-intelectual constituinte do grupo de influência político-governamental. Dessa maneira, ao expor sua teoria federalista no Diário de Notícias, Rui Barbosa toma uma decisão perspicaz: atuar na plataforma nacional de maior visibilidade e, sobretudo, dialogar com quem efetivamente poderia promover mudanças. Convencer o público leitor de jornais significava ganhar aceitação no nicho social detentor do poder e, assim, conferir mais força

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retórica às opiniões ruianas, de modo a facilitar sua filtragem pela linguagem comum para integração no novo discurso jurídico de comando.

Por outro lado, a atuação jornalística trazia outra vantagem: a publicação diária. O espectro de ação argumentativa de Rui Barbosa, assim, ampliava-se bastante e podia acompanhar o desenrolar cotidiano da vida política nacional. Criavam-se, então, condições para propagação maximizada do discurso ruiano, que passaria a ser publicamente controlado. Esse controle público constitui outro pressuposto fundamental para a filtragem de conteúdos que leva à conformação de linguagens de comando. Isso porque, uma opinião, mesmo sendo produto da retórica elitista, precisa ser assimilada pela comunidade de sentido, ou seja, necessita de eco social para tornar-se “realidade inquestionável”. Nesse sentido, o caráter diário das publicações permitia ao autor testar constantemente a eficácia das ferramentas persuasivas empregadas e, também, desenvolver novas de modo a, contextualmente, encontrar argumentos mais eficazes para sustentação de suas ideias. O Diário de Notícias foi, então, o vetor da metodologia ruiana e, sobretudo, serviu como termômetro da aceitação dos raciocínios formulados, ou seja, do sucesso das estratégias traçadas pelo autor.

Escolhida a via de atuação, era preciso construir os argumentos e, para tanto, tornava- se essencial bem conhecer o ambiente em que se atuava. Isso porque, o tipo de objeto a ser tratado pela prática comunicativa, determina o tipo de ferramenta a ser utilizada90. É essa harmonia entre objeto e ferramenta que torna a solução apresentada pelo sujeito verossímil e, portanto, digna de crença. Ora, conforme analisado na introdução, o agir retórico insere-se no âmbito da phrónesis, ou seja, na seara da prática, da linguagem natural marcada pela indeterminação91, da aparência retoricamente justificada como verdade. Assim, por não lidar com conteúdos fixos, o sujeito precisa de uma forma de pensar congruente com a volatilidade das opiniões, a qual leve em consideração as necessidades ínsitas a cada contexto. É a forma de pensamento tópico-problemática, que permite a apresentação de respostas viabilizadoras da ação, a despeito da inexistência de certezas, evitando-se a perpetuação da dúvida. Em outras palavras, a situação comunicacional dentro da qual a argumentação é desenvolvida lhe serve como bitola, isto é, a interpretação da realidade feita pelo auditório direciona, em certa

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BALLWEG, O. Entwurf einer analytischen Rhetorik. In: SCHLIEFFEN, K. G. von (Org.). Recht und

Rhetorik. v. 1. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009. p. 78.

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ARISTÓTELES. Analíticos Posteriores. In: Órganon. Trad. Edson Bini. São Paulo: Bauru, 2005. p. 309-312 e passim; BALLWEG. O. Phrónesis versus Practical Philosophy. In: SCHLIEFFEN, K. G. von (Org.). Recht

medida, o discurso92. Dessa maneira, a organização metodológica deve levar em consideração o nível material da retórica, ponto de partida para a identificação dos problemas situacionais a serem retoricamente solucionados e alvo final das estratégias retóricas, formuladas para a construção do sentido do mundo real. Enfim, observar o método detalhadamente para, somente então, construir o passo a passo metodológico é o pressuposto determinante para uma atuação retórico-prática bem sucedida.

Rui Barbosa soube fazer esse exame da retórica da nacionalidade e, assim, explorar o poder persuasivo de discursos já cristalizados no nível material da retórica. Analiticamente percebe-se nos artigos do Diário de Notícias a frequente utilização de imagens e conceitos socialmente consagrados, construídos em torno dos discursos da ordem, do progresso e, sobretudo, da atualização institucional. Sem explicitar a remissão a esse nível material, Rui Barbosa aproveita alguns dos sentidos desses três topoi, os que lhe sejam contextualmente mais úteis, para tornar sua argumentação mais familiar, mais próxima do auditório. Outra estratégia é a reinterpretação de determinado viés desses lugares comuns retóricos a fim de criar novos símbolos, os quais, por surgirem atreladas a discursos já estáveis no tecido social, são aceitas mais facilmente pelo auditório. Opera-se uma espécie de empréstimo de verossimilhança do conhecido para o ainda desconhecido. Em outras palavras, o valor de pontos de vista já socialmente postos fora de questionamento pelo sistema tópico-linguístico é utilizado como base para o sopesamento de pontos de vista novos, ainda questionáveis93.

Por outro lado, nesse processo de reforço ou de redefinição de crenças sociais, a visão de mundo particular do autor também ganha destaque analítico. Por meio dela se forma o conteúdo específico dos raciocínios sustentados pelo autor. Mais do que isso, as convicções ruianas influem a determinação, pelo autor, do posicionamento de cada argumento no conjunto discursivo e, principalmente, o estabelecimento de relações entre suas opiniões e as outras expressas no debate político. As perspectivas pessoais de Rui são, portanto, a fonte a partir da qual o autor forja sua opinião federalista e dentro da qual ele procura suportes retóricos para a justificação dela. Essa fundamentação concatenada é justamente o elemento responsável por conferir aparência de completude ao discurso. O público tem a impressão de que todas as possibilidades argumentativas foram exauridas, o que é fundamental para o convencimento.

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ARISTÓTELES. Rhetoric. In: The works of Aristotle. Trad. W. Rhys Roberts. Col. Great Books of the Western World. v. 9. Chicago: Encyclopeadia Britannica, 1952. p. 593-598.

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BALLWEG, O. Phronetik, Semiotik und Rhetorik. In: SCHLIEFFEN, K. G. von (Org.). Recht und Rhetorik. v. 1. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009. p. 100 e passim.

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Nesse contexto de harmonização entre as demandas contextuais e suas escolhas pessoais, Rui Barbosa inicia seu trabalho retórico por meio da construção de argumentos capazes de ampliar os efeitos benéficos da opção metodológica pela atuação jornalística. Ao perceber o momento propício, criado pela ruptura na barreira retórica antifederalista, para ampliação do espectro de visibilidade da teoria federalista, Rui Barbosa procura aumentar a popularidade do Diário de Notícias. Assim, cativar o auditório tornava-se medida indispensável para a difusão das opiniões de Rui Barbosa. Além de diário, o jornal ruiano precisava se fazer bem quisto para que a almejada propagação máxima do discurso realmente se efetivasse. Nesse sentido, Rui Barbosa cria uma simbologia em torno de sua forma particular de fazer jornalismo, a qual desempenhará esse papel de atração do auditório.

Desse modo, Rui Barbosa associou à imagem da publicação Diário de Notícias os símbolos do criticismo e da independência. Segundo a argumentação ruiana, as falhas existentes no sistema político nacional não seriam encobertas, mas sim apreciadas em seus erros. O caráter crítico compunha, pois, a “essência” do jornal. Isso significava o exercício de uma atividade jornalística diferenciada, marcado pela observação minuciosa dos fatos e, em seguida, por sua avaliação precisa, a fim de denunciar falhas. Por outro lado, esse avaliar crítico expresso nos artigos do Diário não seria irresponsável ou comprometido com interesses particulares e momentâneos. Rui Barbosa defende, então, a independência quanto às preferências ideológicas e partidárias, de forma a não serem passionais os juízos e opiniões manifestos no jornal, mas sim isentos, comprometidos com “a verdade” e livres de qualquer outra determinação, que não o dever de bem informar diariamente, incansavelmente o público. Crítico e independente, o Diário de Notícias reiniciaria suas atividades, agora sob a chefia de redação de Rui Barbosa, já chamando a atenção dos leitores para essas características do jornal. Assim, no artigo intitulado O Nosso Rumo, de 07 de março de 1898, o autor assim escreve:

Abrir, contra o convencionalismo da verdade oficial, mais uma válvula à verdade sem compromissos, e estabelecer, fora do liberalismo partidário, uma pequena escola de princípios liberais, - aí tendes, em poucas palavras, o modesto e difícil programa, que nos impomos. [...] Para soerguer o pêso dêsse véu [o da obscuridade

sobre a real situação política do Brasil], para lhe arredar a ponta, não será de mais o

concurso de uma boa vontade estreme de preconceitos, esclarecida pela experiência, sem outras ambições afora a de militar resolutamente com os amigos ativos da pátria, e não pactuar com as cumplicidades empenhadas em colorir o mal, e desculpar abusos.94.

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BARBOSA, R. O nosso rumo (07.03.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas

de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 1-2. Disponível em:

<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889%29\To mo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

Do ponto de vista analítico relativo às figuras retóricas utilizadas, isto é, à forma de apresentação do argumento de modo a torná-lo mais marcante e, assim, provocar mais encanto e emoção nos leitores (utilização do modo de persuasão pathos95), pode-se perceber três recursos estilísticos centrais nesse trecho. Primeiramente, nota-se o emprego de eufemismo, figura de linguagem cuja função é amenizar, por meio de expressões consideradas mais tênues, ideias que poderiam ser percebidas como agressivas ou chocantes96. Assim, as palavras “pequena” e “modesto”, presentes no primeiro trecho da citação, servem ao fim retórico de apresentar ao público um orador comedido, racional e, sobretudo, realista. O jornalista, então, aparentava ter consciência de que a missão à qual ele se propunha era exigente e, ao mesmo tempo, transmitia a impressão de, em nome do suposto compromisso com o leitor, envidar todos os esforços necessários para cumpri-la. Além de emitir essa mensagem, o eufemismo em questão desempenhava função de reforço do ethos ruiano: ao auditório era apresentado um redator esforçado e consciente sim, mas igualmente modesto. Isso inspirava credibilidade e, pois, angariava a simpatia e a confiança do público.

Nesse mesmo direcionamento estratégico, recorre-se também a uma lítote, mecanismo retórico consistente na atenuação do pensamento expresso, a qual se processa pela declaração de algo por meio do seu contrário97. Com a expressão “não será demais” o autor deixa latente a ideia afirmativa de que “será necessário apenas”. Negar o contrário do declarado significa, estrategicamente, negar a visão tradicional, que seria esperada pelo “leitor desavisado”. Rompe-se com a previsibilidade e, assim, destaca-se sutilmente o ponto de vista novo, o qual viria a ser apresentado por Rui Barbosa. Na lítote em questão, os requisitos para superar a “obscuridade” da situação política nacional são, assim, assimilados como factíveis, apesar de difíceis. Suaviza-se, por meio da contraposição “não-demais” a noção de dificuldade extrema, exacerbada e, assim, consegue-se uma aproximação carismática ao público: a via solucionadora seria sim realizável. Nota-se novamente o aproveitamento da figura de linguagem para exaltar o caráter do autor, na medida em que ele estaria disposto a se desgastar na trilha em direção ao desnudamento da “real situação” política interna.

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Quanto à associação entre as figuras de linguagem e o modo de persuasão pathos vide: SCHLIEFFEN, K. Gräfin von. Rhetorische Analyse des Rechts: Risiken, Gewinn und neue Einsichten. In: SOUDRY, R. (Org.).

Rhetorik: eine interdisziplinäre Einführung in die rherosiche Praxis. 2. ed. rev. e ampliada. Heidelberg: C. F.

Müller, 2006. p. 55-56. 96

AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 500. 97

REBOUL, O. Introdução à retórica. Trad. de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 124; AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 503.

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Como último recurso estilístico central do trecho citado, Rui Barbosa aproveita a aproximação de noções proporcionada pela metáfora para favorecer a assunção, pelo Diário

de Notícias, da posição de “fiscal do povo”. Enquanto figura retórica consistente na translação

significativa fundada na analogia, de modo a atribuir o signo de um objeto a outro intencionado pelo orador, a metáfora desloca as palavras de seu lugar natural e, assim, facilita o processo de intuição98. “Válvula de escape” torna palpável e, pois, mais facilmente assimilável, a noção de que o jornalismo ruiano funcionaria como única opção, única saída para o leitor interessado em realmente bem se informar. Concretiza-se a abstrata ideia de publicização imparcial. Ou seja, o Diário não esconderia a “verdade”, mas sim tornaria públicas as falhas governamentais e, então, ao prestar esse serviço de desnudamento da realidade “tal como ela é”, assumiria a posição de representante dos interesses do povo, não deixando este ser enganado.

Por outro lado, do ponto de vista tópico, pode-se identificar algumas relações perspicazmente formuladas por Rui Barbosa. A constante remissão às imagens de criticismo e independência aproxima o discurso ruiano do padrão de racionalidade valorizado pela sociedade brasileira de então, que buscava rumar na direção da modernidade cientificista europeia. Assim, o ideal da verdade, una e invariável, mesmo que aparentemente encoberto pela argumentação em torno das características do Diário de Notícias, fazia-se sempre presente no discurso ruiano. Deixando-se implícita a premissa de que a busca científico- racional pela verdade pressupõe observação questionadora e objetiva por parte do cientista, Rui Barbosa concluía que, por serem os artigos do seu jornal marcados pela investigação crítica dos fatos e pela divulgação desvinculada de quaisquer subjetivismos, a atuação do

Diário na arena de debates nacional era cunhada pelos rigores do racionalismo moderno. Esse

entimema, ou seja, essa estrutura argumentativa típica da retórica e caracterizada pela sustentação de um argumento por meio de uma opinião pessoal, cuja estrutura, porém, aparenta uma demonstração lógica e universal99, trazia consigo a segurança necessária para

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ARISTÓTELES. On poetics. In: The works of Aristotle. Trad. Ingram Bywater. Col. Great Books of the Western World. v. 9. Chicago: Encyclopeadia Britannica, 1952. p. 693; CÍCERO. El orador: á Marco Bruto. In:

Obras completas de Marco Tulio Ciceron. Trad. D. Marcelino Menéndes Pelayo. t. II. Madri: Librería Y Casa

Editorial Hernando, 1927. p. 348; CASTRO JR., T. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico

inexistente: reflexões sobre metáforas e paradoxos da dogmática privatista. São Paulo: Noeses, 2009. p. 59-96.

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ADEODATO, J. M. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 293-315; SCHLIEFFEN, K. G. von. Wie Juristen begründen: Entwurf eines rhetorischen Argumentationsmodells für die Rechtswissenschaft. Juristen Zeitung, Tübingen, Mohr Siebeck, 3/2011, 66. ano, p.110-112, fev., 2011; Idem. Rhetorische Analyse des Rechts: Risiken, Gewinn und neue Einsicheten. In: SOUDRY, R (Org.). Rhetorik: eine interdisziplinäre Einführung in die rhetorische Praxis. 2. ed. rev. e ampl. Heidelberg: C.F. Müller, 2006. p. 50-51; ARISTÓTELES. Rhetoric. In: The works of Aristotle. Trad. W.

persuadir o auditório. Isso porque, ao utilizar raciocínios aparentemente rigorosos e completos, Rui Barbosa transfere para as opiniões divulgadas no jornal a legitimidade ínsita à dedução racional. O que era tão somente interpretação individual, torna-se “produto da verdade”. Essa captação entimemática do valor cientificista tornava seguro e, pois, crível o pensamento estruturado na instável esfera da phrónesis. Ainda no artigo O Nosso Rumo:

Tôda a ciência da administração dos Estados é um vasto campo de debate e uma lição de transações. A tolerância constitui a mais preciosa das virtudes de educação, nas almas habituadas a estudar com filosofia as coisas humanas. Deve reputar-se, até, qualidade profissional na imprensa periódica; pois nesse múnus delicado, onde tão amiúde as sentenças não passam de emoções arrazoadas, falta à discrição de seu ofício quem não souber desconfiar dos próprios juízos. Nem por isso, todavia, se afigura menos imperioso no jornalismo o dever de verdade, ou menos praticável se torna a obediência a esse dever. Integridade material dos fatos, integridade moral da opinião do escritor, nas suas relações com o público, veracidade e sinceridade: eis se nos não enganamos, a fórmula da sua expressão. [...] Nem fôlha de oposição, nem