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O DISCURSO DA ORDEM LEGITIMADOR DO MODELO DE ESTADO UNITÁRIO A BARREIRA RETÓRICA MATERIAL ANTEPOSTA À METODOLOGIA RUIANA

DISCURSIVA PARA A QUAL SE VOLTARÃO AS ESTRATÉGIAS DE RUI BARBOSA

3.1 O DISCURSO DA ORDEM LEGITIMADOR DO MODELO DE ESTADO UNITÁRIO A BARREIRA RETÓRICA MATERIAL ANTEPOSTA À METODOLOGIA RUIANA

Essa tentativa de convencimento da sociedade brasileira pressupunha, para ser eficaz, que Rui Barbosa conhecesse os problemas políticos e os relatos formadores da realidade brasileira do séc. XIX. Era preciso harmonizar suas estratégias ao mínimo de objetividade convencionalmente estabelecido no nível material da retórica a fim de construir um discurso coerente, persuasivo. A pesquisa volta-se, então, para a retórica da nacionalidade brasileira antes de seguir a trilha analítica em direção ao nível estratégico.

Nesse momento serão consideradas as crenças e valores gerados pelo domínio coletivo dos relatos socialmente produzidos. É a comunidade de sentido. O sujeito se insere em um grupo com o qual compartilha a cultura e interage, ao emitir e captar opiniões. Tal interação, por meio do consenso, cria o mundo “real”58

. É dentro da coletividade que o ser humano exercita seu lado humano, influenciando seus pares e sendo influenciado por eles. Consequentemente, a partir do contexto discursivo, os sujeitos constroem sua metodologia de ação. Esta, por sua vez, volta-se ao ambiente comunicacional com o objetivo de convencer e de prescrever. Em outras palavras, é possível dizer que os problemas enfrentados socialmente pelos sujeitos são delineados pelo contexto linguístico situacional dentro do qual eles se inserem. A situação faz o problema, no sentido de caracterizar as vicissitudes que devem ser levadas em consideração pelo indivíduo para que uma solução seja apresentada e considerada convincente pelos demais interlocutores. São as verdades compartilhadas que conferem sentido às práticas sociais e, assim, permitem ao sujeito antever qual metodologia é melhor aplicável a qual plateia em qual contexto. Essa antevisão o ajuda a organizar suas opiniões a fim de harmonizá-las às especificidades casuísticas e, assim, torná-las persuasivas59. A situação comunicacional, portanto, oferece as possibilidades de partida da discussão entre

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Sobre a importância do consenso para determinação do que é “o real”: BLUMENBERG, H. Anthropologische Annäherung an die Aktualität der Rhetorik. In: _____. Wirklichkeiten in denen wir leben: Aufsätze und eine Rede. Stuttgart: Reclam, 1981. p. 104-136.

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VIEHWEG, T. Tópica e jurisprudência. Trad. Tércio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979. p. 23-44 e passim.

seres humanos. Sob uma perspectiva analítica, portanto, não se pode isolar o discurso estrategicamente formulado do contexto no qual ele é produzido e para o qual ele se volta. A doutrina federalista, por exemplo, articulada em outro ambiente comunicacional não faria sentido e, consequentemente, seria incapaz de influenciar a produção do direito constitucional nacional.

Essa realidade discursivamente experimentada é, no caso da retórica federalista ruiana, formada pelas verdades que habitavam o imaginário social do Brasil do séc. XIX. Ela pode ser dividida em três discursos centrais: o da ordem, o do progresso e o das reformas institucionais modernizantes. O primeiro serviu de substrato para a legitimação do Estado unitário imperial, funcionando como principal barreira retórica material às estratégias argumentativas de Rui Barbosa em favor de um Estado federado. O discurso do progresso, por sua vez, estruturou-se no contexto de construção da identidade nacional, dissociada da imagem do colonizador europeu, mas contraditoriamente voltada para a aproximação com a cultura “civilizada” europeia. Ele sinaliza para as elites produtoras da linguagem de comando a necessidade de atualização estrutural do País. Chega-se ao terceiro discurso, o das reformas institucionais modernizantes. Gestado num contexto de crise política, ele representa a fratura na homogeneidade ideológica das camadas sociais dominantes e, consequentemente, a abertura de espaço para a atuação estratégica de Rui Barbosa. Neste subcapítulo será analisado o primeiro desses três discursos.

O discurso da ordem começou a ser formado no início do séc. XIX e, por isso, a compreensão de seu sentido e de sua força persuasiva na segunda metade desse século demanda uma análise sobre o contexto histórico brasileiro desse período.

O primeiro reinado no Brasil, de 1822 a 1831, é marcado por uma série de instabilidades políticas e econômicas. Recém independente, a sociedade brasileira precisava construir um projeto de Estado-nação, a fim tornar-se efetivamente autônoma, internacionalmente reconhecida e internamente estável. A forma pela qual se daria concreção ao Estado brasileiro, até então somente formalmente independente da antiga metrópole, é a questão que divide a elite política. Essa falta de consenso na classe dominante abre espaço retórico para a defesa, por parte de D. Pedro I, de uma atuação forte e centralizadora da monarquia. Era preciso tomar uma decisão para impedir o prolongamento excessivo da disputa quanto aos rumos que o País deveria tomar. Mais do que isso, opiniões contrárias aos interesses do grupo economicamente dominante, desunido sim politicamente, mas uníssono quanto à necessidade de manutenção do status quo excludente, não poderiam sequer adentrar

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o debate. Dessa maneira, defensor do absolutismo, D. Pedro I age para consolidar seus poderes pessoais e, assim, dissolve a constituinte de 1823 e outorga a constituição de 1824, na qual é prevista a criação de um quarto Poder, de exercício exclusivo do monarca. O Poder Moderador era constitucionalmente tido como a chave de toda a organização política. Sua função cingia-se à manutenção do equilíbrio nacional, fundado em um modelo de Estado unitário. Dentre suas atribuições estava a nomeação dos senadores, a aprovação e a suspensão de resoluções dos Conselhos Provinciais, a dissolução da Câmara dos Deputados, em nome da salvação do Estado e a nomeação de Ministros60. Dessa maneira, o Imperador, além de titular do Poder Executivo, poderia, no exercício do quarto Poder, determinar os rumos da vida política nacional, uma vez que exercia controle sobre o Poder Legislativo.

Imposta a decisão de se manter o País unido em torno de uma administração central, era preciso agora legitimá-la. É no contexto dessa necessidade que se estabelecem os primeiros contornos do discurso da ordem. Inicialmente “ordem” significa assegurar a independência nacional. Ora, tendo vivenciado um processo de emancipação fruto de arranjos de interesses momentâneos e que não representou reunião da população em torno de um objetivo comum, o cenário político nacional ainda era frágil e instável61. Era preciso reafirmar continuamente a unidade da nova nação, sua harmonia. Isso, com o objetivo de se construir uma realidade discursiva que enunciasse a segurança diante de eventual regresso do colonizador. Se o Império brasileiro não era estável, era preciso ao menos aparentar estabilidade. Tal garantia contra ataques portugueses, ou de outras potências internacionais, foi retoricamente associada à força da união entre províncias, mantida pela existência de uma ferramenta de coesão, qual seja: o poder central. Consequentemente, o Imperador, símbolo da unidade nacional, precisava ter seus poderes aumentados. O controle público de relatos quanto ao medo do regresso colonial criou, portanto, condições retóricas para que a noção de ordem fosse identificada como justificativa plausível para a existência do quarto Poder com competências constitucionais para controlar os demais poderes.

Esse viés inicial do discurso da ordem permitia, porém, o questionamento em torno da figura de D. Pedro I. Enquanto português, filho do antigo rei colonizador e titular de muito poder no Brasil, o imperador era visto como a principal ameaça no que concerne ao eventual retorno do jugo metropolitano. Assim, sua pessoa era também objeto dos relatos quanto à

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BRASIL. Constituição de 1824. Estabelece os pilares da constituição política do Império do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 12.07.2014.

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HOLANDA, S. B. de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico – o processo de emancipação. t. II. v. 1. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965. p. 379-404.

instabilidade da independência nacional. Perceba-se que a razão para a existência do Poder Moderador, sustentada retoricamente pelo discurso da ordem, não foi questionada. O problema estava em quem ocupava tal Poder e originava-se justamente na aversão aos portugueses forjada pela crença em seu suposto anseio recolonizador. Ou seja, a insatisfação quanto a D. Pedro I foi gestada no próprio contexto comunicativo do discurso da ordem. Em 7 de abril de 1831, D. Pedro I abdica o trono em favor de seu filho. A abdicação, interpretada por alguns como uma revolução, representou a saída da ameaça recolonizadora do centro de decisões nacional. A independência estava garantida. A estabilidade política, porém, ainda não. Iniciava-se o turbulento período regencial.

Nesse momento da história nacional o lugar comum “ordem” é reinterpretado. Seu novo sentido aponta para a luta contra a desordem causada pelas revoluções populares, contra o risco de fragmentação política do País. O discurso da ordem funcionava, então, para driblar retoricamente a tentativa de ascensão popular ao poder e, assim, fortalecia-se como pedra de toque da retórica imperial. O medo de regresso colonial transforma-se em medo de governos democráticos. Era preciso centralizar o Brasil cada fez mais, para que as forças populares fossem contidas. Mais do que isso, tornava-se fundamental cristalizar no imaginário social a certeza de que manifestações populares eram prejudiciais ao Brasil, de maneira a evitar sua ocorrência no futuro.

Durante os seis primeiros anos de período regencial o Brasil experimentaria uma série de medidas liberais, motivadas pela sensação de vitória da sociedade brasileira sobre o jugo do imperador absolutista. As principais foram reunidas no Código de Processo Criminal, de 1832, e no Ato Adicional à Constituição Política do Império, de 1834, normas responsáveis pela experiência federal que tentava arrefecer os ânimos insurrecionais das elites locais insatisfeitas ao lhes conferir mais poder político62. O Código Criminal atribuía à autoridade municipal (juízes de paz eleitos pela população local) amplos poderes investigatórios e jurisdicionais, descentralizando, então, a administração da justiça penal63. Já a reforma constitucional de 1834, criava assembleias legislativas provinciais, cuja competência abrangia matéria civil, judiciária e eclesiástica, administrativa local, instrução pública, exceto nível

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DOLHNIKOFF, M. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005. 155-221.

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BRASIL. Lei de 29 de novembro de 1832. Promulga o Código de Processo Criminal de Primeira Instância. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm>. Acesso em: 12.07.2014.

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superior, desapropriação por utilidade pública municipal e provincial, polícia e economia municipal, orçamento municipal e provincial64.

Entretanto, a despeito desse “avanço liberal”, a precária unidade econômica e territorial do Brasil falaria mais alto no debate em torno da estruturação do País. A administração central não conseguia fazer-se presente em todas as províncias para concretizar projetos políticos estruturais, mas exigia tributos e dificultava o desenvolvimento econômico local ao estabelecer políticas voltadas somente para o Rio de Janeiro e para a região cafeeira, nova esperança econômica da nação. A camada dominante, dividida entre federalistas e centralistas, acirra o debate nacional e passa a constituir grupos radicais, ou exaltados, de ambas as vertentes, que eram responsáveis por liderar agitações populares. Eclodem as rebeliões regenciais. Em 1833 inicia-se a Cabanagem, no Pará, que se estendeu até 1836 com agitações populares na capital e no interior. Em 1835 houve a Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que durou dez longos anos e foi liderada por criadores de gado das fronteiras com o Uruguai. Também em 1835 acontece na Bahia a rebelião escrava chamada Levante do Malês, nome dado aos escravos africanos adeptos da religião mulçumana. Nesta mesma província, entre 1837 e 1838, desenvolve-se a Sabinada, revolução integrada por representantes da classe média, profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos comerciantes. No Maranhão, a Balaiada ocorreu entre 1838 e 1841, eclodindo em virtude das disputas políticas travadas entre o grupo liberal e o conservador da elite provincial65.

A insatisfação com o governo fazia-se, portanto, presente nas mais diversas camadas sociais e a incerteza quanto ao futuro do País aumentava a cada novo levante. O clima de intranquilidade e, sobretudo, a participação ativa também de camadas populares, normalmente alheias ao debate político, mas que agora mostravam o desejo de modificar a configuração excludente e aristocrática do Brasil, tornam-se fonte de preocupação para as elites. Difundiam-se na linguagem comum nacional relatos sobre a tomada de poder local com o apoio de classes pobres. Era preciso barrar a reprodução dessas mensagens, antes que elas fossem filtradas da linguagem comum e, então, tornassem-se estáveis o suficiente para cristalizar nas camadas baixas da população a crença em sua capacidade revolucionária.

A elite cafeeira do sudeste, que começa a despontar na cena política nacional ainda na década de 30, era a principal interessada na interrupção desse processo de questionamento da

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BRASIL. Lei n. 16 de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adições à Constituição do Império. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim16.htm>. Acesso em: 12.07.2014.

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HOLANDA, S. B. de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico – dispersão e unidade. t. II. v. 2. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. p. 118-125, 159-165, 279-297, 487-505.

ordem social estabelecida. Voltada para a exportação, a lavoura cafeeira sulista dependia de um Estado forte, capaz de criar uma infraestrutura de transportes internos e portuária bem montada para que fosse possível escoar a produção e, principalmente, com relações internacionais bem firmadas, de forma a favorecer a venda das safras no mercado estrangeiro. Por outro lado, o principal fator de ganho competitivo do café brasileiro era a sua produção a baixo custo por mãos escravas, as quais não poderiam ser incitadas a se rebelarem contra seus senhores. Era preciso parar a onda revolucionária de alguma forma e, por localizar-se geograficamente próxima ao centro de poder, a elite cafeeira era a mais indicada para influenciar a produção de conteúdos na linguagem de comando política.

Nesse sentido, a regência liberal de Antônio Feijó é derrubada em 1837, o que dá inicio ao “regresso conservador”. A estratégia utilizada pelos conservadores como antídoto contra as manifestações de insatisfação que ainda ocorriam foi, além de reprimi-las violentamente, explorar o imaginário social em torno do medo da desordem. O discurso da ordem desta vez, apesar de ainda remeter-se à necessidade de consolidação da independência, relaciona-se mais ao risco de fragmentação política do Brasil, ante o separatismo de algumas revoltas, e de destruição nacional promovida pela anarquia popular que se generalizava66. Comunicava-se a necessidade de fortalecer a estrutura de nação, e não de derrubar a já existente. Tal fortalecimento seria o pressuposto para o progresso econômico e, sobretudo, para a formação de um País grande, capaz de se impor no cenário internacional. Legitimava- se, assim, um agir antidemocrático e ainda mais centralizador: reforçar o governo central com mais poderes era a saída para torná-lo a mão-forte que constrói um projeto político uno para todo o País. Esse seria o caminho para a pacificação nacional. Em 1840 o Ato Adicional é revisto e, a pretexto de interpretar algumas expressões da reforma constitucional, a lei nº 105, de 1840, retirou das assembleias provinciais várias competências, especialmente no que concerne à autonomia administrativa local67. Nesse mesmo ano precipita-se a maioridade de D. Pedro II. A figura do novo imperador era importante símbolo para o discurso da ordem sob esses novos contornos. Isso porque a existência de um líder capaz de guiar o País sintetizava os argumentos relacionados à solução da crise política regencial. Enfim, a sociedade brasileira, ao experimentar a realidade indiretamente, por meio da noção de ordem, passa a interpretar a luta do povo para a construção de uma nação mais igual como algo indesejado e

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CARVALHO, J. M. de. Teatro de sombras: a política imperial. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 249-259.

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BRASIL. Lei n. 105 de 12 de maio de 1840. Interpreta alguns artigos da Reforma Constitucional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/LIM/LIM105.htm>. Acesso em: 12.07.2014.

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que deveria ser repudiado. A opinião centralizadora estabiliza-se paulatinamente enquanto verdade social até ser posta fora de questão sua capacidade de bem estruturar o Estado brasileiro.

Iniciado o segundo reinado, esse processo de estabilização do Estado unitário fundado no discurso da ordem atinge seu ponto máximo. Propagado por vários anos, o mito da centralização como solução contra a perturbação popular cristaliza-se como pedra de toque da política imperial, de tal maneira que mesmo as elites ideologicamente contrapostas, isto é, conservadores e liberais, unem-se contra o inimigo comum: o povo. Desde a antecipação da maioridade legal do segundo imperador ensaia-se um processo de organização das camadas dominantes para sedimentar o governo em torno da defesa de seus interesses comuns. A crença de que a insegurança e o vaivém de situações movediças até então vivenciados no Brasil originavam-se nas contendas entre as facções e na acirrada disputa pelas posições políticas, ou seja, na falta de homogeneidade ideológica das elites, dará origem à tentativa de consenso, de congraçamento dos grupos políticos68. Estrutura-se a política da conciliação, enquanto estratégia para harmonização da linguagem de comando política a fim de evitar rupturas e incoerências de conteúdo, as quais a tornavam frágil e passível de crítica.

Em 1853, sob responsabilidade do gabinete chefiado pelo Visconde de Paraná, inicia- se essa fase de transação política. Construída sobre uma base social escravista, dos grandes proprietários do sudeste brasileiro, a conciliação apresentou claramente as cores da bandeira conservadora. Ou seja, o sistema voltou-se para o fortalecimento de um poder uno, central e antidemocrático. Era novamente a vitória dos conservadores sobre os liberais, vencidos após as revoltas de 1842, em Minas Gerais, e de 1848, em Pernambuco. Resgatava-se de certa forma o período do regresso conservador de 1837.

Entretanto, ao perceber na ferrenha oposição entre partidos, associada à preponderância de somente um deles (o conservador), uma ameaça a sua permanência no poder, a elite estrutura um novo caminho para o desenvolvimento do jogo político nacional. Em outras palavras, ao observa o método, no caso os relatos do passado regencial, e as repercussões práticas sobre ele geradas pela antiga forma de produção da linguagem de comando política (as revoltas), as camadas dominantes criam uma metodologia nova.

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CARVALHO, J. M. de. A construção da ordem: a elite política imperial. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 201-226; HOLANDA, S. B. Capítulos de história do Império. Org.: Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 39-69; HOLANDA, S. B. et al. História geral da civilização

brasileira: o Brasil monárquico, reações e transações. t. II. v. 3. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. p.

9-69. MATTOS, I. R. de. O gigante e o espelho. In: GRINBERG, K; SALLES, R. (Orgs.). O Brasil imperial: 1831-1870. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 15-51.

Voltados para a solução desse problema de disputa partidária, que enfraquecia a retórica elitista como um todo, os novos discursos políticos comunicavam a necessidade de o próprio chefe de Estado, personagem neutra com relação às agremiações partidárias e representante da perenidade no poder, e não da efemeridade e das contradições entre gabinetes, determinar os rumos do sistema político nacional. Argumentava-se que a vacuidade da vida política justificaria a existência de um poder previamente determinado por via hereditária, o qual teria capacidade para funcionar como ponto de apoio da organização social. O sentido traçado, então, guiava o sistema de governo para o fortalecimento ainda maior do monarca, legitimado, em virtude da aclamação popular, não somente a reinar, mas também a governar, a administrar o país e a funcionar como intérprete privilegiado da vontade nacional69.

O cerne da conciliação era, portanto, os chefes de gabinete concederem ao monarca prévio conhecimento dos programas de governo, de maneira a que as eventuais mudanças políticas dependessem da aprovação prévia do imperador. A concórdia, pelo menos aparente, entre os partidos garantia esse sistema governamental, na medida em que desfazia retoricamente o passado de intransigências e coordenava os interesses das duas facções dentro do próprio gabinete. Dessa maneira, seria supostamente possível imprimir no País uma política uniforme e, pois, ordenada. O discurso da ordem era, então, mais uma vez utilizado como justificativa para interrupção do debate político e para difusão dos valores da elite.

Calibrador das tensões políticas, o poder pessoal do monarca agiganta-se no segundo império, mas de forma legítima, socialmente aceita e, inclusive, estimulada, diferentemente do ocorrido no primeiro reinado. O período da conciliação coincidiu com o de prosperidade material, proporcionada pela liberação de capital no mercado interno, diante da proibição de