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O TOPOS DO ABUSO CONTRA O EXÉRCITO E A EXPLORAÇÃO DOS DISCURSOS DA ORDEM E DO PROGRESSO COMO ESTRATÉGIAS PARA CRIAÇÃO

DOGMAS QUE AINDA SUSTENTAVAM RETORICAMENTE O IMPÉRIO: O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, VETOR DA METODOLOGIA RUIANA

4.4 O TOPOS DO ABUSO CONTRA O EXÉRCITO E A EXPLORAÇÃO DOS DISCURSOS DA ORDEM E DO PROGRESSO COMO ESTRATÉGIAS PARA CRIAÇÃO

DA FORÇA REVOLUCIONÁRIA FEDERALISTA

As estratégias ruianas até aqui desenvolvidas voltavam-se para o setor civil. Buscava- se criar na população o sentimento de desvalor quanto à monarquia e, mais, a consciência de detenção do poder político, de capacidade para promoção de mudanças efetivas. Ora, conforme já analisado no capítulo segundo, o Brasil era uma nação predominantemente civil, no que concerne ao pouco reconhecimento social e à mínima participação política dos militares140. Entretanto, após o final da Guerra do Paraguai, os integrantes das forças armadas passaram a demandar mais valorização social e financeira e revisão no sistema eleitoral de 1881, que retirava dos praças o direito de votar. É período da Questão Militar. Rui Barbosa soube perceber o relevo retórico dessa situação de insatisfação militar e, assim, organizou sua metodologia com vista a aparelhar a futura revolução federalista com uma força armada. Aproveitando-se, então, da suscetibilidade do auditório militar, já tendido a aceitar qualquer discurso enaltecedor do exército e da marinha, Rui Barbosa atuou estrategicamente para não somente conferir ao seu corpo argumentativo um braço armado, como também, e principalmente, para atacar o Estado unitário, desta vez, de dentro para fora. Os militares,

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CARVALHO, J. M. de. Teatro de sombras: A política imperial. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 274-275.

funcionários públicos, deveriam tornar-se os primeiros opositores da administração monárquica centralizadora.

O quarto passo metodológico para desconstrução do discurso de comando monárquico, assim, circunscreveu-se ao topos do abuso contra o exército. A ideia central aqui era convencer a sociedade e os próprios militares de que a Coroa explorara as forças armadas, sobretudo o exército, durantes os dois reinados e não seria diferente com o terceiro, que se aproximava. O suporte retórico de tal opinião era o relato, também opinativo, sobre a pretensão imperial de subjugar a nação brasileira e restaurar aqui um governo absolutista e tirânico. Integravam-se, portanto, a opinião e sua aparente justificativa, de forma que o entimema141 daí produzido demonstrava retoricamente a premente necessidade de modificação do sistema político-administrativo brasileiro. Mais uma vez, tentava-se fragilizar o discurso de comando monárquico.

O topos em questão estruturava-se sobre duas linhas argumentativas. A primeira voltava-se para a crítica à Guarda Nacional. Ao nomeá-la estrategicamente “milícia pessoal dos monarcas”, e não “milícia cidadã”, Rui Barbosa procedeu a uma nova definição da instituição, de modo a rotulá-la socialmente como antiquada. O novo nome trazia consigo as imagens, desvalorizadas socialmente, de utilização da violência contra o povo e de manutenção, por meio da força, do poder ilimitado. Instituição obsoleta e simbolicamente associada ao antigo regime europeu, a Guarda Nacional era estrategicamente apontada por Rui Barbosa como exemplo do retrocesso que o terceiro reinado representaria para o País. Explora-se novamente o discurso do progresso. A monarquia brasileira não mais servia para guiar o Brasil nos rumos dos avanços da modernidade.

Como segunda linha argumentativa, o autor defende a revalorização do exército, fiel defensor da nação. Buscava-se elevar o ethos do militares e, concomitantemente, produzir a crença na desonra das forças armadas gerada pelo descaso imperial. Associadas as ideias de grande importância social desse grupo de “protetores da nação” e de desprezo da Coroa para com ele, a contradição daí resultante guiava o raciocínio ruiano para a conclusão de que o

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Katharina Gräfin von Schlieffen enfatiza que o entimema não poderia ser somente definido como o silogismo falho. Muito além dessa noção, a maneira retórica de demonstração construída com base na verossimilhança, e não na lógica, seria caracterizada pela argumentação construída sobre dois pilares somente: uma opinião afirmada e outra utilizada como suporte, sem que necessariamente entre elas existisse uma relação de premissa ou conclusão. Cf.: SCHLIEFFEN, K. G. von. Wie Juristen begründen: Entwurf eines rhetorischen Argumentationsmodells für die Rechtswissenschaft. Juristen Zeitung. Tübingen, Mohr Siebeck, 3/2011, 66. ano, p. 112, fev., 2011; Idem. Rhetorische Analyse des Rechts: Risiken, Gewinn und neue Einsichten. In: SOUDRY, R. (Org.). Rhetorik: eine interdisziplinäre Einführung in die rhetorische Praxis. 2. ed. rev. e ampl. Heidelberg: C.F.Müller, 2006. p. 50-51 e passim.

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governo desrespeitava não somente os militares, mas sim toda a sociedade brasileira. Essa estratégia servia como reforço retórico para o raciocínio de que somente em razão de interesses escusos e tirânicos poderia a Coroa objetivar o desmantelo das forças armadas. Consequentemente, campanhas para o centro-oeste, inércia administrativa quanto ao alastramento de doenças graves entre os militares e punições arbitrárias eram “provas” de que o Império violava psicológica, física e legalmente o exército e a marinha com o único objetivo de minar suas forças e, assim, deixar a população brasileira indefesa. Rui Barbosa situa a noção de medo novamente junto à Coroa: ao explorar as forças armadas, ela ambicionava unicamente garantir o início de um terceiro reinado absolutista, marcado pela violência contra o cidadão. Utiliza-se, então, mais uma vez o discurso da ordem com a finalidade de voltá-lo contra a monarquia.

Quanto à primeira via retórica para construção do topos do abuso contra o exército, percebe-se que o autor emprega novamente o poder persuasivo da remissão ao plano científico. Assim, Rui Barbosa recorre à história para sustentar seu argumento de que a

Guarda Nacional seria instrumento de dominação de um governo antidemocrático e contrário

à liberdade. Os exemplos de diversos países, sobretudo da França, serviam como indícios de que os governos, quer monárquicos, quer revolucionários, ao instituírem esses grupos paramilitares objetivavam recrudescer o viés tirânico de sua administração. Nesse sentido, Rui Barbosa argumenta:

Não há nome, que tenha coberto realidades mais diferentes entre si do que o dessa instituição cambiante, que, surgindo às primeiras comoções da revolução francesa, auxiliou, e embaraçou alternativamente, em França, os regimes mais opostos, passando pelas transformações mais profundas na sua natureza. Por todas as mãos andou ali, a revêzes, desde a monarquia até o imperialismo, êsse misto inorgânico, inconsistente, infinitamente versátil, de paixões populares e interesses oficiais. E basta considerar-lhe a história na terra de sua nascença e do seu mais amplo desenvolvimento, para desnudar a ilusão, que o prestígio do seu título encerra, ao mesmo tempo para a democracia e para o poder. Deixemos cair algumas gotas desse ácido salutar como reativo na taça onde o govêrno faz iriar aos raios do seu contentamento as virtudes miríficas dessa ressurreição liberal. [...] Tranferindo-se do domínio das influências vencidas para o das influências vencedoras, [...], morta hoje no seu próprio torrão nativo, ajudou tôdas as reações, e desmentiu a tôdas as esperanças populares142.

Por toda a parte onde germinou a idéia da instituição batizada com êste nome por Lafayette, a experiência não tardou em lhe mostrar a feição romanesca, impolítica, suspeita ora à ordem do Estado, ora às garantias do povo. O seu descrédito é irremediável, em todos os países que a ensaiaram. A Itália, por exemplo, acolheu-a, sob a influência francesa, em 1820 e 1848. [...] Quais foram, porém os seus frutos?

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BARBOSA, R. Guarda nacional (23.08.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. V. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 109 e 115.

Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20 %281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

Di-lo-á uma das autoridades primaciais no direito público italiano: “Após a primeira efervescência, a instituição morreu [....]. Como milícia a guarda nacional de nada prestava contra os inimigos exteriores. [....]. Na Inglaterra cessou de existir a milícia nacional, instituída no século XVIII, sob o comando de proprietários locais, circunscrita em sua ação aos limites do território do condado, para arredar todo pretexto à sua conversão em exército permanente. As urgências da guerra contra Napoleão I, porém, a reestabeleceram. [...]. Mas, na sua entidade a milícia deixou de existir como corpo distinto, perdeu o seu antigo caráter específico, imergindo-se no exército regular, confundindo-se com ele, [....], e subordinando-se à lei militar. 143 Quanto os dois Napoleões se resolveram a suplantar, nessa instituição, o elemento democrático, convertendo-a em títere do despotismo imperial, bastou-lhes para isso abolir a eletividade dos oficiais, e reservar ao govêrno o provimento dêsses postos. Foi, portanto, no exemplo duas vezes dado pelo primeiro Bonaparte que se inspirou a coroa, ao nacionalizar a guarda nacional entre nós. [...] Máquina militar contra a liberdade de eleição, máquina administrativa contra o civilismo do exército: tal se figura hoje a guarda nacional aos que acabam de desenterrá-la. Eis as segundas tenções desse plano, cuja inépcia boas decepções reserva à fútil esperteza dos seus autores. O exército fraternizou com o povo na agitação vitoriosa contra o cativeiro dos negros. Teme-se agora a perpetuação dos laços dessa aliança na propaganda pela liberdade dos brancos.144

Em todos esses trechos percebe-se a remissão a “dados” fáticos tidos pelo autor como universalmente reconhecidos e interpretados em um único sentido. Eles serviam como suporte neutro e estável para a argumentação opinativa que segue. No primeiro trecho citado, destaca- se a metáfora “ácido salutar” referida à história. Essa figura retórica inspira no auditório a percepção intuitiva da similaridade entre as duas expressões aproximadas145, qual seja: a história, enquanto ciência baseada na observação precisa dos fatos passados, funciona como instrumento para a purificação, a limpeza, o aclaramento das ideias relacionadas ao instituto em questão, a guarda nacional. Assim, investigar o passado, objetivo acusado por Rui Barbosa na série de artigos intitulada Guarda Nacional, significava esclarecer os “reais interesses” do gabinete liberal ao restaurar essa instituição e, sobretudo, antever as consequências de tal restauração.

Esse resgate aparentemente objetivo de casos passados é o mecanismo retórico para a composição do conteúdo da argumentação. O logos era, assim, construído com base na indução retórica, cuja força persuasiva situava-se, primeiramente, na apresentação de exemplos concretos de países nacionalmente admirados e reconhecidos como modelo de desenvolvimento e, ademais, na sensação de certeza quanto aos argumentos, visto serem eles

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BARBOSA, R. Guarda nacional (13.08.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. V. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 117-118 e

120. Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20 XVI%20%281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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Idem. Guarda Nacional (14.08.1889). Ibidem. p. 131 e 136. 145

ARISTÓTELES. On poetics. In: The works of Aristotle. Trad. Ingram Bywater. Col. Great Books of the Western World. v. 9. Chicago: Encyclopeadia Britannica, 1952. p. 694; Idem. Tópicos. In: Órganon. Trad. Edson Bini. São Paulo: Bauru, 2005. p. 405-409 e passim.

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fundados em dados precisos e imutáveis, obtidos por meio da análise histórica cientificamente rigorosa. Desse modo, o entimema paradigmático, silogismo retórico cujo poder de convencimento advém da narração de exemplos tematicamente aproximados ao assunto argumentado146, é a chave tópica utilizada por Rui Barbosa para organização desta estratégia. Ao aproximar o paradigma brasileiro e os casos ocorridos na França e em outros países europeus, o autor cria a possibilidade de se induzirem regras gerais acerca do tema “organizações paramilitares”, o qual é o elemento comum entre os exemplos narrados e a situação vivenciada no Brasil. Nesse sentido, a partir da narrativa desses casos individuais, o autor chega à conclusão de que, salvo em raríssimas exceções, nas quais o modelo de milícia civil positivado diferia do aqui instituído, ou seja, em situações que não se assemelham à nacional, as guardas nacionais são instituições marcadas pelo uso da violência e inconciliáveis com governos realmente democráticos e liberais.

A pretensa validade universal dessa regra induzida funcionava como esteio retórico para a conferência de credibilidade, de coerência e de estabilidade à opinião ruiana de que a

Guarda Nacional era utilizada internamente como ferramenta para a compra de apoio político

e para a perseguição de opositores. Segundo o autor, as altas patentes dessa milícia civil, desejadas pelo fato de constituírem títulos para o pertencimento a uma espécie de nobreza nacional, eram utilizadas como moeda para a compra de fidelidade ao governo. A monarquia, assim, lançava mão mais uma vez da corrupção e do engodo para encobrir a suposta insatisfação coletiva. Por outro lado, aqueles que não se submetiam à ação corruptora do trono e insistiam em criticar as falhas administrativas eram perseguidos, silenciados por meio do uso da força física. Completava-se, então, o conteúdo da mensagem, de forma a guiar o raciocínio argumentativo no sentido almejado pelo autor: além de ser instituição nascida no seio do antigo regime, no Brasil ela efetivamente prestava-se a fins absolutistas. A Guarda

Nacional era, portanto, símbolo do caráter reacionário e antimoderno da monarquia nacional.

Percebe-se que a formação do conceito negativo quanto à instituição desempenha a função estratégica de reafirmar as deficiências da monarquia brasileira. Mais uma vez relatos sobre seu anacronismo, sua incapacidade de modernizar-se, sua oposição ao progresso são destacados no nível material da retórica. Nesse sentido:

Está o govêrno, portanto, resolvido, já não padece dúvida, a extrair dessa instituição cuja história lhe merecia, há pouco, nas colunas do nosso ilustre colega da Província

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ADEODATO, J. M. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 304-305; ARISTÓTELES. Rhetoric. In: The works of Aristotle. Trad. W. Rhys Roberts. Col. Great Books of the Western World. v. 9. Chicago: Encyclopeadia Britannica, 1952. p. 596-597.

de S. Paulo, a designação de infame, todo o proveito, em violência e opressão, de que ela é amplamente suscetível contra o povo147.

O nobre ministro da justiça não vê na guarda nacional o que nela sempre viram todos os que confessam e todos os que o negam: um dos artifícios mais penetrantes da corrupção neste país. [...]. Dizer que não há, nesta terra, quem se deixe captar pelo brilho dêsses galões, com que a corrupção dos ministros promove a corrupção do eleitorado, é negar evidência meridiana, contestar o mais comesinho de todos os fatos de observação permanente entre nós, e averbar de caluniadores do país os mais eminentes estadistas liberais. [...] Ora, as graduações de postos, na guarda nacional, entre nós, outra coisa não são que uma sub-nobreza fácil e barata, um sistema de dignidades honoríficas, posto ao alcance de todas as condições, de todas as profissões, de todas as fortunas. [...] A guarda nacional adaptando-se a todas as classes e penetrando onde não pode chegar o preço relativamente dispendioso da nossa aristocracia, vulgariza esse tributo sobre a vaidade, explorando-a, porém, a benefício dos interesses ministeriais. Os resultados dessa sedução liberalizada a todos os graus da escala social são incalculáveis; [...]148.

Cumpre ainda ressaltar, do ponto de vista analítico, a fragilidade do discurso ruiano no que concerne a essa interpretação pretensamente unívoca dada ao instituto em questão. Fragilidade essa, saliente-se, natural ao âmbito da disputa argumentativa baseada em opiniões, mas encoberta por meio da remissão ao plano geral e objetivo da observação histórica. É esse encobrimento que a presente pesquisa deseja desfazer. Havia no nível material da retórica opinião diametralmente oposta à de Rui Barbosa, a qual apresentava a guarda nacional como símbolo do ideário liberal burguês, como instrumento para a efetivação do poder e da liberdade dos cidadãos. Na medida em que se desmantelavam o exército, força treinada para subordinação às ordens dos monarcas absolutistas, a fim de criar uma tropa de cidadãos, as guardas nacionais representavam o ideal de independência com relação à monarquia e de poder da cidadania. Assim, na França revolucionária, a criação de guarda nacional equivaleu à entrega das armas, retiradas das mãos da nobreza, aos cidadãos149. Sob essa perspectiva, as guardas nacionais eram, então, precisamente a milícia cidadã, civil, e não a guarda pessoal do governo tirânico. Entretanto, na tentativa de apagar estrategicamente essa opinião do nível material da retórica, Rui Barbosa procede à redefinição da instituição em questão justificada pelo “resgate histórico”. Eliminava-se, assim, da comunicação pública, do controle difuso dos discursos, a informação de que guardas nacionais podiam representar o empoderamento do cidadão, agora armado contra as arbitrariedades do governo. Descarta-se, inclusive, o detalhe

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BARBOSA, R. Guarda Nacional (29.08.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. V. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 273.

Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20% 281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013. 148

Idem. Corrupção pela vaidade (10.09.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas

de Rui Barbosa. v. XVI. t. VI. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 85, 86, 88. Disponível

em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889 %29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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CARVALHO, J. M. de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 48-52.

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histórico interno de ter sido a Guarda Nacional criada, em 1831, pelo padre Diogo Antonio Feijó, ministro da justiça da regência trina permanente, governo responsável pelo “avanço liberal” experimentado no Brasil imediatamente após a abdicação de D. Pedro I150

. Percebe- se, assim, o autor selecionar apenas os “dados” que serviam ao seu interesse de destruição da legitimidade da monarquia brasileira.

Além disso, essa interpretação parcial conferida à “realidade” passada também foi forjada para guiar a construção do topos da exploração do exército em outra direção. Ao inverter a opinião contrária a sua metodologia, Rui Barbosa associou não somente a Guarda

Nacional aos governos absolutistas, mas também as forças armadas à defesa dos interesses da

nação. Ora, na medida em que fragilizar os militares significava preparar uma forma de controle da população baseada na força da milícia pessoal do imperador, implicitamente atribuía-se aos membros das forças armadas o papel de defensores da nação, e não de subordinados do monarca. Criava-se o cenário favorável ao enaltecimento do ethos militar, sobretudo, do exército, força armada mais explorada e abandonada pelo Império, segundo a opinião ruiana.

Esse argumento do exército enquanto fiel protetor nacional foi moldado, novamente, por meio do apagamento retórico do caráter pessoal e parcial da opinião, objetivando-a. Rui Barbosa narra diversos casos de práticas arbitrárias contra os militares para induzir a conclusão de que o governo, de modo geral, voltava-se contra o exército. Assim, supostamente baseado em fatos empiricamente verificáveis e, sobretudo, descritíveis num único sentido, o autor justifica de maneira segura sua opinião antigovernamental. A segurança advinha justamente desse processo, produzido pelos entimemas paradigmáticos, de universalização da interpretação atribuída aos vários casos particulares. Mais do que isso, a aparência de verdade de seus relatos “objetivos” aguça no auditório o interesse em saber o porquê de tal perseguição contra os militares. Rui Barbosa engendra, assim, ambiente propício para o desenvolvimento do seu jogo retórico em torno do medo de desordem. Fragilizar o exército significava, na argumentação ruiana, deixar a população indefesa e, assim, facilmente suscetível aos ataques da monarquia. Ou seja, a razão para o comportamento abusivo contra os militares situava-se nos interesses absolutistas da Coroa brasileira. Nesse sentido, ao entrelaçar em seus textos a descrição de casos exemplares dos abusos governamentais com a

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CARVALHO, J. M. de. A construção da ordem: a elite política imperial. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 188-190.

exploração de crenças sociais relacionadas ao discurso da ordem, Rui Barbosa conferia a sua perspectiva pessoal ares de denúncia solidamente embasada. Veja-se:

Ainda ontem, o dr. Carneiro da Rocha era exonerado, em prêmio dos seus serviços na comissão que ilustrou, pelo crime de “haver demonstrado achar-se inclinado a apreciar menos corretamente a administração dêsse hospital. [...] Punir desígnios irrevelados em atos exteriores foi sempre, nos mais sombrios tempos da história, a pretensão mais ímpia dos maiores algozes da humanidade. [...] Aquêle que se atrever ao arrôjo de ter uma opinião, de aspirar para a sua pátria uma reforma, de encarnar