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APRESENTADO COMO SOLUÇÃO RACIONAL PARA A ATUALIZAÇÃO INSTITUCIONAL DO IMPÉRIO

Ainda no que concerne ao nível estratégico da retórica, Rui Barbosa estabelece como segunda meta para seu agir comprometido com a federação o preenchimento das lacunas argumentativas deixadas em aberto pela linguagem de comando monarquista. Ou seja, após perceber tais brechas e ampliá-las no sentido de comprometer a imagem e a aceitação social do sistema político imperial, o autor inicia a construção do novo discurso jurídico- constitucional dominante, baseado no modelo norte-americano de estruturação do Estado e no padrão inglês de democracia e de valorização das liberdades individuais. É a estratégia construtiva, objeto de análise deste capítulo.

Nessa linha de ação, a federação é eleita lugar comum retórico que organiza todo raciocínio ruiano voltado para construção de um Estado democrático de direito. Essa opção pelo federalismo, relacionada diretamente às convicções pessoais do autor, representava também a escolha da racionalidade enquanto maneira de apresentação coerente e completa das opiniões ruianas. Para a questão da melhor forma de constituição do Estado, aporia experimentada pela sociedade brasileira, Rui Barbosa aponta o respeito às leis e aos direitos do cidadão como respostas. A forma federativa, por sua vez, seria o instrumento para concretização de tal solução juridicista. Ou seja, o topos federalista era o centro de gravitação do conjunto argumentativo forjado por Rui Barbosa.

Ao engendrar sua estratégia construtiva Rui Barbosa utiliza, então, o federalismo como ponto de apoio retórico, o qual desempenha duas funções organizadoras de suas opiniões. Primeiramente, ele serviria para tornar o discurso em torno da descentralização do Poder Executivo publicamente controlado, socialmente difundido a ponto de adquirir existência própria e independente de Rui Barbosa. É o processo de naturalização do conceito jurídico “federação”, fundamental para que esse modelo abstrato fosse percebido como estrutura ínsita a governos democrático-liberais, e não como produto linguístico de uma argumentação parcial. Dentro desse processo de formação da opinião pública resgata-se, analiticamente, a importância de a metodologia ruiana ter sido cotidianamente reforçada no

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Por outro lado, a argumentação federalista ruiana também servia para dogmatizar a crença na federação e, especialmente, em todo o pacote de mudanças liberais por ela proporcionado. Ou seja, Rui Barbosa, ao forjar a argumentação em favor da maior independência das províncias, procura tornar o federalismo socialmente valorizado a fim de ser ele reconhecido como “a” via solucionadora para os problemas destacados na estratégia desconstrutiva. Não bastava tornar o discurso federalista presente no nível material da retórica. Era preciso alçá-lo à condição de única chave para a atualização das instituições nacionais, para a constituição de um Estado democrático de direito. Complementam-se, então, as duas estratégias, desconstrutiva e construtiva. Essa complementaridade é que confere aparência de fluidez e coerência ao conjunto argumentativo. Em outras palavras, a ponte retórica construída pelo topos federalista liga, por meio de uma relação de implicação, as opiniões construtivas às desconstrutivas, de forma a apresentá-las ao público como um todo completo, sem falhas. Os problemas políticos nacionais demandavam a positivação do Estado federal na exata medida em que este era o único mecanismo capaz de garantir o efetivo respeito às leis e à liberdade individual. Respeito esse, por sua vez, desconsiderado no governo monárquico, de modo a causar os transtornos políticos inicialmente mencionados. O círculo argumentativo se fecha e, assim, encadeia persuasivamente todos os argumentos.

É nesse sentido que Rui Barbosa manipula a força retórica da “atualização institucional”. Aproveitando-se da insatisfação da elite quanto às opções de ação política apresentadas pela monarquia, Rui Barbosa procura estrategicamente legitimar a federação, na medida em que concentra todo o sentido do verbo “atualizar” na forma federativa de Estado. Modernizar o sistema jurídico nacional passou, então, a significar descentralizar o poder. Isso porque, conforme a opinião ruiana, somente por meio dessa descentralização o Brasil conseguiria fundar a decisão política na razão, na lógica científica das normas previamente estabelecidas, assim como já acontecia nos países “desenvolvidos”. Ou seja, a metodologia ruiana conseguiu criar consenso social em torno do poder civilizatório do direito, mas especificamente, do federalismo, enquanto instituto jurídico hábil para, por si só, reestruturar toda a prática política nacional. É o mito da essência liberalizante, democratizante ínsita ao direito dos Estados em que o poder era repartido entre uma esfera centralizada, genérica e outra descentralizada, especializada. A construção de tal mito se deu sobre as bases da crença, já estável no nível material da retórica, na necessidade de revisão da estrutura político-jurídica nacional, ou seja, com suporte no discurso da atualização institucional.

Da mesma forma que no capítulo terceiro foi possível perceber um paulatino acirramento de ânimos no sentido de voltar a argumentação mais para a derrubada do governo monárquico do que para a sua simples revisão, a presente estratégia também experimentou essa evolução. Num primeiro momento, Rui Barbosa defende a atualização da forma de governo monárquica desenvolvida no Brasil. Assim, o autor prega a positivação da federação, a qual traria consigo, dentre outras medidas, o fortalecimento do parlamento e do Poder Judiciário, como remédio para salvar a monarquia da crise de legitimidade e de ineficiência em que ela supostamente se encontrava. Buscava-se ainda salvar a monarquia. Já num segundo momento, desencadeado por fatores situacionais posteriormente investigados neste capítulo, a argumentação reorganiza-se e muda seu foco de ação. Passa-se a lutar pela queda do Império, visto a república se tornar, no contexto histórico então vivenciado, a única forma de governo favorável ao modelo federativo de Estado. Essa mudança de rumos no raciocínio ruiano, porém, não rompia o nexo argumentativo até então construído. Pelo contrário, Rui Barbosa soube muito bem aproveitar as opiniões já apresentadas para “evidenciar” a necessidade de derrubada da monarquia: a própria insistência governamental em se opor ao necessário processo de atualização institucional colocava-a na condição de obstáculo a ser eliminado. Assim, esse segundo momento da estratégia construtiva era apresentado como decorrência natural do primeiro, não realizado por culpa do próprio governo. Ou seja, a argumentação é engendrada de forma a aparentar uma racionalidade dedutiva e reprodutível, logicamente encadeada e, portanto, plausível conforme as exigências modernas de verificabilidade e cientificidade.

Desse modo, ao dar início à argumentação pró-federalismo, Rui Barbosa insiste na opinião de que o melhor para o contexto social brasileiro seria a realização de reformas jurídicas pontuais, pensadas e, sobretudo, controladas. Isso, para que se evitasse a desordem e a violência de uma eventual revolução. Assim, em seus artigos iniciais o autor apresenta-se comedido, avesso a radicalismo e defende uma revisão planejada no sistema jurídico interno, a qual manteria a forma de governo monárquica e preservaria a tradição nacional. É a crença na progressividade das reformas, que leva o autor, inclusive, a criticar o movimento republicano por seu objetivo de transformar de maneira imediata e completa a ordem social brasileira. Para Rui Barbosa, a efetivação do controle jurídico sobre o poder monárquico seria suficiente para atualizar as instituições nacionais. Daí a importância da forma federativa de Estado, a qual seria a opção capaz de centralizar em uma única alteração jurídica diversas mudanças no cenário político brasileiro. Ao se positivar a repartição precisa de competências

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entre a união e as províncias, a monarquia brasileira tornar-se-ia automaticamente mais democrática, mais livre precisamente porque o trono exerceria menos influência sobre o processo de tomada de decisão política. Enfim, percebe-se que Rui Barbosa tenta apenas, nesse momento inicial de sua argumentação, tornar o Estado brasileiro mais absenteísta, em conformidade com suas convicções pessoais relativas ao liberalismo político, e a via escolhida para tal realização foi a federação. Dessa forma:

Nunca advogaremos a desordem, nem nos alistamos ainda na bandeira republicana. [...] Também das nossas opiniões àcerca da agitação que aclama a república, seria temeridade coligir sentimentos de adesão imediata à revolução republicana160. Buscando abrir os olhos ao trono, não é a êste, mas à nação, que nos devotamos, não por vermos na monarquia uma forma superior à república, ou supormos o Brasil inadaptável a esta, mas porque as transições não se operam sem abalo, e para a liberdade a evolução nos pareceria mais salutar que a revolução.161

Resistir a quê? À maré republicana? Só há um meio de o conseguir: é abrir-lhe às ondas a ampla curva liberal das maiores reformas, por onde a vaga crescente se estenda sem escolhos. Reformar é o nosso modo de resistir. Progredir é o nosso sistema de conservar. [...] Para isso é mister universalizar o voto a todos os não analfabetos. É mister, simultaneamente, realizar a federação à americana, tendo por modelo os Estados Unidos, salvo pela hereditariedade do chefe de Estado e aos atributos de sua posição compatíveis com o nosso regímen.162

Sob o domínio dessa persuasão profunda, não tenho cessas de mostrar, no Diário de Notícias, a necessidade suprema de federação, como a única solução possível dos problemas na aliança entre a monarquia e a liberdade.163

Como suporte retórico para essa opinião a favor da aproximação entre a monarquia e a federação, Rui Barbosa apresenta o raciocínio, também opinativo, de que a federação seria aplicável a toda e qualquer forma de governo. Isso porque, ao constranger a ação governamental dentro de esferas de poder previamente estabelecidas no ordenamento, a federação seria somente uma ferramenta garantidora da essência liberal de um governo, independentemente do modelo governamental adotado. Remodelava-se a estratégia do desapego às formas e da real preocupação com o cerne democrático do Estado, criada para sustentar a imagem do jornalismo crítico e independente. Rui Barbosa tentava, enfim, desfazer a crença de que a federação somente seria possível dentro de um contexto

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BARBOSA, R. Liberdade ou república (17.03.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 89-90.

Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20 XVI%20%281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 161

Idem. Trono e mazorca (20.04.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas de

Rui Barbosa. v. XVI. t. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 74. Disponível em:

<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889%29\To mo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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Idem. E se a monarquia não quiser? (02.05.1889). Ibidem. p. 222-224. 163

Idem. Ao País (09.06.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas de Rui

Barbosa. v. XVI. t. III. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 231. Disponível em:

<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889%29\To mo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

republicano, cujo suporte era o relato de todos os países federalistas existentes até então serem repúblicas.

Para tanto, o autor passa a comunicar a proximidade teórica existente entre a monarquia e a república. Assim, aparentemente desprendido quanto a detalhes formais, o autor usa o poder de definição da linguagem para estabilizar sua mensagem, nova dentro do nível material da retórica. Sob a aparência de dedução lógica, Rui Barbosa expressa sua opinião de maneira que a definição de “republicano” como o governo do respeito à constituição e da garantia às liberdades civis é apresentada como premissa maior. A partir daí, dois tipos de raciocínio são formulados: ou suprime-se a premissa menor e conclui-se diretamente que as monarquias constitucionais seriam tão republicanas quanto as repúblicas; ou oculta-se essa conclusão e afirma-se que nas monarquias constitucionais há a afetiva subordinação da coroa à norma suprema do ordenamento de modo a produzir-se um governo liberal. O objetivo, portanto, era desqualificar a diferenciação entre essas duas formas de governo (monarquia e república) e, assim, obstar desde a origem o desenvolvimento de qualquer argumentação voltada à impugnação da viabilidade de uma monarquia federativa. O autor, então, foi hábil em construir um entimema cuja função era dar legitimidade, por meio da demonstração embasada no “conhecimento teórico aprofundado”, à arbitrária aproximação entre formas de governo tradicionalmente caracterizadas por modelos conceituais bastante distintos. Além disso, o Rui Barbosa deixava latente, para que não fosse preciso justificar tal opinião, a sinonímia por ele criada entre “monarquia federativa” e “monarquia constitucional”.

Esse jogo retórico em torno da conceituação de república é suportado também por um substrato estratégico de argumentos de autoridade. Assim, para justificar sua definição particular quanto à “essência” republicana de um governo, Rui Barbosa cita diversos pensadores europeus que adotam interpretações políticas semelhantes a suas. Desse modo, o autor trabalha dois modos de persuasão. Primeiramente, ele explora o elemento ethos e, assim, apresenta-se ao auditório como debatedor mais bem formado academicamente, dotado de mais conhecimento. Seus interesses pessoais, relacionados à positivação do federalismo, eram expostos como simples elucidações teóricas de validade geral. Consequentemente, eventual contraposição a suas opiniões fundar-se-ia em ignorância, em falta instrução, e não em efetiva inconsistência de conteúdo. Por outro lado, aproveita-se também o poder persuasivo do elemento pathos, na medida em que a sociedade brasileira de então tendia a ser mais receptiva a argumentações fundadas em ideias oriundas do mundo “civilizado” europeu ou norte-

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americano. A simples citação de autores estrangeiros, então, colocava o auditório num estado de espírito tal que diminuía sua percepção crítica quanto às relações argumentativas criadas por Rui Barbosa.

Enfim, o argumento do desinteresse quanto aos modelos governamentais adotados servia para dar maior visibilidade à federação, apresentada como instituto jurídico de aplicabilidade universal. Por estar diretamente ligado ao eixo essencial de um governo, o sistema federativo ultrapassava, segundo Rui Barbosa, a insignificante esfera do debate formal e posicionava-se em plano argumentativo superior. Consequentemente, somente as análises em torno da federação seriam relevantes. Questionamentos sobre a forma republicana, que surgiam frequentemente associados ao federalismo, são tornados insignificantes. A república não representava os interesses ruianos e, por isso, precisava ser eliminada do debate. Rui Barbosa buscava, assim, monopolizar a comunicação e concentrar estrategicamente a atenção social em um único tema, a federação. Desse modo, a estreita relação entre a teoria federalista e a atualização institucional seria tornada habitual no nível material e, por conseguinte, real. Nesse sentido:

Para neutralizar a fôrça dêsse inimigo impalpável, só haveria entre nós um meio: americanizar a monarquia, isto é, republicanizá-la. Não sorriam os que querem ver nesta fórmula uma antilogia, uma contradição em têrmos. Lieber, repetindo o que Thiers dissera em 1830, o que outros estadistas exprimiram antes e depois, Lieber, o mais autorizado publicista norte-americano, chamou à Inglaterra “uma república real, a royal republic”, qualificação que Tomás Arnold, o célebre historiador, reiterou, muitos anos mais tarde, apontando a Grã-Bretanha “uma república com um rei, a kingly republic”. Monarquias republicanas são as onde o monarca, símbolo eminente da unidade da nação e da dignidade do Estado, aceita lealmente o papel constitucional, deixando ao govêrno do povo pelos órgãos parlamentares a mais absoluta plenitude.164

Os que se escandalizam com o caráter democrático, que pretendemos imprimir à monarquia, esquecem-se de que, no mundo contemporâneo, a distinção entre monarquia e república é apenas acidental. [...] É o que Lafayette afirma, em relação à França da monarquia de julho, que êste outro republicano apelidou “monarquia circundada de instituições republicana”. [...] Aqui está o Diário de Notícias aceitando francamente o diploma republicano. O que ele quer, é a monarquia representativa na sua pureza, aquela onde o rei nada pode senão como órgão da vontade da nação, imposta à coroa por ministros parlamentares. Será, de fato, república essa forma de monarquia? Tôdas as escolas políticas, desde a autocracia até o republicanismo americano e helvético, a proclamam como tal. Digam-no, pelos autoritários, De Serre, Royer-Collard, Bismarck; pelos monarquistas de modêlo britânico, Quêtelet, Thiers; pelos republicanos, Lafayette, Lieber. [...] Pois bem: essa doutrina de escravos, que pereceu na Inglaterra em 1688, é a que [...] o terceiro reinado tende a abraçar com escândalo. Se essa tendência se firmar definitivamente, os que, como nós, põem a liberdade acima de tôdas as formas de govêrno, e não

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BARBOSA, R. O príncipe consorte (29.03.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 215-216.

Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI% 20%281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

prezam na monarquia senão um acessório adaptável à liberdade, terão, inegavelmente, de procurar na república regímen compatível com a democracia165. República significa autogovêrno do povo, e monarquia representativa não quer dizer outra coisa. O trono é apenas o envoltório, [....]. Não há, portanto, valos: há gradação apenas, entre a forma republicana e a monarquia; e da monarquia à república vai não mais um passo, que os espíritos independentes não hesitarão um momento em transpôr, logo que o acessório usurpe definitivamente o domínio do principal. O Diário de Notícias não conhece ídolos: conhece princípios; e êsses princípios, eleva-os êle acima de tôdas as formas de govêrno. As monarquias republicanizam-se mediante as instituições parlamentares, assim como a república se cesariza pela ditadura. Cientificamente, o que lhes distingue o caráter, são os princípios constitucionais166.

Essa opinião quanto à possibilidade de republicanização da monarquia por meio da federação serviu para encobrir o caráter artificial do raciocínio opinativo de Rui Barbosa. “Republicanizar” a monarquia significava associar termos incompatíveis e, assim, despertar o interesse do auditório para a questão de como essa aproximação seria possível, cuja resposta situava-se no respeito à lei. Este, por sua vez, seria garantido pela federalização da monarquia, conforme já analisado. A partir de um contexto aparentemente adverso, Rui Barbosa consegue sim fazer prevalecer o tema que lhe interessava. Entretanto, sob uma perspectiva analítica, observa-se que também a federação não passava de uma estrutura teórico-formal para organização das competências material e legislativa dentro de um Estado. A discussão acerca de um Estado federal, assim, cingia-se igualmente a debate quanto a um aspecto exterior do sistema político-jurídico, e não quanto a uma suposta essência democratizante. Entretanto, Rui Barbosa precisava, diante das contingências da situação comunicacional vivenciada, configurar sua argumentação de maneira a posicionar a opinião federativa em local hierarquicamente superior no debate político nacional, dando-lhe destaque. Assim, o autor deixa latente o caráter formal da opção federalista e concentra sua argumentação em pontos de apoio que realçavam o sentido por ele intencionado, qual seja: a federação enquanto instituto indispensável ao âmago de um sistema jurídico liberal-democrático. Enfim, Rui Barbosa era sim bastante apegado à forma, desde que ela fosse a federativa.

Ainda dentro desse contexto inicial de defesa da monarquia federativa, o autor cria o argumento da conservação. Em torno do signo “conservar” são trilhados dois caminhos retóricos. Por meio do primeiro explora-se o sentido de a federação ser a forma de blindagem do território nacional, vez que arrefeceria o espírito separatista que supostamente voltava a

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BARBOSA, R. Nossa democracia (05.04.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 304-305,

308-309, 311. Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta= Vol.%20XVI%20%281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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dominar algumas províncias. Já o outro caminho apresenta a federação como forma de salvação do sistema político nacional como um todo, e não somente da monarquia. Nesse segundo sentido, Rui Barbosa pretende demonstrar ser a reforma federalista a alternativa para o resgate da distinção partidária, perdida na política de conciliação. Essa clareza de contornos dos diferentes projetos políticos de cada partido seria, conforme o autor, fundamental para