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O TOPOS DA LUTA FRATRICIDA E A RESSIGNIFICAÇÃO DO DISCURSO DA ORDEM COMO REFORÇO METODOLÓGICO CONTRA A LINGUAGEM DE

DOGMAS QUE AINDA SUSTENTAVAM RETORICAMENTE O IMPÉRIO: O DIÁRIO DE NOTÍCIAS, VETOR DA METODOLOGIA RUIANA

4.3 O TOPOS DA LUTA FRATRICIDA E A RESSIGNIFICAÇÃO DO DISCURSO DA ORDEM COMO REFORÇO METODOLÓGICO CONTRA A LINGUAGEM DE

COMANDO MONÁRQUICA

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SOBOTA, K. Não mencione a norma. Trad. João Maurício Adeodato. In: Anuário do mestrado da

Faculdade de Direito do Recife. n. 7. Recife: Ed. UFPE, 1996. p. 251-273.

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BALLWEG, O. Entwurf einer analytischen Rhetorik. In: SCHLIEFFEN, K. G. von (Org.). Recht und

Ainda com vistas a desestruturar a estabilidade do discurso monárquico e, assim, impulsionar retoricamente a atualização institucional no sentido da federação, Rui Barbosa dá seu terceiro passo metodológico. Forja-se o topos da luta fratricida. Segundo o autor, a Coroa, após a conclusão do processo abolicionista, tentava utilizar os negros libertos como massa de manobra violenta contra os brancos. Assim, a criação da Guarda Negra e a valorização da imagem de libertadora da princesa Isabel eram interpretados como atos voltados à promoção de uma guerra civil entre raças, de forma a estimular o ódio entre irmãos e a enfraquecer a coesão social. Promove-se, então, o reavivamento do medo no nível material da retórica. Ele originar-se-ia desta vez, porém, na cúpula do poder, e não nas manifestações populares. Consequentemente, a solução para ordenar novamente a sociedade brasileira, de modo a promover a paz, o desenvolvimento e a unidade nacionais, inserir-se-ia necessariamente num contexto de oposição ao governo. Rui Barbosa, então, aproveita a força retórica do discurso da ordem para voltá-lo contra a Coroa e fragilizar ainda mais a sustentação política da monarquia. A expressão “ordem” é ressignificada para, desta vez, deslegitimar o Império.

Nesse sentido, Rui Barbosa cria, a partir do lugar comum “luta fratricida”, uma rede de raciocínios tópico-problematicos cuja composição englobava dois pilares estratégicos. Por um lado, Rui Barbosa adota a postura de observador rigoroso cujo objetivo era promover o resgate histórico da verdade dos fatos relacionados ao processo abolicionista. Por meio dessa estratégia, a sua interpretação particular quanto ao passado nacional recente adquiria status de análise histórico-científica e, então, as marcas de parcialidade eram linguisticamente apagadas. Por outro lado, o autor argumenta que a Coroa realiza um processo de reescravização dos libertos de modo a angariar sua subserviência por meio de engodo. Nesse sentido, ele reforça estrategicamente a noção de ocultação governamental da verdade histórica, “demonstrando” a forma ardilosa pela qual a Coroa forjava o discurso da necessidade de garantir a liberdade ameaçada pelos brancos, que justificava a criação da Guarda Negra.

A análise detalhada desse primeiro pilar mostra que Rui Barbosa tentou provar ter sido a abolição da escravatura uma conquista coletiva, de todas as “raças” brasileiras, unidas em torno da garantia dos direitos e liberdades de todos. Os imperativos da modernidade e da civilidade teriam impulsionado o agir político, sobretudo dos brancos, comprometido com a causa abolicionista. O autor relatava que o maior entrave ao processo libertário fora, isto sim, a Coroa e o governo sempre demorados e descomprometidos com os negros. Mais do que isso, a monarquia, na tentativa de fazer perdurar a escravidão por mais tempo, não teria dado

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voz ao suposto clamor social em torno da questão servil. No final do séc. XIX, quando a pressão social não podia mais ser contida, o governo capitulara e, então, promulgara a lei áurea. Como “evidência empírica” dessa luta coletiva em torno da causa dos escravos, Rui Barbosa apresenta os “fatos” de o exército ter-se recusado em servir de “capitão do mato” para o governo, de modo a não ir buscar e prender escravos fugidos, e de alguns brancos unirem-se em clubes abolicionistas. Assim, ao argumentar de maneira aparentemente lógico- dedutiva, o autor pretende demonstrar ao auditório ser a monarquia o verdadeiro inimigo da abolição, na exata medida em que o processo progressivo e lento atrasara por mais de meio século a liberdade. Desconstruía-se o mito da bondade da princesa Isabel, relacionado à concessão magnânima da condição de homens livres aos escravos. Construía-se, por sua vez, a ficção da abolição enquanto imposição popular. Dessa maneira:

A opinião nacional há-de repelir o sofisma, que nasce de uma premissa inverídica, e acaba numa conclusão falsa ainda ante essa premissa. Não, a lei 13 de maio não é um mimo do trono à nação. Não, ainda quando o fosse, essa dívida não adscrevia a nação a vassalagem perpétua. A extinção do elemento servil foi, no sentido mais estrito da palavra, verdadeira conquista popular, arancada às vacilações e repugnâncias da regente pela emancipação geral da província de S. Paulo e pela crise militar nas ruas do Rio de Janeiro. [...]. A lei de 13 de maio, felizmente, não se conspurcou na apoteose cortesã: ela não pretende decretar uma reforma; limita-se a consignar um fato. [....]. Todo o preço da abolição, por inestimável que seja, não vale esta abdicação da verdade histórica e da personalidade nacional aos pés de uma divindade áulica.129

Associando-se ao refrão, que nos acusa de não conhecer a gratidão na política, unicamente porque não proclamamos redentora a princesa imperial, a redação da

Gazeta de Notícias alistou-se entre os que sonham introduzir na apreciação das

coisas do Estado um elemento puramente romântico, degenerando em lenda a história, ainda em vida dos que a viveram. [....]. Logo, a exoneração do ministério Cotegipe e a lei 13 de maio foram dois atos de capitulação ante a fôrça. As fazendas ermavam-se de escravos; o movimento propagava-se, em proporções de uma vasta maré de terremoto, a toda a zona meridional do império; o exército recusara, em 25 de outubro do ano anterior, as honras de canzoada escravista; o congresso da Associação Libertadora, em S. Paulo, definira, em 25 de dezembro, a adesão da classe agrícola à abolição, reclamando-a instantânea os republicanos, pelo dr. Campos Sales, os liberais, pelo dr. Augusto de Queirós, o antigo caturrismo negreiro, pelo conselheiro Moreira de Barros. A regência abriu os olhos; sentiu que o consorcio do trono com a escravidão já se não podia firmar na grande lavoira; percebeu que as classes conservadoras, não pegando em armas, para defender o seu bôlso não as empunhariam, para cobrir a monarquia; viu, por outro lado, a profundidade do entusiasmo desinteressado e do espírito de sacrifício nas classes inferiores, que arriscavam a vida, sem esperança de prêmio, por um sentimento de humanidade; e atirou-se aos braços da vitória popular, buscando nela a combalida segurança do trono e a absolvição das antipatias criadas contra êle pelo imperialismo escravista.130

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BARBOSA, R. A Política da ingratidão (22.03.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 149, 154 e

155. Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol. %20XVI%20%281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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Mas o que deve tornar esta satisfação ainda mais grata, é a percepção, [...], da solidariedade bendita de todos neste resultado sublime: uns pelo esforço ativo, pelo sacrifícios, pela abnegação; outros pela simpatia, pela colaboração dos aplausos, pela tensão perseverante das vontades; outros, enfim, pela abstenção de resistência, pela submissão patriótica, pela resignação viril na hora decisiva. Podemos erguer a cabeça, orgulhosos de que a abolição não foi nenhuma carta outorgada ao país, mas um decreto por êle impôsto às instituições que o cativeiro sustentava, e que principiaram a definhar extinto o cativeiro. Quando se desvanecerem as nuvens do interêsse contemporâneo, e a verdade verdadeira dardejar de pleno, meridianamente, na atmosfera diáfana da posteridade, a história reivindicará o merecimento exclusivo dessa vitória da moral humana para a nação [...]..131

Sob uma perspectiva analítica, percebe-se que Rui Barbosa tenta, ao adotar para si a postura de cientista social conhecedor das minúcias da realidade histórica, construir uma interpretação universal acerca do processo abolicionista. Analiticamente percebe-se, porém, que o objetivo do autor era eliminar da comunidade de sentido, do nível material da retórica, as opiniões contrárias a sua, que comunicassem a “necessidade” de prolongamento temporal da escravidão em nome da tutela da riqueza e do desenvolvimento nacionais. Assim, não há que se falar em verdade histórica ou em conhecimento dos fatos, mas sim em verossimilhança e em justificativas com função do entendimento mútuo. Ora, enquanto produtos da construção linguística humana, os “fatos históricos” padecem também da indeterminação, da mesma flexibilidade que permite às opiniões modificarem-se a fim de melhor solucionar os problemas enfrentados na prática. Entretanto, a utilização da capa retórica de ciência é metodologicamente fundamental para a negação da autoria humana dos argumentos e, assim, para a doação de aspecto racional às opiniões expressadas, o que as torna mais persuasivas. O discurso aparentemente objetivo confere, então, segurança para a argumentação ruiana e inicia o processo de dogmatização, que transforma retoricamente pontos de vistas individuais em lugar comum socialmente reconhecido, tido por universal. Edifica-se, então, legitimamente uma nova realidade132.

Dessa maneira, é com base na linguagem comum, e não em um sistema linguístico científico e formal, que Rui Barbosa relata o passado nacional. Assim, ele adapta a narrativa dos acontecimentos históricos de maneira a destacar os pontos que interessavam ao seu discurso e desfavoreciam a linguagem de comando monárquica. É assim que o autor aproveita a existência de alguns grupos abolicionistas, mencionando apenas os do Rio de Janeiro e de

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BARBOSA, R. O dia máximo (13.05.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas

de Rui Barbosa. v. XVI. t. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 338-339. Disponível

em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889%29 \Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

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BALLWEG, O. Entwurf einer analytischen Rhetorik. In: SCHLIEFFEN, K. G. von (Org.). Recht und

Rhetorik. v. 1. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009. p. 70; Idem. Phronetik, Semiotik und Rhetorik. Ibidem. p.

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São Paulo, para exaltar a imagem da elite cafeicultora branca. Sem demonstrar a efetiva participação de ex-escravocratas nesses clubes abolicionistas e, então, por meio da expressão genérica “brancos”, o autor tenta desfazer uma opinião dominante na sociedade: buscava-se dissociar o setor agrário monocultor da responsabilidade pela longa duração da escravidão.

Entretanto, conforme analisado no segundo capítulo, há outra interpretação dos mesmos fatos que coloca a elite agrária como principal opositora da abolição, sobretudo porque a manutenção dos preços competitivos dos produtos brasileiros no exterior pressupunha os baixos custos da produção proporcionados pela mão de obra escrava. O topos da escravidão enquanto mal necessário para o progresso econômico nacional era produto da invenção retórica da elite, em sua relação de simbiose com o governo. Justamente esse lugar comum justificava a ideia de abolição progressiva, sem ruptura. Mais do que isso, enquanto a linguagem de comando imperial apoiou esse topos, a elite manteve-se unida ao Imperador e sustentou as bases do governo centralizado. Ou seja, na situação comunicacional vivenciada por Rui Barbosa a opinião acusadora dos brancos pela duração da escravidão distanciava-se bastante de uma simples “abdicação da verdade histórica”. Esse ponto de vista, porém, não interessava à ação ruiana e, assim, era ignorado, não mencionado enquanto “dado” histórico a ser apreciado por uma análise supostamente objetiva.

Nesse mesmo sentido, a versão dos fatos narrada por Rui Barbosa, a qual interpreta a postura imperial como negligência causadora do atraso na abolição, também não era única e, portanto, distanciava-se bastante da universalidade. A análise da retórica da nacionalidade mostra que os mesmos fatos avaliados pelo autor podem ser interpretados sob outro ponto de vista, qual seja, o de comprometimento com as causas abolicionistas. D. Pedro II, especialmente a partir de 1871, ano da promulgação da lei do ventre livre, anteviu os futuros problemas sociais que a manutenção da escravidão poderia causa e, assim, deu claros sinais de direcionamento rumo à abolição completa. Esses sinais podem ser identificados na pressão sobre os Gabinetes para a aprovação de leis voltadas para a libertação de determinados grupos escravos, mesmo que não se conseguisse a pronta libertação geral. A postura imperial desfavorável aos interesses dos grandes proprietários rurais poderia, inclusive, ser interpretada como o marco da ruptura nas relações de interdependência entre elite e governo e da assunção de conduta abolicionista por parte do trono. Não foi essa, porém, a compreensão escolhida por Rui Barbosa. Era preciso criar uma melhor, organizar argumentos a fim de produzir uma nova realidade, na qual a Coroa fosse a responsável pelo passado inglório da escravidão e a elite branca, grupo político-econômico representativo de grande parte do auditório ruiano, cujo

poder seria decisivo para a derrubada do Império, inocente, mais do que isso, atuante na luta abolicionista.

A criação dessa realidade passou metodologicamente também pela argumentação de que o povo brasileiro lutou em conjunto pela libertação dos escravos. Assim, o “resgate histórico” procedido por Rui Barbosa refletia para a sociedade brasileira uma autoimagem de engajamento, de consciência política, de opinião pública bem formada, de valorização do ser humano conforme os padrões de liberdade modernos. Cria-se o dogma do povo consciente e capaz de, unido, modificar os rumos do País. Reiterada, essa argumentação, além de apagar a participação da monarquia na conquista abolicionista, empoderava a sociedade, que passava a sentir-se forte, orgulhosa de suas conquistas e ainda capaz de contrapor-se à vontade monárquica. Seria o povo o real direcionador dos rumos da nação. Rui Barbosa, então, aglutina a opinião pública, de forma a destacar o poder da ação conjunta.

Analiticamente, porém, cabe problematizar mais uma vez a opinião ruiana, apresentada com ares de verdade história, contrapondo-a não a interpretações diferentes para os mesmos fatos, mas sim às próprias crenças ruianas. Em outros artigos no Diário de

Notícias o autor destaca e condena a imaturidade política do povo brasileiro, não engajado

nem educado. Por outro lado, as convicções pessoais de próprio Rui Barbosa, segundo descrito no capítulo primeiro, comunicavam a ignorância do povo brasileiro, a qual o tornava facilmente corruptível e, pois, indesejado no momento de exercício da cidadania por meio do voto. Ora, como esse povo manipulável poderia, oito anos mais tarde133, ter-se tornado politizado e, mais, efetivamente ativo na luta pela superação dos problemas político- administrativos nacionais? Essas e outras contradições internas do discurso ruiano, ínsitas ao âmbito da phrónesis, são encobertas pela sua metodologia argumentativa. Aqui, foi utilizado o véu de cientificidade criado pelo topos do “resgate histórico do processo abolicionista”, o qual conferia ares de irrefutabilidade à interpretação feita com base nos interesses estratégicos de Rui Barbosa.

Na sequência de sua argumentação, o autor aproveita a noção de que a Coroa tentara deturpar a verdade histórica para engatar o raciocínio de que a monarquia usava os libertos, enganados por seu discurso, como milícia particular para combater violentamente seus opositores. Essa segunda linha estratégica presta-se a conferir contornos fortes, ameaçadores ao topos da luta fratricida. Rui Barbosa tenta atuar sobre o pathos, de forma a conferir novo

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sentido ao discurso da ordem. Aproveita-se a estabilidade já experimentada por esse lugar comum no nível material da retórica, direcionando-o, porém, para produção de outros resultados que não a legitimação do poder central.

Nesse sentido, Rui Barbosa sustenta ser a Guarda Negra um mecanismo para a manutenção do status quo servil dos negros. O fundamento implícito, que justificava essa opinião, era a suposta vontade imperial de reconstruir o contexto absolutista tirânico do período colonial. Desta vez, porém, em vez de mão de obra na lavoura, os negros seriam o braço armado da monarquia para imposição de sua vontade. Segundo os relatos ruianos, a coroa deturpava a história para criar o mito da ameaça branca contra a abolição e, pior, para forjar o ardiloso argumento da caridade da princesa Isabel. Isso, a fim de manipular os negros e de produzindo em seu espírito um dever de fidelidade, o qual os levava irracionalmente a lutar e a perseguir os críticos da monarquia, tidos como avessos à abolição. Devedores de eterna gratidão e temerosos quanto à possibilidade de volta à condição servil, os libertos eram reescravizados, agora pela retórica má intencionada da monarquia. Veja-se:

Tinha-se feito sem morticínios a abolição. Percorrera-se esse escarpado e temeroso caminho, não havendo nem um brado de revolta. A grande propriedade mesma reduzira o desafôgo de suas queixas ao uso legítimo da palavra nas reações pacíficas, a que ela serve. [...]. Ao manipanço grotesco das senzalas, [...], sucedia o feiticismo da idolatria áulica, digna de uma nação de libertos inconscientes. E, para que ninguém ousasse deturbar o sossêgo dêsses ritos, imaginou-se estender em volta da Coroa um exército de corações iludidos. Dêsse pensamento perverso contra a raça emancipadora e a raça emancipada nasceu o artifício de organizar batalhões da princesa de homens de côr. [...]. O abolicionismo renegou, nesse ato [a criação da

Guarda Negra], a melhor das suas palmas, induzindo o âmino inculto dos redimidos

a mancharem no ódio a gratidão, e fazerem da primeira balbuciação da liberdade uma ameaça de morte134.

À rainha! Eis o santo da conspiração infernal contra a nossa liberdade. Eis a chave dêste sistema, refletidamente generalizado, com o seu centro aqui na corte, em casa do presidente do conselho, com a data de seu advento nas festas natalícias do ministro, que especula com a sua fortuita intervenção na lei de 13 de maio, convertendo-a em cata de escravidão dos que a fizeram. Eis o rastilho sinistro, que prepara a guerra civil, levando ao seio dos nossos sertões o ódio entre as raças, sentimento funesto, que o cativeiro não gerara, e que um cálculo de política perversa concebeu em dia de ajuntamento entre a ambição de uma coroa e o servilismo de seus conselheiros. [...] As garrafadas da Laje de Muriaé em abril de 1889 renovam as garrafadas da côrte em março de 1831, que pressagiaram o fim desastroso do primeiro reinado. É o eco das vésperas de uma revolução, anunciando, talvez, de longe, as vésperas de outra [...]..135

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BARBOSA, R. Libertos e republicanos (19.03.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras

completas de Rui Barbosa. v. XVI. t. I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 108 e 109.

Disponível em: <http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20% 281889%29\Tomo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013. 135

Idem. Viva a rainha! (19.04.1889). In: BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Obras completas de Rui

Barbosa. v. XVI. t. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 67 e 71. Disponível em:

<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasRuiMP&pasta=Vol.%20XVI%20%281889%29\To mo%20I&pesq=queda%20do%20imp%C3%A9rio&paglog=>. Acesso em: 22 mar. 2013.

Inebriado pela intoxicação da lisonja, que lhe propinam visionários e mercadores, o terceiro reinado convenceu-se de ter descoberto nesse embeleço à pobreza de espírito da classe que saiu do cativeiro em estado de infância mental, o segredo de consolidação do trono contra o dilúvio republicano.136

Perceba-se que, no primeiro excerto, Rui Barbosa organiza seus argumentos para criar uma contraposição entre os métodos utilizados, de um lado, pela sociedade e, de outro, pela monarquia. Aquela, apesar de ansiar a abolição, promovera uma reação pacífica em favor da liberdade, utilizando-se do diálogo para fazer oposição ao governo. Já o trono, supostamente pressionado pelas críticas da sociedade ao centralismo absolutista, reagia por meio da força e da violência. Novamente, Rui Barbosa expressa suas opiniões de maneira a criar posições bem definidas, para a sociedade e para o governo, dentro da ordem retórica por ele criada. Não por acaso tal posicionamento retórico colocava esses dois elementos em polos opostos, com vistas a dar realce à ideia de descompasso entre eles. Em outras palavras, tal jogo com os sentidos de pacificidade e violência prestava-se também ao reforço retórico da opinião de que o trono simpatizava com as condutas típicas do absolutismo e, assim, evidenciava seu anacronismo.

No segundo excerto foi novamente utilizada a ironia com o objetivo de moldar as