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3. ANÁLISE DO PNAES A PARTIR DO CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO

3.3 PNAES: análise de contexto e conteúdo

Considerando, portanto, o contexto econômico, político e social recente do país, como compreender o processo de regulamentação do Programa Nacional de Assistência Estudantil com toda a base conceitual que lhe imprime significado nesta conjuntura?

O Decreto nº. 7.234/2010, apresentado no segundo capítulo deste trabalho, representa um marco legal importante da assistência ao estudante do ensino superior e sua legitimação enquanto programa social inserido na agenda pública. Este instrumento legal traz consigo o objetivo de garantir igualdade de condições de permanência aos estudantes da educação superior pública federal, considerando que esse universo de sujeitos compreende um todo heterogêneo, isto é, os estudantes de graduação são provenientes de distintas classes sociais, sendo que aqueles mais pobres e oriundos de escolas da rede pública necessitam de atendimento por meio de um conjunto de ações assistenciais (moradia, alimentação, transporte, saúde, etc.) que visem sua permanência e conclusão de curso. O Decreto ainda imprime a ideia de que as desigualdades sociais repercutem de alguma forma no percurso acadêmico dos estudantes, podendo desencadear situações de evasão e retenção por insuficiência de condições financeiras, efeitos que devem ser enfrentados pelas ações de assistência estudantil. Por fim, e seguindo a mesma lógica, o PNAES visa promover a inclusão social pela via educacional, ou seja, garantir condições de permanência no ensino superior aos estudantes que tiveram oportunidade de nele ingressar e assim obterem uma formação profissional para inserção futura no mundo do trabalho.

Como já mencionado, o PNAES foi instituído no âmbito do ensino superior e estendido à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica por ocasião de sua reestruturação e reconhecimento de que esta oferta também essa modalidade educacional, embora o público alvo das instituições que a compõem seja diversificado devido à oferta de ensino técnico de nível médio e modalidade de jovens e adultos. Tal peculiaridade promoveu um debate, ainda inconcluso, dentro dessa rede sobre a necessidade de uma orientação normativa específica para a assistência estudantil da educação profissional pública federal.

Por que somente na primeira década dos anos 2000 a assistência ao estudante do ensino superior entra na agenda pública? Qual o contexto econômico, político e social que favoreceu tal processo? Quais concepções orientam sua legalização e justificam sua legitimidade?

O contexto da política de educação superior é de ampliação (no setor privado e público) e reforma. A particularidade da educação profissional pública federal se refere ao processo de reestruturação da rede e sua expansão em sintonia com uma proposta de desenvolvimento social e regional ambicionado a partir da qualificação de recursos humanos para o setor produtivo. Tal contexto micro situado, ou seja, restrito ao escopo da política, não se isenta de uma relação com o contexto mais amplo que subjaz as políticas sociais. Assim, tais processos foram conduzidos em determinadas condições históricas.

Desde os anos 1990 e mais intensamente nos anos 2000, o Brasil vem garantindo seu crescimento econômico a partir de um processo de desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora com base em commodities agrícolas, o que lhe permite se inserir no mercado mundial como potência emergente e dependente da dinâmica financeira global. Tal processo é conduzido especialmente pelo Estado, ao qual cabe o papel de ajustador no sentido de dar prioridade para a política econômica em detrimento da esfera social democrática. Ao campo social são destinados recursos e esforços pontuais, direcionados principalmente à dinamização do mercado de consumo e formação de capital humano.

Nessas condições, ganham relevo os Programas de Transferência de Renda, sob o signo da focalização e seletividade, bem como a política educacional orientada pela noção de promoção de oportunidades via qualificação para o mercado de trabalho. A ênfase da política social atual revela traços de uma revisão aos preceitos neoliberais, que, no entanto, não os desconstrói, mas soma ao ideal de que o mercado é autorregulado a assertiva de que o lugar do Estado nessa relação mercadológica deve estar assegurado a fim de manter o país dentro da lógica econômico-financeira global, com um mínimo de equilíbrio entre crescimento econômico e equalização social.

No período que vai de 2006, com o projeto de ampliação das instituições federais de ensino superior, passando pela criação dos Institutos Federais em 2008 e pela regulamentação da assistência estudantil em 2010, vigoram as contribuições do projeto novo desenvolvimentista, cujas propostas não foram adotadas plenamente pelo governo Lula, mas que inspiraram especialmente o resgate do papel do Estado no tocante à promoção de oportunidades via mercado.

Enquanto um programa nacional voltado para as demandas dos estudantes de origem pobre, o PNAES remete ao papel do Estado como prestador de serviços de natureza social, norteado pelo princípio da “promoção da equidade social via igualdade de oportunidades”, tanto do ponto de vista da focalização da ação pública nos indivíduos que mais precisam,

quanto devido ao projeto de expansão dos investimentos na qualificação para o mercado de trabalho.

Nesta direção, pode-se afirmar que as ações de assistência estudantil coadunam com a perspectiva novo desenvolvimentista, que enfatiza o desenvolvimento econômico com equidade social, à medida que essas ações estão voltadas para a garantia de condições de permanência dos estudantes pobres nas instituições federais de ensino superior, ou seja, voltadas para a igualdade de oportunidades. Assim, o PNAES apresenta traços dessa perspectiva, como desdobramento de um processo mais amplo relativo ao contexto das políticas públicas de caráter social, centradas na ideia de focalização e equidade.

Nascimento (2013), ao analisar o discurso dominante veiculado sobre o reconhecimento da assistência estudantil no contexto de sua regulamentação, afirma que a assistência estudantil inserida na agenda governamental nos anos 2000 assim se fez devido à sua funcionalidade ao projeto expansionista da educação superior em curso (NASCIMENTO, 2013, p. 26), no qual seguem a mesma linha as instituições que compõem a Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, devido à adesão em certa medida por parte do governo federal a ações pontuais relativas ao projeto novo desenvolvimentista. Por isso, embora a legitimidade das ações de assistência estudantil tenha percorrido um longo processo histórico, envolvendo inclusive a luta da UNE e do FONAPRACE, somente na primeira década dos anos 2000 foi impressa no campo das políticas públicas por meio do PNAES, diante das condições favoráveis a sua regulamentação.

Apesar dessa tendência da política educacional, explicitada pela ênfase na qualificação profissional, a realidade se apresenta de forma contraditória, pois o modelo econômico adotado pelo governo federal durante o período privilegia a acumulação rentista, lógica que inviabiliza o investimento industrial capaz de gerar uma cadeia produtiva voltada para o desenvolvimento do mercado interno. Assim, o investimento público no campo social aparece de forma circunstancial, sem ser acompanhado por condições estruturais que viabilizem o desenvolvimento do país. Há, portanto, um descompasso entre o conteúdo da proposta do PNAES, de natureza desenvolvimentista, com o contexto econômico e social vigente no país.

A assistência estudantil a partir de então regulamentada é funcional ao processo de expansão do ensino superior e da educação profissional federal, dentro de uma lógica utilitária, da mesma forma que sofre as intemperes das circunstâncias políticas e econômicas ao longo de sua implementação. O período de legitimidade do governo Lula, com impactos positivos nos campos econômico e social, permitiu a ascensão da assistência estudantil ao

status de política pública e ainda o reforço na ideia de que esta cumpre a missão de fortalecer o acesso, permanência e êxito dos estudantes. Em tempos de mudanças13, porém, com evidências de uma crise política vivenciada no país e ainda em curso, gestada na trama dos interesses econômicos, vale verificar ainda quais repercussões tal processo pode alavancar na atual condução de programas governamentais instituídos em contexto anterior. As reais e atuais condições desse processo podem ser visualizadas a partir de uma análise mais aproximada ao contexto atual (não priorizado até aqui, uma vez que a pretensão analítica estava situada no recorte temporal da regulamentação do PNAES) e que o enfoque na implementação local do Programa pode ajudar a identificar.

13 Esse contexto de mudanças diz respeito ao momento de crise da legitimidade do governo petista à

frente da Presidência da República, afetado pelos impactos da crise econômica mundial pós-2008, que repercutiu tardiamente no país, somado aos escândalos de corrupção que se tornaram midiáticos. Tal cenário culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. Uma coletânea de análises contemporâneas a tal processo, mas não isentas de valores e de uma percepção parcial do mesmo, pode ser encontrada em Singer et. al (2016).

4. POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO IFPI: trajetória institucional e