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4. POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DO IFPI: trajetória institucional e

4.3 Dificuldades enfrentadas pelos estudantes no percurso acadêmico

4.3.3 Ensino

Outra dificuldade apresentada pelos estudantes está relacionada ao ensino ofertado pelo IFPI, como evidencia a fala do estudante a seguir:

Eu acho que a maior dificuldade é que o ensino do Instituto tem o nível elevado, os professores são muito capacitados, acho que cerca de noventa por cento dos professores... capacitados assim: com doutorado, mestrado. Raramente tem um graduado só. O nível lá é alto e os alunos tem dificuldade de se adaptar a isso. Mas eu acredito que é possível sim, porque o Instituto oferece monitoria e se os alunos procurassem mais a monitoria talvez tivessem mais sucesso. [...] Olha, quando eu entrei no Instituto, eu saí de uma escola pública... quando eu entrei no Instituto foi um baque assim que eu nunca tinha tirado uma nota vermelha na minha vida. Aí a primeira prova que eu fiz foi de matemática, eu tirei três. Aí eu: meu Deus do céu! Caramba! Três! Aí eu: rapaz eu vou ter que estudar, porque eu nunca tinha tirado uma nota vermelha e agora eu tirar um três? Caramba! Aí eu fiz o quê? Eu fui estudar. Eu fui estudar à tarde, que eu não trabalhava quando eu entrei lá. Eu estudava e eu consegui me adaptar. É difícil? É, mas você se adapta. Eu acho... eu sei que cada um é diferente, nem todo mundo tem facilidade de aprender tão rápido e nem se adaptar. E às vezes não tem interesse. Mas as monitorias estão lá, os professores estão lá pra tirar dúvida. Eu acho que o aluno, é papel do aluno isso daí de procurar aprender, porque as coisas não caem do céu e a dificuldade está lá, eu acho que pra quase todo mundo. Todo mundo sente que lá é difícil, também por ser uma escola técnica. Você não vê só as disciplinas comuns, você tem mais um peso das técnicas, que não são nada fáceis e é uma coisa que você nunca viu na vida. Você não tem noção, você nunca viu. Eu nunca... material de construção.... não sei nada. É estudar... a biblioteca está lá. Tem os laboratórios, que a gente tem acesso à internet. Agora melhorou ainda mais, porque todo mundo tem acesso à internet com Wi-Fi... Eu acho que se um aluno botar na cabeça que: “Tá difícil? Tá, mas eu tenho recurso pra estudar. Eu posso ficar aqui à tarde, tem uma biblioteca que tem um acervo enorme, tem computadores que eu posso usar à vontade pra pesquisa” (Estudante II).

19 A mudança na duração dos cursos de Ensino Médio Integrado no IFPI foi estabelecida a partir do

Edital Nº. 103, de 24 de outubro de 2014 – Exame Classificatório 2015.1/IFPI, quando indicou pela primeira vez a duração mínima de três ou quatro anos para essa modalidade, dependendo de cada Plano de Curso.

O depoimento do Estudante II enfatiza uma dificuldade enfrentada no percurso acadêmico, que se manifesta ainda no primeiro ano de andamento do curso. Refere-se ao nível do ensino, considerado elevado devido à qualificação dos professores, bem como pela existência de disciplinas técnicas. O estudante julga que a qualidade do ensino e o peso das disciplinas técnicas geram dificuldades de aprendizagem para os estudantes que se deparam com essa realidade como uma novidade, inicialmente percebida através do baixo desempenho nas primeiras avaliações de aprendizagem. Essa fala vai ao encontro do diagnóstico realizado pelo TCU, abordado no capítulo anterior, que reproduz a percepção de professores quanto ao trabalho docente em sala de aula estar comprometido, em grande medida, pelos déficits educacionais dos estudantes (TCU, 2012, p. 15). Assim, são evidentes as dificuldades de aprendizagem enfrentadas pelos estudantes do IFPI, mas estas são percebidas pelos sujeitos como um problema que depende do esforço individual, sem qualquer menção às condições reais da educação básica de onde estes estudantes são provenientes.

Assim, o estudante relata que quando ingressou no IFPI, proveniente de escola pública, se deparou com uma realidade diferente, a qual precisou se adaptar, devido à formação técnica, grande quantidade de disciplinas e exigência dos professores. Na sua opinião, foi determinante sua postura de esforço nos estudos, em busca também de atividades e serviços oferecidos pela instituição no sentido de suporte ao ensino, como monitorias, laboratórios e acesso à internet.

Conforme Frigotto (2010), esse pensamento decorre da ideia de que o processo escolar comporta uma perspectiva meritocrática, inerente à teoria do capital humano.

Assim como no mundo da produção todos os homens são “livres” para ascenderem socialmente, e essa ascensão depende única e exclusivamente do esforço, da capacidade, da iniciativa, da administração racional dos seus recursos, no mundo escolar, a não aprendizagem, a evasão, a repetência são problemas individuais. Trata-se da falta de esforço, da “não aptidão”, da falta de vocação. Enfim, a ótica positivista que a teoria do capital humano assume no âmbito econômico justifica as desigualdades de classe, por aspectos individuais; no âmbito educacional, igualmente mascara a gênese da desigualdade no acesso, no percurso e na qualidade de educação que têm as classes sociais (FRIGOTTO, 2010, p. 80).

Assim, com base na citação acima, justifica-se o pensamento persistente de que o rendimento acadêmico depende da adaptação do estudante ao meio, do esforço individual. Esse discurso persiste desde o pronunciamento dos técnicos sobre o reconhecimento da assistência estudantil como “direito” (entendido como investimento) pelos estudantes, passa pela defesa de professores pela contrapartida do estudante beneficiário (em termos de rendimento escolar), e chega até o discurso de estudantes sobre suas próprias dificuldades

enfrentadas para a permanência na instituição. Assim, tudo é uma questão de esforço individual, de mérito. A meritocracia, portanto, é absorvida como um dado natural, uma ideia posta, sem ser questionada pelos sujeitos. Omitem, portanto, perguntas latentes: Por que os estudantes encontram no ensino oferecido pelo Instituto uma barreira para a permanência e êxito? Qual a qualidade do sistema escolar do qual esses estudantes são provenientes? Sem a emergência destas questões, as causas da evasão e retenção são compreendidas apenas no plano individual.

Esta perspectiva prevalece, portanto, na fala dos sujeitos e dá vazão a outro aspecto: a existência de um discurso de que os índices de reprovação revelam um aspecto positivo.

Eu não posso falar do Instituto todo, mas no meu curso não, pelo contrário, eu acho que assim... quando chegou no terceiro ano, os professores sempre falam: “Ah, os fortes ficam... não sei o quê”. Como se os outros não fossem fortes, sabe. Eu acho que tem uma coisa assim tipo: “Ah, eles têm que desistir, tem que ficar só os melhores”. Tipo assim, cinquenta que entraram no primeiro ano não podem ficar até o final. Sabe, é como se tivesse uma influência muito forte... eu sinto muito isso. Os professores da área técnica são mais assim... os professores de sociologia, filosofia já pensam melhor sobre isso, sabe, eles tentam e tal... mas não vejo uma dedicação, uma preocupação muito grande quanto às desistências não. Não vejo de forma alguma, pelo contrário, eu acho que muitas vezes eles tentam ver quais alunos são mais fortes pra ficar, sabe. Como se tivesse isso. Não que os outros sejam fracos... eu já tive muitos amigos bons, muitos alunos bons, dedicados que saíram daqui, porque não aguentaram a carga horária extensa, a pressão que os professores colocam e aí... por exemplo, a minha turma que eram cinquenta alunos, agora só restam dez. Os outros não eram tão ruins, não todos. Tinham muitos alunos bons também que desistiram. Isso é bem chato (Estudante III).

Nós temos números muito altos de evasão e repetência, por inúmeros fatores. Então eu acho que a gente tem que ter esse olhar mesmo cuidadoso, individual, criterioso com esses estudantes, porque, enfim, nós dependemos deles pra estar aqui. Nosso trabalho é pra eles e tem que ser feito de uma forma que alcance um número grande de alunos, que seja mínimo o índice de evasão e de retenção. Que seja realmente pouco. Não é o que acontece, ao contrário. Então isso chama atenção... de que alguma coisa a gente não está fazendo certo. Enfim, são vários fatores, mas a gente não pode deixar de olhar pra isso. De estar sempre atento aos alunos que estão à beira de evadir-se, antes que se concretize, e os que repetem... [...] Essa parte educacional além de conteúdo, eu sinto falho, e talvez isso ajudasse mais nessa conscientização de que estudar é importante, de se manter na instituição, de tentar realmente focar no êxito, desmistificar a crença de que não conseguem. Muitos deles são carentes, inclusive desses referenciais, de apoio, de motivação. Então trazer mesmo pra esse viés que vai além do conteúdo e de repente isso podia começar dentro da sala de aula. Muitas vezes é na própria sala de aula que ele evade, quando tem um contato com um docente que de repente em vez de trazer essa esperança em relação à possibilidade dele de crescer e de aprender, já diz pra ele que ele não tem base, que ele não tem condições, e então ele sai. Mas são vários fatores... não culpabilizando nenhum lado. Geralmente é multifatorial essa questão da evasão e da reprovação. Mas poderiam ser feitas mais atividades realmente a tempo de isso não acontecer... que não são índices positivos... apesar de que pra alguns, reprovar é algo bom... alguns professores, principalmente, verbalizam isso. Mas isso não são índices positivos, na verdade são índices de incompetência nossa enquanto instituição (Técnico II).

Nas falas do Estudante III e do Técnico II, observa-se a existência de um discurso, mais ou menos velado, de que as reprovações são positivas quando conseguem excluir ou eliminar aqueles estudantes que não atingiram um rendimento satisfatório, sem se preocupar com os motivos que os levaram a tal resultado. Nesse discurso, as causas da evasão não são consideradas como um problema institucional, mas como problema individual dos estudantes que não conseguiram obter êxito. Esses sujeitos que mencionaram a existência desse discurso latente demonstraram-se incomodados exatamente por discordarem dessa culpabilização imediata dos estudantes que fracassaram no percurso acadêmico, que não comporta reflexão mais profunda sobre o assunto.

Estudantes apontam que a recorrência de reprovações merece mais atenção da gestão da instituição, conforme os trechos destacados abaixo.

A parte de moradia, alimentação sim, que ela é regida pela POLAE. Os alunos que realmente necessitam conseguem. Mas a parte que eu falei de reprovação tem muita coisa ainda pra ser resolvida... Eu acredito que a Direção de Ensino ou a parte de coordenação de curso deveria estar mais em cima, por exemplo, deveria estar mais a par das situações que acontecem... fazer mais levantamentos com frequência, podemos dizer assim, tentar entender porque isso está afetando tantos alunos... isso foi o principal motivo da abertura do CA, da gente conseguir dialogar com a Direção de Ensino pra tentar diminuir a evasão dos alunos (Estudante IX).

Muita gente que reprova, às vezes na primeira reprovação sai do curso, já desiste, não aguenta, digamos assim. Se houvesse... é lógico que não dá pra atender de um por um, mas podia ter uma atenção maior com esses casos. Se o aluno já reprovou duas vezes na mesma disciplina, por que isso está acontecendo? Chegar, conversar... Eu acredito que não tenha isso, eu não vejo isso. Eu estou falando mais no ensino superior.

Essa atenção que se deveria ter quanto à incidência de reprovações surgiu mais evidentemente em referência ao ensino superior. Outro estudante comenta, sob outra perspectiva, a dificuldade relativa ao ensino como fator que chega a provocar evasão, nos termos que seguem:

Acho que essa evasão não diz respeito à parte de assistência, mas sim à parte do curso propriamente dito. Os professores são muito rigorosos. Muito rigorosos mesmo na hora de corrigir provas... alguns, não todos... e isso acaba meio que desestimulando os alunos. E questão de reprovação também, se o aluno reprovou um ano, só vai poder pagar matéria no próximo ano, ou seja, se reprovar em três disciplinas, no mínimo tem sete anos no instituto. Não tem como adiantar mais. Aí se o aluno reprovou por vacilo, por exemplo, e depois ele reprova de novo, já são dois anos a mais e ele prefere sair do Instituto e ir pra outra instituição que ofereça disciplinas com mais regularidade (Estudante IX).

O Estudante IX afirma que a ocorrência de reprovações, devido à exigência de professores rigorosos, é um fator que gera desmotivação e consequentemente evasão. É

recorrente a questão das exigências do ensino e de professores rigorosos e qualificados (em nível de mestrado e doutorado), o que pode levar à obtenção de notas baixas que desestimula os estudantes a permanecerem na instituição, posto que as reprovações desencadeiam retenção e prolongamento da situação de estar cursando. Aqui, a visão acerca da dificuldade do ensino oferecido pelo Instituto muda de perspectiva, porque ao invés de se culpabilizar o estudante, culpabiliza-se o professor.

Mantendo relação com tal dificuldade enfrentada pelos estudantes, foi bastante citada a oferta de monitorias como medida de suporte ao ensino e prevenção de reprovações. As monitorias consistem em garantir que estudantes com dificuldades na aprendizagem sejam subsidiados por outros estudantes aptos a transmitirem conhecimentos. Nos termos da POLAE, são assim viabilizadas:

Como estratégia institucional para a melhoria do processo ensino-aprendizagem, através de experiências pedagógicas e cooperação mútua entre discentes e docentes com finalidade de fortalecer a articulação entre teoria e prática, além de favorecer a integração curricular em seus diferentes aspectos. A monitoria é uma atividade discente, que auxilia o professor, monitorando grupos de estudantes em projeto acadêmico ou com dificuldade de aprendizagem (IFPI, 2014, p. 21).

Sobre as monitorias, os sujeitos mencionaram o seguinte.

Oferece e é pouco aproveitado, acho que as monitorias. As monitorias estão lá e os alunos não aproveitam. Os três monitores, dois de matemática e um de português são da minha sala. Eles ficavam todo dia à tarde e não vinha um aluno pedir monitoria, pedir auxílio e quando vinha era... amanhã é a prova e eles vinham um dia antes querendo aprender tudo. Os alunos não aproveitam, não aproveitam o que é oferecido (Estudante II).

Olha, assim, eu não acredito. Existe é monitoria assim pra tentar sanar as dificuldades dos alunos, mas tirando isso... Eu só vejo monitoria mesmo. Vejo monitoria pra tentar ajudar os alunos e olhe que os alunos que precisam às vezes nem vão atrás da monitoria, vai só aqueles mesmo que às vezes nem precisam, mas vai mesmo só pra... Já tem caso aqui na licenciatura que tem o monitor, mas não aparece aluno. É incrível isso, tem monitor, mas não aparece aluno. Eu não sei o que passa na cabeça desse pessoal. Porque monitor realmente tem, mas se não vão atrás, a pessoa não se empenhar mesmo, vai ficar sem adquirir aquele conhecimento, porque aquela pessoa que está ali pra repassar, devia estar passando, mas não está, devido a falta do aluno (Estudante IV).

Para alguns estudantes entrevistados, as monitorias não são devidamente usadas por aqueles que precisam desse suporte, embora sejam importantes. Este tipo de ação, que seria uma espécie de reforço escolar, corresponde a uma das recomendações do TCU para prevenir a evasão, o que fora abordado no capítulo anterior, porém, entende-se que há problemas na

implementação dessa ação prevista pela POLAE, já que não consegue efetivamente atingir seu objetivo.