• Nenhum resultado encontrado

3. ANÁLISE DO PNAES A PARTIR DO CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO

3.2 Base teórico-ideológica do programa

3.2.3 Equidade social e focalização

A proposta deste item é pensar equidade social atrelada à ideia de focalização, posto que esta confere à primeira o verdadeiro tom do debate atual. A compreensão que se tem por equidade aqui foi inspirada em Castelo (2012a), quando o autor associa a emergência de uma preocupação com o tema no âmbito do pensamento social-liberal que preconizou uma proposta de desenvolvimento equalizando crescimento econômico com equidade social. Nessa perspectiva, a noção de equidade estaria relacionada ao combate ao pauperismo, por meio da combinação de políticas sociais compensatórias e focalizadas (como os programas de transferência de renda) e de políticas sociais estruturais com ênfase na geração de oportunidades, ou seja, de investimento em capital humano (como a educação).

Equidade social, nesse sentido, implica uma tendência mais justa para o desenvolvimento de um país. A perspectiva para tal é o equilíbrio entre crescimento econômico e melhoria dos índices sociais, como distribuição de renda, redução da pobreza, escolarização e qualificação profissional. Então tais resultados deveriam ser atingidos através de estratégias que garantam oportunidades para os que precisam se inserir no mundo do

trabalho e um subsídio em forma de renda para aqueles em situação de pobreza e miséria. Nesse sentido, a equidade com vistas à redução da pobreza deveria ser buscada de forma imediata e em longo prazo.

O princípio da equidade se justifica pela questão de que as pessoas não são iguais em suas capacidades e condições; e significa, em linhas gerais, tratar de forma desigual os desiguais visando à igualdade. Segundo Pereira e Stein (2010) essa ideia possui um significado até progressivo.

A equidade como conceito orientador das políticas públicas progressistas tem mais a ver com um antigo preceito de Marx, de que, numa sociedade de classe todo igual tem efeitos desiguais, “porque consiste na aplicação de uma regra única a homens diferentes que, de fato, não são nem idênticos nem iguais. Sendo assim, o direito igual (típico do direito burguês) é uma violação da igualdade e da justiça” (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113).

Da forma como foi preconizada, porém, a equidade social se restringe ao enfrentamento da pobreza. Então, ao invés de comportar um alcance social mais amplo no sentido de buscar uma sociedade justa e livre das desigualdades de classe, etnia e gênero a partir do fomento à equidade que gera igualdade como resultado, esse princípio, no entanto, se manifesta concretamente nas políticas sociais atuais de maneira mais restrita, a partir de estratégias focalizadas e seletivas, onde esses termos se confundem com equidade. Essa discussão põe em evidência uma reflexão sobre o significado do termo focalização em contraposição à noção de universalização de direitos.

Atentas a esse debate, Pereira e Stein (2010), argumentam que o conceito de universalidade está arraigado ao período após a Segunda Guerra Mundial, quando nas democracias avançadas instituíram-se várias vertentes de um Estado Social, conhecido como

Welfare State, Estado de Bem-Estar Social ou Estado Providência. Já em crise nos anos 1970,

quando a onda neoliberal passou a reger a forma de regulação do Estado, a tendência para as políticas sociais foram se modificando para ações focalizadas em detrimento da universalização. Essa transição vivida nos países desenvolvidos foi também sentida na América Latina, segundo as autoras.

A partir da segunda metade dos anos 1980, os diversos tipos de políticas e programas sociais que foram colocados em marcha na América Latina realizaram um trânsito do paradigma da universalização do acesso a serviços básicos para a redução ou combate à pobreza resultante das políticas de ajuste estrutural. Tais políticas, em consonância com o paradigma da efetividade e eficiência na gestão, instituíram a focalização, a privatização e a descentralização como um mecanismo de gestão e distribuição de recursos (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 117).

Essa tendência foi fortalecida pela orientação dos organismos multilaterais, como Banco Mundial (Bird), Banco Interamericano de Desenvolvimento Social (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Assim as políticas focalizadas e seletivas foram prevalecendo, sob as seguintes justificativas.

Aplicam-se com mais eficácia e moralidade critérios redistributivos e igualitaristas; enfrentam-se situações de pobreza e de exclusão de forma mais orientada (sem perder o foco) e efetiva; gasta-se menos; e, tecnicamente, atua-se de forma mais eficaz na gerência de programas e projetos a serem desenvolvidos (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113).

Nessa perspectiva defendida, a seletividade coincide com a ideia de focalização na pobreza e prescinde da seletividade dos gastos sociais, em outras palavras, “significa garantir que os subsídios públicos cheguem aos cidadãos mais necessitados, sem que os grupos menos necessitados deles se apropriem ‘indevidamente’” (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 113).

Disso decorre que a seletividade prevalecente não é aquela que visa identificar necessidades mais agudas para melhor atende-las, com o objetivo de calibrar a balança da justiça. Mas, pelo, contrário, trata-se de uma seletividade iníqua, centrada na defesa dos gastos sociais, que exige das políticas sociais (em particular da assistência) a criação de estratégias que reduzam as necessidades humanas a sua mísera expressão animal, para diminuir as despesas do Estado (PEREIRA; STEIN, 2010, p. 115).

As autoras, portanto, expressam muito bem como a seletividade e a focalização imprimem na ideia de equidade um alcance mais restrito. Sobre a preponderância dessas ideias, emergiram especialmente os programas de transferência de renda no final dos anos 1990 e, nos anos 2000, passaram a assumir papel central na política de proteção social aos segmentos vulnerabilizados socialmente da América Latina, enquanto partícipes de um conjunto de ações pontuais que visam igualmente efeitos restritos e pontuais, como observado na discussão realizada em seção anterior sobre o contexto brasileiro recente.

A equidade aqui discutida é, portanto, focalizada por três motivos: tanto pelo ponto de vista das demandas que são atendidas (a pobreza e extrema pobreza, principalmente); do seu alcance (pelo reduzido impacto que promove sobre as desigualdades); quanto sob o aspecto da contenção do gasto público. Além de restritiva, como dito anteriormente, a equidade também é sinônimo de geração de oportunidades por meio, especialmente, do capital educacional, já demasiadamente discutido neste trabalho. É então que, por meio desse raciocínio, a preocupação com resultados mais focalizados e a aplicação de recursos de forma mais

eficiente também invadiram o espaço educacional, voltado principalmente para a formação profissional de nível superior e profissionalizante. Dessa forma, surge um debate acerca da permanência, evasão e retenção, abordado no item seguinte.