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Análise da Crônica “Em Código” – Fernando Sabino

5 A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NO GÊNERO CRÔNICA

5.4 Análise da Crônica “Em Código” – Fernando Sabino

Na crônica analisada, percebemos várias marcas de (não) assunção de responsabilidade enunciativa, por exemplo: conectores, modalizadores, índices de pessoas, diferentes tipos de representação da fala (discurso direto), marcas de asserção, quando referidas a primeira pessoa. Vejamos os quadros a seguir:

EXEMPLO 12.

Crônica: Em código

Marcas de (não) responsabilidade enunciativa Fui chamado ao telefone. Era o chefe de escritório de meu

irmão:

– Recebi de Belo Horizonte, um recado dele para o senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários itens, convém tomar nota. O senhor tem um lápis aí?

– Tenho. Pode começar.

– Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora. – Precisa de quê?

– De uma nora. – Que história é essa?

– Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio esquisito. Posso continuar?

– Continue.

- índices de pessoas; - diferentes tipos

de representação da fala (discurso direto);

O exemplo 12 traz a presença da primeira pessoa desinencial nos verbos ir e

perceber em frases assertivas, no presente do indicativo, o que instaura a assunção da

responsabilidade enunciativa pelo dizer por parte do locutor. Assim, em “Fui chamado ao telefone” e “Recebi de Belo Horizonte, um recado dele para o senhor”, é possível perceber que o locutor faz uso de assertivas referidas a primeira pessoa que instauram a assunção da responsabilidade enunciativa pelo dizer. No referido exemplo, ainda percebemos diferentes tipos de representação da fala (discurso direto), que configuram, nos dizeres de

Gomes (2014, p. 115), “um PDV mediatizado ou grau zero de responsabilidade enunciativa”. Dentre esses tipos de representação da fala (discurso direto) podemos destacar: “– Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora.” “– Precisa de quê?” “– De uma nora.” “– Que história é essa?” “– Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio esquisito. Posso continuar?”

EXEMPLO 13.

Crônica: Em código Marcas de (não) responsabilidade

enunciativa – Foi o que eu preveni ao senhor. E tem mais.

Quinto: não sou colgate, mas ando na boca de muita gente. Sexto: poeira é a minha penicilina. Sétimo: carona, só de saia. Oitavo…

– Chega! – protestei, estupefato. – Não vou ficar aqui tomando nota disso, feito idiota.

– Deve ser carta em código, ou coisa parecida – e ele vacilou: Estou dizendo ao senhor que também não entendi, mas enfim… Posso continuar?

- marcas de asserção, referidas a primeira pessoa;

- conector;

No exemplo 13, as marcas de asserção referidas a primeira pessoa em “Foi o que eu preveni ao senhor.” e “Estou dizendo ao senhor que também não entendi, mas enfim… Posso continuar?” também configuram um PDV mediatizado ou grau zero de responsabilidade enunciativa. Nesse sentido, o locutor não assume a responsabilidade pelo dizer, mas prepara o interlocutor sobre o estranhamento que aquela mensagem meio esquisita e com vários itens causaria ao texto.

Destacamos, ainda, o uso do conector “mas” que modifica a orientação argumentativa do enunciado, e consequentemente, assinala a mudança do PDV e contrapõe as ideias (o fato de não conseguir entender nada x a possibilidade de continuar as anotações).

EXEMPLO 14.

Crônica: Em código Marcas de (não) responsabilidade

enunciativa Desliguei, atônito, fui até refrescar o rosto com

água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei. Haviam-me encomendado uma crônica sobre essas frases que os motoristas costumam pintar, como lema, à frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro e viaja sempre pelo interior fiscalizando obras, prometera ajudar-me, recolhendo em suas andanças farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou, acabei esquecendo completamente do trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera.

Agora, o material ali estava. Era só fazer a crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado! Rocha era o motorista, Deus era Deus mesmo, e eu, o caminhão.

- índices de pessoas;

- marcas de asserção, referidas à primeira pessoa;

- modalizador.

O exemplo 14 traz a presença da primeira pessoa desinencial nos verbos desligar, ir e

lembrar, em frases assertivas no presente do indicativo, o que instaura a assunção da

responsabilidade enunciativa pelo dizer por parte do locutor.

Destacamos, também, o uso do modalizador “completamente”, enquanto marca do engajamento do locutor, e, consequentemente, a assunção do PDV dos enunciados, uma vez que o locutor emite sua opinião sobre o dizer (Cf. GOMES, 2014). Percebe-se esse engajamento quando o locutor afirma “E ele viajou, o tempo passou, acabei esquecendo

completamente do trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera”. Dessa forma, o uso

do modalizador marca o engajamento do locutor que enfatiza o esquecimento do trato feito com o irmão com o qual havia combinado recolher em suas andanças frases de pára-choque de caminhão. É interessante frisarmos também a presença da primeira pessoa desinencial no verbo acabar em frase assertiva no presente do indicativo, o que mais uma vez instaura a assunção da responsabilidade enunciativa pelo dizer por parte do locutor com relação ao combinado feito com o irmão.

A partir da análise realizada, podemos considerar que há uma heterogeneidade grande de PDV no gênero discursivo crônica. Assim, encontramos como PDV frequente na primeira crônica analisada, o PDV do locutor, que pode ser percebido nas marcas de asserção, referidas a primeira pessoa, índice de pessoas, bem como, através do uso de modalizadores. Já na

segunda crônica, percebemos não só o PDV do locutor, mas também, outras fontes enunciativas que podem ser notadas através de marcadores de discurso reportado e elementos gráficos e ortográficos. Nas terceira e quarta crônicas, temos também, além do PDV do locutor, outras fontes enunciativas por meio do uso de verbos de atribuição de fala, diferentes tipos de representação da fala (discurso direto, indireto), marcas de asserção, referidas a terceira pessoa e índices de pessoas.

Conforme nos orienta Gomes (2014, p. 138), “esses PDV podem ser identificados linguisticamente por muitas marcas materializadas no texto". Nos exemplos analisados, encontramos 93 ocorrências de (não) responsabilidade enunciativa.

Apresentamos o seguinte gráfico com o percentual com que cada marca apareceu em nossa análise:

GRÁFICO 01. Marcas de (não) responsabilidade encontradas na análise

5 12 12 18 13 12 19 2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Fonte: A AUTORA (2016)

Pelo exposto no gráfico, podemos identificar, em uma escala de maior ou menor ocorrência, a seguinte classificação de ocorrência das marcas de (não) responsabilidade:

1 – marcas de asserção – 19 ocorrências;

2 – verbos de atribuição de fala – 18 ocorrências;

3 – diferentes tipos de representação de fala e elementos gráficos e ortográficos – com 12 de representação de fala e 3 elementos gráficos e ortográficos;

4 – índices de pessoas – 13 ocorrências; 5 – conectores – 12 ocorrências;

7 – marcadores do discurso reportado – 2 ocorrências.

Podemos perceber que as marcas linguísticas que desempenham um papel relevante na sinalização da orientação argumentativa do enunciador são as marcas de asserção, bem como aquelas usadas para marcar o discurso de outra fonte enunciativa, a exemplo dos verbos de atribuição da fala e os diferentes tipos de representação de fala.

Assim, concordamos com o pensamento de Gomes (2014, p. 141), ao afirmar que “a (não) assunção da responsabilidade enunciativa se configura como mecanismo argumentativo fortemente marcado pelo produtor do texto com vista a seus propósitos argumentativos”. Desse modo, segue a orientação de Escribano (2009, p. 47 – 49 apud GOMES 2014, p. 141) que afirma que no discurso,

a intenção argumentativa se sustenta em grande medida nas palavras distantes (nas vozes de distintos enunciadores, seja para negá-las, como argumento antiorientado, ou para apoiar nelas o próprio ponto de vista, como argumento coorientado), com o que se consegue legitimar o próprio critério e dirigir a opinião do receptor para determinadas conclusões que se mostram, desta maneira, como válidas e verdadeiras.

Isso posto, concordamos com Gomes (2014, p. 141) quando diz que

discutir esses mecanismos de (não) responsabilidade enunciativa em variados gêneros discursivos é oferecer ferramentas para que o cidadão leia textos identificando os diversos PDV presentes e seus efeitos de sentido, o que, seguramente, contribuirá para um melhor entendimento do processo de produção e compreensão de textos, logo, para uma melhor formação do indivíduo com base na autonomia e na criticidade.

Nesse sentido, entendemos que trabalhar as marcas de (não) assunção da responsabilidade enunciativa no gênero discursivo crônica também poderá proporcionar ao nosso aluno um novo olhar sobre a leitura e a escrita de textos, não só no âmbito escolar, mas também, nos textos de circulação social.

6 PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DA