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3 A LINGUÍSTICA TEXTUAL E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

3.2 Gênero, Texto e Discurso

Dell’Isola (2007, p. 17 apud Gomes 2013, p. 05) conceitua gêneros textuais como “práticas sócio-históricas que se constituem como ações para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”.

Para a autora supracitada,

Por serem fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social; fruto do trabalho coletivo; formas de ação social; modelos comunicativos; eventos textuais, os gêneros textuais apresentam características comunicativas, cognitivas, institucionais e linguísticas/estruturais, cuja finalidade é predizer e interpretar as ações humanas em qualquer contexto discursivo, além de ordenar e estabilizar as atividades comunicativas cotidianas (DELL’ISOLA, 2007, p. 17 apud GOMES 2013, p. 05).

Com base em um vínculo entre as atividades dos seres humanos e a utilização da língua, Bakhtin (2003 apud GOMES 2013, p. 05) conclui que “nos expressamos por meio de gêneros textuais para atingir os nossos fitos dentro dos âmbitos da interação humana”. Nesse sentido, “cai por terra a ideia da utilização do código linguístico sem um fim, sem um objetivo, falar por falar, falar no vazio” (Op. cit. 2013, p. 05).

Ainda de acordo com Bakhtin (2003 apud GOMES 2013), “os gêneros são classificados em dois grandes grupos: primários e secundários”. Os gêneros primários ocorrem no uso espontâneo e conservam uma ligação direta com o conteúdo imediato. Assim, para exemplificar uma utilização dos gêneros primários, o autor faz referência a um papo entre amigos ou ao empréstimo de um livro como favor. Já os gêneros secundários, “apresentam maior complexidade e surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc” (BAKHTIN, 2003, p. 263 apud Gomes 2013, p. 05).

Conforme Marcuschi (2010, p. 22 - 23), “a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”. Essa posição, defendida por Bakhtin (1997 apud MARCUSCHI 2010, p. 22) e também por Bronckart (1999 apud MARCUSCHI 2010, p. 22), é adotada pela maioria dos autores que “tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais”, justifica o autor (MARCUSCHI, 2010, p. 22 – 23).

Essa visão segue, conforme Marcuschi (2010, p. 22), “uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva que privilegia a natureza funcional e interativa e não o seu aspecto formal e estrutural”. O autor ainda afirma “o caráter de indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da língua”, o que equivale a dizer que “a língua não é vista como um espelho da realidade, nem como um instrumento de representação dos fatos” (MARCUSCHI 2010, p. 22).

Nesse sentido, para Marcuschi (2010, p. 23), “a língua é tida como uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a realidade, sem, contudo, cair num

subjetivismo ou idealismo ingênuo”. [...] Para o autor, nesse contexto teórico, “os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo” (Op. cit. 2010, p. 23).

Diante dessas considerações, é relevante a distinção proposta por Marcuschi (2010) entre o que se convencionou chamar de tipo textual, de um lado, e gênero textual, de outro. Para o autor, “essa distinção é fundamental em todo o trabalho com a produção e a compreensão textual” (Op. cit. p. 23).

Vejamos uma breve definição das noções de tipo textual e gênero textual, conforme Marcuschi (2010):

(a)Tipo textual designa uma espécie de “sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Em geral, “os tipos textuais abrangem as categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção”.

(b)Gênero textual designa uma noção propositalmente vaga para referir os “textos materializados que encontramos em nossa vida diária” e que “apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam:

telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, [...], e assim por

diante (MARCUSCHI 2010, p.24 – 25).

Ainda em Marcuschi (2008, p. 159), destacamos algumas características que os gêneros textuais podem apresentar. Desse modo, resumidamente, os gêneros são entidades:

QUADRO 01: Algumas características dos gêneros textuais a) dinâmicos

b) históricos c) sociais d) situados e) comunicativos

f) orientadas para fins específicos

g) ligados a determinadas comunidades discursivas h) ligados a domínios discursivos

i) recorrentes

j) estabilizados em formatos mais ou menos claros.

Coutinho (2004 apud MARCUSCHI 2008, p. 81) fundamenta que

uma das tendências atuais é a de não distinguir de forma rígida entre texto e discurso, pois se trata de frisar mais as relações entre ambos e considerá-los como aspectos complementares da atividade enunciativa.

Desse modo, trata-se de “reiterar a articulação entre o plano discursivo e textual”, considerando o discurso como o “objeto de dizer” e o texto como o “objeto de figura” (Coutinho, 2004 apud MARCUSCHI 2008, p. 81). Assim, “o discurso dar-se-ia no plano do dizer (a enunciação) e o texto no plano da esquematização (a configuração). Entre ambos, o

gênero é aquele que condiciona a atividade enunciativa” (Op. cit. 2004).

Isso implica afirmar, na visão de Culioli (apud MARCUSCHI 2008, p. 82) que “os textos são, na realidade, os objetos empíricos aos quais tem-se acesso direto como o plano dos observáveis”. Enquanto unidades empíricas, os textos seriam, na visão de Coutinho (2004, p. 29 apud MARCUSCHI 2008, P. 82), “produções linguísticas atestadas que realizam uma função comunicativa e se inserem numa prática social”.

Essa visão é um recuo diante da posição de Adam (1990 apud MARCUSCHI 2008, p. 82), para quem o texto era “uma unidade abstrata em que se tinha em mente o fato linguístico ‘puro’ sem suas condições de produção”, segundo a conhecida fórmula proposta pelo autor:

FIGURA 07. O texto como uma unidade abstrata

Discurso = texto + condições de produção

Texto = discurso – condições de produção

Fonte: MARCUSCHI (2008, p. 82)

Marcuschi (2008, p. 82) explica que:

essa forma de ver o texto representa uma redução do objeto e é fruto de um procedimento metodológico e epistemológico de identificar o objeto limitado a seus aspectos centrais imanentes à língua. Nem tudo o que se toma como significação está no âmbito da língua e do sistema (léxico – gramatical). O contexto é algo mais do que um simples entorno e não se pode separar de forma rigorosa o texto de seu contexto discursivo. Contexto é fonte de sentido.

É assim que Adam (1999:39 apud MARCUSCHI 2008, p. 82) “propõe agora uma releitura que inclua o texto no contexto das práticas discursivas sem dissociar sua historicidade e suas condições de produção” (Op. cit. 1999). Para Marcuschi (2008, p. 83), então, “este movimento de mudança de concepção é importante porque permite tratar os gêneros textuais como elementos tipicamente discursivos”.

Isso posto, em contraposição ao seu estudo de Adam (1990), Adam (1999 apud MARCUSCHI 2008, p. 82) declara:

Em outros termos, não diremos jamais que um texto ou um discurso é composto de frases. A própria existência de frases tipográficas – como os parágrafos, os períodos, as sequências e os textos – resulta de escolhas instrucionais plurideterminadas. Nesta perspectiva [...] a linguística textual pode ser definida como um subdomínio do campo mais vasto da análise das práticas discursivas (ênfase adicionada).

Nesse sentido, segundo Adam (1999 apud MARCUSCHI 2008, p. 82) trata-se agora, numa nova concepção em oposição à de 1990, de “uma forma de inclusão do texto num campo mais vasto das práticas discursivas que devem ser pensadas na diversidade dos gêneros que elas autorizam e na sua historicidade” (p. 39).

Para isto, Adam (1999: 39 apud MARCUSCHI 2008, p. 83) oferece o seguinte diagrama representacional da nova concepção em oposição à de 1990:

FIGURA 08. O texto como objeto concreto, material e empírico.

CONTEXTO

DISCURSO condições de produção e

recepção-interpretação TEXTO Fonte: ADAM. 1999:39

Adam (1999 apud MARCUSCHI 2008, p. 83), após definir a noção de texto como “objeto abstrato no campo dos estudos de linguística numa teoria geral e de definir discurso como a realidade singular de interação-enunciação objeto de análises discursivas” e tomando o gênero como “a diversidade socioculturalmente regulada das práticas discursivas humanas” (p. 40), identifica o texto como “objeto concreto, material e empírico resultante de um ato de enunciação” (ADAM apud MARCUSCHI, 2008, p. 83). Com isto, Marcuschi (2008, p. 83)

chega “à articulação do discursivo com o textual e a distinção entre ambos se dilui de modo sensível”.

Justifica Marcuschi (2008, p. 83) que “a ideia da visão complementar é importante e tem como consequência o fato de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua no seu aspecto genérico”. Nesse sentido, Adam (1999: 40 apud MARCUSCHI 2008, p. 83) considera que “a separação do textual e do discursivo é essencialmente metodológica”. Assim, de certo modo, para o autor, “a distinção tende a anular-se e a tornar menos significativa” (Op. cit. 1999).

Adam (1999: 41 apud MARCUSCHI 2008, p. 83) observa que “até os anos 1980, a LT tratava o texto em suas propriedades cotextuais e a partir dos anos 1980 já define o texto como um evento comunicativo”, tal como o fazem Beaugrande & Dressler (1981 apud MARCUSCHI 2008, p. 83), “deslocando o foco para a questão da pragmática, com a análise da intencionalidade e, particularmente, da situacionalidade”. Nesse sentido, conforme os autores “vai-se do cotexto ao contexto”.

Adam (1999: 41 apud MARCUSCHI 2008, p. 83 – 84), então, considera que “dar conta do textual (o particular) e do discursivo (o universal) não pode ser feito num mesmo movimento teórico”. Para o autor, “a proposta ‘neutralização terminológica’ da separação entre duas dimensões complementares (discurso e texto) torna-se complicada” (ADAM, 1999:41 apud MARCUSCHI 2008, p. 84). Deste modo, para Coutinho (2004 apud MARCUSCHI 2008, p. 84), parece que “a melhor articulação para tratar dos textos empíricos seria entre texto, discurso e gênero como categorias descritivas”. Coutinho (2004 apud MARCUSCHI 2008, p. 84) propõe o seguinte esquema para dar conta do texto como objeto empírico:

FIGURA 09. Texto, discurso e gênero como categorias descritivas (objeto da figura)

Discurso Gênero Texto

(objeto do dizer)

TEXTO (objeto empírico)

Partindo do esquema representado na figura 09, entendemos que “o discurso como ‘objeto do dizer’ é visto como prática linguística codificada, associada a uma prática social (socioinstitucional) historicamente situada” (Coutinho, 2004: 32 apud MARCUSCHI, 2008, p. 84). Para a autora, “é uma enunciação em que entram os participantes e a situação sócio- histórica de enunciação”. Além disso, “entram aspectos pragmáticos, tipológicos, processos de esquematização e elementos relativos ao gênero”, confere a autora. O que perpassa todas as posições teóricas em relação ao discurso “é o fato de se tratar de ‘uso interativo da língua’” (Coutinho, 2004: 33 apud MARCUSCHI 2008, p. 84). Isso significa, nos dizeres de Marcuschi (2008, p. 84) que “uso da língua no plano discursivo não é ‘um real objetivo e estável’ captado simplesmente no plano da codificação-decodificação”.

Nesse sentido, a ideia do texto como ‘objeto de figura’ sugere que

[...] se trata de uma configuração, ou seja, de uma esquematização que conduz a uma figura ou uma figuração. Não se trata de uma ordenação de enunciados em sequência e sim de uma configuração global que pode ter até mesmo um só enunciado ou mesmo um romance inteiro (COUTINHO, 2004: 33- 35 apud MARCUSCHI 2008, p. 84).

Isso posto, justifica Marcuschi (2008, p. 84) que “o texto é o observável, o fenômeno linguístico empírico que apresenta todos os elementos configuracionais que dão acesso aos demais aspectos da análise”.

É importante salientar ainda, nos dizeres de Coutinho (2004: 35-37 apud Marcuschi 2008, p. 84), que:

entre o discurso e o texto está o gênero, visto como prática social e prática textual-discursiva que opera como a ponte entre o discurso como uma atividade mais universal e o texto enquanto a peça empírica particularizada e configurada numa determinada composição observável. Gêneros são modelos correspondentes a formas sociais reconhecíveis nas situações de comunicação em que ocorrem. Sua estabilidade é relativa ao momento histórico-social em que surge e circula (COUTINHO 2004: 35 – 37 apud MARCUSCHI, 2008, p. 84).

O gênero, então, de acordo com Marcuschi (2008, p. 85) apresenta dois aspectos importantes:

(a) gestão enunciativa (escolha dos planos de enunciação, modos discursivos e tipos textuais);

(b) composicionalidade (identificação de unidades ou subunidades textuais que dizem respeito à sequenciação e ao encadeamento e linearização textual).

Assim, ainda para Coutinho (2004:37 apud MARCUSCHI 2008, p. 85), “o gênero prefigura o texto e o gênero define o que no texto empírico faz a figura do texto”. A figura a seguir dá uma ideia disso:

FIGURA 10. O gênero como prefiguração do texto

Fonte: COUTINHO (2004, p.37 apud MARCUSCHI, 2008, p. 85)

Conforme Marcuschi (2008, p. 85), “a esquematização implica um trabalho de

construção de objetos, tal como se percebe quando se analisa o texto com suas

configurações”. De acordo com o autor, “essa esquematização, não é arbitrária, mas segue pré-configurações culturais com funções e objetivos bem definidos, de certo modo, pré- figurados pelo gênero que oferece uma organização composicional [...]” (MARCUSCHI, 2008, p. 85). Assim, o “gênero é uma escolha que leva consigo uma série de consequências formais e funcionais” (Op. cit. 2008, p. 85).

Ainda segundo Marcuschi (2008, p. 85), a figura 10 apresenta “um gênero como uma espécie de condicionador de atividades discursivas esquematizantes que resultam em escolhas dentro de uma prática que levaria a pensar-se em esquematizações resultantes”. Assim, “muitas decisões de textualização (configuração textual com suas estruturas, ordenamento paragráfico etc.) devem-se à escolha do gênero” (MARCUSCHI, 2008, p. 85). Deste modo,

“o gênero inscreve também formas textuais que se manifestam no artefato linguístico” (Op. cit. 2008, p. 85).

A Figura 11, a seguir, representa uma ideia a esse respeito:

FIGURA 11. O gênero - formas textuais que se manifestam no artefato linguístico

Fonte: COUTINHO (2004, p.38 apud MARCUSCHI, 2008, p.86)

Cavalcante (2016, p. 43 – 44), ao discutir a respeito da estabilidade que caracteriza os gêneros discursivos, destaca que, “em qualquer sociedade, há uma variedade considerável de motivos que fazem os indivíduos interagirem uns com os outros para, por exemplo, informar, persuadir, reclamar, gerar uma ação, solicitar, contar uma história, anunciar, ensinar etc”.

Antes de prosseguirmos com a discussão, é relevante destacarmos que, no presente trabalho, amparamo-nos na nomenclatura gêneros discursivos, embora utilizemos também a terminologia gêneros textuais. Essa flutuação terminológica ocorre em virtude de usarmos autores que empregam terminologias diferentes.

Assim, para atingir esses variados objetivos, nos dizeres de Cavalcante (2016, p. 44), “as pessoas se utilizam de múltiplas possibilidades de interação linguística, em formas específicas e mais ou menos estruturadas, as quais são convencionadas sócio-historicamente para que as comunicações se realizem de modo satisfatório”. Ao contrário, nas palavras da autora, “não teríamos condições de criar formas de interação absolutamente inéditas e nem seríamos compreendidos, caso isso ocorresse” (Op. cit. 2016, p. 44).

Isso posto, Cavalcante (2016, p. 44) argumenta: “é nessa perspectiva que se inserem os gêneros discursivos, ou seja, toda interação se dá por algum gênero discursivo que se realiza por algum texto”. Nesse sentido, a autora traz a definição de que “os gêneros discursivos são padrões sociocomunicativos que se manifestam por meio de textos de acordo com necessidades enunciativas específicas” (CAVALCANTE, 2016, p. 44). Deste modo, conclui

que “trata-se de artefatos constituídos sociocognitivamente para atender aos objetivos de situações sociais diversas”. Por esse motivo, “eles apresentam relativa estabilidade, mas seu acabamento foi (e continua sendo) constituído historicamente”. (Op. cit. 2016, p. 44).

Para cada um dos objetivos de comunicação, ou melhor, para cada propósito comunicativo, explica Cavalcante (2016, p. 44 – 45), “o indivíduo possui algumas alternativas de comunicação, com um padrão textual e discursivo socialmente reconhecido, isto é, um gênero do discurso [grifos do autor] que é adequado ao propósito em questão”.

Partindo de tais considerações, Cavalcante (2016, p. 45) pensa, por exemplo, em um profissional que lide constantemente com a produção de textos escritos, como uma secretária. Para ela, “a secretária deve saber de que gênero do discurso se utilizar, de acordo com os objetivos que lhe são colocados e com a área em que atua”. A autora exemplifica a situação da seguinte forma:

[...] se precisar pedir algo a um órgão, público ou privado, a secretária deverá saber qual o gênero mais adequado para essa finalidade, como o ofício. Assim, se precisar comunicar algo a outro setor da empresa na qual trabalha, poderá optar por um ofício circular; se precisar dar satisfação ao chefe sobre as atividades realizadas em um determinado período de tempo, poderá produzir um relatório; já se precisar resumir os pontos-chaves de uma reunião importante, poderá redigir uma ata, afinal, são esses gêneros os já convencionados para tais fins (Op. cit. 2016, p. 45).

Cavalcante (2016) argumenta que, a mesma secretária, interagindo em outra área, a acadêmica, por exemplo, no papel de uma estudante de pós-graduação, “constatará que esse novo lugar lhe possibilitará a produção de outros gêneros, diferentes dos produzidos em seu ambiente de trabalho, ainda que os propósitos possam se assemelhar” (CAVALCANTE, p. 45). Dentro desse contexto, a autora ilustra a situação, a seguir:

[...] para pedir uma declaração ou um histórico, por exemplo, ela deverá fazê-lo por meio de um requerimento, não de um ofício, uma vez que o ofício só é expedido de uma instituição para outra, ou de um setor da instituição para outro. Um indivíduo, na condição de aluno, não pode, então, emitir um ofício, mas a coordenação do curso a que ele pertence pode (Op. cit. 2016, p. 45).

Nesse cenário, Cavalcante (2016, p. 46) aponta ainda que “haverá também gêneros cuja estrutura e propósito são exclusivos do domínio acadêmico, tais como os resumos, as resenhas, os artigos científicos, os seminários, as comunicações em eventos etc”. Desse modo, considera que, “para cada situação em que essa secretária precisar interagir, ela

inevitavelmente produzirá textos que pertencem a determinados gêneros do discurso” (Op. cit. 2016, p. 46).

Assim, Cavalcante (2016, p. 46) confirma a informação de que “o propósito comunicativo é muito importante para a configuração de um gênero, mas há outros fatores que vão determinar a sua escolha e constituição”. Assim, a autora confirma:

[...] os gêneros se diversificam de acordo com a situação imediata de comunicação, os elementos socioculturais historicamente constituídos, bem como as necessidades específicas solicitadas por certas condições associadas à modalidade (oralidade ou escrita), ao grau de formalismo, à possibilidade de participação simultânea dos interlocutores, entre outros aspectos (Op. cit. 2016, p. 46).

Bakhtin (2003 apud Cavalcante, 2016, p. 46) certifica que “os gêneros discursivos surgem para atender a uma determinada função: técnica, cotidiana, científica”. Justifica o autor que “os gêneros são criados, firmados e compartilhados entre os membros de uma esfera de comunicação humana – administrativa ou acadêmica, mas também jurídica, jornalística, publicitária etc” (Op. cit. 2016, p. 47).

Assim sendo, Cavalcante (2016, p. 49) especifica que “os gêneros discursivos são, simultaneamente, formas estabilizadas (ou seja, regulares, passíveis de estruturação) e instáveis (ou seja, passíveis de sofrerem mudanças)”. A autora explica que “os gêneros são estáveis porque resultam de atividades sociais que são reiteradas ao longo do tempo” (CAVALCANTE, 2016, p. 49). Assim, a repetição de determinados propósitos comunicativos, segundo a autora, “gera formas de comunicação que terminam por se consagrar, mas que, a depender das práticas sociais e das convenções impostas pelo meio em que circulam, podem sofrer variações, ou menos” (CAVALCANTE, 2016, p. 49). Frisa ainda que “há gêneros discursivos da mídia eletrônica, como os e-mails pessoais, por exemplo, que podem apresentar conteúdos dos mais diversos, mas que preservam a estrutura fixada pelo gênero no meio digital” (Op. cit. 2016, p. 49).

Por outro lado, “os gêneros são instáveis também no sentido de que passam por modificações, no decorrer do tempo e diante de situações que possibilitam alterações em alguma de suas características [...] para atingirem suas finalidades”, confere a autora (Op. cit. 2016, p. 50 - 51). Para ela, isso acontece sempre que “novas necessidades podem demandar adaptações, em algum aspecto temporariamente estabilizado de algum gênero discursivo” (CAVALCANTE, 2016, p. 51).

Logo, “os gêneros discursivos podem sofrer transformações, em virtude das mudanças nos propósitos comunicativos e/ou no contexto sociocultural” (CAVALCANTE, 2016, p. 51).

De acordo com Cavalcante (2016, p. 51), “outro aspecto interessante com relação aos gêneros discursivos diz respeito ao modo como são aprendidos e utilizados”. Então, para a autora, “considerando que os usuários dos gêneros assumem papéis e responsabilidades que variam conforme o meio social no qual um gênero específico é produzido”, tem-se que:

[...] enquanto os gêneros cotidianos são aprendidos espontaneamente, como as saudações, outros gêneros, como os acadêmicos, exigem um processo de aprendizagem mais formal, que envolve não só a produção dos gêneros em seu aspecto textual estrito, mas também a consideração de suas funções discursivas (Op. cit. 2016, p. 51).

Afora isso, conclui Cavalcante (2016, p. 51) que, “há gêneros que só podem ser produzidos por pessoas especializadas, que têm autoridade para tal, pois, do contrário, o texto produzido poderá não ter validade, fato comum na esfera jurídica”.

Diante dessas considerações, discorreremos um pouco sobre a prática pedagógica ancorada nos estudos sobre gêneros textuais que, nos dizeres de Schnewly e Dolz (1996 apud Gomes 2013, p. 08), somente uma proposta de ensino-aprendizagem organizada a partir da teoria de gêneros textuais “permite ao docente a observação e a avaliação das capacidades de linguagem dos alunos, antes e durante sua realização, fornecendo-lhe orientações mais precisas para sua intervenção didática”. Para os alunos, “o trabalho com gêneros constitui uma forma de se confrontar com situações sociais efetivas de produção e leitura de textos e uma maneira de dominá-las progressivamente”, conclui Schnewly e Dolz (1996 apud GOMES 2013, p. 08).

Em consonância com tal pensamento, Antunes (2003 apud GOMES, 2013, p. 08) afirma que, em um contexto pedagógico pautado nos aportes da teoria de gêneros textuais, “vai ter muita gente escrevendo bem melhor, com mais clareza e precisão, dizendo as coisas com sentido e do jeito que a situação social pede que se diga” (ANTUNES, 2003, p. 66 apud GOMES, 2013, p.08).

Com esse tipo de abordagem, ressalta Silva (2005 apud GOMES 2013, p. 08) que “o trabalho com a leitura e com a produção de texto ficaria menos ‘pedagógico’ e mais próximo